Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:690/19.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REJEIÇÃO LIMINAR
PEDIDO IMPLÍCITO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I. O processo de impugnação judicial e o processo de oposição à execução fiscal têm campos de aplicação distintos, sendo que no processo de impugnação judicial se discute a legalidade dos atos indicados no artigo 97.º do CPPT, enquanto no processo de oposição à execução fiscal se discute a exigibilidade da dívida.
II. Deve flexibilizar-se a interpretação do pedido final da petição, de modo a apreender-se a verdadeira pretensão jurídica e conferir a maior tutela à parte.
III. Se ao ponderarmos o pedido implícito conseguimos percecionar que a Oponente convoca a inexistência do facto tributário, pretendendo que daí sejam retiradas todas as legais e devidas consequências, daí se inferindo a anulação das contribuições liquidadas na sequência da ação inspetiva, tem de concluir-se pela impropriedade do meio processual, competindo ao Tribunal, enquanto poder/dever, ponderar a possibilidade da convolação para a forma processual adequada a esse pedido.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

T….., LDA, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto despacho de indeferimento liminar proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, através do qual rejeitou liminarmente a p.i. de oposição deduzida na sequência da citação no âmbito do processo de execução fiscal nº …..230 e apensos instaurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP-CENTRO DISTRITAL DE BEJA, visando a cobrança coerciva de contribuições e cotizações respeitantes aos períodos de 01/2015 a 03/2018, no valor total de €7.114,39.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso concluindo da seguinte forma:

“a) Os fundamentos em que assentam a douta sentença recorrida estão eivados de incorrecções e imprecisões;

b) O mandatário enviou via SITAF petição inicial corrigida;

c) Não se compreende, deste modo, os fundamentos invocados para que liminarmente a acção fosse rejeitada;

d) A não discussão em sede de processo judicial da questão subjacente ao processo é altamente lesiva dos interesses sérios da aqui recorrente;

e) Deverá existir sobreposição da materialidade sobre o mero formalismo;

f) Porquanto, não deveria ter sido efectuada qualquer nova liquidação de contribuições e juros à empresa aqui Recorrente;

g) Não são devidas quaisquer importâncias a título de impostos, taxas ou contribuições;

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá deverá o presente Recurso ser considerado procedente por provado devendo, consequentemente, os autos baixarem à 1ª instância, serem recebidos e serem apreciadas as matérias melhor elencadas nos autos, com as legais consequências, pois apenas desse modo se fará JUSTIÇA.”


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A Recorrida apresentou contra-alegações tendo concluído como infra se reproduz:

“A. Vista a matéria documental espelhada nos autos de execução, o exequente acompanha na íntegra a sentença proferida pelo Tribunal a quo.

B. As pretensões da Recorrente consubstanciam-se na arguição da falta de exigibilidade da dívida exequenda e acrescidos.

C. A divida exequenda e respectivos acrescidos resultam de liquidação das contribuições proferida na sequência de ação inspetiva .

D. A decisão de apuramento das contribuições devidas e constantes dos títulos executivos da presente execução encontra-se devidamente fundamentado no relatório final do serviço de fiscalização

E. A dívida exequenda é exigível.”


***

O Digno Magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

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Com dispensa de vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:

1. Em cumprimento do Despacho nº 3/2018, foi dado início a uma ação inspetiva realizada, contra a sociedade “T….., Lda”, no âmbito do processo de averiguações (PROAVE) o qual correu termos sob o nº …..023 junto do Departamento de Fiscalização - Setor de Beja, do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes da UFA do Alentejo (cfr. PA instrutor apenso aos presentes autos);


2. No âmbito do processo de averiguações referido na alínea antecedente, foi emitido Relatório Final pelo Departamento de Fiscalização - Setor de Beja, do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes da UFA do Alentejo, o qual foi expedido mediante carta registada com aviso de receção endereçada para a sociedade “T….., Lda” e recebida a 02 de outubro de 2018, do qual resultou o apuramento de correções realizadas por existência de omissões contributivas por alegadas remunerações não declaradas referentes aos períodos de 01/2015 a 03/2018, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:


“(…)










(cfr. PA instrutor apenso aos presentes autos);


