Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07343/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/27/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
NÃO CONHECIMENTO DE QUESTÃO DEVIDO A NEXO DE PREJUDICIALIDADE. ERRO DE JULGAMENTO.
ARTº.63, Nº.4, DA L.G.T. (REDACÇÃO DA LEI 37/2010, DE 2/9).
LIMITAÇÃO DOS PODERES DE FISCALIZAÇÃO DA A. TRIBUTÁRIA.
REPETIÇÃO DE UM PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO EXTERNO.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO INTERNO OU EXTERNO. CRITÉRIO DO LUGAR DA REALIZAÇÃO.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.
4. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
5. O artº.63, nº.4, da L.G.T. (redacção da Lei 37/2010, de 2/9) introduziu uma importante limitação dos poderes de fiscalização da A. Tributária, estabelecendo-se a regra de que não poderá haver mais que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, sem que haja factos novos e uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço no sentido de efectivação do novo procedimento.
6. De acordo com a norma em exame, apenas em situações excepcionais é possível inspecionar novamente o mesmo sujeito passivo quanto ao mesmo imposto e período de tributação, a saber:
a-Verificando-se a ocorrência de “factos novos”;
b-Tendo por objectivo a confirmação dos pressupostos de direitos que o sujeito passivo invoca perante a Administração tributária;
c-Quando a inspecção ou inspecções efectuadas visem terceiros com quem o sujeito passivo mantenha relações económicas.
7. Deverão considerar-se como “factos novos”, para efeito do preceito sob exame, aqueles que chegaram ao conhecimento da Administração Tributária após a primeira acção de fiscalização e não apenas os objectivamente supervenientes. Com efeito, é esta a única interpretação que assegura um alcance útil apreciável a este normativo, já que os factos que são objecto de acções de fiscalização são normalmente referentes a períodos de tributação anteriores ao tempo em que ocorrem aquelas e, por isso, não são factos objectivamente supervenientes. Pelo contrário, não podem considerar-se “factos novos” aqueles que poderiam ter sido conhecidos pelos serviços de fiscalização na anterior acção fiscalizadora.
8. O princípio da proporcionalidade, expressamente invocado neste preceito (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.), impõe à Administração Tributária o dever de só incomodar os contribuintes na medida do estritamente necessário para os fins que tem em vista e, por isso, ela deve agir com diligência no cumprimento dos seus deveres de fiscalização, apurando adequadamente tudo o que deve averiguar no âmbito da inspecção, assim não sendo admissível, por força daquele princípio que, se ela não for suficientemente diligente no cumprimento dos seus deveres, seja o inspeccionado a suportar os inconvenientes dessa falta de diligência, sem que esta falta tenha qualquer consequência para a Fazenda Pública.
9. Quanto ao lugar da realização, o procedimento de inspecção pode classificar-se como interno ou externo, consoante os actos que o integram se efectuem, respectivamente, nas dependências orgânicas e nos serviços da Administração Tributária ou em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais entidades abrangidas. Note-se que para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos serviços da Fazenda Pública, instalações ou dependências, designadamente, através da análise formal e de coerência dos documentos da escrita do contribuinte. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos), estaremos perante um procedimento externo (cfr.artº.13, do R.C.P.I.T., aprovado pelo dec.lei 413/98, de 31/12).
