Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1162/09.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL
EXPO98
TITULAR DO DIREITO DE CONSTRUÇÃO
PRESUNÇÃO ILIDÍVEL
Sumário:I. O Regulamento da Contribuição Especial (RCE), devida pela valorização de imóveis, decorrente da realização da EXPO 98 (aprovado em anexo ao DL n.º 54/95, de 22 de março), define dois momentos relevantes distintos, para efeitos de incidência objetiva e subjetiva (cfr. artigos 2.º e 3.º).
II. Para efeitos de incidência objetiva, o momento relevante é aquele em que é requerida a licença de construção e, para efeitos de incidência subjetiva, é aquele em que é emitida essa mesma licença, sendo neste último momento essencial aferir quem é o titular do direito de construir.
III. O artigo 3.º do RCE consagra uma presunção de que a titularidade do direito de construção é daquele em nome de quem seja emitida a licença de construção, sendo tal presunção ilidível.
IV. Tendo, entre o momento em que foi requerida a licença de construção e o momento em que foi emitido o alvará de construção, sido transmitido o direito de propriedade do lote em causa e deixado o Recorrido de ser, por via dessa transmissão, titular do direito de construção, o mesmo não é sujeito passivo da CE, ainda que o alvará tenha sido emitido em seu nome, dado ter sido ilidida a presunção prevista no artigo 3.º do RCE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença, proferida no TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que o «S.................» deduziu na sequência do recurso hierárquico apresentado, anulou o acto de liquidação de contribuição especial prevista no Decreto-Lei nº 51/95 de 20 de Março, do ano de 2007, no valor de €20.693,00, referente ao lote de terreno para construção, designado por lote 7, da Urbanização Jardins do Cristo Rei e inscrito sob o artigo nº….., da actual União das Freguesias de Moscavide e Portela [ex- freguesia de Moscavide], e titulado pelo Alvará nº……., emitido em 30.08.2005, pela Câmara Municipal de Loures.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I - A douta sentença a quo determinou pela anulação da liquidação de Contribuição Especial, emitida em nome do Impugnante, no valor de € 20.693,00, por considerar que, não obstante, ser aquele titular de um alvará de construção para o prédio melhor identificado nos autos, o certo é que tal imóvel, por se encontrar à data da emissão daquela licença na titularidade de outra pessoa jurídica, ficou desprovido de qualquer efeito útil, ao que acresce o facto de a sociedade adquirente do imóvel também ter vindo a obter uma licença de construção em seu nome e para o mesmo imóvel, não podendo, por este motivo, o Impugnante ser considerado sujeito passivo de imposto, nos termos do disposto no artº3° do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao DL 54/95 de 22/03.

II - Ora, com a devida vénia pela douta decisão assim formulada e sempre com a ressalva de melhor entendimento, dissente esta RFP do julgado, pois como resulta dos autos, verifica-se que o Impugnante requereu o loteamento urbano do prédio em questão; foi proprietário do lote em causa até á data de 11.11.2004 e relativamente ao qual também requereu e obteve um alvará de construção.

III - Assim, tendo presente o estipulado no artº3° do DL 54/95 de 22/03, nos termos do qual, a contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitida a licença de construção ou de obra, forçoso se torna concluir que estes pressupostos da tributação se verificavam na pessoa do Impugnante, motivo pelo qual, perante a omissão declarativa prevista no artº7° daquele diploma por parte do mesmo, o serviço de finanças competente procedeu à respectiva notificação para entrega da competente declaração e, posteriormente, procedeu à emissão da liquidação de imposto.

IV - Nos termos expostos, constata-se que o Impugnante é o sujeito passivo do imposto, porque requereu e obteve a licença de construção relativa ao imóvel em causa, sendo que, também não cumpriu com as obrigações decorrentes do estipulado no DL nº555/99 de 16/12 quanto à alteração da titularidade dos alvarás de loteamento e de construção e respectiva comunicação ao serviço de finanças competente.

