Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:38/10.0BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:09/24/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL,
INDEMNIZAÇÃO DO DANO MORTE,
NULIDADE,
CONDENAÇÃO PARA ALÉM DO PEDIDO,
DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
Sumário:I. Não incorre a sentença em nulidade decisória, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, e) do CPC, por condenação em valor ou quantidade superior ao pedido, se embora fixado o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais por danos próprios das Autoras superior ao que havia sido peticionado, não ultrapassa o valor global da indemnização peticionada.

II. Não procedendo a nulidade decisória e não sendo invocado o erro de julgamento, sob a alegação de que a indemnização fixada é excessiva, não existem motivos para alterar os valores fixados.

III. No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” e a quantia devida por estes danos não tem por fim “a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos”.

IV. Pela perda do direito à vida, embora a dor não tenha preço, importa sobretudo que a correspondente indemnização deva, por si própria, significar algo que permita compensar a perda e minorar a dor sofrida, correspondendo em termos de equidade à gravidade do dano considerado, quer objetivamente, porque a vida é o bem maior da pessoa humana, quer relativamente, porque à data do acidente, o falecido era um homem de 25 anos, saudável e com alegria de viver, entendendo que, a este título, deverá ser fixada a indemnização pela perda do direito à vida no exato valor peticionado pelas Autoras, em € 80.000,00, a repartir em partes iguais pela companheira e filha, sendo devidos € 40.000,00 a cada uma.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Estado português, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 07/03/2018, que, no âmbito da ação administrativa comum, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, instaurada por C......... e M........., julgou a ação parcialmente procedente, julgando improcedente o pedido de indemnização por danos patrimoniais futuros e procedente no demais, condenando o Réu no pagamento às Autoras da quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora, a título de danos não patrimoniais próprios sofridos pelo de cujus e ainda da quantia de € 40.000,00, acrescida de juros a título de danos não patrimoniais próprios da 1.ª Autora e da quantia de € 60.000,00 acrescida de juros, a título de danos não patrimoniais próprios da 2.ª Autora.

As Autoras inconformadas, vieram também recorrer da sentença, na parte do respetivo decaimento.


*

Formula o Estado português, aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

1.ª – A presente apelação tem por objeto a arguição da nulidade da sentença prevista no art. 95.º/2 CPTA e na al. e) do n.º 1 do art. 615.º CPC, por força do n.º 4 deste último artigo.

2.ª – Com efeito, cada uma das pediu, na petição, uma indemnização pecuniária de € 40.000,00 por danos morais próprios (cfr. art. 78.º), mas no requerimento de fls. 347- 351 reduziu esse montante a € 30.000,00.

3.ª – Na sentença considerou-se que a 1.ª autora pediu, àquele título, € 80.000,00 e a 2.ª, € 60.000,00, mas em erro, por se ter indevidamente atentado, quanto ao 1.º montante, ao pedido inserto na petição inicial e não à redução contida no referido requerimento e, quanto ao 2.º, por não se ter levado em conta tratar-se de uma parcela global, carecida de divisão entre as autoras.

4.ª – Por isso, a sentença condena em quantidades superiores às pedidas, pelo que padece de nulidade, que aqui se argui e cuja declaração de pede, pelo que, em consequência, os pontos 2.2. e 2.3. do dispositivo devem ser alterados, em cada um deles se fixando a indemnização de € 30.000,00.”.


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As Autoras, ora Recorrentes, no recurso interposto apresentaram alegações, em que formularam conclusões, assim como contra-alegaram o recurso interposto pelo Estado português, formulando igualmente conclusões, nos seguintes termos, que ora se reproduzem:

“DO RECURSO DE APELAÇÃO

a) O único ponto de discordância em relação à douta sentença, que justifica o presente recurso, prende-se com a não atribuição de indemnização pela perda do direito à vida, vulgo dano morte, que é o dano não patrimonial por excelência - Cfr., neste sentido, Diogo Leite de Campos, NÓS, Estudos Sobre o Direito das Pessoas, Almedina, págs. 314/315 - e cuja reparação é inquestionável.

b) Na verdade, nos artigos 55.º a 62.º da petição as autoras solicitaram indemnização pela perda do direito à vida do malogrado R......... num montante de 100.000,00 € - valor esse que foi objecto de redução para 80.000,00 € na sequência do requerimento de fls. 347-351 - e a douta sentença recorrida não arbitrou qualquer montante indemnizatório a esse título nem lhe fez qualquer referência, o que não se pode aceitar.

