Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:17/20.9 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:- ARD
- ERRO NA FORMA DO PROCESSO
- INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I. A ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta quando que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.

II. O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – Relatório

F…, com os sinais dos autos, notificado do despacho de indeferimento liminar da ação para reconhecimento de um direito em matéria tributária, dele veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

27. A decisão recorrida encontra-se viciada de erro na aplicação do direito, ao fundamentar que o meio processual adotado, a ação para reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária, previsto no art. 145.º CPPT, não poderia ser usado para a apreciação da prescrição, e que apenas a Oposição, cfr. art. 203.º e 204 CPPT e a Reclamação, cfr. art. 276.º CPPT, o seriam.
28. Os meios processuais referidos na decisão recorrida como os adequados ao pedido, seriam os adequados para a invocação por exceção.
29. O Recorrente apresenta o pedido para a apreciação da prescrição por ação.
30. A apreciação da prescrição tributária por ação tem como meio processual adequado a ação sob a forma adotada.
31. O tribunal a quo na decisão recorrida não se pronunciou sobre o pedido de verificação da prescrição invocada, questão fundamental da ação.
32. O pedido de reparação deduzido na mesma ação é perfeitamente cindível do pedido da apreciação da prescrição.
33. O tribunal a quo deveria na decisão recorrida ter se pronunciado sobre a prescrição invocada das obrigações nos referidos processos de execução fiscal.

Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, ao presente recurso, depois de autuado, deve ser concedido provimento e, em consequência, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que aprecie o mérito do pedido de verificação e declaração da prescrição invocada.

Notificada para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao indeferir liminarmente a ação apresentada- a ação para o reconhecimento de um direito – ao considerar verificado o erro na forma processual utilizada, não passível de convolação.

E, se ainda que assim se entendesse, se o tribunal recorrido deveria ter conhecido da prescrição das dívidas exequendas.


II.1 - Pertinente, releva dos autos o seguinte:

A) Em 2020.01.13, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada deu entrada a petição inicial de ação para reconhecimento de um direito, constante de fls. 4 – doc nº 004321680 registado em 10-01-2020 às 16:23:51, que aqui se dá como integralmente reproduzida, na qual o A., termina pedindo:

Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exa., a presente ação depois de autuada, deve ser julgada procedente porque provada, e em consequência, os referidos processos de execução fiscal devem ser revogados porque prescritos ou caducados nos termos legais; bem como o Autor deve ser indemnizado dos danos morais causados pelo prejuízo injustificado ao seu bom nome incluindo-o na lista pública de devedores à Fazenda Nacional, no valor de 10.000,00€ (dez mil euros)

B) É o seguinte o teor da decisão sob recurso:

F…, contribuinte fiscal n.º 1…,com os demais sinais nos autos, invocando o disposto no artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vem intentar acção para reconhecimento de um direito em matéria tributária, contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, através da qual pede a “revogação” dos processos de execução fiscal n.ºs 2160…, 2160…, 2160…, 2160…, 2160… e 2160…, bem como indemnização por danos morais, por prejuízos decorrentes da inclusão do seu nome na lista pública de devedores à Fazenda Nacional.
Para o efeito alega, em síntese:
− Foi declarado falido, em 15.06.2001, tendo sido executado em diversos processos de execução fiscal, sem que nestes processos tenha sido realizada a citação do fiduciário ou ao administrador de insolvência. Se tivesse ocorrido a citação devida, estes processos teriam sido extintos por inutilidade superveniente da lide, dado que não se encontraria património do autor para a satisfação dos créditos em causa;
− A falta de notificação ao fiduciário ou administrador de insolvência das liquidações dos impostos, custas e coimas importa a caducidade das mesmas que deve ser declarada nos respectivos autos;
− Decorreram mais de oito anos desde do termo dos períodos a que se referem os factos tributários e que deram origem dos processos de execução fiscal, motivo pelo qual sustenta a respectiva prescrição;
− Dado que ficou prejudicado no seu direito fundamental ao bom nome e crédito, pela manutenção do seu nome na lista de contribuintes singulares, devedores de 100.000,01 EUR a 250.000,00 EUR, por causa das dívidas a que se referem os processos de execução fiscal, deve ser compensado pelos danos morais que sofreu no montante de 10.000,00 EUR.
Por despacho de fls. 36 (SITAF), foi suscitada a excepção de impropriedade do meio processual e foi notificado o Autor para se pronunciar.
Na sequência da referida notificação, o Autor pronunciou-se no sentido de a presente forma de processo ser a única e a mais adequada para a tramitação dos pedidos formulados nos autos (cfr. fls. 41 e 42 do SITAF).
*
Encontrando-se os autos em fase liminar importa, desde logo, conhecer da excepção de impropriedade do meio processual suscitada nos autos.
Decorre dos artigos 20.º e 268.º, n. º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) o princípio da tutela jurisdicional efectiva, de acordo com o qual a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, reconhecendo-se, desta forma, que a todo o direito corresponde uma acção adequada para que o mesmo possa ser reconhecido em tribunal.
Além disso, o artigo 2.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, determina que “[a] todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação”.
A todo o direito corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo [artigo 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 2.º, n.º 2, do CPC], não tendo o interessado a faculdade de escolher o meio processual que lhe aprouver, mas sim tem de escolher, de acordo com o catálogo legal, aquele que é o adequado para fazer valer em juízo, em realização desse direito, sendo corolário desse princípio, a diversidade das formas de processo previstas no artigo 97.º do CPPT, de acordo com o pedido e a causa de pedir pretendidas fazer valer em juízo pelo interessado.
O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual, ocorre erro na forma do processo (cfr., entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.03.2012, proc. n.º 1145/11).
Neste contexto, torna-se essencial apreciar se, no caso concreto, a forma processual adequada é a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no artigo 145.º do CPPT.
Como é jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo constitui um meio complementar dos restantes meios contenciosos previstos no contencioso tributário, destinados a servir aqueles casos em que a lei não faculta aos administrados os instrumentos processuais adequados à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos. Daí que se recuse a este meio processual a função de uma segunda garantia de recurso aos tribunais, perdida a primeira pela preclusão do respectivo prazo.
É o que decorre do disposto no artigo 145.º, n.º 3, do CPPT, que tem um teor idêntico ao artigo 165.º, n.º 2, do CPT, ao dispor que as acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido.
Constitui a adopção do que se tem vindo a designar por teoria do alcance médio (cfr., a este propósito Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Comentado e Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 491 a 495, e Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 3.ª edição, p. 140).
A acção para reconhecimento de um direito em matéria tributária constitui um meio complementar dos restantes meios contenciosos previstos no contencioso tributário, e não um meio a ser utilizado em cumulação com outro(s) meio(s), tendo que ser recusada a sua utilização quando tem em vista servir como uma segunda garantia de recurso aos tribunais.
Retornando ao caso dos autos, através da presente acção para reconhecimento de um direito, o Autor pretende, por um lado, que os processos de execução fiscal sejam extintos, na medida em que formula um pedido no sentido dos mesmos serem “revogados porque prescritos ou caducados nos termos legais”, e, por outro lado, pretende ser indemnizado dos danos morais alegadamente causados pelo prejuízo injustificado ao seu bom nome, devido à sua inclusão na lista pública de devedores à Fazenda Nacional.
Ora, tais pedidos formulados pelo Autor não se enquadram na acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, desde logo, porque existem outros meios processuais mais adequados à satisfação da sua pretensão.
O meio processual adequado à extinção dos processos de execução é claramente o processo de oposição à execução (artigos 203.º e 204.º do CPPT).
Com efeito, o pedido de extinção dos vários processos de execução fiscal, por prescrição, encontra na oposição à execução fiscal o meio processual mais adequado [cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT], ou na reclamação dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal, uma vez suscitada a questão da prescrição junto do órgão de execução fiscal e não tendo o requerente obtido satisfação da sua pretensão (cfr. artigo 276.º do CPPT).
Sendo que, quanto ao pedido de indemnização por danos morais − fundado em responsabilidade civil extracontratual do Estado, cujo regime jurídico se encontra consagrado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro −, o conhecimento do mesmo não será sequer da competência dos tribunais tributários, mas sim dos tribunais administrativos, devendo aí tramitar como acção administrativa.
