Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04406/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/12/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
DIREITO DE AUDIÇÃO.
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL.
Sumário:1.O relatório final elaborado no termo do procedimento de inspecção deve ser notificado ao contribuinte acompanhado dos devidos elementos de prova apurados pela AT e que sustentam a liquidação subsequente;

2. Na falta de tal envio e não tendo o contribuinte podido exercer integralmente o seu direito ao contraditório, a posterior liquidação enferma desse vício consequencial, que se não degrada em formalidade não essencial, a menos que se possa concluir que, mesmo cumprindo integralmente tal formalidade, sempre o resultado do acto de liquidação seria o mesmo;

3. O pedido de certidão dos elementos em falta previsto no art.º 37.º do CPPT, apenas tem lugar relativamente a actos que respeitem a matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua existência/validade, que não para suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Terras …………. – Empreendimentos ……………….., SA, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I - Salvo o devido respeito, somos da opinião que a argumentação tecida na douta sentença, assentou na errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, mormente do disposto no Art.º 60.º da Lei Geral Tributária,
II – A impugnante foi notificada para exercer o direito de audição nos termos do art.º 60.º da LGT;
III – Está demonstrado de forma inequívoca nos autos que a Administração Tributária notificou o sujeito passivo para exercer o direito de audição, aliás direito que foi exercido por parte do sujeito passivo, ora impugnante.
IV- Os documentos mencionados no projecto de relatório final e que não acompanharam a sua comunicação ao sujeito passivo não prejudicam o exercício da participação do contribuinte na da decisão final.
V – Tais documentos referem-se a negócios interligados entre si, partilhando o mesmo objecto: o imóvel supra identificado. Por esse motivo, a apresentação das cópias referidas tornou-se prescindível, na medida em que já eram do conhecimento da impugnante.
VI - E, a fundamentação, embora sem as cópias dos referidos documentos, foi suficiente, pois permitiu que a impugnante, ou permitiria que qualquer destinatário normal e atento, percebesse a razão porque e como se decidiu proceder à liquidação adicional do imposto devido.
VII- Aliás, o art.º 77.º, n.º 1 da LGT, enuncia os moldes formais em que se deve toldar o dever de fundamentação em geral expondo-se as razões de facto e de direito que motivaram o acto, e que pode ser feito por declaração de concordância com o próprio relatório de inspecção, o qual, espelha todas as exigências legais e que a impugnante indica estarem em falta. Por este motivo não apraz o argumento agudizado pela impugnante de haver falta de fundamentação do acto tributário em questão.
VIII – Em todo o caso, a impugnante poderia ter usado da faculdade que lhe assiste nos termos do art.º 37.º do CPPT,
IX - Caso entendesse insuficiente a fundamentação poderia nos termos do art.º 37.º do CPPT, requerer a notificação de quaisquer elementos em falta que lhe permitissem melhor compreender os factos que originaram a liquidação em crise ou a passagem da certidão que os contivesse. Trata-se de uma faculdade que é dada, afim de obter a sanação da deficiência. Contudo a impugnante não o fez encontrando-se o eventual vício sanado.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por o não envio da citada cópia do cheque não constituir falta de fundamentação, sempre podendo a mesma ter pedido cópia do mesmo, pelo que tal formalidade se degradou em não essencial.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a falta do envio à ora recorrida, dos documentos onde a AT faz repousar a factualidade em que funda a liquidação adicional, aquando do direito de audição no âmbito de uma acção de inspecção, constitui preterição de formalidade legal conducente à anulação da posterior liquidação.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 25.09.2001, foi celebrado entre o Banco …………., S.A. e a P……….. - Propriedades …………………., Lda, um contrato de empréstimo em que aquele concede à segunda um empréstimo no montante de € 728.257,00 (145.000.000$00), destinado a financiar “(. . . ) a aquisição prédio urbano composto de sub-cave, cave, rés-do-chão e 1.º andar, com a área coberta de 331,80 m2 e logradouro de 1.551,20 m2, sito na Avenida D. ……………….., n.º 11 em …….., Freguesia ………………., concelho de Cascais”. (Doc. n.º2 junto à p.i.)