Com efeito,

c) Sobre a indemnização pela perda do direito à vida, vulgo dano morte, há muito que consolidou o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00.

d) No caso vertente, atenta a juventude e a mais-valia pessoal do falecido - “pessoa saudável, inteligente, com enorme alegria de viver, com muitos amigos, muito dedicado ao trabalho, muito familiar e muito querido de toda a família” (conforme decorre designadamente da alínea H dos factos provados) -, afigura-se inteiramente razoável, adequada e plenamente justificada a atribuição de indemnização pelo dano morte em montante a oscilar entre os 80.000,00€ e os 100.000,00€.

DA RESPOSTA ÀS ALEGAÇÕES

e) Com o devido e merecido respeito, não assiste razão ao M. Digno Procurador da República ao defender a nulidade da sentença por alegadamente condenar em quantidades superiores às pedidas.

f) Conforme se encontra sedimentado na jurisprudência, os limites da condenação contidos no actual artigo 609.º do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito.

g) Significa isto que, em acidente de viação, como caso vertente, o juiz pode valorizar qualquer das parcelas em que se desdobra o pedido global de indemnização em montante superior ao indicado pelo próprio peticionante, mas o valor total alcançado não pode em caso algum ser superior ao pedido.

h) No caso vertente, temos que o limite da condenação, mesmo atendendo à redução do pedido operada através do requerimento de fls. 347-35, corresponde a 255.000,00 €.

i) Bem andou, pois, a M.ª Juiza do Tribunal a quo ao fixar os montantes indemnizatórios a título de danos não patrimoniais próprios de 40.000,00€ para a autora C........ e de 60.000,00€ para a autora menor M........ os quais não configuram qualquer condenação ultra petitum.

Com efeito,

j) Os montantes arbitrados na sentença afiguram-se inteiramente razoáveis, adequados e plenamente justificados face à particular gravidade da factualidade apurada, nomeadamente a repercutida nas alíneas B), D), E), Q), R) e EE) dos factos provados.

k) Tanto assim é que o M. Digno Procurador da República nas suas doutas alegações não se insurge contra o juízo de equidade operado pela M. Juíza, limitando-se a arguir que os valores arbitrados “excedem os dos correspondentes pedidos”.

l) Em face do exposto deve improceder a arguida nulidade da sentença, mantendo-se a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais próprios das autoras, mais devendo ser atribuída indemnização pela perda do direito à vida, vulgo dano morte, que é o dano não patrimonial por excelência.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso nos termos das conclusões a) a d) e que improceda a nulidade invocada no recurso interposto pelo Estado português.


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O Estado português, ora Recorrido, contra-alegou o recurso interposto pelas Autoras, tendo assim, concluído:

1.ª – O recorrido reconhece que a sentença, ao abster-se de decidir o pedido de compensação do dano-morte da própria vítima, fundado nos factos alegados nos artigos 55.º/62.º pi, incorre em nulidade por omissão de pronúncia ou comporta um julgamento implícito de direito errado.

2.ª – Tendo as autoras reduzido o pedido de indemnização por essa espécie de dano ao valor de € 80.000,00, é inadmissível, sob pena de violação do princípio dispositivo, conceder montante superior, v.g. o pretendido de € 100.000,00.

3.ª – Quanto à graduação do quantum indemnizatório, observado o limite máximo dos ditos € 80.000,00, em atribuição conjunta, o recorrido confia no alto critério prudencial do tribunal ad quem.”.


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O processo vai, com vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto de cada um dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, às seguintes, em relação a cada um dos recursos:

A. Recurso do Estado português

1. Nulidade decisória, nos termos dos artigos 95.º, n.º 2 do CPTA e 615.º, n.º 1, e) do CPC.

B. Recurso das Autoras

1. Erro de julgamento no tocante à não atribuição de indemnização pela perda do direito à vida (dano morte), em montante a oscilar entre € 80.000,00 e € 100.000,00.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 1982-09-20, nasceu a 1ªAA., filha de J........ e de M........: cfr. Doc. n.º 5 junto com a PI;

B) Em 2003-09-26, a 1ªAA e R........., começaram a namorar quando ainda ambos trabalhavam na D........, ela de 21 anos, como empregada de quarto e, ele também de 21 anos, como ajudante de cozinha: cfr. fls. 216 a 223 e declarações de parte;

C) Em 2004, a 1ªAA e S........, na proporção de metade para cada um, “… compraram uma casa nova, a estrear, em Águas Santas, com cerca de 90 metros quadrados, um T2 + 1…”, imóvel inscrito sob o artigo ……, na matriz predial urbana da freguesia de Águas Santas, concelho da Maia, correspondente à fração …: cfr. fls. 216 a 223 e declarações de parte;