10. A qualificação dada pela Administração Fiscal a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração Tributária efectivamente praticar. Numa situação em que os actos materialmente praticados revelam a existência de um procedimento distinto daquele que foi formalmente indicado pela Administração, ou seja, um procedimento externo “de facto”, embora formalmente qualificado como interno, os vícios referentes à falta de notificação prévia ao sujeito passivo exigida pelo artº.49, nº.1, do R.C.P.I.T., bem como a ausência de ordem de serviço exigida pelo artº.46, nº.2, do mesmo diploma, devem ter como consequência a invalidade de uma eventual liquidação, nomeadamente, levando à sua anulação.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIRECTOR-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.130 a 146 do presente processo, através da qual julgou procedente o recurso deduzido pelo recorrido, ... , ao abrigo do artº.146-B, do C.P.P.Tributário, da decisão de derrogação do sigilo bancário de todas as contas existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que o mesmo recorrido seja titular e relativamente aos anos de 2010 e 2011.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.168 a 178 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, concedeu provimento ao recurso à margem referenciado, com fundamento na violação do disposto no nº.3, do artº.63, da L.G.T., ficando "prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pelo recorrente";
2-Com efeito, o entendimento propugnado na douta sentença ora recorrida, radica no facto, de que, "a situação que nos ocupa enquadra-se na 1ª. parte do nº.3, do artº.63, da L.G.T., que estabelece que, estando em causa o mesmo imposto e período de tributação, só pode haver lugar a mais do que um procedimento inspectivo, em relação ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, mediante decisão fundamentada, do dirigente máximo do serviço, com base em factos novos;
3-Entendendo que ocorreu uma "reabertura do procedimento inspectivo, relativamente ao exercício de 2011";
4-De onde decorreria um ónus de fundamentação que "indicasse, expressamente, quais os factos - novos - que a fundamentam", concluindo que "a decisão sob recurso violou o disposto no nº.3, do artº.63, da L.G.T.";
5-A douta sentença impugnada incorre, desde logo, em nulidade, atento o disposto no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., pois tendo decidido julgar procedente o recurso com fundamento na "reabertura do procedimento inspectivo relativamente ao ano de 2011", concluiu ficar "prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pelo recorrente, nos termos do nº.2, do artº.608, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo tributário ex vi artº.2, al.e), do C.P.P.T.", não se pronunciando acerca da decisão de derrogação do sigilo bancário relativamente ao período de 2010;
6-Pese embora o período a que se reporta a recolha de elementos bancários, relativamente ao ano de 2010 vise essencialmente o mês de Dezembro, não houve relativamente a este período qualquer acto inspectivo que tivesse, segundo o entendimento sufragado na douta sentença, sido reaberto, não podendo o Tribunal deixar de se pronunciar sobre os fundamentos legais da derrogação de sigilo bancário referente ao ano de 2010;
7-Não tendo a sentença proferida apresentado qualquer fundamento legal que justifique a não apreciação da decisão de derrogação de sigilo bancário referente ao ano de 2010, determina uma omissão de pronúncia, devendo os presentes autos de recurso serem julgados procedentes, com as legais consequências;
8-Mas a douta sentença padece também de erro de julgamento, uma vez que não se averigua sequer se se verificam os requisitos dos quais depende o princípio da irrepetibilidade, consagrado no artº.63, nº.3, da L.G.T. (actual nº.4);
9-Este princípio é aplicável unicamente às inspecções externas, como decorre da primeira parte deste preceito: "só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização";
10-E no caso dos autos não estamos nem perante duas inspecções externas, nem sequer numa reabertura do procedimento inspectivo O1201201013;
11-Resulta dos factos dados como provados, que ocorreu uma "acção de verificação externa, parcial, em sede de I.R.S., do ano de 2011";
12-Resulta também dos factos dados como provados, que posteriormente, em resultado da comunicação da Polícia Judiciária, que trouxe à inspecção tributária: "Informações chegadas ao conhecimento desta UIF indicam que o interveniente MÁRIO DINIZ e o seu filho JOÃO DINIZ são detentores de conta no BPN, desde 2001. Entre Dezembro de 2010 e 2011 a conta terá registado movimentação atípica caracterizada por movimentos a crédito e débito na ordem de € 4.500.000,00 (valor global), que se presumem de natureza comercial e associados à empresa ... - CONSTRUÇÕES. UNIPESSOAL. LDA. também ela titular de conta naquela Instituição Financeira e sem registo de movimentação regular consentânea com a sua actividade (...)", foi autorizado "o procedimento de consulta, recolha e cruzamento de elementos, relativamente aos anos de 2010 e 2011";
13-A situação tributária do segundo acto inspectivo, que não pode ser classificado como um procedimento de inspecção tributário externo não está pois incluída no objecto da primeira acção, não havendo qualquer identidade entre procedimentos inspectivos não podemos interpretar o segundo como uma "reabertura" do primeiro;
14-Ou seja a argumentação da douta decisão, ora impugnada, não encontra qualquer fundamento legal que a sustente, não existindo porquanto uma "reabertura do procedimento inspectivo", mas sim procedimentos inspectivos distintos, legalmente fundamentados;
15-No segundo procedimento inspectivo DI201301357, não foram praticados quaisquer actos fora das instalações da A.T., ou seja os actos materiais de inspecção praticados não podem sustentar a existência de uma inspecção externa;
16-Sendo notório que os dois procedimentos inspectivos não se confundem, nem quanto aos fins, nem quanto ao lugar de realização;
17-Tendo o Tribunal de 1ª. Instância julgado procedente "a decisão sob recurso", com fundamento na violação do disposto no nº.3, do artº.63, da L.G.T., não se verificando os requisitos aqui previstos que determinam o princípio da irrepetibilidade das inspecções externas, padece a decisão recorrida de erro de julgamento;
18-O qual determina a revogação do julgado recorrido;
19-Consequentemente devem os autos baixar ao Tribunal "a quo" para "conhecimento dos demais vícios invocados pelo recorrente";
20-Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.a doutamente suprirá, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando a decisão do Tribunal “a quo”, com todas as legais consequências, assim se fazendo a Sã, Serena e Costumada Justiça.
