Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2868/14.4BELRS
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:09/27/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. A AT apenas pode recorrer à avaliação indirecta nos casos previstos no art.º87.º, da LGT;
2. Um desses casos verifica-se quando em acção inspectiva ao contribuinte constate um “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados” (alínea f) do n.º1 do art.º87.º da LGT).
3.Verificam-se os pressupostos daquela norma se o contribuinte inspeccionado declara no ano em causa de 2011 rendimentos de trabalho dependente no montante de 6.224,16Euros e é co- titular, com outros três indivíduos, de uma conta bancária cujo extracto reflectia um histórico de movimentos a crédito, com referência ao período de 26/01/2011 a 13/09/2011, no valor de 1.344.426,14Euros.
4.Demonstrados pela AT os pressupostos da aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada (artigos 74.º, n.º3 e 89.º-A, n.º3 da LGT).
5.Não logra fazer tal prova o contribuinte que se limita a demonstrar a proveniência externa das quantias depositadas na referida conta bancária e que as mesmas tinham por destino suprimentos a efectuar a uma determinada sociedade de modo a dotá-la de recursos financeiros para a aquisição de equipamento industrial e sua posterior exportação para a China, mas não faz a prova decisiva de que aquelas quantias, remetidas embora por terceiros, não lhe pertencem, antes se tratam de empréstimos concedidos, explicando, nomeadamente e entre o mais, como é que com um rendimento declarado de 6.224,16Euros, alguém consegue obter empréstimos no valor de 1.344.426,14 Euros e propor-se pagar o serviço da dívida, outrossim não demonstrando, mediante prova credível, que procedeu ao reembolso das quantias mutuadas já vencidas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A….., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente o recurso interposto ao abrigo do disposto no n.º7 do art.º89.º-A da LGT e n.º5 do art.º146.º-B do CPPT, contra a decisão da Administração tributária de avaliação da matéria colectável do ano de 2011 com utilização de métodos indirectos.

Termina as alegações formulando as seguintes Conclusões:
«
("texto integral no original; imagem")
».
Em Contra-alegações, de que não constam conclusões, o Recorrido, Director de Finanças de Lisboa, alega:
«
("texto integral no original; imagem")

».
O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Com dispensa de Vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa decidir: (i) se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia por nada dizer quanto à requerida junção de documentos em poder da parte contrária (AT); (ii) se a sentença enferma de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão na medida em que deu por “não provados” factos cuja prova foi requerida mas não foi diligenciada pelo tribunal a quo; (iii) nulidade da sentença por ambiguidade e falta de fundamentação; (iv) Erro de julgamento de facto da sentença por ter levado ao probatório como factos “não provados” que não se demonstrou a existência de contratos de suprimento sem que tivesse diligenciado pela prova requerida pelo recorrente à demonstração desse facto; (v) Violação do princípio do inquisitório ao não se ordenar as diligências probatórias requeridas; (vi) Erro de julgamento da sentença ao dar como “não provados” factos suportados em elementos de prova testemunhal e documental, ao não levar ao probatório factos essenciais à matéria controvertida e, ainda, erro de julgamento quanto aos pontos 1) e 2) dos factos provados. (vii) Erro de julgamento de direito, nomeadamente quanto ao ónus de prova.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:

("texto integral no original; imagem")

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Constitui princípio elementar em matéria processual, o de que o tribunal de recurso deve conhecer de todas as questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto de decisão no tribunal recorrido, sejam submetidos à sua apreciação, isto é, constituam objecto de impugnação, a qual se encontra delimitada pelas conclusões da motivação do recurso.

Tal princípio, como a jurisprudência o tem vindo a salientar, comporta, porém, uma ampliação e uma restrição; a ampliação verifica-se perante questões de conhecimento oficioso, que a lei impõe sejam sempre conhecidas pelo tribunal de recurso independentemente de terem sido invocadas; a restrição é a que resulta dos poderes de cognição do tribunal de recurso.

Assim delimitado o âmbito do recurso, pelas conclusões da motivação constata-se que o Recorrente começa por invocar nulidade da sentença por omissão de pronúncia, na medida em que o tribunal a quo se não pronunciou sobre o pedido formulado na petição inicial para que fosse ordenada a junção de documentos na posse da parte contrária, sendo que, a seu ver, se tratariam de elementos necessários à estruturação da sua defesa.