D) Até 2007-07-15, a 1ªAA e S........ viveram em união de facto, primeiro no Pinhão, Alijó e depois em Águas Santas, Maia, relacionando-se afetiva e sexualmente, recebendo amigos e vizinhos, ajudando-se mutuamente, eram reconhecidos e tratados, como se de marido e mulher se tratassem: cfr. Doc. n.º 2 junto com a PI; fls. 216 a 233; declarações de parte; depoimento do Militar da GNR L........ (que testemunhou de forma muito convincente, bem demonstrando o profundo conhecimento dos factos sobre que depôs, principalmente os referentes à dinâmica do acidente e ao conhecimento que tinha do Soldado S........, com quem conviveu amiúde, recordando-se ainda de pormenores da vivência comum e dos traços de personalidade daquele) e depoimento de L........ (que testemunhou de forma credível sobre os factos de que, por razões profissionais - é assistente social na GNR - teve conhecimento direto);

E) Em 2005, S........ esteve colocado no Regimento da GNR/Ajuda, Lisboa, indo a casa aos fins de semana, sendo que depois do juramento de Bandeira, em Portalegre, foi destacado para a Comporta: cfr. declarações de parte e depoimento do Soldado L........;

F) Em 2006-12-01, S........, militar da GNR, Guarda n.º …….., foi promovido ao posto de Soldado de Cavalaria, pertencendo ao 4º Esquadrão do Regimento de Cavalaria, estando em diligência no Grupo Territorial de Setúbal da Brigada Territorial nº …: cfr. declarações de parte; fls. 288 a 299 e fls. 324 a 326; Doc. n.º 1 a n.º 6 juntos com a Contestação;

G) A 1ªAA engravidou do Soldado S........ e, em conjunto, preencheram a declaração de IRS, modelo 3, anexos A, B e H, referente ao ano de 2006: cfr. Doc .n.º 2 junto com a PI, fls. 216 a 223 e declarações de parte;

H) O Soldado S........ era saudável, inteligente, com enorme alegria de viver, com muitos amigos, muito dedicado ao trabalho e com vontade de vir a ser um graduado da GNR, pessoa muito familiar e muito querida de toda a sua família, sobretudo pela sua companheira, com quem, pese embora a distância a que, por razões profissionais - durante a semana se encontrava - contactava regulamente pelo telefone: cfr. declarações de parte e depoimento do Soldado L........;

I) Em 2007-07-15, pelas 19:00 horas, foi acionada a intervenção da patrulha da GNR, que se deveria dirigir a Tróia, na única viatura do Posto de Comporta, a viatura GNR – …….., afeta ao Regimento de Cavalaria da GNR, patrulha composta pelos Cabos M........ (condutor), E........ (passageiro que seguia ao lado do condutor) e pelo Soldados S........ e L........ (passageiros que seguiam nos bancos traseiros): cfr. Doc. n.º 1 a n.º 3 juntos com a Contestação e depoimento do Soldado L........;

J) Em 2007-07-15, pelas 19:10horas, na Estrada Regional - ….., ….. Comporta, Alcácer do Sal, ER com piso irregular e gasto, encontrando-se limpo e seco à data do acidente, a viatura acima identificada seguia com as luzes rotativas azuis ligadas, bem como a sirene: cfr. Doc. n.º 1 a n.º 3 juntos com a Contestação, depoimento do Soldado L........ e depoimento de G........ (que relatou de forma muito credível, clara, coerente e completa o acidente que presenciou, tendo prestado a primeira assistência aos acidentados e tendo ficado no local, para prestar apoio e declarações às autoridades, até depois dos acidentados terem sido evacuados);

K) Atenta a marcha de urgência “… tanto mais que não sabiam ao que iam, e uma nota interna…” nenhum dos tripulantes levava colocado cinto de segurança: cfr. depoimento do Soldado L........ e fls. 193 a 199;

L) O referido veículo da GNR ultrapassou dois veículos ligeiros e ao km 7,300, o Cabo M........ tentou retomar a via direita, nessa altura o veículo saiu para a berma direita, seguindo-se o atravessamento da via para a esquerda, vindo a derrapar até à berma esquerda, capotou, vindo a ficar imobilizado na berma esquerda: cfr. Doc. n.º 1 a n.º 3 juntos com a Contestação; depoimento do Soldado L........ e de G........;

M) Todos os ocupantes sofreram ferimentos graves, 3 militares da GNR foram projetados para o exterior do jipe e 1 militar da GNR, pese embora em choque, estava consciente e ficou “… encarcerado, debaixo do jipe…”: cfr. depoimentos do Soldado L........ e de G........;

N) O Soldado L........, que no acidente foi projetado, afirma ter ouvido “…lamentos…”, mas que não reconheceu a voz, nem o que foi dito: cfr. seu depoimento e depoimento de G........;

O) O Soldado S........ “… falou sem ser percetível (…) a lutar pela vida e pela aparência, com dificuldades sérias, (…) foi confortado por uma senhora…” dos muitos populares, INEM, Bombeiros e forças de segurança que, entretanto (em cerca de 30 minutos), por ali se juntaram: cfr. depoimento do Soldado L........ e de G........;