X
O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção do decidido, embora sem formular conclusões (cfr.fls.188 a 190 dos autos).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao recurso e se manter a sentença recorrida (cfr.fls.206 dos autos).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.146-D, nº.1, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.133 a 141 dos autos - numeração nossa):
1-Através do ofício nº.3112, datado de 18/06/2012, o recorrente, ... , foi notificado do relatório de inspecção tributária, respeitante à ordem de serviço OI201201013, que deu início à acção de verificação externa, parcial, em sede de I.R.S., do ano de 2011, que teve início em 24/04/2012 e termo em 11/06/2012, e efectuou correcções ao Anexo E da declaração de rendimentos (relativa a rendimentos de juros), no valor de € 100.000,00 (cfr.documentos juntos a fls.7 a 18 dos presentes autos);
2-Consta do relatório referido no nº.1, na parte relevante, o seguinte:

“(…). 3. Outras situações
II.3.1. Origem do Processo
O processo teve origem no ofício nº.377 de 2012/02/28 da Direcção de Finanças de Santarém relatando a existência de vários cheques endossados ao sujeito passivo em análise, emitidos por empresa com sede na sua área geográfica, não existindo qualquer relação comercial com este, bem como informação interna da D.F. de Leiria relatando factos semelhantes ocorridos com empresas deste distrito.
II.3.2. Diligências realizadas
Contactou-se o sujeito passivo em análise "de modo a averiguar o motivo do endosso de cheque e averiguar a possível existência de rendimentos de capitais não declarados.
III.3.3. Rendimentos de capitais não declarados
O sujeito passivo assumiu que procedia à "troca de cheques" com entidades colectivas e pessoas individuais, cobrando um valor variável consoante o montante envolvido, exigindo em troca cheques pessoais, cheques clientes (cheques devidamente endossados ao sujeito passivo) ou garantias reais de bens dos contribuintes envolvidos.
Afirmou não poder enumerar todos os empréstimos que fez, nem o montante pago, como juros envolvido em cada um dos empréstimos, dado que a maior parte das vezes se tratou de empréstimos de valor baixo.
Assumiu que não procedeu à declaração desses juros ganhos por desconhecer essa obrigatoriedade, mas prontificou-se a regularizar a situação tributária.
Como não é possível identificar exaustivamente quem liquidou juros, nem o montante que cada um dos interessados liquidou, o sujeito passivo sugeriu declarar o valor envolvido na declaração de rendimentos Modelo 3, anexo E de 2011, tendo optado por considerar que foi a empresa do sujeito passivo a proceder ao pagamento desses juros, com a condição de que a empresa consideraria esse custo na sua contabilidade.
III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
O sujeito passivo não procedeu à declaração de rendimentos proveniente de juros cobrados nos empréstimos realizados a diversas empresas e particulares, nos anos de 2008 a 2011. O valor dos juros recebidos ascende a um total de € 100.000,00.
Optou-se por considerar este valor na Declaração de Rendimentos de IRS - Modelo 3 – por não ser possível quantificar o valor dos juros recebido nos respectivos anos. (…)" (cfr.cópia de relatório junta a fls.8 a 11 dos presentes autos);
3-Na sequência da acção de inspecção referida nos nºs.1 e 2 supra, foi efectuada a demonstração de liquidação nº.2012.5004203128, com um valor a pagar de € 40.893,97 (cfr.documento junto a fls.18 dos presentes autos);
4-Consta dos autos a Comunicação elaborada pela Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, em 11/05/2012, na qual se afirma o seguinte:

"(...) Informações chegadas ao conhecimento desta UIF indicam que o interveniente MÁRIO DINIZ e o seu filho JOÃO DINIZ são detentores de conta no BPN, desde 2001.
Entre Dezembro de 2010 e 2011 a conta terá registado movimentação atípica caracterizada por movimentos a crédito e débito na ordem de € 4.500.000,00 (valor global), que se pressupõem de natureza comercial e associados à empresa ... - CONSTRUÇÕES, UNIPESSOAL, LDA., também ela titular de conta naquela Instituição Financeira e sem registo de movimentação regular consentânea com a sua actividade. (...)
(...) Verifica-se que apesar dos modestos rendimentos declarados em sede fiscal nos últimos exercícios fiscais, tanto a empresa como o seu sócio/gerente, conseguiram suportar os encargos com extenso património imobiliário de que são detentores e, ainda assim, adquirir 8 novos imóveis e reforçar o parque automóvel existente, com a aquisição de 10 automóveis, três dos quais Mercedes-Benz e um da marca Audi.