As nulidades da sentença são vícios formais da peça processual tipificados e taxativamente identificados nas várias alíneas do n.º1 do art.º615.º do CPC.

No processo judicial tributário e, em linha com aquele preceito da lei processual civil, dispõe o n.º1 do art.º125.º do CPPT que “constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

Como a jurisprudência repetidamente o tem afirmado, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra. E questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art.º608.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões invocados pelas partes para fazerem valer as suas pretensões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.

Vd., entre muitos, o Acórdão do STA, de 07/11/2012, exarado no proc.º01109/12.

Assim, a nulidade por omissão de pronúncia é a que se verifica por falta de pronúncia sobre questões, não integrando porém tal nulidade a falta de pronúncia sobre diligências instrutórias ou a falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas – vd. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, Vislis, 4.ª edição (2003), pág.566.

Ora, sentença conheceu expressamente da questão dos alegados suprimentos feitos pelo Recorrente à sociedade “S……..”, pelo que não se verifica vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, não relevando para esse vício a apontada falta de pronúncia sobre diligências de prova requeridas para o esclarecimento dessa questão factual.

Improcede este primeiro segmento do recurso.

Prosseguindo na apreciação das demais questões, aponta o Recorrente à sentença vício de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão porquanto levou ao probatório como facto “não provado” a existência de suprimentos do Recorrente à sociedade “S…….”, sem que tenha ordenado a produção da prova requerida à demonstração desse facto.

Verifica-se a nulidade em causa, prevista no art.º125.º do CPPT e na alínea c) do n.º1 do art.º615.º do CPC “(i) quando a construção da sentença seja viciosa, pois os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto, ou (ii) quando a fundamentação na mesma exarada, pela sua falta de clareza, não é susceptível de permitir a compreensão do exacto sentido a extrair da decisão de direito proferida pelo julgador perante a matéria de facto apurada” – vd. Acórdão do STJ, de 20/03/2014, tirado no proc.º142/04.

Decididamente, também não se verifica nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, pois uma leitura atenta dessa peça logo permite perceber que a sua construção é logicamente consequente, uma vez que a decisão está em perfeita sintonia com a fundamentação factual e jurídica nela produzida.

Se a sentença dá como “não provados” determinados factos e deles extrai conclusões sem que tenha atribuído relevância à prova requerida, tal poderá inquinar a sentença de erro de julgamento (que o Recorrente, de resto, também invoca), mas não a inquina da sanção mais gravosa da nulidade.

Já quanto à nulidade por ambiguidade resultante do confronto entre o afirmado no segundo período da motivação de facto e o afirmado no terceiro período da mesma parte da sentença, vejamos.

Nas alegações (pontos 27 a 30), especifica o Recorrente que a sentença, por um lado, refere: “…E ainda que se admitisse que tais mútuos ainda que formalmente inválidos, poderiam sustentar aqueles lançamentos na conta bancária em causa nos autos, conforme afirmado pelas testemunhas arroladas,…” e, por outro, “…antes importava demonstrar que as mesmas resultariam de quantias emprestadas e/ou, objecto de simples guarda das quantias depositadas, assim como de operações relativas a terceiros…”.

Esta alegada ambiguidade, reportada aos fundamentos de facto da sentença, não inquina a mesma de nulidade, pois a ambiguidade em causa na alínea c) do n.º1 do art.º615.º do CPC só se verifica quando a falta de clareza ou ambiguidade da fundamentação tolha a apreensão do exacto sentido a extrair da decisão de direito proferida, o que manifestamente não é o caso, nem é isso que o Recorrente diz.

A falta de clareza, ambiguidade ou contradição entre fundamentos poderá inquinar a sentença de erro de julgamento, mas não a inquina do vício mais gravoso da nulidade.

Como assim, improcede também esta invocada nulidade da sentença.

Invoca depois o Recorrente violação do princípio do inquisitório na medida em que foram desatendidas diligências de prova úteis ao apuramento de factos alegados e que suportam a sua pretensão.

Dispõe o n.º1 do art.º13.º do CPPT, que “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.

No fundo, o princípio do inquisitório, estruturante do processo tributário, visa suprir as insuficiências probatórias das partes relativamente a factos alegados ou de conhecimento oficioso.