P) Na sequência do acidente vieram a falecer o Cabo E........ e o Soldado S........, à data, com 25 anos: cfr. Doc. n.º 1 a n.º 6 juntos com a Contestação, depoimento do Soldado L........ e de L........;

Q) Em 2007-05-15, pelas 23:15horas, a 1ªAA. “… visivelmente grávida de 6 (seis) meses…” foi, presencialmente, notificada do falecimento do Soldado S........: cfr. depoimento de L........;

R) Tendo sido iniciado acompanhamento psicológico, pelos serviços da GNR, à 1ªAA, bem como aos pais do Soldado S........, cuja duração se desconhece: cfr. depoimento de L........;

S) Em 2007-07-16, a GNR elaborou Auto de Exame e Avaliação do Veículo, do qual ressalta:

: cfr. Doc. n.º 1 e n.º 2 juntos com a Contestação e fls. 193 a 199;

T) Em 2007-09-28, o Comandante-Geral da GNR qualificou o acidente como:

… acidente ocorrido em serviço…” : cfr. Doc. n.º 1 junto com a Contestação;

U) Em 2007-10-26, nasceu M........., ora 2ªAA, filha da 1ªAA e do falecido Soldado S........: cfr. Doc. n.º 3 e n.º 4 juntos com a PI; fls. 288 a 299 e fls. 324 a 326 e declarações de parte;

V) Em 2007-11-12, o Major-General Comandante da então Brigada Territorial nº 2 determinou o arquivamento do processo interno da GNR, processo de averiguações que correu termos sob o n.º…….: cfr. Doc. n.º 3 junto com a Contestação;

W) Em 2007-12-27, foi paga aos pais do Soldado S........ a quantia de €1.684,45, respeitante a despesas de funeral, nos termos do regime previsto no art. 10º al. b) da Lei 100/97, 13 de setembro: cfr. Doc. n.º 6 junto com a Contestação;

X) Em 2008-02-15, foi proferido despacho de arquivamento (nomeadamente, por não se terem verificado indícios suficientes de violação do dever de cuidado, traduzida no incumprimento de regra estradal, por parte do arguido, então condutor), no Processo de Inquérito, que correu termos sob o n.º………, nos Serviços do Ministério Público, de Alcácer do Sal: cfr. Doc. n.º 1 e n.º 2 juntos com a Contestação;

Y) No Relatório Médico-Legal, relativamente ao Soldado S........, conclui-se: “… a morte (…) foi devida a traumatismo crânio-meningo-encefálico. 3. As lesões traumáticas descritas resultaram de violento traumatismo de natureza contundente, tal como o que pode ser devido a acidente de viação…”: cfr. Doc. n.º 4 e n.º 5 juntos com a Contestação;

Z) Em 2009-02-27, a requerimento da 1ªAA. foi instaurado o inquérito nº ………… do Comando Territorial de Vila Real da GNR, com vista à atribuição de compensação especial por morte, nos termos do DL n.º 113/2005,13 de julho, a qual foi concedida e já liquidada às beneficiárias, ora AA.: cfr. fls: cfr. Doc. 4 junto com a Contestação, fls. 288 a 299 e fls. 324 a 326 e depoimento de parte; vide alínea CC) infra;

AA) Em 2010-09-30, transitou a sentença proferida na Ação de Alimentos Definitivos, que correu termos no Tribunal Judicial de Alijó, sob o n.º………., em que foi A., a ora 1ªAA, e Réu o INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL – ISS, IP, tendo, além do mais, ficado assente, que: a agora 1ªAA, desempregada, tinha a seu cargo a sua filha menor, ora 2ªAA; que recebia €25,00, por mês, a título de abono de família; que fazia face às despesas com alimentação, vestuário e despesas com a menor com o auxilio dos pais do Soldado S........ e da sua mãe, e que para além da fração acima melhor identificada, sita em Águas Santas, o falecido não deixou quaisquer bens ou outra fonte de rendimento, tendo assim sido decidido que:


«imagem no original»


: cfr. Doc. n.º 4 junto com a PI; Doc. n.º 7 junto com a Contestação; fls. 216 a 223; fls. 288 a 299; fls. 324 a 326 e declarações de parte;

BB) Em 2010-11-08, face ao requerimento apresentado pela 1ªAA, o ISS-IP deferiu as Prestações por Morte do beneficiário R........., com inicio a 2007-08-01, referentes a: Subsidio por Morte – SM, na percentagem de 60% e a Pensão de Sobrevivência – PS, na percentagem de 100%: cfr. fls. 352 a 358;