Tais elementos parecem, por isso, admitir a passagem continuada de fundos da actividade comercial da empresa para a citada conta, com o intuito de impedir a sua tributação, o que, a confirmar-se, parece encerrar ilícitos de natureza fiscal" (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso);

5-Por despacho de 28/03/2013, do Chefe de Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, DI201301357, foi autorizado o procedimento de "Consulta, recolha e cruzamento de elementos", relativamente aos anos de 2010 e 2011, tendo como sujeito passivo o ora recorrente (cfr.documento junto a fls.20 dos presentes autos);
6-Por ofício nº.1612, de 28/03/2013, foi o recorrente notificado para no dia 8 de Abril de 2013 comparecer pessoalmente na Direcção de Finanças de Leiria (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso);
7-Através do ofício nº.1820, de 8/04/2013, o recorrente foi notificado para apresentar os "(...) extractos bancários de todos os bancos onde detém conta bancária, entre as datas de 01/12/2010 e 31/12/2011; (...) A presente Notificação relaciona-se com a necessidade da Autoridade Tributária e Aduaneira verificar/apurar movimentos nas suas contas bancárias, conforme lhe foi transmitido pessoalmente na reunião de hoje. (...) Anexa-se a esta Notificação cópia do Despacho nº. DI201301357 para consulta, recolha e cruzamento de elementos, bem como a Declaração para a Autoridade Tributária e Aduaneira obter acesso às contas pessoais junto das respectivas entidades bancárias" (cfr.documentos juntos a fls.19 e 20 dos presentes autos);
8-Por carta registada datada de 18/04/2013, o recorrente enviou um requerimento ao Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, no qual expôs designadamente, o seguinte:
"(...)
2-Para além da transmissão de vontade de acederem à informação das contas bancárias do requerente, na reunião de 8 de Abril de 2013, nenhuma qualquer outra informação em concreto, devidamente justificada foi fornecida ao expoente para tal decisão.
3 -De verdade.
Assiste ao requerente o direito de audição, para os motivos da alínea a) a d) do nº.1 do artº. 60, da L.G.T. e o direito à informação nomeadamente sobre a existência e o teor das denúncias dolosas não confirmadas e a identificação do seu autor (artº. 67 b) do mesmo diploma legal).
4-Acontece que quanto ao IRS do ano de 2011 liquidou o expoente os seus rendimentos, tendo pago o montante de € 40.893,97 referente ao mesmo exercício.
5-Com a presente inspecção parece, a Exmªs. Administração querer corrigir aquela demonstração de liquidação referente ao mesmo exercício económico.
6-Porém a nosso ver sem motivo, uma vez que os rendimentos espelham a real situação tributária do contribuinte.
7-Aliás atento o disposto no artº.63-B nº.4 da L.G.T. a derrogação do sigilo bancário impõe a expressa menção dos motivos concretos que a justifiquem.
8-Motivos concretos que jamais foram transmitidos ao requerente, para que conscientemente possa emitir a autorização que lhe pedem.
9-Na verdade se tais motivos são necessários para o despacho, necessariamente se exigem que sejam transmitidos ao contribuinte para que antecipadamente forneça a autorização de acesso.
10-Não pode pois a Exmª Administração determinar tal acesso, ou exigir a autorização de acesso sem concretizar os motivos, sob pena de ser ofendido o núcleo essencial fundamental constitucionalmente protegido, de reserva da vida privada (Art°26 nº.1 e 2 do C.R.P.)
(...)"
(cfr.documento junto a fls.30 a 32 dos presentes autos);

9-Em 19/08/2013, foi elaborada pela Divisão de Inspecção Tributária 1, da Direcção de Finanças de Leiria, a seguinte informação sobre "Pedido de Derrogação de Sigilo Bancário":

“(…)
II. Origem da acção inspectiva
No âmbito da acção de inspecção externa nº.DI201301357, originada pela Comunicação da Polícia Judiciária - Unidade de Informação Financeira (UIF) de 2012/01/17, remetida pela DSIFAE a esta D.F. em 2012/08/17, respeitante ao sujeito passivo (S.P.) ... , NIF ... , com a morada em Ferrarias, 3250-268 ... , foi apurado que o S.P. possui uma conta bancária domiciliada no Banco BPN e que "entre Dezembro de 2010 e 2011 a conta terá registado movimentação atípica caracterizada por movimentos a crédito e débito na ordem de € 4.500.000,00 (valor global), que se pressupõem de natureza comercial e associados à empresa ... -CONSTRUÇÕES, UNIPESSOAL, LDA (...)".