Com efeito, a apreciação deste pedido convoca normas que não são de direito tributário, encontrando-se a pretensão indemnizatória do autor dependente da apresentação de uma acção administrativa, destinada à apreciação de matéria relativa a responsabilidade civil extracontratual, a intentar junto dos tribunais administrativo, nos termos do artigo 49.º, a contrario, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e do artigo 37.º, n.º 1, alínea k), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
De resto, nesta matéria, a jurisprudência do STA encontra-se consolidada no sentido de «[a]s ações administrativas destinadas à apreciação da responsabilidade civil extracontratual de entes públicos por prejuízos decorrentes da prática de atos tributários ou de atos administrativos em matéria tributária são da competência material dos tribunais administrativos» (cfr. acórdão do plenário do STA de 14.12.2016, processo n.º 1257/16).
Ocorre, assim, in casu, face a todo o exposto, manifesto erro na forma de processo utilizada nos presentes autos, nulidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (cfr. ainda os artigos 193.º, n.º 1, e 196.º, n.º 1, do CPC).
Tal erro é susceptível de sanação, quando possível, tendo presente que o CPPT não inclui o erro na forma do processo entre as nulidades que os artigos 98.º e 165.º consideram insanáveis, importando, assim, averiguar da possibilidade de convolação dos presentes autos para o meio considerado mais adequado, em face da imposição actualmente prevista nos artigos 97.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 4, do CPPT.
A propósito da convolação, a jurisprudência tem-se firmado no sentido de que a mesma é admissível desde que o pedido formulado e a causa de pedir invocada se ajustem à forma adequada de processo, e a acção judicial seja tempestiva (cfr., por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2002, proferido no processo n.º 1115/02).
Ora, pode já adiantar-se não ser possível a suscitada convolação processual. Desde logo, porque, como vimos supra, tendo o Autor formulado dois pedidos distintos (de extinção do processo de execução fiscal e de pagamento de uma indemnização), os meios processuais adequados para conhecer do mérito das alegações/pedidos formulados são também distintos – oposição (ou até a reclamação) e acção administrativa. Sendo que, como tem sido entendimento jurisprudencial, não é legalmente admissível cindir a presente acção em duas ou três acções distintas (nem está na disponibilidade do Tribunal optar por um daqueles meios de reacção para prosseguirem os presentes autos.
Como tem sido entendimento jurisprudencial, “[s]e os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas” (cfr. Acórdão do STA de 13.04.2016, processo n.º 01068/14).
Acresce que, no que se refere à possibilidade de convolar a presente acção em oposição, analisando a argumentação do Autor, constata-se que o próprio admite ter sido citado no âmbito daqueles processos em 08.01.2007 (PEF n.º 2160…), em 01.09.2010 (PEF n.º 2160… e PEF n.º 2160…) e em 29.06.2011 (PEF n.º 2160…), pese embora nada refira quando à data da citação nos outros processos de execução que remontam aos anos de 2011 e 2012 (PEF n.º 2160… e PEF n.º 2160…).
Esta circunstância evidencia que, pelo menos, nos quatro processos de execução fiscal em o autor afirma ter sido citado (processos de execução fiscal n.ºs 2160…, 2160…, 2160… e 2160…), o prazo de 30 dias para ser deduzida a oposição à execução (artigo 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT) foi largamente ultrapassado, pelo que a utilização desta meio processual sempre seria intempestivo, ficando precludida a hipótese de uma eventual convolação.
Relativamente à eventual possibilidade de convolação da presente acção em reclamação de decisão do órgão da execução fiscal, resulta do artigo 276.º do CPPT a possibilidade de o autor lançar mão da reclamação dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal, uma vez suscitada a questão da prescrição junto do órgão de execução fiscal sem que, no entanto, seja obtida a satisfação da sua pretensão (cfr. acórdão do STA de 25.08.2010, processo n.º 0643/10).
No caso dos autos, de acordo com as alegações do Autor, este apresentou um requerimento em Maio de 2018 junto da Administração Tributária, através do qual solicitou o arquivamento dos processos de execução fiscal com fundamento em prescrição ou caducidade, mas, desde então, não logrou obter qualquer resposta (cfr. artigo 50.º da petição inicial).
Ora, podendo o Autor reagir contenciosamente através da apresentação de uma reclamação no prazo de 10 dias (artigo 277.º, n.º 1, do CPPT), mas só o tendo feito 10.01.2020 (cfr. fls. 1 do SITAF), é manifesto que aquele prazo foi ultrapassado, ficando, por isso, prejudicada a hipótese de convolação da presente acção em reclamação dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal.
Por fim, quanto ao pedido de indemnização formulado na presente acção, fundado em responsabilidade civil extracontratual do Estado, como foi referido supra, esta pretensão indemnizatória do Autor depende da apresentação de uma acção administrativa, destinada à apreciação de matéria relativa a responsabilidade civil extracontratual, a intentar junto dos tribunais administrativo, nos termos do artigo 49.º, a contrario, do ETAF e do artigo 37.º, n.º 1, alínea k), do CPTA.
Sendo assim, a natureza administrativa da questão ora em apreço sempre tornaria inviável qualquer convolação processual por a ela obstar, desde logo, a competência material do tribunal.
Por todo o exposto, é de concluir que, na situação em apreço, não deve haver lugar à convolação do processo.
Assim, tendo-se concluído pela existência de erro na forma de processo sem possibilidade de convolação, estamos perante uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que, atenta a fase liminar em que se encontram os autos, determina a rejeição liminar da presente acção − artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea b), do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT (cfr. ainda os artigos 193.º, n.º 1, e 196.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, e 590.º, n.º 1, do CPC).
*
Face ao decidido, cabe ao Oponente a responsabilidade pelas custas do processo (artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, al. e), do CPPT).
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Fixa-se à acção o valor atribuído pelo Autor: 205.530,92 EUR – artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
*
Nos termos e com os fundamentos expostos, rejeita-se liminarmente a presente acção para o reconhecimento de um direito em matéria tributária.
Custas pelo Autor.
Registe e notifique.
Almada, 17 de Dezembro de 2020