CC) Em 2011-01-07, o MINISTRO DE ESTADO E DAS FINANÇAS - MEF e o SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO E DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SEAAI, proferiram despacho concedendo às AA. a compensação especial prevista no art. 1 do DL n.º 113/2005, de 13 de julho, no valor de €100.750,00, montante que já foi liquidado às beneficiárias, ora AA.: cfr. fls. 288 a 299 e fls. 324 a 326;

DD) Em 2012-12-17, a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES - CGA deferiu o pedido de pensão por preço de sangue - herdeiros, apresentado pelas AA., ao abrigo do regime do DL n.º 466/99, 06 de novembro, ressaltando que:


«imagem no original»


: cfr. Doc. n.º 5 junto com a Contestação e fls. 288 a 299 e fls. 324 a 326;

EE) Com a morte do Soldado S........ a 1ªAA sentiu que: “… a vida perdera o sentido e ficou sem perspetivas, sem nada…”, perda que se refletiu, e reflete, também na vivência, sobretudo face às solicitações do meio escolar, da 2ªAA, menor, que: “… quando confrontada com as fotos do pai e com a necessidade da presença deste se sente revoltada com o motivo pelo qual Jesus o quis levar e chora…”: cfr. declarações de parte.


*

FACTOS NÃO PROVADOS:


Face à prova produzida, inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, nomeadamente: (1) qual a extensão e gravidade dos ferimentos sofridos pelo Soldado S........; (2) qual o património e rendimento mensal do mesmo à data da sua morte; (3) qual a respetiva esperança de vida e de ganho, atendendo à sua idade, habilitações, qualificações, condição militar e demais circunstâncias pessoais e (4) qual o rendimento mensal das AA., já que as demais asserções aduzidas nos autos integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito.

DE DIREITO

A. Recurso do Estado português

1. Nulidade decisória, nos termos dos artigos 95.º, n.º 2 do CPTA e 615.º, n.º 1, e) do CPC

Vem o Estado português interpor recurso da sentença recorrida unicamente com o fundamento de incorrer em nulidade decisória, prevista na alínea e), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, alegando que as Autoras peticionaram a condenação ao pagamento de uma indemnização no valor de € 40.000,00 por danos morais próprios, tendo depois reduzido esse montante para € 30.000,00, mas que na sentença, foi considerado, em erro, que a 1.ª Autora peticionou € 80.000,00 e a 2.ª Autora, 60.000,00, porquanto além de não se considerar a redução ocorrida no requerimento apresentado quanto ao primeiro montante, quanto ao segundo montante não se considerou tratar-se de uma parcela global, carecida de divisão entre as Autoras.

Nesse sentido, entende o Recorrente que a sentença condena em quantidades superiores às pedidas.

Sustenta que os pontos 2.2. e 2.3. do dispositivo da sentença devem ser alterados, fixando em cada um deles, a indemnização de € 30.000.00.

Vejamos.

Como decorre do teor das alegações e das suas respetivas conclusões, o presente recurso restringe-se à impugnação dos montantes indemnizatórios por danos morais próprios arbitrados às Autoras, nos pontos 2.2. e 2.3. do dispositivo da sentença, com o fundamento de os mesmos excederem o dos correspondentes pedidos.

O que exige, antes de mais, dilucidar o que foi concretamente peticionado pelas Autoras.

Do artigo 78.º da petição inicial extrai-se ser pedida a indemnização no valor não inferior a € 40.000,00 para cada uma das Autoras, num total de € 80.000,00, a título de danos não patrimoniais próprios.

Por sua vez, através de requerimento apresentado no processo, a fls. 347-351 (a fls. 343-347 do processo físico) as Autoras reduziram os valores da indemnização relativamente aos danos de natureza não patrimonial, para os seguintes valores:

(i) dano que o falecido sofreu no período que mediou entre o acidente e a morte – € 15.000;

(ii) dano morte – € 80.000;

(iii) dano não patrimonial das Autoras – € 60.000.

Mais decorre desse requerimento que as Autoras reduzem o pedido para o valor global de € 255.000,00, dos quais a quantia de € 155.000,00 respeita aos danos não patrimoniais (€ 15.000 + € 80.000 + € 60.000) e o valor de € 100.000,00 aos danos patrimoniais futuros.

Assim, quanto ao valor da indemnização posto em causa no presente recurso, referente aos danos não patrimoniais das Autoras, extrai-se que esse valor peticionado é de € 60.000,00, a dividir pelas duas Autoras.

Por sua vez, na sentença recorrida, foi o Réu, Estado português foi condenado ao pagamento das seguintes indemnizações:

(a.) € 10.000,00, acrescido de juros, a título de danos não patrimoniais próprios sofridos pelo de cujus;

(b.) € 40.000, acrescido de juros, título de danos não patrimoniais próprios sofridos pela 1.ª Autora;

(c.) € 60.000,00, acrescido de juros, título de danos não patrimoniais próprios sofridos pela 2.ª Autora.