3. Em resultado do Relatório Inspetivo descrito no número anterior, foi expedido, mediante carta registada com aviso de receção, ofício pelo ISS, IP-Centro Distrital de Beja, subordinado ao assunto “Notificação para pagamento voluntário: Registo de Declarações EE: T….., LDA” endereçado para a sociedade “t….., Lda” e recebido a 02 de novembro de 2018, com o seguinte teor:











(cfr. PA instrutor apenso aos presentes autos);


4. Na sequência da emissão da decisão de liquidação de contribuições e respetivos juros referida na alínea antecedente, foi instaurado no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, o processo de execução fiscal n.º …..230 e apensos, constando como executada a sociedade “T….., Lda” visando a cobrança coerciva de contribuições e cotizações respeitantes aos períodos de 01/2015 a 03/2018, no valor total de €7.531,34 (cfr. PA instrutor apenso aos presentes autos);


5. Foi expedido aviso de citação endereçado à sociedade “T….., Lda”, tendente à citação da mesma no âmbito do processo de execução fiscal nº …..230 e apensos, melhor descrito no ponto anterior, o qual foi recebido a 09 de janeiro de 2019 (cfr. PA instrutor apenso aos presentes autos);


6. A 16 de janeiro de 2019, e na sequência da citação descrita no número anterior a Recorrente deduziu oposição junto do Instituto da Segurança Social de Beja com o seguinte pedido:


“Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa doutamente suprirá deverá a presente Oposição judicial ser considerada procedente por provada com os fundamentos previstos na alínea a) e i) do número 1 do artigo 204 do CPPT, sendo reconhecido que as despesas em questão sejam consideradas despesas decorrentes da actividade e relacionamento normal da Oponente com os seus clientes e potenciais clientes, com as legais consequências” (cfr. fls. não numeradas dos autos);


7. A 04 de abril de2019, foi prolatado despacho de aperfeiçoamento pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, com o seguinte teor:


“Nos termos do art.º 552.º n.º 1 e) do CPC ex vi art.º 2.º e) do CPPT, na petição inicial o Autor deve, além do mais, formular o seu pedido, concretizando o efeito jurídico que pretende alcançar com a procedência da acção, o que tem uma relevância determinante a vários níveis, designadamente, ao nível do objecto do processo, do alcance da decisão do tribunal, e até mesmo ao nível da aferição da idoneidade do meio processual utilizado.


Assim, e sob pena de rejeição liminar da presente acção, notifique o Autor para, em 10 dias, aperfeiçoar a sua petição inicial, na parte respeitante ao pedido, esclarecendo qual o efeito que pretende obter com a sua procedência.”


8. A 04 de abril de 2019, foi expedido ofício pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, endereçado ao Ilustre Mandatário da Recorrente visando a notificação do despacho constante no número antecedente (facto que se extrai do processo físico dos autos e corroborado mediante consulta na plataforma SITAF);


9. Na sequência da notificação do despacho referido em 7, a Recorrente não apresentou petição inicial aperfeiçoada quanto ao pedido visado (facto que se extrai do processo físico dos autos e corroborado mediante consulta na plataforma SITAF);



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A convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, fundou-se no teor dos documentos, na posição das partes e no processo de execução fiscal apenso, conforme referido em cada um dos números do probatório.

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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a rejeição liminar proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a qual se fundou na circunstância das causas de pedir aduzidas para suportar o pedido formulado não serem enquadráveis no artigo 204.º do CPPT, devendo a pretensão da Oponente ser objeto de discussão em sede de impugnação judicial, porém o pedido não contempla nenhum efeito jurídico próprio nem de impugnação judicial, nem de oposição à execução fiscal, nem se descortinando qual o efeito jurídico ou a concreta providência compatíveis com tais meios processuais e passíveis de, eventual, convolação.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se a decisão de rejeição liminar prolatada pelo Tribunal a quo, deve manter-se na ordem jurídica analisando, para o efeito, o pedido e as concretas causas de pedir e, consequentemente, se a pretensão da Recorrente é insuscetível de apreciação neste meio processual ou em qualquer outro que se repute legalmente aplicável para o efeito.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que os fundamentos em que assentam a decisão recorrida estão eivados de incorreções e imprecisões, desde logo, porque foi apresentada a petição inicial devidamente aperfeiçoada.