Mas como refere Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pág.118, “o juiz não está obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelos intervenientes processuais.
Como resulta da parte final do n.º1 deste art.º13.º, este dever de realizar e ordenar diligências limita-se às que o tribunal considere úteis ao apuramento da verdade. Trata-se de um afloramento do princípio processual geral de proibição de actos inúteis – art.º137.º do CPC” (actual 130.º).

E, como mais adiante refere o mesmo autor, “É o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz. No entanto, a necessidade de realização das diligências pode ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, podendo, por isso, ser apreciada em recurso a correcção da decisão de recusa de realização de quaisquer diligências”.

Tratando-se de processos tramitados como urgentes (art.º146.º-D, do CPPT), o juízo sobre a utilidade da prova requerida, deverá merecer acrescida ponderação do juiz.

Ou seja, a violação do princípio do inquisitório não ocorre automaticamente por via do desatendimento das diligências instrutórias requeridas pelas partes; a violação desse princípio só se verificará se se vier a mostrar errado o juízo, expresso ou implícito, formulado pelo tribunal a quo quanto à desnecessidade ou irrelevância da prova requerida para o apuramento da verdade relativamente a factos que relevam para a decisão. E esse juízo é sindicável por via de recurso, podendo o tribunal ad quem corrigi-lo se se mostrar errado, ordenando que sejam efectuadas as diligências instrutórias omitidas.

Já por aqui se vê que a eventual violação do princípio do inquisitório por falta de diligências instrutórias requeridas apenas pode ser ajuizada por este tribunal de apelação ao conhecer do erro de julgamento assacado à sentença, o que adiante se fará.

No entanto, é bom enfatizar, a não realização de diligências probatórias requeridas na P.I. não constitui nulidade da sentença, nem do processo, aqui por não estar em causa qualquer preterição de acto ou formalidade que a lei imponha (art.º195.º, n.º1, do CPC).

Por último, no que respeita ao rol de nulidades invocado, alega o Recorrente falta de fundamentação da sentença (art.º615.º, n.º1 alínea b), do CPC), pois omite-se do probatório e da apreciação jurídica que novos elementos convocados no procedimento em sede de audição prévia foram tidos em conta pela Administração tributária.

A nulidade da sentença por falta de fundamentação ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art.º205.º, n.º1 da CRP e 154.º do CPC).

No que respeita aos fundamentos de facto, prende-se esta nulidade com o comando do n.º2 do art.º123.º do CPPT, segundo o qual, “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando a suas decisões”.

Ora, a simples leitura da sentença – e como a jurisprudência o recorrentemente afirmado, as nulidades haverão de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, sem recurso a elementos que lhe sejam exteriores – logo permite perceber que tal nulidade se não verifica pois da sentença consta quer a fundamentação factual (com discriminação dos factos provados e não provados), quer jurídica, da decisão.

Com efeito, como se deixou consignado no ponto 2 da matéria assente, «Face ao projecto de conclusões do relatório, notificado ao s.p. e no âmbito do direito de audição (…), foi apresentado um requerimento pelo interessado (…) que se dá por reproduzido, do qual consta, designadamente, que se entende que tais fundos têm origem em empréstimos obtidos de particulares e de transferências bancárias efectuadas em nome do adquirente sito na C… de um equipamento industrial a efectuar pela s. p. v. de que o s. p. é sócio, e efectuando suprimentos à sociedade “S…., Lda.”, tendo a I.T. pronunciado concretamente aos pontos abordados no direito de audição, considerando-se que não ficou demonstrada a saída de capitais de A… e da transferência bancária proveniente da H…, nem das transferências a título de ajuda familiar da conta pessoal do s.p. para a pessoa colectiva em causa, assim como a falta de comprovação dos empréstimos invocados e a circunstância de determinados beneficiários desses empréstimos devidamente identificados, não serem o s.p.».

E em sede de apreciação jurídica, deixou-se consignado na sentença: «Como resulta do ponto 2 do probatório, verifica-se que a Adm. Fiscal deu cumprimento ao disposto na alínea e) do n.º1 conjugado com o n.º5, ambos do art.º60.º da LGT, quanto ao exercício do direito de audição antes da conclusão do relatório, assim como da comunicação do projecto da decisão e sua fundamentação ao s.p., tendo este exercido tal faculdade legal, tendo sido tomados em conta na decisão final os elementos novos aí suscitados, e aí manifestando as razões do seu dissídio face ao alegado pelo contribuinte, pelo que se entende ter sido observado o disposto no n.º7 daquele preceito legal».