Significa que a sentença recorrida condenou o Réu ao pagamento da indemnização no valor global de € 110.000,00 a título de danos não patrimoniais das Autoras, superior ao que havia sido peticionado, no valor de € 60.000,00, embora não ultrapassando o valor global da indemnização peticionado.

O Réu, ora Recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade decorrente de condenação em quantidade superior ao pedido, que fundamentam na circunstância de o Tribunal a quo tê-lo condenado no pagamento às Autoras de uma indemnização pelos danos não patrimoniais próprios em valor superior ao pedido.

A senhora Juíza a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto, mas não se pronunciou expressamente sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos artigos 641º, n.º 1 e 617º, do CPC.

A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1.ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável.

Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se de imediato ao conhecimento da suscitada nulidade.

As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões:

(i) por erro de julgamento dos factos e do direito;

(ii) por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respetivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do Código de Processo Civil.

Dispõe o artigo 615º, n.º 1 do CPC o seguinte:

1 - É nula a sentença quando:

(…)

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Para a correta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência.

É nula a sentença que, violando o princípio dispositivo quanto à conformação objetiva da instância, não respeite os limites impostos pelo artigo 609.º, n.º 1 do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido.

Tal como decorre do n.º 1 do artigo 609º do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Significa isto que compete às partes delimitar o thema decidendum, não tendo o juiz que avaliar se naquele caso concreto se adequaria outra providência que não a requerida – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 728.

Assim, a sentença deve cingir-se ao âmbito do pedido e da causa de pedir, não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que é pedido, ou seja, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida, constituindo tal regra um corolário do princípio dispositivo.

O juiz não pode, por isso, condenar em dívida de valor de montante superior ao pedido, tal como ele se apresenta à data do encerramento da discussão, por via de atualização que tenha em conta a desvalorização da moeda (cf. Acórdão n.º 13/96, de 15/10/1996 para uniformização de jurisprudência, DR I-A Série, de 26/11/1996 – “O tribunal não pode, nos termos do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor.”), nem, por outra via, pode, no âmbito da responsabilidade extraobrigacional, condenar nos juros de mora devidos desde a citação, nos termos do artigo 805.º, n.º 3 do Código Civil, se tal não lhe for pedido pelo lesado (cf. Acórdão n.º 9/2015, de 14/05/2015, para uniformização de jurisprudência, DR, I-A Série, de 24/06/2015 –“Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros.”).

No entanto, não releva que o pedido seja formulado por parcelas ou resulte da soma de montantes separados, como sucede quando o autor quantifica vários danos sofridos e pede a sua reparação, como no presente caso.

Constitui jurisprudência pacífica que o limite de cada parcela se reporta ao valor global peticionado – cf. José Lebre de Freitas e Isabela Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 715; cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 729.

Sobre esta questão refere-se no Acórdão do STJ, de 17/05/2018, Processo n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1:

A sentença deve manter-se quanto ao seu conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão do autor e da reconvenção eventualmente deduzida pelo réu, não podendo o juiz proferir sentença que transponha os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objecto

A limitação contida no normativo em questão – consubstanciada na velha máxima do direito romano ne eat iudex ultra vel extra petita partium - constitui um corolário do princípio dispositivo, numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Será, assim, sobre o titular de determinado direito subjectivo que recairá o ónus de escolher, de entre diversas providências possíveis, aquela que melhor satisfaça os seus interesses, sendo o tribunal alheio a essa escolha, que depende única e exclusivamente da vontade do interessado e que uma vez efectuada – através da dedução do pedido – delimitará os poderes do juiz (art. 3.º, n.º 1, do CPC).”; cf. no mesmo sentido ainda que a propósito do valor da causa, acórdão do STJ, de 06/07/2017, Processo n.º 344/12.9TBBAO.P1.S1.

Nestes termos, não incorre a sentença recorrida na invocada nulidade, pois não obstante condenar o Réu ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais próprios das Autoras em valor superior ao peticionado nessa parcela, não excedeu o valor global da indemnização peticionado.

No demais, embora o Réu pretenda “em consequência”, que os pontos 2.2. e 2.3. do dispositivo da sentença sejam alterados por este Tribunal a quo, de modo que em cada um deles se fixe a indemnização de € 30.000,00, o certo é que, não procedendo a nulidade decisória invocada e não sendo invocado o erro de julgamento de direito quanto à fixação do citado montante indemnizatório, não alegando o Recorrente que os valores fixados são excessivos, não existem fundamentos para prover a requerida alteração.