II.2 – De Direito

O Recorrente intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, na qual, se bem interpretamos o pedido, pretendia ver declarada a prescrição das dívidas que lhe estavam a ser exigidas nos processos de execução fiscal contra si instaurados e que identifica, e ainda ser indemnizado por danos decorrentes de ter sido incluído na lista de devedores à Fazenda Pública, com prejuízo que reputa evidente ao seu bom nome.

A ação foi liminarmente indeferida, por erro insuprível na forma do processo eleita pelo A., ora Recorrente, decisão com a qual se não conforma e da qual recorre.

Alega, em síntese, que ser este o meio próprio para o conhecimento da prescrição das dívidas e ainda que assim se não entendesse, que o Tribunal a quo deveria ter conhecido da alegada prescrição das dívidas. Anote-se que o Recorrente não pede explicitamente a extinção dos processos de execução fiscal, mas a sua revogação porque prescritos ou caducados.

Desde já adiantaremos que a decisão recorrida e supratranscrita se encontra bem fundamentada e não merece a crítica que lhe foi feita.

Com efeito, como decidido, a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributável é um meio processual residual, assumindo um carater complementar dos restantes meio contenciosos previstos no contencioso tributário, só sendo admissível a sua utilização quando for o meio mais adequado para assegurar a tutela jurisdicional efetiva. Diz o artigo 145/3 do Código de Procedimento e Processo Tributário:

As ações apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.

Ora, tal como decidido no despacho de indeferimento liminar recorrido, e cujos fundamentos nos dispensamos aqui de repetir, os pedidos formulados pelo Autor não se enquadram na ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, desde logo, porque existem outros meios processuais mais adequados à satisfação da sua pretensão.

Com efeito, o erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza da ação e afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à ação, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar.

Para aferir da prescrição das dívidas exequendas o meio adequado seria até através de requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal nesse sentido e apresentado no Serviço de Finanças onde foi instaurado e corre o processo de execução fiscal, e após eventual indeferimento, a reclamação judicial de tal despacho, nos termos do disposto nos artigos 276º e seguintes do CPPT. Com efeito o pedido de prescrição pode ainda ser apresentado no processo executivo, perante a entidade que o dirige, sendo nesse mesmo processo que devem apreciar-se e decidir-se todas as questões que se coloquem relativamente a ele.