III. Anterior Acção de inspecção - OI201201013 de 2012/04/23
Em 2012-02-28, através do Ofício nº. 377, a D.F. de Santarém comunicou a esta D.F. a possibilidade de existir rendimentos de capitais resultantes de "cheques trocados" entre o S. P. e a empresa Transportes Constantino, Lda., (NIPC 502804955). Na sequência dessa comunicação, foi aberta em 2012/04/23 a Ordem de Serviço nº. OI201201013 para o ano de 2011, de âmbito parcial em sede de IRS. No decurso da acção o S. P. entregou voluntariamente declaração de substituição de IRS, Modelo 3, declarando rendimentos provenientes de juros cobrados em empréstimos no montante de € 100.000,00. Esta acção terminou em 2012/06/11.
IV. Diligências realizadas
Perante os novos elementos constante na comunicação da UIF referida no ponto II desta informação, em 2013/04/08 solicitou-se ao S.P. através do Ofício nº.1820 para apresentar os extractos bancários entre as datas de 2010/12/01 e 2011/12/31 de todos os bancos onde detém/detinha conta bancária, ou em alternativa autorizar a A. T. a recolher essa informação junto de todas as entidades bancárias -Anexo l. O S.P. respondeu em 2013/04/18 por carta registada com aviso de recepção que não autorizava o acesso à informação bancária solicitada, nem disponibilizou qualquer dos elementos solicitados -Anexo II.
V. Situação Tributária
Nos anos de 2009, 2010 e 2011, o S.P. entregou Declarações Modelo 3 de IRS onde declarou os seguintes rendimentos:

Categoria/Rendimento
2009
2010
2011*
Rendimentos Categoria A
5.400,00 €
5.700,00 €
6.000,00 €
Rendimentos Categoria F
4.500,00 €
1.875,00 €
2.200,00 €
Rendimentos Categoria E
100.000,00 €
Rendimento Colectável
5.961,99 €
3.471,00 €
104.096,00 €
* Declaração entregue durante o decurso de acção de inspecção OI201201013
VI. Conclusão/Proposta
Em face dos factos aludidos nos pontos anteriores, configura-se ser essencial ter acesso a todas as informações ou documentos bancários em nome do sujeito passivo ... dos anos de 2010 e 2011, uma vez que os movimentos a débito e crédito no montante global de € 4.500.000,00 indiciam rendimentos de juros ou de outras actividades, superior ao declarado e/ou voluntariamente regularizado, como consta do ponto III e V desta informação. (...) A Administração Tributária tem o poder de aceder a todos os documentos bancários sem dependência do titular dos rendimentos protegidos quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível, ou quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos património não justificados, nos termos da alínea f) do nº.1 do artigo 87.º da LGT.
Assim sendo e na procura da verdade material, nos termos do nº.4, artº.63-B da LGT, com a redacção dada pela Lei nº.94/2009, de 1 de Setembro, propõe-se que seja solicitada junto de Sua Ex. o Sr. Director Geral dos Impostos a derrogação do dever de sigilo bancário relativamente aos anos de 2010 e 2011 (...)"
(cfr.documento junto a fls.24 a 27 dos presentes autos);

10-Na informação referida no nº.9, foi exarado o seguinte despacho do Director de Finanças Adjunto de Leiria: "Concordo. Face aos indícios de falta de veracidade do declarado, estarão reunidos os pressupostos que fundamentam o pedido de acesso a Informação Bancária, com base na b) e c) do nº.1 do artigo 63-B da LGT, com redacção dado pela Lei 94/2009, de 1 de Setembro, relativa aos exercícios de 2010 e 2011. À consideração do Exmo. Sr. Director Geral dos Impostos para efeitos de eventual autorização. Leiria, 2013/08/27 (cfr.documento junto a fls.24 dos presentes autos);
11-Através do ofício datado de 19/09/2013, o recorrente foi notificado da "decisão de autorização de acesso directo a informações e documentos bancários - n.º 5 do artigo 63-B da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 146-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)", da qual consta o seguinte: "Nos termos do quadro legal indicado em epígrafe, fica V. Ex. por este meio notificado da decisão proferida pelo Sr. Director-Geral dos Impostos em 2013/09/04, ao abrigo do nº.4 do artigo 63-B da LGT, na redação da Lei nº.94/2009, de 1 de Setembro, que autorizou o acesso directo a todas as contas e documentos bancários existentes em instituições bancárias, sociedades financeiras e instituições de crédito portuguesas relativamente às contas de que seja titular, com referência ao ano de 2010 e 2011. (...)