Por conseguinte, terá de se concluir pela improcedência do recurso interposto pelo Réu, por não incorrer a sentença recorrida na nulidade decisória prevista no artigo 615.º, n.º 1, e) do CPC, não condenando em valor superior ao pedido.

B. Recurso das Autoras

2. Erro de julgamento no tocante à não atribuição de indemnização pela perda do direito à vida (dano morte), em montante a oscilar entre € 80.000,00 e € 100.000,00

Inconformadas vêm as Autoras interpor recurso da sentença recorrida na parte em que a sentença não atribuiu a indemnização pela perda do direito à vida (dano morte), peticionando que tal dano seja fixado em valor entre € 80.000,00 e € 100.000,00.

Sustentam que tal dano foi invocado, assim como o respetivo pedido, não tendo a sentença fixado qualquer valor, como decorre do teor dos artigos 55.º a 62.º da petição inicial.

Alegam que, inicialmente tal montante foi peticionado em € 100.000,00, mas que depois foi reduzido para € 80.000,00, na sequência do requerimento apresentado.

No entanto, a sentença não fixou qualquer montante indemnizatório pela perda do direito à vida, não lhe fazendo qualquer referência.

Nas contra-alegações, o Réu, ora Recorrido, reconhece que a sentença se absteve de decidir o pedido de compensação do dano morte da própria vítima, fundado nos factos alegados nos artigos 55.º a 62.º da petição inicial.

Vejamos.

Em face do que se mostra alegado e peticionado pelas Autoras não existem dúvidas de que as Autoras pretendem ser ressarcidas pelo dano pela privação da vida, tendo peticionado a indemnização no valor de € 80.000,00.

Por sua vez, também resulta do dispositivo da sentença que tal quantum indemnizatório não logrou ser fixado.

Não se colocam quaisquer dúvidas sobre a prova da verificação de tal dano, nem que o mesmo seja indemnizável.

Por outro lado, tendo as Autoras fixado o valor da indemnização no valor global de € 255.000,00, a sentença condenou o Réu no valor de € 110.000,00, pelo que, respeitado o limite do pedido, impõe-se a apreciação do fundamento do recurso.

Nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 1 do CC na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494°; mas no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.” [cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 778.]

O que deve entender-se por danos não patrimoniais há muito se encontra sedimentado na doutrina, seguido pela jurisprudência.

Assim, “danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” [Cfr. Antunes Varela, ob. e loc. cit., pág. 571.]

Estes danos serão indemnizados com base na equidade, sendo indemnizáveis apenas os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – n.ºs 1 e 3 do artigo 496.° do CC.

Para a formulação do referido juízo de equidade, que balizará a fixação da compensação pecuniária neste tipo de dano, acolhemos o seguinte entendimento: “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.

E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” [Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501.]

O STJ desde há muito vem decidindo que “(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois "visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada", não lhe sendo, porém, estranha a "ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente" [Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460, pág. 444.]; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos” [cfr. Acórdãos do STJ, de 26/01/94 e de 19/05/2009, Processo n.º 298l06.0TBSJM.S1].

No que respeita ao dano decorrente da perda do direito à vida, dispõe o artigo 496.º, n.º 2 do CC que “por morte da vítima o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes aos pais ou a outros ascendentes e por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem”.

Como escreveram Pires de Lima e Antunes Varela (CC. Anotado, vol I, pág.500) “dos números 2 e 3 deste artigo e da sua história resulta por um lado que, no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais - quer sofridos pela vítima, quer por familiares - cabe não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio e autónomo (iure proprio), nos termos e segundo a ordem estabelecida no citado n.º 2”.

Nestes moldes, tais danos não obedecem aos critérios correntes e usuais de avaliação, atenta a sua natureza e especificidade.

Aliás, é manifesta a impossibilidade de reparação natural de tais danos em virtude da incompatibilidade de correspondência económica entre o dano e a sua expressão monetária, por se estar em planos valorativos diferentes - por um lado, o plano dos valores, o qual se revela na sua expressão máxima no direito à vida e, por outro, o plano material de expressão monetária, por natureza, quantificável.

Porém, podem e devem tais danos ser de alguma maneira compensados, o que se pretende que seja efetuado por via do estabelecimento de uma indemnização que, ainda que seja uma via simbólica e ficcionada, atribua um valor expresso à vida perdida.

Como desde há muito decide o STJ “a indemnização por estes danos não tem por fim a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas visa principalmente compensar o autor, na medida do possível, das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para a qual o acidente arrastou”. [Acórdão de 26/01/94]

Com vista à determinação da indemnização devida, a lei aponta para um critério que se há-de ter por elástico, inspirado em razões objetivas e sobre o qual há-de assentar o juízo de equidade.