V - O Venerando Tribunal a quo, esteou a sua fundamentação numa errónea apreciação das razões de facto e de direito, pelo que foram violados, entre outros, os artigos artº3° e 7° do DL 54/95 de 22/03, motivo pelo qual, a liquidação de Contribuição Especial impugnada, porque legal, deve manter-se na ordem jurídica.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»



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Notificada da admissão de recurso a impugnante e, aqui recorrida, suscita na sua contra-alegação a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, dado que o recurso deduzido apenas abarca matéria de direito, e, pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado, tudo no seguinte quadro conclusivo:
«1ª. Atentas as conclusões da alegação da recorrente, em especial a conclusão II de acordo com a qual a "o thema decidendum, assenta em saber se a impugnante era sujeito passivo de imposto e se estava ou não isenta do mesmo", conclui-se que o objeto do presente recurso reconduz- se única e exclusivamente a questões de direito, sendo o recurso, portanto, da competência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. artigo 280º, nº1 do CPPT).
2ª. A contribuição especial em causa é devida, segundo a lei, ”pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitida a licença de construção ou de obra” (v. art.3º do Decreto-Lei nº54/95, de 22 de Março), o que significa que não basta que se verifique a condição de um alvará de licença se mostrar emitido em nome de certa pessoa, sendo ainda imprescindível que essa mesma pessoa seja titular do direito de construir.
3ª. Não sendo o ora Recorrido titular do direito de construir ao momento em que foi emitido em seu nome o alvará de autorização administrativa - por já não ser então o proprietário do lote, como se provou nos autos – é manifesta a ilegalidade do ato de liquidação por ausência de suporte legal.
. "O artigo 3º do RCE assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da dita valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respectivo alvará da licença da construção. Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efectivamente já não tinha o direito de construir. Nesta situação a valorização do terreno que a contribuição especial visou tributar não se repercute na esfera jurídica em nome de quem foi emitido o alvará mas sim em nome do titular do direito de construção" cfr. - Acórdão do STA de 30.01.2013, proferido no processo 0804/12, disponível em www.dgsi.pt

NESTES TERMOS, deve o recurso apresentado pela Fazenda Pública recorrente ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com as legais consequências;

Assim se decidindo será cumprido o DIREITO e feita JUSTIÇA

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se este Tribunal é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso – questão prévia suscitada pelo Recorrido nas suas contra-alegações.
(ii) na circunstância deste TCA ser hierarquicamente competente, importa apurar se o Tribunal a quo errou ao decidir que era ilegal a liquidação da contribuição especial efectuada pela AF ao abrigo do DL 54/95, de 22 de Março, referente ao lote de terreno para construção, designado por lote 7, da Urbanização Jardins do Cristo Rei e inscrito sob o artigo nº……, da actual União das Freguesias de Moscavide e Portela.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:


«A)
O impugnante é uma pessoa jurídica canonicamente erecta que goza de personalidade jurídica reconhecida pelo Estado Português e pelo artigo III da Concordata assinada, entre a Santa Sé e a República Portuguesa, em 7 de Maio de 1940 e confirmada na nova Concordata assinada, entre Santa Sé e a República Portuguesa, em 18 de Maio de 2004;
(Acordo)

B)
Por escritura de compra e venda, datada de 11.11.2004, o S................. Rei alienou o «Lote Sete» designado por terreno destinado a construção com área de novecentos e noventa e três metros quadrados pelo preço de novecentos e sessenta e três mil seiscentos e setenta e oitos euros à sociedade «…………….. SA.»;
(cfr. doc. fls. 39 a 46 do Processo Administrativo junto aos autos)

C)
Em 30.08.2005 a Câmara Municipal de Loures emitiu Alvará de Licença de Administrativa de Construção n.º ………., relativo ao prédio urbano sito na Urbanização Jardim de Cristo Rei, Lote …… – Freguesia de Moscavide, correspondente ao processo n.º ……….;
(cfr. doc. fls. 30 e 31 do Processo Administrativo junto aos autos)


D)
Através do ofício n.º 8800 de 13.11.2007 o Serviço de Finanças de Loures-3 notificou o impugnante, em 15.11.2007, para a presentar a Declaração Modelo 1 da Contribuição Especial, no prazo de 10 dias;
(cfr. doc. fls. 33 a 35 do Processo Administrativo junto aos autos)

E)
Em 04.12.2007 o impugnante deu entrada no Serviço de finanças de Loures-3 de uma exposição/reclamação informado que está dispensado do pagamento de qualquer imposto ou contribuição nos termos da Concordata de 1940 celebrada entre a Santa Sé e o Estado Português;
(cfr. doc. 37 e 38 do Processo Administrativo junto aos autos)

F)
Através do ofício.º 9821 de 10.12.2007 o impugnante foi informado de que a questão havia sido submetida superiormente por dúvidas sobre o benefício da referida isenção;
(cfr. doc. 48 do Processo Administrativo junto aos autos)