Documentos juntos:
Fotocópia da decisão proferida e respectiva informação elaborada para efeitos de autorização do acesso directo a informação bancária do sujeito passivo; (...)" (cfr.documento junto a fls.22 dos presentes autos);
12-Consta da "DECISÃO", referida no número antecedente, proferida pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira o seguinte:
"Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação da Divisão de Inspecção Tributária l, da Direcção de Finanças de Leiria, bem como do parecer e despacho nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos nas alíneas b) e c) do nº.1 do artigo 63-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo do nº.4 do citado normativo, autorizo que os funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes em instituições bancárias, sociedades financeiras e instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo ... , com o NIF 168.923.190, relativamente aos anos de 2010 e 2011. (...)" (cfr.documento junto a fls.23 dos presentes autos);

13-O recorrente é pensionista reformado e sócio/gerente da sociedade “... -Construções, Unipessoal, Lda” (facto não controvertido);
14-O recorrente é proprietário do veículo da marca Ferrari, matrícula 37-26-JZ (registo de propriedade 01250, 09/11/2006), por aquisição a ... e ... (cfr.documento junto a fls.63 dos presentes autos);
15-O veículo referido no nº.14 foi adquirido em França tendo, em 29/01/1998, a empresa ... solicitado ao recorrente o pagamento da quantia de Esc. 1.697.807$00 (€ 8.468,63) para cobrir as despesas de legalização (cfr.documento junto a fls.65 dos presentes autos);
16-Em 18/02/2011, o recorrente adquiriu de ... , pelo preço de € 20.000,00, os prédios rústicos sito em "Fontaínhas", descritos na Conservatória do Registo Predial de Ansião sob o nº.5537 e 1995 e inscritos na matriz sob os artigos 415 e 417 (cfr.cópia de escritura de compra e venda junta a fls.68 a 72 dos presentes autos);
17-Em 4/03/2011, o recorrente adquiriu de ... , pelo preço de € 2.500,00, o prédio rústico sito em "Cavadinha", descrito na Conservatória do Registo Predial de Alvaiázere sob o nº.468 e inscrito na matriz sob o artigo 987 (cfr.cópia de escritura de compra e venda junta a fls.73 a 77 dos presentes autos);
18-Em 15/09/2010, o recorrente adquiriu de ... , pelo preço de € 11.000,00, o prédio urbano sito em "Ladeira", descrito na Conservatória do Registo Predial de Ansião sob o nº.2293 e inscrito na matriz sob o artigo 1002 (cfr.cópia de escritura de compra e venda junta a fls.81 a 85 dos presentes autos);
19-Em 2/02/2011, o recorrente adquiriu de ... , pelo preço de € 25.000,00, o prédio urbano sito em "Rua 2º. Visconde de Santarém, n°s14 e 14-A" descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº.1086 e inscrito na matriz sob o artigo 911 (cfr.cópia de escritura de compra e venda junta a fls.86 a 93 dos presentes autos);
20-O recorrente é titular da conta com o NIB 0079.0000.0635140101.28, que apresentava em 15/01/2009, um saldo de € 80.400,57 e em 15/12/2011, um saldo de 55.895,84 (cfr.documentos juntos a fls.94 a 111 dos presentes autos);
21-A sociedade “... - Construções, Unipessoal, Lda.” é proprietária de 10 veículos automóveis (cfr.documentos juntos a fls.112 e 113 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…
Não se provou que:
1 - Os valores financeiros e movimentos da conta bancária do recorrente resultem das poupanças que amealhou ao longo da sua vida;
2 - Os valores e movimentos bancários que o recorrente detinha em 2009, 2010 e 2011 fossem equivalentes aos que detinha em 2005, 2006 e 2007…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos carreados para os autos e das informações oficiais não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados não provados resultou da falta de junção aos autos de qualquer elemento probatório relativamente aos dois pontos supra enunciados…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente o recurso deduzido ao abrigo do artº.146-B, do C.P.P.Tributário, tendo por objecto a decisão do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de derrogação do sigilo bancário identificada no nº.12 do probatório, por violação do disposto no artº.63, nº.3, da L.G.T., no que se refere ao segundo procedimento inspectivo levado a efeito e devido a falta de indicação expressa dos novos factos que o fundamentam.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que a sentença impugnada incorre, desde logo, em nulidade, atento o disposto no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., pois tendo decidido julgar procedente o recurso com fundamento na "reabertura do procedimento inspectivo relativamente ao ano de 2011", concluiu ficar "prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pelo recorrente, nos termos do nº.2, do artº.608, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo tributário ex vi artº.2, al.e), do C.P.P.T.", não se pronunciando acerca da decisão de derrogação do sigilo bancário relativamente ao período de 2010. Não tendo a sentença proferida apresentado qualquer fundamento legal que justifique a não apreciação da decisão de derrogação de sigilo bancário referente ao ano de 2010, tal determina uma omissão de pronúncia, pelo que se encontra inquinada de nulidade (cfr.conclusões 5 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar uma nulidade da sentença recorrida devido a omissão de pronúncia.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, o que o recorrente alega é que o Tribunal “a quo” não se pronunciou acerca da decisão de derrogação do sigilo bancário relativamente ao período de 2010, o que constitui uma omissão de pronúncia.