Assim, se a indemnização pelo dano moral visa simultaneamente compensar o lesado e sancionar o lesante, o recurso à equidade não pode significar o uso de arbitrariedade, mas tão-somente o uso de um critério para a compensação de um direito em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto, atendendo sobretudo aos danos causados, ao grau de culpa do agente, à sua situação económica, bem como à do lesado e às demais circunstâncias do caso – artigo 494.º CC.

Por conseguinte, tal indemnização por danos não patrimoniais não pode ser de montante irrisório, mas ao contrário terá de demonstrar a intensidade de uma dor, de uma angústia, de um desgosto, de um sentimento moral, em suma, terá de se reportar a um somatório de sentimentos que hão-de ser por esta via compensados.

Embora a dor não tenha preço, importa sobretudo que a correspondente indemnização, deva por si própria, significar algo que permita compensar a perda e minorar a dor sofrida, correspondendo em termos de equidade à gravidade do dano considerado, quer objetivamente, porque a vida é o bem maior da pessoa humana, quer relativamente, porque à data do acidente, o falecido era um homem novo, com 25 anos, com enorme alegria de viver, pessoa muito familiar e querida da sua família.

Considerando que a indemnização deve ser computada à data da prolação da sentença – artigo 496.º, n.º 1 do CC –, mostra-se atualmente ajustado o montante peticionado pelas Autoras por falecimento ocorrido em 2007, assim como adequado às indemnizações que vão sendo praticadas pelos tribunais superiores [cfr. Acórdãos do STJ, de 10/07/2008, Processo n.º 1840/06; de 16/10/2008, Processo n.º 2697/08; de 18/11/2008, Processo n.º 3422/08; de 05/02/2009, Processo n.º 4093/08; de 14/05/2009, Processo n.º 1240/07.TBVCT.S1]

Neste sentido, a este título, deverá ser fixada a indemnização peticionada pela perda do direito à vida no valor peticionado em 80.000,00€, a repartir em partes iguais pelas Autoras, companheira e filha, sendo, portanto, devidos 40.000,00€ a cada uma das demandantes.

Por conseguinte, procede o recurso interposto pelas Autores, por provado o dano decorrente da privação do direito à vida, o que implica a condenação do Réu, Estado português ao pagamento da indemnização no valor de € 80.000,00, a atribuir em partes iguais a cada uma das Autoras.


*

Em suma, será de negar provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado português, por não provado e em conceder provimento ao recurso interposto pelas Autoras, condenando-se o Réu no pagamento da indemnização no valor de € 80.000,00, pelo dano decorrente da privação da vida, a acrescer à indemnização a que havia sido condenado na sentença recorrida, no valor de € 110.000,00, o que importa a condenação global do Réu no valor de 190.000,00.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não incorre a sentença em nulidade decisória, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, e) do CPC, por condenação em valor ou quantidade superior ao pedido, se embora fixado o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais por danos próprios das Autoras superior ao que havia sido peticionado, não ultrapassa o valor global da indemnização peticionada.

II. Não procedendo a nulidade decisória e não sendo invocado o erro de julgamento, sob a alegação de que a indemnização fixada é excessiva, não existem motivos para alterar os valores fixados.

III. No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” e a quantia devida por estes danos não tem por fim “a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos”.

IV. Pela perda do direito à vida, embora a dor não tenha preço, importa sobretudo que a correspondente indemnização deva, por si própria, significar algo que permita compensar a perda e minorar a dor sofrida, correspondendo em termos de equidade à gravidade do dano considerado, quer objetivamente, porque a vida é o bem maior da pessoa humana, quer relativamente, porque à data do acidente, o falecido era um homem de 25 anos, saudável e com alegria de viver, entendendo que, a este título, deverá ser fixada a indemnização pela perda do direito à vida no exato valor peticionado pelas Autoras, em € 80.000,00, a repartir em partes iguais pela companheira e filha, sendo devidos € 40.000,00 a cada uma.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Negar provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado português, por não provado, mantendo a sentença recorrida na parte impugnada;

2. Conceder provimento ao recurso interposto pelas Autoras e, em consequência, condenar o Réu, Estado português ao pagamento da indemnização pelo dano decorrente da privação do direito à vida no valor de € 80.000,00, a pagar em partes iguais, de € 40.000,00, a cada uma das Autoras e, no demais, em manter a sentença recorrida, o que implica a condenação do Réu ao pagamento às Autoras da indemnização no valor global de € 190.000,00, a título de danos não patrimoniais próprios do falecido (€10.000,00), danos não patrimoniais próprios das Autoras (€ 40.000,00 e € 60.000,00) e pela privação do direito à vida (€ 40.000,00 e € 40.000,00).

Custas pelo Réu, na proporção do decaimento.

Registe e Notifique.

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, a Relatora atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores PEDRO MARQUES e ALDA NUNES - têm voto de conformidade.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Alda Nunes)