G)
Por falta de apresentação da Declaração Mod.1 de Contribuição Especial o Chefe do Serviço de Finanças de Loures-3, levantou o competente Auto de Notícia;
(cfr. doc. 49 do Processo Administrativo junto aos autos)

H)
Em 16.1.2009 o impugnante foi notificado, pelo mesmo serviço de finanças, para nomear representante para integrar a Comissão de Avaliação do Lote 7, referente à freguesia de Moscavide;
(cfr. doc. 50 e 51 do Processo Administrativo junto aos autos)

I)
Em 26.01.2009 o impugnante deu entrada no referido serviço de finanças de recurso hierárquico, cujo teor se dá por reproduzido;
(cfr. doc.4 do Recurso hierárquico junto aos autos)

J)
Em 10.03.2009, foi efetuada a avaliação do referido imóvel, no valor de €1.508.763 e notificado ao impugnante através do ofício nº001924 de 27.02.2009;
(cfr. doc. 53 a 62 do Processo Administrativo junto aos autos)

K)
Em 18.03.2009 o recurso hierárquico foi remetido à Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Património para apreciação;
(cfr. doc.2 do Recurso hierárquico junto aos autos)

L)
Em 21.04.2009 a impugnante foi notificada do valor da avaliação, bem como do montante a pagar de Contribuição Especial, no valor de €20.693,00;
(cfr. doc. 63 a 65 do Processo Administrativo junto aos autos)

M)
E, 16.06.2009 a impugnante deu entrada da impugnação judicial da liquidação de Contribuição Especial, no Tribunal Tributário de Lisboa onde foi registado com o nº104608;

III.I – Factos não Provados
Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.

MOTIVAÇÃO
A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas dos processos onde se encontram.»

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Atento o disposto no artigo 662.°, n.° 1, do CPC, ex vi artigo 281.° do CPPT, acorda-se em aditar ao probatório a seguinte factualidade:

N) O impugnante foi titular do direito de propriedade sobre prédio urbano designado por lote … da Urbanização Jardim de Cristo Rei, na freguesia de Moscavide, concelho de Loures, criado pelo Alvará de loteamento n.º ……….., de 9 de Fevereiro de 2004, cujo projecto foi aprovado por despacho de 24 de Agosto de 2005. (cfr. fls. 30 a 35 do processo administrativo).

Face aos elementos existentes nos autos, a alínea J) do probatório passa a ter a seguinte redacção:

J) Foi elaborado termo de avaliação, para efeitos de liquidação da contribuição especial prevista no DL n.°54/95, de 22 de Março, pelos serviços da administração tributária (AT), relativamente ao lote 7, do qual resultou como valor da avaliação à data do pedido de licenciamento o de €€1.508.763, indicando-se como tal o dia 24.08.2005. (cfr. fls. 54 a 67 do PA).


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B.DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, e antes de mais apreciar a questão da incompetência deste Tribunal Central Administrativo Sul para conhecer do presente recurso, suscitada pelo Recorrido nas suas contra-alegações.

A questão em controvérsia resume-se em saber, tendo em conta as regras de incidência objectiva e subjectiva, qual o momento relevante para a consumação do facto tributário, se o momento em que se está “formalmente” habilitado a realizar as obras, mas “materialmente” impossibilitado de o fazer, por se ter transmitido o direito de construir em data anterior à emissão do alvará de licença de construção, se a partir do momento da emissão do alvará, em data em que o direito de construir se torna efectivo.

Dito isto, estamos então em condições de conhecer, de imediato e imediata e prioritariamente da questão incompetência deste tribunal para apreciar o recurso, de harmonia com o disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do CPPT e 13.º do CPTA.

A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º do CPPT). A declaração de incompetência em razão da hierarquia permite que o interessado requeira a remessa do processo ao tribunal competente, que deve ser indicado na decisão que a declare, para o que dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação daquela decisão (cfr. artigo 18.º, n.º 2, do CPPT).

Das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, excepto se este tiver por objecto, em exclusivo, matéria de direito, circunstância em que o recurso deverá ser directamente interposto para o Supremo Tribunal Administrativo ou, a pedido do Recorrente, para aí remetido, por ser a esse Superior Tribunal que está cometida a competência para a sua apreciação (tudo, conforme artigos 16º, 18º e 280º do CPPP e 26º al. b) e 38º al. a) do ETAF).