B) Em 28.09.2001, entre a B…………. IMOBILIÁRIA- Sociedade de ………………., SA. e P…………..- PROPRIEDADES ………………., Lda foi celebrado o contrato de Locação Financeira Imobiliária (Proposta n.º 804460),tendo por objecto o “prédio urbano composto de sub-cave, cave, rés-do-chão e andar, com a área coberta de 331,80m2 e logradouro de 1.551,20m2, sito na Avenida D. ……………., n.º 11 em …………., Freguesia …………., concelho de Cascais, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número …………………….., da mencionada Freguesia.. (Doc. n.º 1 junto á p.i.)
C) Nos termos da Cláusula 10° do convénio referido na al. C)do probatório, as partes: "(...) acordam e reconhecem que o presente Contrato de Locação Financeira Imobiliária foi celebrado tendo por base e como pressuposto a celebração do Contrato de Mútuo, com o B…………., devendo ambos os contratos ser considerados como um único negócio incidível. - (Doc. n.º1 junto á p.i.)
E) Em 28.09.2001, foi emitido à ordem da impugnante, o cheque n.º………………. da conta n.º……….. do Banco …………………………. no valor de 1405.000.000$00. (Docs. fls. 29 e 80 do processo administrativo tributário em apenso)
F) Em, 28.09.2001, foi lavrada no Décimo Oitavo Cartório Notarial de Lisboa a escritura de compra e venda entre a impugnante e a B……… E …………., nos termos da qual a primeira vende à segunda "um prédio urbano, sito na Avenida ……………………, número 11, lugar …………………., freguesia ……………….., concelho de Cascais, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o numero …………………., da referida freguesia” pelo preço de 140.000.000$00. (Doc. fls. 31 a 81 do processo administrativo tributário em apenso)
G) Em cumprimento da Ordem de Serviço 98404 de 16.14.2006 (SIC), a Administração Fiscal levou a efeito uma acção de fiscalização à impugnante, relativa ao exercício de 2001 e no âmbito do IRC.
H) Elaborado o projecto de relatório final, foi a impugnante notificada para exercer direito de audição prévia, nos termos do art. 60º do RCPIT, o que fez, nos termos consignados a fls. 56 a 61 do processo administrativo tributário em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
I) Na sequência da acção inspectiva a que alude a al. G) do probatório foi elaborado o Relatório Final, do qual se destaca:
“VIII - DIREITO DE AUDIÇÃO-FUNDAMENTAÇÃO
Não se percebe como é que a requerente ou o mandatário tributário afirma que nunca foi portadora do dito cheque- cheque n…………………., no valor de 145.000.000$ - se a assinatura da procuração passada ao mandatário tributário pelo administrador da empresa (folha 13 do anexo IV) é igual à assinatura do gerente da Terra de Murches que consta no verso do cheque (anexo III de 2 folha)
Fica, assim, provado que o beneficiário da verba de 145.000.000$00 foi a Terra …………... E que, o valor da venda do imóvel sito na Avenida D. …………………., n.º 11, lugar de ………………, freguesia ………………., concelho de Cascais, foi de 285.000.000$00 e não de 140.000.000$00, conforme se prova através da escritura celebrada entre a Terras ………… e a B………….. e Factoring, do contrato de empréstimo celebrado entre o Banco …………….. e a P………….- Propriedades ……………. e dos cheques emitidos pela B……………….. e pelo B………, a que tivemos acesso e que constituem os anexos I, II e III.
J) Mediante ofício n.º 036986 datado de 14.06.2005, foi a impugnante notificada das conclusões resultantes da acção de inspecção tributária, das correcções técnicas efectuadas e sede de IRC. (Doc. fls. 1 a 8 e 80 a 81 do processo administrativo tributário em apenso)
L) A Administração Fiscal não juntou no projecto de decisão notificado à impugnante para efeitos de audiência o verso da cópia do cheque a que alude a al. E) do probatório e documentos a que aludem as alíneas A), B) e C) do probatório. (acordo – ­vide arts. 13 e 19° da contestação e fls. 162 a 170 dos autos)
M) Em 04.07.2005, foi emitida a liquidação adicional de IRC nº ………………, referente ao exercício de 2001, no montante de € 292.158,64, que inclui juros compensatórios no montante de € 87.567,19, na qual se mostra aposta como data limite de pagamento voluntário 16.08.2005. (Doc. fls. 75 do processo administrativo tributário em apenso)
N) Em, 12.08.2005 a impugnante procedeu ao pagamento do montante aposto na liquidação adicional de IRC a que alude a al. M) do probatório. (Doc. fls. 59 dos autos)
O) Mediante registo postal com data de 02.11.2005, foi remetida a juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)

MOTIVACÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto de efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.

Factos não provados
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o não envio à ora recorrida, aquando do direito de audição prévia, dos vários documentos que suportavam o relatório final do projecto de decisão, designadamente da cópia do cheque n.º ………….., que a mesma logo em sede do direito de audição disse desconhecer, não se mostrava assegurado o exercício do direito de audição, já que não pode contraditar tal elemento, pelo que ocorreu o vício de forma de preterição de formalidade essencial, que inquinou a posterior liquidação, não tendo conhecido dos demais vícios assacados ao acto de liquidação, por prejudicados.