Mais sustenta que não se compreende quais os fundamentos que gizaram a rejeição liminar da petição inicial, sendo certo que a manutenção de tal rejeição determina, por um lado, a sobreposição da materialidade sobre o mero formalismo, e por outro lado, porque não deveria ter sido efetuada qualquer nova liquidação de contribuições e juros à Recorrente atenta a inexistência de qualquer dívida a título de impostos, taxas ou contribuintes.

Aduz, outrossim, que a manutenção da rejeição e a insusceptibilidade de discussão contenciosa da dívida é altamente lesiva dos interesses da Recorrente.

Razão pela qual, propugna que os autos baixem à 1ª instância, de forma a serem recebidos e serem apreciadas as matérias melhor elencadas nos autos, com as legais consequências.

Dissente a Recorrida contra-alegando que a decisão visada não merece qualquer censura visto que a dívida exequenda e respetivos acrescidos resultam de liquidação das contribuições proferida na sequência de ação inspetiva, a qual se encontra devidamente fundamentada no relatório final do serviço de fiscalização, sendo, por isso, a dívida exequenda exigível.


Apreciando.

Comecemos por atentar na fundamentação jurídica em que se suportou a rejeição liminar da petição em apreço.

O Tribunal a quo começa por evidenciar que a oposição à execução fiscal, visa a extinção de um determinado processo de execução fiscal ou, em determinadas situações a suspensão desse processo, sustentando que ressalvadas as situações previstas na alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, a oposição à execução fiscal não pode ser utilizada para discutir a legalidade concreta da dívida tributária.

Concretiza, no caso vertente, que “[n]ão obstante começar por invocar genericamente o art.º 204.º do CPPT, a petição inicial é constituída por um conjunto de artigos nos quais o Autor faz um conjunto de apreciações sobre uma “nova liquidação de contribuições e juros”, que, contudo não identifica. Contudo, não alega quaisquer factos concretos que possam constituir fundamento válido de oposição á execução fiscal.”

Densifica, neste particular, que “[n]o final, pede a procedência da oposição à execução fiscal com base na alínea a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT ( Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação”), e com base na alínea i) do mesmo art.º 204 do CPPT (“Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.”), e que seja “reconhecido que as despesas em questão sejam consideradas decorrentes da actividade e relacionamento normal da Oponente com os seus clientes e potenciais clientes, com as legais consequências.”

Concluindo, assim, que “[a] Oponente alega factos que poderão constituir fundamentos próprios de impugnação judicial, e não de oposição à execução fiscal, mas não pede nenhum efeito jurídico próprio de oposição à execução fiscal, nem de impugnação judicial, como seja a extinção do processo de execução fiscal ou mesmo a anulação da liquidação ou liquidações que deram origem àquele processo de execução fiscal.”

Sublinhando, para o efeito, que “[n]ão se descortina, por isso, qual o efeito ou qual a concreta providência pretendidos pela Autora, compatíveis com a oposição à execução fiscal ou com a impugnação judicial, uma vez que o mero reconhecimento de que determinadas despesas são decorrentes da sua actividade não se adequa a nenhuma dessas formas de processo, não se vislumbrando sequer qual o interesse em agir da Autora em obter do tribunal, apenas, esse reconhecimento.”

Reforça, in fine, a sua esteira de entendimento com a circunstância de ter proferido despacho de aperfeiçoamento com vista a concretizar o pedido formulado, o qual não foi cumprido, rejeitando, assim, a petição inicial.


Vejamos, então.


A oposição à execução fiscal funciona como contestação à pretensão do exequente e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução, devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adotam as providências executivas, tendo por efeito paralisar a eficácia do ato tributário corporizado no processo executivo. (1)


Compulsado o teor da p.i., verifica-se que, efetivamente, as causas de pedir se coadunam com a legalidade das dívidas exequendas e não com a sua exigibilidade, não podendo, por isso e como evidenciou o Tribunal a quo, a realidade fática ser subsumida em qualquer alínea contemplada no elenco taxativo do artigo 204.º do CPPT.


Concretizando, com o devido rigor.