Ora, conforme se retira do exame da decisão recorrida, principalmente do seu enquadramento jurídico (cfr.fls.141 a 146 dos presentes autos), o Tribunal “a quo” julgou procedente o recurso deduzido ao abrigo do artº.146-B, do C.P.P.Tributário, tendo por objecto a decisão do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de derrogação do sigilo bancário identificada no nº.12 do probatório, por violação do regime previsto no artº.63, nº.3, da L.G.T., no que se refere ao segundo procedimento inspectivo levado ao efeito relativamente ao exercício de 2011 e devido a falta de indicação expressa dos novos factos que o fundamentam, mais considerando prejudicado o exame das restantes questões submetidas à apreciação jurisdicional. Pelo que, nos termos mencionados supra, quando o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/1/2014, proc.6995/13).
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, devendo improceder este fundamento do recurso.
Igualmente aduz o apelante que a decisão recorrida padece de erro de julgamento, uma vez que não se averigua sequer se se verificam os requisitos dos quais depende o princípio da irrepetibilidade, consagrado no artº.63, nº.3, da L.G.T. (actual nº.4). Que este princípio é aplicável unicamente às inspecções externas, como decorre da primeira parte deste preceito: "só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização". Que no caso dos autos não estamos nem perante duas inspecções externas, nem sequer numa reabertura de procedimento inspectivo. Que a situação tributária do segundo acto inspectivo, que não pode ser classificado como um procedimento de inspecção tributário externo, não está incluída no objecto da primeira acção. Que não havendo qualquer identidade entre procedimentos inspectivos não podemos interpretar o segundo como uma "reabertura" do primeiro. Que no segundo procedimento inspectivo não foram praticados quaisquer actos fora das instalações da A.T., ou seja, os actos materiais de inspecção praticados não podem sustentar a existência de uma inspecção externa (cfr.conclusões 1 a 4 e 8 a 19 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, diremos que a legalidade da decisão de derrogação do sigilo bancário em exame nos presentes autos, no que ao caso interessa (limitação aos poderes de fiscalização), deve ser aferida pelo regime previsto no artº.63, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 37/2010, de 2/9 (cfr.artº.12, nº.3, da L.G.T.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.132).
É a seguinte a redacção do preceito em exegese:
Artigo 63º.
“Inspecção”

4-O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.


Na exegese da norma deve mencionar-se, desde logo, que esta introduziu uma importante limitação dos poderes de fiscalização da A. Tributária, estabelecendo-se a regra de que não poderá haver mais que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, sem que haja factos novos e uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço no sentido de efectivação do novo procedimento.
Deverão considerar-se como “factos novos”, para efeito do preceito sob exame, aqueles que chegaram ao conhecimento da Administração Tributária após a primeira acção de fiscalização e não apenas os objectivamente supervenientes. Com efeito, é esta a única interpretação que assegura um alcance útil apreciável a este normativo, já que os factos que são objecto de acções de fiscalização são normalmente referentes a períodos de tributação anteriores ao tempo em que ocorrem aquelas e, por isso, não são factos objectivamente supervenientes. Pelo contrário, não podem considerar-se “factos novos” aqueles que poderiam ter sido conhecidos pelos serviços de fiscalização na anterior acção fiscalizadora. O princípio da proporcionalidade, expressamente invocado neste preceito (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.), impõe à Administração Tributária o dever de só incomodar os contribuintes na medida do estritamente necessário para os fins que tem em vista e, por isso, ela deve agir com diligência no cumprimento dos seus deveres de fiscalização, apurando adequadamente tudo o que deve averiguar no âmbito da inspecção, assim não sendo admissível, por força daquele princípio que, se ela não for suficientemente diligente no cumprimento dos seus deveres, seja o inspeccionado a suportar os inconvenientes dessa falta de diligência, sem que esta falta tenha qualquer consequência para a Fazenda Pública. Por outras palavras e de acordo com a norma em exame, apenas em situações excepcionais é possível inspecionar novamente o mesmo sujeito passivo quanto ao mesmo imposto e período de tributação, a saber:
1-Verificando-se a ocorrência de “factos novos”;
2-Tendo por objectivo a confirmação dos pressupostos de direitos que o sujeito passivo invoca perante a Administração Tributária;
3-Quando a inspecção ou inspecções efectuadas visem terceiros com quem o sujeito passivo mantenha relações económicas.