Para a recorrente Fazenda Pública, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que se vem a insurgir, por os documentos não remetidos aquando do direito de audição não terem prejudicado a sua defesa, que veio a exercer, sendo que tais documentos já eram do conhecimento da mesma, e que em todo o caso, a haver tal falta, então poderia a ora recorrida ter feito uso do disposto no art.º 37.º do CPPT para obter esses elementos em falta que, não o tendo feito, tal fala se sanou.

Vejamos então.
Passamos então a conhecer se não ocorreu o vício formal de preterição da formalidade legal de falta de remessa dos elementos sobre que repousava o relatório final do projecto de decisão, designadamente da cópia do cheque n.º 2523511320, aquando da notificação para a audição prévia da ora recorrida, antes da liquidação ora impugnada, ou se tal formalidade se degradou em não essencial, questão que foi conhecida em, entre outros, no recurso deste Tribunal, n.º 4043/10 (1) e que para aqui se aporta enquanto seu discurso fundamentador.
(...)
(2) É certo que os contribuintes têm direito a ser ouvidos e a pronunciar-se nos procedimentos que lhes digam respeito, antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados do sentido dela: Cfr. 267° n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), arts. 8° e 100° e ss do Código de procedimento Administrativo (CPA), art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 45° do CPPT.

Conforme doutrina expressa no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 03/05/2005, no Recurso n° 1076/03, "o direito de audição reclamado pelo impugnante integra o princípio da participação dos contribuintes consignado no Art.º 267/5 da CRP e 60 e segs. da LGT [sendo dispensada no caso de a liquidação se efectuar com base em (...) reclamação ou petição favorável. (n.º 2 do Art.º 60 LGT e 103/2, b) do CPA].
(...)
Não sendo a decisão impugnada favorável ao contribuinte, não podia ser dispensada a sua audição.
Ao preterir-se a formalidade essencial de audição prévia, o acto tributário está ferido de invalidado, por vício de forma.
Contudo, esta invalidade não é geradora de nulidade mas sim de mera anulabilidade, uma vez que a lei não comina a sanção, mais severa, de nulidade.
(...)
Hoje a LGT, que veio adequar a disciplina do procedimento tributário ao Código do Procedimento Administrativo e à Constituição (vd. relatório do Decreto-Lei n.º 398/98, de l7 de Dezembro) consagra expressamente e regulamenta a audiência prévia no procedimento.
Porém, ao fazê-lo, visa mais a concretização do princípio democrático na sua dimensão participativa, e não tanto a ideia garantística inerente ao princípio do Estado de Direito, pois o que aí está em causa é fundamentalmente um princípio de organização e acção administrativa, sendo por isso que já anteriormente o CPA veio estabelecer como forma de participação no procedimento administrativo a audiência dos interessados regulada nos seus artigos 100.º e seguintes, que, no essencial, pressupõe o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objecto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
(...)
Porque estamos em presença de um conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, diríamos que estamos no âmbito do contraditório e por isso não se impunha a audiência pretendida pela recorrente.
Acresce que em nosso critério a violação do art. 100.º CPA se reconduz a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, estando essa formalidade instituída para assegurar as garantias de defesa da interessada, por forma a garantir a justeza e correcção do acto final do procedimento.
Ora, tratando-se de um trâmite destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares a possibilidade de também aqui ser possível ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial, quer dizer que a preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final.
(...)
Por outro lado, nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT, que define as formas do princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, dispõe, expressamente, que esta se pode efectuar nos termos aqui prescritos, sempre que lei não prescrever em sentido diverso...(realce nosso),ou seja, é a própria LGT, ela própria, que igualmente dá relevo a outras formas de participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito, de acordo com os vários procedimentos tributários específicos (caso existam), que neste caso são os directamente aplicáveis, que não o regime da mesma LGT, ainda que por remissão expressa desta.
(...)
A ratio deste n.º2 do art.º 60.º da LGT, visa evitar que a audição se transforme num momento procedimental que não tenha qualquer sentido racional na perspectiva da utilidade para a formação da decisão ou deliberação tributárias. Um momento de simples decoração do procedimento, que nenhum valor substancial justifica e antes é arredado pelos princípios gerais da utilidade racional dos actos jurídicos, da celeridade, da simplicidade e da eficiência do procedimento (3).
(...)