Atentando na petição inicial, verifica-se que a Recorrente começa por evidenciar que não deveria ter sido efetuada qualquer nova liquidação de contribuições e juros à empresa, assumindo que terá existido um lapso no ano de 2017, onde foi considerado subsídio de alimentação dos trabalhadores quando os mesmos na sua generalidade se encontravam em gozo de férias, razão pela qual evidencia que dos “elementos constantes do projecto de relatório do valor de €2.225,66 (dois mil duzentos e vinte e cinco euros e sessenta e seis cêntimos) não são exigíveis para apenas, e tão-só, o montante de €138,22 (centos e trinta e oito euros e vinte e dois cêntimos).”


Acrescenta, outrossim, que os montantes considerados como despesas dos colaboradores “na totalidade efectivamente o não são”, ademais, sublinha, que “existem, nessa rubrica inúmeras despesas que têm que ver com convidados e com as próprias relações da empresa no seu universo institucional com a sua relação com os seus clientes, potenciais clientes, como aliás a empresa já tinha referenciado aquando do direito de audição”.


Convoca igual argumentação para o ano de 2018, no qual particulariza que “deveria ser considerado efetivamente, ao contrário do vertido em sede de projecto de relatório, a importância de €574,47 (quinhentos e setenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos).”


Peticionando, assim, que as verbas inscritas como refeições dos colaboradores sejam consideradas como despesas decorrentes do relacionamento da própria empresa com os seus clientes e potenciais futuros clientes.


Ora, atentando nas aludidas alegações e tendo presente o probatório, ora, fixado verifica-se, desde logo, que as mesmas radicam nas correções resultantes da ação inspetiva, no âmbito da qual a Entidade Fiscalizadora considerou que foi “detetada a irregularidade “INDICAÇÃO NA FOLHA DE REMUNERAÇÕES DE VALORES DIFERENTES DOS LEGALMENTE CONSIDERADOS COMO BASE DE INCIDÊNCIA” resultante da prestação-Subsídio de refeição ter sido paga em simultâneo com o pagamento de despesas de alimentação, nos períodos em que estavam ao serviço da sua entidade patronal, mediante a apresentação de faturas emitidas em nome da entidade patronal, não tendo a referida prestação de subsídio de refeição integrado a base de incidência contributiva.”


Com efeito, atentando no Relatório Inspetivo resulta que a entidade fiscalizadora entendeu que os subsídios de refeição recebidos no período 2015/01 a 2018/03 assumem caráter retributivo, regular, donde, passível de incidência contributiva, nos termos da alínea a), do nº2 do artigo 46.º da Lei nº110 /2009, de 16 de setembro.


Pelo que, perscrutando as aludidas alegações da Recorrente verifica-se que as mesmas estão integralmente concatenadas com a ilegalidade das liquidações pretendendo a mesma afastar a incidência objetiva mediante a requalificação dos valores titulados como subsídios de refeição afastando, assim, o caráter retributivo.


É certo que se reconhece que a petição inicial não prima pela clareza, nem tão-pouco, pela concretização, de forma linear e esclarecida, como se impõe, da concreta identificação do ato impugnado e da alteração da natureza do rendimento, porém, se se realizar uma interpretação conjugada da p.i. com o teor das correções materializadas no Relatório Inspetivo e bem assim para a audição prévia para a qual a Recorrente expressamente remete, aquiesce-se que “o novo ato liquidação” a que a mesma faz alusão coaduna-se com as contribuições/cotizações objeto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº …..230 e apensos.


É certo que a citação não determinou a emissão de um novo ato de liquidação, mas tão-só a cobrança coerciva de liquidações que não foram objeto de pagamento voluntário, porém tal não implica que não se consiga discernir, sem embargo da incorreção jurídica, que o ato de liquidação a que a Recorrente se reporta se coaduna com as aludidas contribuições/cotizações.


Assentindo-se, igualmente, que a mesma argumenta, independentemente da da bondade e procedência da sua pretensão, que inexistem contribuições em falta, por os montantes auferidos consubstanciarem despesas decorrentes do relacionamento da própria empresa com os seus clientes e potenciais clientes, donde, sem base de incidência.


Pretende, assim, a Recorrente demonstrar que não incorreu em omissão declarativa por não ter declarado como base de incidência para a Segurança Social as verbas pagas a título de “subsídio de refeição”.