É consabido que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos se deve atender aos fundamentos do recurso. E que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respectivas conclusões é pedida a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida ou questionada a valoração que desses factos foi feita.

Embora nem sempre seja tarefa fácil fazer a distinção entre o que constitui matéria de facto e matéria direito, será questão de direito tudo o que respeite à interpretação e aplicação da lei; isto é, o recurso versa matéria de direito sempre que, para se atingir uma solução, seja necessário recorrer a uma disposição legal mesmo que se trate somente de fixar a interpretação de uma simples palavra da lei (cfr. A. Reis, CPC Anotado, III, 206 e ss.; Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 391 e ss.; Ac. do STJ, de 8/11/95, CJ STJ, 1995, Tomo 3, 293).

Ademais, resultou ainda para este Tribunal que se verificava uma insuficiência no probatório, que motivou quer a alteração da redação do facto B) quer o aditamento do facto P), relevante para a apreciação das questões suscitadas, sendo certo que, quanto a este último, era dado por adquirido tal facto nas alegações, quando o mesmo não estava cabalmente consubstanciado.

Da análise das presentes Conclusões de recurso extrai-se que a recorrente não discorda da matéria (de facto) que serve de fundamentação para a prolação da sentença recorrida nem invoca factos novos que, em seu entender, ali devessem constar.

Contudo, o conhecimento do mérito do recurso envolve que este Tribunal tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto designadamente sobre o erro na sua valoração por falta insuficiência ou obscuridade dos elementos de prova a questão envolve necessariamente matéria de facto. E, foi por esta razão que a matéria de facto fixada em 1.ª Instância foi ampliada nos termos supra decididos.

Chegados aqui, é de concluir que por aplicação das disposições conjugadas das normas acima referidas, este Tribunal é competente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso.

Deste modo, improcede a excepção de incompetência em razão da hierarquia suscitada pelo Recorrido, havendo, pois, que conhecer do objecto do recurso.

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, em seu entender, os pressupostos da tributação se verificavam na pessoa do Recorrido, sendo o mesmo sujeito passivo do tributo, não tendo cumprido com as obrigações decorrentes do estipulado no DL n.° 555/99, de 16 de Dezembro.

Em situação idêntica à destes autos e onde, aliás, figuravam as mesmas partes, pronunciou-se o Acórdão deste Tribunal proferido em 14/01/20, no processo nº 1167/09.8BELRS, no âmbito de impugnação nº 1167/09.8BELRS da mesma Contribuição Especial, relativa, porém, a outro lote (o 23) da Urbanização Jardins do Cristo Rei, em Moscavide, cuja fundamentação sufragamos sem qualquer reserva de convicção. Tendo em conta a sua proficiente fundamentação jurídica, à qual nada se nos oferece acrescentar, limitar-nos-emos a acompanhar e reproduzir, com as necessárias adaptações, o que aí ficou dito, tendo em vista um interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil).

Em tal aresto ficou dito, o seguinte:

“O DL n° 54/95, de 22 de março, aprovou o Regulamento da Contribuição Especial (RCE), devida pela valorização de imóveis, decorrente da realização da EXPO 98, regulamento esse aprovado em anexo.

Nos termos do seu art.° 2.°, n.° 1, "[constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerida a licença de construção ou de obra e o seu valor à data dei de janeiro de 1992, corrigido pelo coeficiente de desvalorização monetária".

É, pois, definido, como momento relevante, para efeitos de incidência objetiva, o momento em que é requerida a licença de construção.

Por seu turno, o art.° 3.º do referido regulamento prescreve que a contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitida a licença de construção ou de obra.

Assim, são momentos relevantes, sob dois prismas distintos, (i) aquele em que é requerida a licença de construção e (ii) aquele em que é emitida essa mesma licença, sendo neste último momento relevante aferir quem é o titular do direito de construir.

A este propósito chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.01.2013 (Processo: 0804/12), que, apesar de respeitante à contribuição especial (CE) criada pelo DL n.° 43/98, de 3 de março, apresenta consonância com os presentes autos, dada a semelhança da disciplina legal de ambas as CE.

No mencionado aresto escreveu-se:

"Na confrontação do artigo 2 com o 3º parece haver dois momentos relevantes para a determinação do tributo: o do requerimento da licença de construção e o da emissão do respectivo alvará. O primeiro serve de ponto de referência para o cálculo do valor do prédio e o segundo constitui o momento em que se considera 'realizado' o acréscimo desse valor.