Ou seja, trata-se de uma baliza que visa conferir estabilidade à relação jurídico-tributária, constituindo dessa forma um limite à discricionariedade da Administração Tributária. E essa estabilidade apenas pode ser colocada em crise, permitindo a repetição de um procedimento de inspecção externo respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, conforme o já supra mencionado (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.548 e seg.; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.206 e 209 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, entendeu o Tribunal “a quo” que o segundo procedimento inspectivo (cfr.nºs.5 e 6 do probatório) violou o disposto no artº.63, nº.4, da L.G.T., devido a falta de indicação expressa dos novos factos que o fundamentam.
Por sua vez, o recorrente defende que não, que este princípio da irrepetibilidade, consagrado no artº.63, nº.4, da L.G.T., é aplicável unicamente às inspecções externas. Que neste segundo procedimento inspectivo não foram praticados quaisquer actos fora das instalações da A.T., ou seja, os actos materiais de inspecção praticados não podem sustentar a existência, desde logo, de uma inspecção externa.
Dilucidemos a situação.
Defende o recorrente que o segundo procedimento inspectivo não pode considerar-se de natureza externa.
Quanto ao lugar da realização, o procedimento de inspecção pode classificar-se como procedimento interno ou procedimento externo, consoante os actos que o integram se efectuem, respectivamente, nas dependências orgânicas e nos serviços da Administração Tributária ou em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais entidades abrangidas. Note-se que para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos serviços da Fazenda Pública, instalações ou dependências, designadamente, através da análise formal e de coerência dos documentos da escrita do contribuinte. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos), estaremos perante um procedimento externo (cfr.artº.13, do R.C.P.I.T., aprovado pelo dec.lei 413/98, de 31/12).
Mais, a qualificação dada pela Administração Fiscal a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração Tributária efectivamente praticar. Numa situação em que os actos materialmente praticados revelam a existência de um procedimento distinto daquele que foi formalmente indicado pela Administração, ou seja, um procedimento externo “de facto”, embora formalmente qualificado como interno, os vícios referentes à falta de notificação prévia ao sujeito passivo exigida pelo artº.49, nº.1, do R.C.P.I.T., bem como a ausência de ordem de serviço exigida pelo artº.46, nº.2, do mesmo diploma, devem ter como consequência, nomeadamente, a invalidade de uma eventual liquidação que venha a realizar-se, assim levando à sua anulação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/07/2012, proc.5289/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/02/2014, proc.7026/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.385 e seg.; Joaquim Freitas da Rocha e Outro, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.81 e seg.; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.91 e seg.).
“In casu”, atenta a factualidade provada (cfr.nºs.5 a 9 do probatório), deve concluir-se que nos encontramos perante procedimento inspectivo externo, natureza que também é reconhecida pela própria A. Fiscal no relatório produzido em 19/08/2013 (cfr.nº.9 da factualidade provada).
Tendo a natureza de procedimento inspectivo externo, este teria que se sujeitar, além do mais (cfr.v.g.artºs.46, nº.2, e 49, nº.1, do R.C.P.I.T.), aos ditames consagrados no examinado artº.63, nº.4, da L.G.T.
No caso “sub judice”, contemplando a factualidade provada (cfr.nº.5 e 6 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que o despacho DI201301357, datado de 28/03/2013, nada diz (quais os “factos novos” que fundamentam a abertura do novo procedimento inspectivo), não se alcançando através da sua leitura (ou da leitura da notificação que o acompanhou e que consta do nº.6 do probatório), as razões que motivaram a A. Fiscal a lançar mão de um novo procedimento inspectivo, com a expressa menção dos eventos que a determinaram a agir deste modo.
Nessa medida, se conclui que a decisão sob recurso (enquanto integrante de procedimento de inspecção ilegal) violou o disposto no artº.63, nº.4, da L.G.T., na redacção resultante da Lei 37/2010, de 2/9, relativamente ao ano fiscal de 2011.
Já o mesmo se não dirá no que se refere à decisão de derrogação do sigilo bancário respeitante ao ano de 2010.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se parcialmente procedente o presente recurso no que diz respeito à decisão de derrogação do sigilo bancário respeitante ao ano de 2010, nessa parte se revogando a decisão recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, no que respeita à decisão de derrogação do sigilo bancário do ano de 2010.
X
Condenam-se as partes em custas, em função do decaimento respectivo.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)