Se o Recorrente convocou na audição prévia elementos novos, sobre que a AT não se pronunciou na decisão final do procedimento, devendo, a seu ver, tal falta de pronúncia constar do probatório, tal poderá constituir eventual erro de julgamento susceptível de influir na decisão jurídica, mas não inquina a sentença de vício de nulidade.

Improcedem, pois, in totum as nulidades da sentença invocadas pelo Recorrente.

Entrando agora na apreciação do erro de julgamento apontado à sentença, vejamos.

O Recorrente aponta à sentença erro de julgamento de facto quer por não constarem do probatório factos essenciais à decisão, quer por se terem dado como provados factos que os elementos dos autos não suportam, quer ainda por se terem dado como “não provados” factos alicerçados em elementos de prova documental e/ ou testemunhal, ou por não se terem produzido as provas requeridas, nomeadamente, no que respeita à requerida junção de documentos na posse da parte contrária (AT).

De acordo com o disposto no art.º640º nº1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

No ponto H) da Conclusões recursivas, o Recorrente alinha factos que entende incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, mas como clarifica nas alegações (ponto 34), é nos pontos I) e seguintes que se propõe demonstrar quais os concretos meios probatórios constantes do processo e do registo e gravação da audiência de julgamento que impunham decisão diversa da que foi proferida.

Pretende o Recorrente que os depoimentos das testemunhas, prestados em audiência de julgamento e que transcreve, acompanhados dos elementos documentais juntos aos autos, que especifica, são suficientes à demonstração da seguinte factualidade:
Ø Conclusão I) “A conta bancária da CGD (conta 0572……) foi criada para financiar a compra da fábrica de tijolos de “A. D. da M. & Filhos, Lda.”, por parte da S….;
Ø Conclusão J) “A fábrica de tijolo foi comprada pela sociedade S…… Lda., desmontada e expedida em 2012 para a R… Popular da C…., tendo ali sido adquirida pela sociedade “J. B. B. M. Co. Ltd.”
Ø Conclusão K) “São sócios da S…, Lda., os Srs. R…. (ora Recorrente), L… e J….”;
Ø Conclusão L) “A conta bancária da CGD (conta 0572…..) era titulada por quatro cidadãos chineses, mas, na realidade, os valores ali depositados eram pertença do Recorrente e de L….”;
Ø Conclusão M) “Os capitais que integram os valores constantes da conta bancária da CGD, antes referida, chegaram a Portugal, por mão própria, provenientes da C… e de A…, por transferência bancária e por depósito, como empréstimo ao Recorrente e seu sócio L…, bem como por via da H…., constando entre os montantes objecto de transferência bancária o valor de €264.478,38, provindo de um banco da Hungria, feita por parte de um cidadão chinês, C…., sócio da J.B.B.M. Co. Ltd., para que o Recorrente e seu sócio L…., comprassem a fábrica de tijolo, sendo uma parcela do pagamento da referida fábrica por parte da sociedade chinesa adquirente”;
Ø Conclusão N) “Durante o ano de 2011, foram depositados na conta da CGD, antes referida, transferências bancárias efectuadas por cidadãos chineses, residentes na C…., sob a designação “H… F….”, que correspondiam a empréstimos feitos ao Recorrente e ao seu sócio L…”;
“As transferências bancárias por parte de amigos e familiares do Recorrente e do seu sócio L…, provenientes do Banco da C…., foram efectuadas sob a designação “H… F…” por ser mais facilitada a remessa de dinheiro provinda daquele país, a título de auxílio à família”;
Ø Conclusão O) “A conta bancária em causa era titulada por 4 cidadãos chineses, sendo um deles, D…., filho do Recorrente e também titular, por W…. e por L…, sendo quatro os titulares como exigia o Banco da C…”;
Ø Conclusão P) “O recorrente e seu sócio canalizaram os montantes depositados na referida conta da CGD para a compra da fábrica de tijolo por parte da S…., Lda., a título se suprimentos, pois esta sociedade não tinha capital suficiente para a aquisição”;
Ø Conclusão Q) “Os montantes obtidos de amigos e familiares do Recorrente e de L…, integrantes da conta bancária da CGD deveriam e estão a ser devolvidos aos titulares das transferências e dos empréstimos.