No caso, como se colher do respectivo relatório elaborado pela Inspecção Tributária, a correcção proposta ao seu lucro tributável em sede de IRC para este exercício de 2001, assentou, fundamentalmente, por a ora recorrida ter alienado o referido prédio urbano por € 1.421.574,01, quando na sua contabilidade apenas fez registar tal transacção por € 698.317,06, tendo-lhe sido imputado a omissão dessa diferença, encontrando-se a mesma suportada no citado cheque, cuja cópia lhe não foi remetida aquando da sua notificação para o exercício do seu direito de audição prévia, como consta na matéria fixada das alíneas E) e L) do probatório fixado na mesma sentença, que a recorrente, no presente recurso, não coloca validamente em causa – cfr. art.º 690.º-A do CPC, na redacção então vigente e a aplicável – e nem dos autos se vislumbram elementos que, oficiosamente, a devam alterar, tendo a mesma ora recorrida no exercício de tal direito de audição – cfr. sua cópia de fls 135/140 do PA apenso – quanto a tal cheque afirmado ..desconhece a existência de um tal cheque ...posto que o mesmo nunca deu entrada em qualquer conta bancária da requerente ... nunca tendo sido portadora do dito cheque...cabia a esses serviços afastar esta eventualidade com a junção aos autos (e notificação ao contribuinte) do verso do dito cheque de 145.000.000$00 ou seja, logo acusou a falta da sua remessa com tal notificação e por outro lado, que o mesmo tenha servido para os fins imputados pela AT, desde logo por ter sido passado não pela B………. mas sim pelo Banco …………………., SA, que não foi a entidade com quem celebrou o contrato de empréstimo, assumindo o dito cheque uma posição determinante no suporte da factualidade donde emergiu a liquidação ora em causa, pelo que a cópia do mesmo lhe deveria ter sido remetida, com a sua frente e verso, para permitir aquilatar a favor de quem, eventualmente, tenha o seu valor sido depositado, e permitir à ora recorrida nesse âmbito do direito de audição prévia, ter sobre o mesmo podido exercer plenamente o respectivo contraditório, dimensão em que a mesma se não pronunciou (e nem se poderia pronunciar, fundadamente), pelo que foi preterida essa formalidade prevista na lei, no âmbito de tal direito de audição prévia.

É que a norma do art.º 60.º, n.º4 (4) da LGT, na redacção de então, dispunha que ...para efeitos do exercício do direito de audição deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação, consistindo esta, também, no direito do mesmo em controlar a produção da prova produzida pela AT até então e onde fez assentar a liquidação, no caso, como bem se pronuncia a M. Juiz do tribunal “a quo”, citando doutrina e jurisprudência que no mesmo sentido têm entendido, e que para aqui se aporta enquanto discurso fundamentador deste.

Também não se pode concluir ter ocorrido a degradação desta formalidade em não essencial, por o acto de liquidação vir a ter o mesmo conteúdo, por não se poder de antemão conhecer o que a ora recorrida iria invocar em sede do direito de audição quanto a tal cheque e o que de seguida, a AT iria decidir face aos eventuais argumentos invocados e provas apresentadas pela ora recorrida, desta forma se não podendo concluir que tal falta não prejudicou o direito de defesa da mesma, como invoca a recorrente, e nem que a ora recorrida já conhecia o teor de tal cheque, matéria esta que não logrou provada na sentença recorrida, pelo que à luz deste fundamento também a preterição de tal formalidade se mantém erecta, por não se vislumbrar a sua degradação em formalidade não essencial.

Por outro lado, também ao contrário do defendido pela ora recorrente, o mecanismo previsto no art.º 37.º do actual CPPT, não poderia servir para suprir tal falta da remessa dos elementos apurados pela AT no âmbito do procedimento de inspecção e aquando do direito de audição prévia da ora recorrida, por o mesmo se destinar apenas aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência e não para suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, tendo desde logo em conta a redacção do seu n.º2, que apenas se cinge aos meios de reacção judicial contra o mesmo, e que os vícios procedimentais apenas podem ser conhecidos judicialmente aquando da impugnação do posterior acto de liquidação, salvo se, por si próprios, forem lesivos, nos termos da impugnação unitária do acto, por força do disposto no art.º 54.º do mesmo CPPT – cfr. neste sentido João António Valente Torrão, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2005, Almedina, págs. 171 e 187, nota 2. e acórdãos do STA de 13-10-2010 e 3-11-2010, proferidos nos recursos n.ºs 493/10 e 586/10, respectivamente.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 12 de Julho de 2011
Eugénio Sequeira
Lucas Martins
Aníbal Ferra, com a declaração de que não acompanho o penúltimo parágrafo da fundamentação supra.


(1) Tendo por Relator o do presente.
(2) Seguimos aqui de perto, na parte correspondente, a fundamentação expendida no acórdão deste Tribunal de 4.10.2005, recurso n.º 6876/02, em que o aqui Relator ali foi Adjunto.
(3) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 13.11.2002, recurso n.º 977/02-30.
(4) Correspondente ao actual n.º5.