Assim, face ao supra aludido anui-se com o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo quando aduz que os fundamentos não se subsumem no artigo 204.º do CPPT, desde logo, porque na alínea a), convocada pela Recorrente na sua p.i., tal ilegalidade em abstrato, conforme é jurisprudência unanime (2) “[n]ão reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação”. Noutra formulação, a alínea a), reporta-se exclusivamente à ilegalidade do próprio tributo e já não à ilegalidade do ato de tributação, como, in casu (3).


Por outro lado, nenhuma das aludidas alegações pode, igualmente, reconduzir-se à alínea i) uma vez que, por um lado, não se trata de questão a provar apenas documentalmente, tendo a Recorrente, desde logo, arrolado testemunhas, e por outro lado, porque envolve, como visto, a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda.


Se é certo que, como vimos, entendemos que a decisão recorrida ajuizou, acertadamente, que os fundamentos invocados não são subsumíveis no citado artigo 204.º do CPPT, já não computamos de igual acerto quando evidencia que a petição inicial não contempla no pedido final qual o efeito jurídico que pretende com a mesma, não se descortinando se pretende a extinção da execução fiscal ou a anulação da liquidação.


Não se afigura, por conseguinte, que o Tribunal a quo tenha interpretado da melhor forma a petição, não se podendo afirmar, de forma tão perentória e que demande uma rejeição liminar, que não se patenteia qual a concreta providência pretendida pela Autora, e menos ainda que não se vislumbre qual o interesse em agir.


É certo que não se descura que o Tribunal a quo teve uma atuação colaborante tendo prolatado despacho de aperfeiçoamento (4), mas a verdade é que se entende que o pedido visado e constante na p.i. não inviabilizava, tout court, a perceção do efeito jurídico, não acarretando, per se, a rejeição liminar, desde logo, porque como é consabido a Jurisprudência tem adotado uma postura de grande flexibilidade na interpretação do pedido.


Mas concretizemos, porque assim o entendemos.


Atentando na petição inicial, verifica-se que o pedido é o seguinte:

“Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa doutamente suprirá deverá a presente Oposição judicial ser considerada procedente por provada com os fundamentos previstos na alínea a) e i) do número 1 do artigo 204 do CPPT, sendo reconhecido que as despesas em questão sejam consideradas despesas decorrentes da actividade e relacionamento normal da Oponente com os seus clientes e potenciais clientes, com as legais consequências”

De facto, atentando no seu teor e realizando uma interpretação meramente literal retira-se que o seu pedido explícito está coadunado com a procedência da oposição, porém, se ponderarmos o seu pedido implícito dimana que a Recorrente, convoca a inexistência do facto tributário face à qualificação das verbas auferidas enquanto subsídios de refeição, pretendendo que daí sejam retiradas todas as legais e devidas consequências, daí se inferindo a anulação das contribuições liquidadas na sequência da ação inspetiva.


Note-se que, conforme evidenciámos anteriormente, a Jurisprudência vem entendendo que deve flexibilizar-se a interpretação do pedido final da petição, de modo a apreender-se a verdadeira pretensão jurídica e conferir a maior tutela à parte.


De convocar, neste particular, o Aresto do STA, proferido no processo nº 01508/14, de 16 de dezembro de 2015:


“II-Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.

III - Tendo presentes esses princípios e as concretas causas de pedir invocada, o pedido de extinção da execução formulado a final pelo oponente enquanto consequência da anulação total do acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda pode ser interpretado como tendo implícito o pedido de anulação desse acto.”

No mesmo sentido se doutrina no Acórdão do STA, proferido no processo nº 01133/14, de 21 de junho de 2017, no qual se evidencia, neste e para este efeito que, se deve entender que “[o] pedido formulado na petição inicial de forma lata, (pedido de que, se determine a extinção da presente execução) como dirigindo-se à anulação da liquidação do tributo em causa.”


Acresce que, “[o] indeferimento liminar só deve ser proferido quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo, o que significa que o despacho de indeferimento liminar, que encontra a sua justificação em motivos de economia processual, só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, (…) quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial, o que quer dizer também que tem de ser cautelosamente decretado e apenas quando for manifesto em face da petição inicial a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo (5).”.


Aqui chegados, resulta, assim, que nos encontramos perante uma petição inicial cujo pedido se adequa ao processo de impugnação judicial, o mesmo sucedendo com a causa de pedir, pelo que contrariamente ao decidido é possível discernir o pedido, donde concluir-se pela impropriedade do meio processual, cuja apreciação da convolação se impõe enquanto poder/dever do julgador.