Ouvidos os depoimentos prestados e, nomeadamente, os segmentos transcritos nas alegações, constata-se que os mesmos não resultam convincentes quanto aos factos vertidos nas Conclusões I) e L), porquanto foram prestados de modo vago e genérico, muito na linha do que ao tribunal “interessa ouvir” e por depoentes ora envolvidos no negócio (caso de J…., também sócio da S…., Lda.”), ora contitulares da conta em causa na CGD (L.., D…), ora com laços de parentesco ao Recorrente (caso de D…, filho) e testemunhas de “ouvir dizer” ao Recorrente (caso de D…).

Os factos vertidos nas Conclusões J), K) estão suportados nos docs.49 e 50 à P.I. (respectivamente, matrícula da sociedade S…., Lda. e o designado contrato de compra e venda de equipamento industrial e respectiva montagem) e os depoimentos prestados, embora vagos e genéricos, mostram-se coerentes com tais documentos. Já quanto à proveniência dos valores que integram a conta bancária da CGD, nada há de convincente nos autos que permita concluir que os valores encontrados na conta bancária da CGD em causa, não pertençam aos respectivos contitulares, um dos quais o Recorrente. Salienta-se que a declaração emitida pelo suposto remetente dos 264.478,38 Euros provenientes da Hungria está datada de 2014 (docs.30/32 juntos à P.I.) e as declarações de empréstimo que integram os docs.59 e 60 juntos à P.I. se tratam de documentos particulares, o que lhes retira credibilidade. No que em particular se refere ao facto vertido na Conclusão Q), nota-se que apenas a testemunha D… refere que o dinheiro está a ser devolvido a quem o emprestou; Mas perguntado pelo Mmo. juiz “com que meios?”, respondeu: “não sei”. Este depoimento, só por si, desacompanhado de qualquer elemento de prova documental, é manifestamente insuficiente para formar a convicção do tribunal, para mais tratando-se do filho do Recorrente e também ele co- titular da conta da CGD.

Tudo visto, aditam-se ao probatório os seguintes factos, julgando-se improcedente toda a restante impugnação da matéria de facto:
3 – Eram sócios da sociedade “S…., Lda.”, para além do Recorrente, L… e J…. (doc.48 junto à P.I.);
4 – A “S…., Lda.” comprou em 2011 à sociedade “A.D.M. & Filhos, Lda.” uma fábrica de produção de tijolo que foi desmontada e exportada para China onde veio a ser adquirida pela empresa “J.B.B.M Co. Ltd.” (docs.50 a 57 juntos à P.I.).
5 – Consta do relatório final de inspecção tributária datado de 04/12/2014 e constante do apenso instrutor a fls. s/n, no “Capítulo VII – Direito de Audição”, entre o mais que se dá por reproduzido, o seguinte: «32 – Nos pontos 44 e seguintes o s.p. referiu que foram feitos levantamentos na conta em análise para a constituição da sociedade “S…, Lda…, e que parte dos documentos se encontram na posse da D.F. de Leiria no âmbito de uma acção externa ao abrigo da OI 2013 ….. 33 – Na presente acção de inspecção analisa-se a origem dos fundos e não a aplicação dos mesmos».

Estabilizado o probatório, avancemos na apreciação das demais questões suscitadas.

Mostram os autos que no âmbito de uma acção inspectiva levada a efeito ao Recorrente, constatou a AT ser ele co- titular, com outros três s.p., da conta n.º057200….., da CGD, cujo extracto reflectia um histórico de movimentos a crédito, com referência ao período de 26/01/2011 a 13/09/2011, no valor de 1.344.426,14Euros.

No ano em causa de 2011 o s.p., ora Recorrente, declarara rendimentos de trabalho dependente, auferidos da empresa S…, Lda., no montante de 6.224,16Euros.

No seguimento das diligências instrutórias que entendeu pertinentes, concluiu a AT que não foram apresentados quaisquer meios de prova que permitissem o acesso aos factos geradores da capacidade contributiva revelada.