(...) [Para efeitos de determinar o momento da "realização" do acréscimo do valor do prédio ou terreno que foi valorizado pelos investimentos públicos, a lei atende à data da emissão do alvará, por ser esse o momento em que o titular do direito de construir o pode tornar efectivo. Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n° 604/2005, de 2/11 «o facto gerador do tributo é o acto jurídico de licenciamento da edificação — rectius no momento em que é emitido o título correspondente — que é aquele em que o acréscimo de valor do prédio ou terreno passa de potencial a actual, e não o requerimento da licença de construção, bastando ponderar que, se o licenciamento for requerido mas vier a ser indeferido, ninguém sustentará que o tributo seja devido».

O facto de na determinação da matéria colectável o artigo 2° do diploma atender ao valor actual dos prédios à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra, não significa que esse seja o momento da realização do acréscimo tributável. Como também se refere no referido acórdão, «não é a apresentação do requerimento de licenciamento da operação urbanística que constitui o facto gerador da obrigação de imposto. Estamos aí perante uma norma que opera em benefício do sujeito passivo, congelando esse aumento de valor em momento anterior ao da ocorrência do facto essencial, com que a mais valia eclode (a emissão do alvará), assim neutralizando os efeitos da maior ou menor duração do procedimento de licenciamento que, em princípio, é imputável à Administração ou decorre de circunstâncias aleatórias que o sujeito passivo não domina»".

E, no que respeita à densificação do conceito de titularidade do direito de construir, refere-se no referido Acórdão (cuja doutrina, apesar de a situação fática subjacente ser respeitante a superficiário, é transponível in casu):

"A determinação do momento em que se gera o facto tributário tem grande interesse no caso dos autos, pois quando o alvará foi emitido em nome da recorrente, ela já não era titular do direito de construir a obra licenciada. (...)

Sendo a contribuição devida pelos "titulares do direito de construir", o facto revelador da capacidade contributiva que constitui o pressuposto e causa da contribuição especial, naturalmente que só quem pode exercer esse direito vê repercutir na sua esfera jurídica o aumento de valor do prédio. A incidência objectiva, consubstanciada no aumento do valor do prédio, resulta da possibilidade do mesmo ser utilizado para construção urbana. Mas, só quem tem o direito de construir pode ser sujeito passivo da contribuição especial. Isto significa que o facto tributário considerado (...) é (...) a titularidade do direito de construir, em sentido estrito, que consiste na faculdade de se materializar o aproveitamento urbanístico correspondente e que é consolidado ou adquirido com a emissão da licença titulada por alvará.

(...) Ora, no caso dos autos, quando o acréscimo de valor se "realizou", consumado com a emissão do alvará de licença de construção, tal como se dita no artigo 30 do RCE, já o requerente do licenciamento não era titular do direito de construir: o alvará foi emitido em Março de 2008 e em Dezembro de 2007 O direito de construir foi transmitido para terceiro. Se este tivesse cumprido o disposto no n° 9 do artigo 90 do RJEU, averbando no prazo de 15 dias a substituição do titular do direito de construir, naturalmente que o alvará teria sido emitido em seu nome".

Assim, e sistematizando, o conceito de titular de direito de construção para efeitos do art.° 3.º do RCE é distinto, designadamente, do de proprietário (e de titular do direito de construção) à data da apresentação do requerimento de licença de construção, podendo haver alterações subjetivas entre um momento e outro.

A este respeito, o próprio Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL n.° 555/99, de 16 de dezembro, admite tais alterações nos procedimentos ali consagrados (cfr. n.° 9 do seu art.° 9.º).

É ainda de sublinhar que consta do já mencionado art.° 3.º do regulamento em causa uma presunção de que a titularidade do direito de construção é daquele em nome de quem seja emitida a licença de construção. Não obstante, tal presunção é ilidível.

Chama-se novamente à colação o já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, onde se refere:

"O artigo 3º do RCE assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da dita valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respectivo alvará da licença de construção. Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efectivamente já não tinha o direito de construir. Nesta situação, a valorização do terreno que a contribuição especial visou tributar não se repercute na esfera jurídica em nome de quem foi emitido o alvará, mas sim em nome do (...) titular do direito de construção".

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, resulta, desde logo, que, apesar da emissão do alvará de autorização administrativa de construção, em Setembro de 2005, incidente sobre o lote ….. da Urbanização dos Jardins do Cristo Rei, em nome do S................. , a verdade é que, como resulta do probatório, o Recorrido vendeu o lote em causa, através de escritura outorgada em novembro de 2004.