E, também não se pode já convolar a petição em oposição por há muito ter sido citado para os termos da execução, e ter já decorrido o respetivo prazo de interposição. Com efeito e tal como decidido no despacho recorrido: o meio processual adequado à extinção dos processos de execução é claramente o processo de oposição à execução (artigos 203.º e 204.º do CPPT).

Mais além, à convolação da petição inicial em oposição obsta, também, ter o A. formulado um outro pedido, além do de reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas: o pedido de indemnização por dano decorrente da sua inclusão na lista de devedores à Fazenda Pública.

Nas conclusões das alegações de recurso, defende o Recorrente que os pedidos são cindíveis e que o tribunal a quo deveria ainda assim conhecer da prescrição das dívidas.

Contudo, ao contrário do que defende a ação intentada não é o meio próprio para a apreciação e declaração de prescrição das dívidas tributárias, tal como vimos já e tal como decidido na sentença recorrida.

E pese embora que o princípio anti formalista ou pro actione aponte para uma interpretação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excessivo formalismo, mas não se destina a subverter as regras do processo, postergando outros princípios processuais, designadamente, a ultrapassar as normas que imponham ónus processuais específicos às partes (cf. Ac. STA, de 2015.01.21, Proc. nº 0905/11 de 21-01-2015, disponível em www.dgsi.pt).

Ora, como referido no despacho recorrido, quanto ao pedido de indemnização por danos morais − fundado em responsabilidade civil extracontratual do Estado, cujo regime jurídico se encontra consagrado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro −, o conhecimento do mesmo não será sequer da competência dos tribunais tributários, mas sim dos tribunais administrativos, devendo aí tramitar como ação administrativa.

Na verdade, como decidido pelo STA, Ac. de 2018.06.20, Proc nº 01086/17, disponível em www.dgsi.pt, se o A. se considera com direito a indemnização por eventuais prejuízos nos termos das regras do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado [vide artigos 46.º e seguintes da PI], deveria tê-lo feito, no tribunal competente, mediante instauração da competente acção administrativa, regulada nos artigos 35 e seguintes do CPTA -

Não tem, pois, razão o Recorrente, quando defende que a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária é meio idóneo para a aferição da prescrição das dívidas e o que o tribunal a quo deveria ter, ainda assim, apreciado a prescrição das dívidas exequendas, como vimos já.

Bem se decidiu no despacho recorrido, no sentido de não ser possível no caso, a convolação processual, porque, tendo o Autor formulado dois pedidos distintos (de extinção do processo de execução fiscal e de pagamento de uma indemnização), os meios processuais adequados para conhecer do mérito das alegações/pedidos formulados são também distintos – oposição (ou até a reclamação) e acção administrativa. Sendo que, como tem sido entendimento jurisprudencial, não é legalmente admissível cindir a presente acção em duas ou três acções distintas (nem está na disponibilidade do Tribunal optar por um daqueles meios de reacção para prosseguirem os presentes autos.
Como tem sido entendimento jurisprudencial, “[s]e os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas” (cfr. Acórdão do STA de 13.04.2016, processo n.º 01068/14).

Afastada, está, pois, a possibilidade de convolação da petição em função do meio processual utilizado para conhecimento dos pedidos, porquanto o ora Recorrente formulou pedidos aos quais correspondem formas processuais distintas da ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. A saber, ao pedido de extinção do processo de execução fiscal o meio processual adequado é a oposição, ou a reclamação prevista nos artigos 276º após apresentação de prévio pedido de apreciação da prescrição das dívidas junto do órgão de execução fiscal e ao pedido de indemnização por eventuais danos morais causados pelo prejuízo injustificado ao seu bom nome a ação administrativa, a intentar junto dos tribunais administrativo.

O despacho recorrido não merece, pois, a censura que lhe foi feita, está bem fundamentado e é de manter.

Termos em que improcedem todas as conclusões de recurso.


Sumário/Conclusões:

I. A ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta quando que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.
II. O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Lisboa, 24 de fevereiro de 2022
Susana Barreto

Tânia Meirelles da Cunha

Cristina Flora