Dito de outro modo, dir-se-á que nos encontramos perante uma petição inicial cujo pedido é suscetível de ser enquadrado no processo de impugnação judicial, visando a anulação das contribuições para a Segurança Social, o mesmo sucedendo, como visto, com as respetivas causas de pedir, razão pela qual deve reconhecer-se a existência de erro na forma do processo, competindo ao Tribunal ad quem, -entenda-se enquanto poder/dever- ponderar a possibilidade da convolação para a forma processual adequada a esse pedido (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT), in casu, processo de impugnação judicial, e se a tal nada mais obstar, deverá a petição inicial ser convolada nesse meio processual.


“Ocorrendo erro na forma do processo, constitui um poder/dever vinculado do juiz a convolação do processo na forma processual adequada (artigos 98.º n.º 4 do CPPT e 97.º nº 3 da LGT), que somente pode ser afastado quando a convolação se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado (6).”


Sendo certo que, “No processo judicial tributário o tribunal deve conhecer oficiosamente da nulidade derivada do erro na forma de processo, operando a convolação para a forma de processo legalmente adequada (cfr. os arts. 193º e 196º do Novo CPC; o art. 97º nº 3 da LGT e o art. 98º nº 4 do CPPT) quando a respectiva petição for tempestiva com referência à forma de processo para a qual se ordena a convolação. (7)”


Face ao supra aludido, subsiste apenas por determinar se à aludida convolação obsta a extemporaneidade do meio julgado adequado, referindo-se, desde já, que a resposta é negativa.


Senão vejamos.


No caso vertente, resulta do probatório que na sequência da emissão do Relatório definitivo foi emitida notificação para pagamento voluntário, a qual consubstancia, assim, o ato tributário de liquidação e confere, desde logo, a possibilidade de discussão contenciosa do mesmo (8). Aliás, em sentido consonante com os meios de defesa constantes no próprio ofício de notificação.


Assim, tendo o aludido ato tributário de liquidação sido notificado em 02 de novembro de 2018, e contemplando o mesmo o prazo de 30 dias para proceder ao seu pagamento voluntário, tal significa que o termo do prazo ocorreu a 02 de dezembro de 2018, logo, o dies a quo do prazo de três meses para deduzir impugnação judicial contemplado no artigo 102.º, nº1, alínea a), do CPPT, ocorreu a 03 de dezembro de 2018, donde, o prazo para interposição de impugnação judicial expirava em 03 de março de 2019.


Ora, tendo a presente petição inicial sido apresentada em 16 de janeiro de 2019, a tal não obsta, outrossim, a aludida tempestividade.


E por assim ser, atento o pedido formulado na petição e inexistindo inidoneidade da petição inicial, não sendo manifesta a improcedência da pretensão e sendo tempestiva a petição em função do meio processual adequado, impõe-se ao Tribunal ad quem ordenar a convolação para o processo de impugnação judicial, sendo, aliás, uma decorrência do princípio da adequação formal e do pro actione os quais devem pautar e nortear a atuação dos julgadores, visando-se, dessa forma, a obtenção de uma solução global e justa do litígio.






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IV. DISPOSITIVO


Face ao exposto, os juízes da Segunda Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí de se proceder à convolação do processo de oposição para impugnação judicial, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Custas pela Recorrida.

Registe. Notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


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(1) Ac. do STA de 04/06/2008, processo n.º 179/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
(2) Vide, designadamente, Aresto proferido no processo n.º 076/14, com data de 09.04.2011.
(3) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01133/14, de 21.06.2017.
(4) De harmonia com o consignado no artigo 590.º, nº7 do CPC, aplicável ex vi, artigo 2.º, alínea e), do CPPT “Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.”
(5) Vide Acórdão do TCA N 00723/17.5BEAVR, de 28.05.2018. Neste sentido, vide igualmente Acórdão do STA, processo nº 0921/15, 15.06.2016.
(6) Vide Acórdão STA, processo nº 0409/12, de 16.05.2012.
(7) Vide Acórdão STA, processo nº 0195/14, de 29.04.2015.
(8) Neste sentido, designadamente, Acórdão do Pleno do STA, processo nº 01481/13, de 26.02.2014