Ou seja, através do contrato celebrado em novembro de 2004, o Recorrido transmitiu a um terceiro o direito de construção ínsito à propriedade do lote, que declarou transmitir naquela data. Não obstante, o alvará de construção foi, apesar de tal transmissão, emitido em nome do Recorrido, em Setembro de 2005.

Já em 2007, o Recorrido foi notificado pela Administração Tributária para que procedesse à entrega da declaração modelo 1 da CE, tendo nessa sequência reagido e explanado as razões por que, na sua perspetiva, não teria de proceder a tal apresentação.

Após tais procedimentos, foi ainda o Recorrido notificado para nomear representante para efeitos de avaliação do lote, tendo tal avaliação sido efetuada e, em consequência, emitida a liquidação impugnada.

Ora, retomando o acórdão que vimos citando, “tendo em consideração esse acervo probatório, para apreciação do erro sobre os pressupostos de facto e de direito da liquidação em causa, há que atentar na titularidade em concreto do direito de construir à data da emissão do alvará de construção.

Assim, e voltando ao caso dos autos, considerando o contrato celebrado em novembro de 2004, resulta que o Recorrido deixou de ser o titular do direito de construção, não obstante o alvará de construção ter sido emitido em seu nome.

(….)

Não sendo o Recorrido titular do direito de construção, no momento da emissão do alvará de loteamento, não se encontra verificado o elemento subjetivo constante do art.° 3.º do regulamento.

O facto de não ter sido dado cumprimento ao disposto no art.° 7.º do RCE também não permite extrair diferente conclusão, ao contrário do defendido pela Recorrente.

Com efeito, nos termos do mencionado art.° 7.º:

"1- Os titulares de licença de construção ou de obra deverão apresentar até ao fim do mês imediato àquele em que tenha sido emitida a referida licença, na repartição de finanças da área da situação do prédio, declaração do modelo aprovado.

2 - Com a apresentação da declaração deverá ser exibida a licença de construção ou de obra a fim de ser extraída pela repartição de finanças fotocópia destinada a documentar o processo".

É certo que esta disposição legal, ao contrário do referido no art.° 3.º, não apela ao conceito de titular do direito de construção.

No entanto, trata-se de disposição legal que prevê uma obrigação acessória e não uma norma de incidência, ao contrário do art.° 3.º. Ademais, sempre a interpretação das normas tem de ser sistemática e, como tal, a interpretação do art.° 7.º deve ser feita atento o disposto na globalidade do RCE, designadamente no art.° 3.º.

Portanto, o facto de o Recorrido não ter cumprido o disposto no art.° 7.º em nada altera o juízo efetuado, pois que não era o mesmo o titular do direito de construção à data da emissão do alvará de construção.

(…)

Como tal não se verifica o pressuposto subjetivo do facto tributário em termos de titularidade do direito de construção, o que fere a liquidação em crise de erro sobre os pressupostos.

Logo, carece de razão a Recorrente».

Em conformidade com o transcrito, que aqui se acolhe, e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as conclusões da alegação do recurso e nega-se provimento ao mesmo.

IV.CONCLUSÕES

I. O Regulamento da Contribuição Especial (RCE), devida pela valorização de imóveis, decorrente da realização da EXPO 98 (aprovado em anexo ao DL n.º 54/95, de 22 de março), define dois momentos relevantes distintos, para efeitos de incidência objetiva e subjetiva (cfr. artigos 2.º e 3.º).

II. Para efeitos de incidência objetiva, o momento relevante é aquele em que é requerida a licença de construção e, para efeitos de incidência subjetiva, é aquele em que é emitida essa mesma licença, sendo neste último momento essencial aferir quem é o titular do direito de construir.

III. O artigo 3.º do RCE consagra uma presunção de que a titularidade do direito de construção é daquele em nome de quem seja emitida a licença de construção, sendo tal presunção ilidível.

IV. Tendo, entre o momento em que foi requerida a licença de construção e o momento em que foi emitido o alvará de construção, sido transmitido o direito de propriedade do lote em causa e deixado o Recorrido de ser, por via dessa transmissão, titular do direito de construção, o mesmo não é sujeito passivo da CE, ainda que o alvará tenha sido emitido em seu nome, dado ter sido ilidida a presunção prevista no artigo 3.º do RCE.

V. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 7 de Maio de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]