Como assim, corrigiu os rendimentos declarados do s.p., aqui Recorrente, com recurso a métodos indirectos, nos termos do disposto nos artigos 87.º alínea f), 89.º-A, n.º5 e 90.º, todos da LGT.

Inconformado com o despacho que determinou o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, o Recorrente interpôs recurso judicial do mesmo, nos termos do disposto nos artigos 89.º-A, n.º7 da LGT e 146.º-B do CPPT.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente o recurso no entendimento de que o Recorrente não logrou comprovar a origem do acréscimo patrimonial evidenciado na conta bancária da CGD e, nessa medida, a AT encontrava-se legitimada a considerar como rendimento tributável em sede de IRS/ Cat. G, a diferença entre o acréscimo de património evidenciado naquele ano de 2011 e os rendimentos declarados pelo s.p. Recorrente com referência ao mesmo período de tributação.

Não se conformando com a sentença daquele tribunal, interpôs o presente recurso jurisdicional alegando erro de julgamento de facto e de direito. Ora vejamos.

São taxativos os casos em que a AT pode recorrer à avaliação indirecta e os mesmos estão elencados nas alíneas a) a f), do art.º87.º da LGT.

A AT, na decisão de avaliação indirecta, fez apelo à alínea f) daquele art.º87.º da LGT, que refere, «Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.».

Por outro lado, dispõe o n.º5 do art.º89.º-A da mesma LGT:

«Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º:

a) Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;

b) Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efectuada;

c) Na determinação dos acréscimos patrimoniais, deve atender-se ao valor de aquisição e, sendo desconhecido, ao valor de mercado;

d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos».

Na interpretação destes preceitos legais, permitimo-nos fazer apelo a um excerto do Acórdão do STA, de 28/11/2012, exarado no proc.º01197/12, que se ocupou de questão idêntica:

«Ou seja, os arts. 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, vieram criar mais uma possibilidade de avaliação da matéria tributável por método indirecto, com as seguintes características:
– face a um acréscimo patrimonial ou a uma manifestação de consumo que divirja em, pelo menos, um terço do rendimento declarado no ano, cessa a presunção de veracidade da declaração e inicia-se o procedimento de fixação da matéria tributável;
– depois, a menos que o contribuinte demonstre que os valores que possibilitaram o acréscimo patrimonial ou o consumo evidenciados não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS, ou seja, designadamente, que tiveram origem em capital próprio, recurso ao crédito, herança ou doação, rendimentos sujeitos a tributação autónoma, etc., a AT fica, sem mais, autorizada a fixar, de forma indirecta, como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G, um montante igual ao da diferença entre o rendimento declarado e o valor do acréscimo patrimonial ou do consumo evidenciados.».

No caso em apreço, não resulta controvertido que o acréscimo patrimonial evidenciado na conta bancária da CGD, na proporção da presumida titularidade de ¼ do valor de 1.344.426,14Euros (336.106,54Euros), diverge em pelo menos 1/3 do rendimento do ano declarado pelo s.p. (6.224,16Euros).

E face a essa constatação, cessa a presunção de veracidade declarativa (art.º75.º, n.º2 da LGT), passando a caber ao s.p. a demonstração de que os valores que possibilitaram o acréscimo patrimonial evidenciado não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS, sob pena de a AT ficar legitimada a fixar de forma indirecta, como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G, um montante igual ao da diferença entre o rendimento declarado e o valor do acréscimo patrimonial.

Será que o Recorrente, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, se desincumbiu desse ónus probatório?

A nosso ver, a resposta é negativa. O Recorrente centrou o seu esforço probatório, por um lado, na demonstração da origem e proveniência dos fundos creditados na conta bancária da CGD e, por outro, na demonstração do destino das quantias depositadas nessa conta bancária da CGD.

Ora, o tema central da prova, no caso dos autos, como a sentença sinaliza, prende-se unicamente com a origem dos fundos depositados naquela conta bancária da CGD. E a este propósito, alega o Recorrente que os valores creditados na conta bancária da CGD em causa o foram a título de empréstimos do exterior e de vários mutuantes destinados a suprimentos a efectuar à sociedade “S…, Lda.” como modo de financiamento da aquisição de uma fábrica de tijolo, posterior desmantelamento e exportação do equipamento para a China, onde seria comprado pela empresa “J.B.B.M. Co. Ltd.”.

Sucede, porém, que embora seja possível afirmar com relação às transferências da C… e da H… a proveniência externa dos montantes creditados, falta a prova decisiva de que tais valores se trataram de empréstimos ao Recorrente e seu sócio L…, ambos co – titulares da conta bancária em causa juntamente com dois outros sujeitos passivos.

É certo que há declarações do remetente da H…. a afirmar que os valores transferidos para a conta da CGD se tratam de empréstimos ao Recorrente (doc.32 anexo à P.I.); como há declarações dos supostos mutuantes de A…. afirmando terem feito empréstimos ao Recorrente nos montantes de 150.000,00 e 180.000,00Euros (docs.59 e 60 juntos à P.I.). No entanto, no caso do remetente da H… a declaração está datada de 10/11/2014 e formalizada em documento particular, o que lhe retira credibilidade; nas declarações dos alegados mutuantes de A… prevê-se o pagamento de juros anuais relativos ao 1.º ano a ser feitos antes de 31/03/2012 e 31/01/2012; porém, nenhuma prova foi apresentada da saída de fundos da titularidade do Recorrente (suposto beneficiário do crédito) com destino ao pagamento desses juros (o que conferiria credibilidade ao declarado nesses documentos particulares), como aliás nada de convincente resultou quanto aos alegados reembolsos dos capitais mutuados.

Já por aqui se alcança que o desatendimento de diligências instrutórias visando a prova da aplicação dos montantes correspondentes ao acréscimo patrimonial nada releva para a questão dos autos pois decisivo era demonstrar que aqueles montantes tinham sido obtidos do exterior com recurso ao crédito de terceiros.

Acresce salientar que, à falta de melhor explicação, dificilmente se percebe como é que um s.p. com rendimento declarado ao Fisco de 6.224,16 Euros tem capacidade económica e financeira para obter empréstimos de terceiros no montante global de 1.344.426,14 Euros, ou mesmo só da parte que proporcionalmente lhe é imputada a título de acréscimo patrimonial injustificado e para satisfazer o serviço da dívida.

Concluindo, o contribuinte não demonstrou, através da prova positiva e concludente que lhe é exigida (art.º74.º, n.º4 e 89.º-A, n.º3, da LGT), que os valores que possibilitaram o acréscimo patrimonial evidenciado não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS, ou seja e designadamente, que tiveram origem em recurso ao crédito de terceiros, ficando dessa forma a AT legitimada, como fez, a fixar, de forma indirecta, como rendimento tributável em sede de IRS/ Cat. -G, um montante igual ao da diferença entre o rendimento declarado e o valor do acréscimo patrimonial evidenciado.

Conforme se decidiu no Acórdão do STA de 06/03/2014, proc.º0189/14 a respeito da aplicação do disposto no art.º100.º do CPPT em caso de manifestações de fortuna “(…) existindo normas específicas para as situações de determinação da matéria tributável por métodos indirectos – o n.º 3 do art.º74.º e o n.º 3 do art.º89.º-A da LGT – é por aplicação destas, e não da norma geral do art.º100.º do CPPT, que devem resolver-se os casos de persistência de dúvida fundada quanto aos pressupostos ou à justificação para o recurso a tais métodos.”

Portanto, perfilhando esta jurisprudência, aliás já seguida no Acórdão deste TCAS, de 13/07/2017, tirado no proc.º09546/16, o Recorrente não logrou cumprir com o seu ónus da prova, não existido qualquer dúvida fundada.

No que em particular respeita à falta de pronúncia da AT sobre elementos novos trazidos ao procedimento em sede de audição prévia (art.º60.º, n.º7 da LGT), a matéria vertida no aditado ponto 5 ao probatório, permite concluir, na esteira da sentença, que foi dada pronúncia expressa sobre tais elementos novos (atinentes ao destino das quantias correspondentes ao acréscimo patrimonial constatado), não se verificando, por conseguinte, o invocado vício de forma.

Concluímos, pois, que a sentença não enferma dos vícios que lhe são apontados, merecendo ser inteiramente confirmada, negando-se provimento ao recurso.


5- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 27 de Setembro de 2018




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Vital Lopes




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Catarina Almeida e Sousa




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Joaquim Condesso