Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:203/13.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
REDUÇÃO DE IMPOSTO
ATIVIDADE CONCESSÃO
INCOMUNICABILIDADE PREJUÍZOS
Sumário:I - Após a cessação do regime de isenção fiscal da tributação dos rendimentos da concessão, a atividade desenvolvida pela Recorrente no âmbito da concessão ficou subordinada ao regime geral de tributação dos rendimentos das pessoas coletivas, beneficiando, temporariamente, do benefício fiscal instituído pelo Decreto-Lei n.º 294/97;
II-O Decreto-Lei n.º 294/97 não consubstancia um regime fiscal substitutivo do IRC, não podendo, igualmente, qualificar-se como um regime especial de redução de IRC em sentido técnico, para efeitos do n.º 5 do artigo 52.º do CIRC. Trata-se, apenas, de um benefício fiscal que opera através de uma dedução à coleta, ou seja, de uma despesa fiscal fundada em razões sociais e económicas que opera após o apuramento da coleta, como um momento complementar da liquidação;
III-As alterações estruturais do imposto resultam obrigatoriamente de condicionantes específicas da natureza do objeto ou do sujeito da tributação e exigem uma mudança estrutural nas próprias regras do imposto, seja no âmbito de incidência, na taxa e também na instituição de incomunicabilidades entre tipos de rendimentos;
IV - As incomunicabilidades de prejuízos reguladas no n.º 5 do artigo 52.º do CIRC respeitam apenas a situações em que, estruturalmente, o legislador diferencia a tributação de uma certa atividade ou aquelas em que expressamente consagra incomunicabilidades entre tipos de rendimentos, o que não sucede no Decreto-Lei n.º 294/97.
V-Da interpretação conjugada dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, resulta que são três os elementos constitutivos do direito à indemnização por garantia indevida: ter sido prestada garantia bancária ou equivalente em execução fiscal; o sujeito passivo ter suportado custos com a prestação ou manutenção da garantia; ter-se apurado ser indevido o imposto que deu origem à dívida, por ter sido anulada total ou parcialmente a liquidação impugnada. Logo, com a revogação da decisão recorrida na parte impugnada, significa que a liquidação de IRC do exercício de 2010 só, em parte, padece de ilegalidade, razão pela qual sendo condição sine qua non para a atribuição da prestação de garantia bancária a procedência da pretensão, tal determina, per se, que a aludida indemnização tenha de ser concedida na exata medida e proporção do vencimento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade “B….., SA”, tendo por objeto o indeferimento tácito da reclamação graciosa, apresentada a 20 de julho de 2012, contra a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), derrama municipal, e juros compensatórios, no montante global de €22.696.712,64, resultante da demonstração da liquidação de IRC nº ….., relativa ao exercício de 2010.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“CONCLUSÕES:

i. A Recorrida deduziu impugnação judicial contra o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa, respeitante à liquidação de IRC n.º ….., relativa ao período de tributação de 2010, no valor global de € 22.696.712,64, sustentando que, por efeito do clausulado do contrato de concessão da construção, conservação e exploração de autoestradas, (Cfr. Decreto-Lei n.º 467/72, de 22 de novembro), no qual a Recorrida é entidade concessionada, foi-lhe atribuído um regime especial de tributação, de natureza contratual.

ii. A Recorrida pugnou pela aplicação do disposto no n.º 5 do art.º 52.º do CIRC, e pela regra da não comunicabilidade horizontal dos prejuízos fiscais sofridos na atividade não concessionada, em cada período de tributação, aos lucros tributáveis da atividade concessionada, ancorada, por um lado, no pressuposto da aplicabilidade de um regime especial de tributação, atribuído no contrato de concessão, no âmbito da atividade concessionada, distinto do regime geral de tributação em IRC, e, por outro, na separação contabilística das operações realizadas no âmbito da atividade concessionada e das operações realizadas no âmbito de atividades não concessionadas. iii. A tese da Recorrida mereceu acolhimento da douta sentença a quo, porém, salvo o devido respeito por melhor entendimento, a fundamentação vertida revela erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito, afastando-se, de modo intencional, do entendimento que seguido em decisões judiciais anteriores que se pronunciaram sobre questão idêntica nos processos de Impugnação Judicial que tramitaram junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob os n.ºs 20/07.4BESNT, 520/11.1BESNT e 967/12.6BESNT, e para cujo conteúdo aqui se remete.

iv. Com relevo para apreciação do objeto do presente recurso, o Tribunal a quo julgou provados, os factos que aqui se transcrevem:

«A. A Impugnante é concessionária da construção, conservação e exploração de diversas auto-estradas, nos termos e condições definidos no contrato de concessão e nas bases a ele anexas (provado, cfr. Decreto-Lei n.º 467/72);

B. Em paralelo com a actividade concessionada, a Impugnante exerce outras actividades conexas com o seu objecto social (facto não controvertido);

C. Até 31.12.2007, foram atribuídos à Impugnante, no âmbito da sua actividade concessionada, benefícios fiscais em sede de derrama, imposto de selo e IRC (provado, cfr. Decreto-Lei n.º 467/72);

D. A Impugnante organizou a sua contabilidade separando os resultados da actividade concessionada da actividade não concessionada (facto alegado no art. 16.º da p.i., não impugnado);

E. A actividade não concessionada encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC (facto alegado no art. 16.º da p.i., não impugnado);

F. A Impugnante é, desde o período de tributação de 2009, a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS, que é integrado pela: B….., SA (sociedade dominante); B….., SGPS, SA; B….., SGPS, SA; B….., SGPS, SA; B….., SGPS, SA; B….., SA; V….., SGPS, SA; B….., SA (ou “B….”); B….., SA; B….., SGPS, SA; e B….., S A. (provado por documento – cfr. doc. 7 junto com a p.i., a fls. 107 a 114 dos autos);

G. Na qualidade de sociedade dominante, a Impugnante submeteu, em 02.06.2011, a declaração Modelo 22 do Grupo, relativa ao período de tributação de 2010, apurando um lucro tributável, no montante de € 88.581.827,32, correspondente à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades do Grupo (facto alegado nos arts. 25.º a 27.º da p.i. e admitido no art. 18.º da contestação, conjugado com os docs. 4 e 9 juntos com a p.i. – cfr. campo 380 do quadro 09 do doc. 4, a fls. 93 a 99 dos autos e doc. 9, a fls. 121 a 138 dos autos);

O. Em relação aos prejuízos fiscais apurados individualmente pela Impugnante, em períodos anteriores ao início de aplicação do RETGS, a Administração Tributária considerou que não “correspondem aos elementos constantes na base de dados” e que não cumprem as condições constantes do artigo 71.º, n.º 1, a) do Código do IRC, na medida em que “não revestindo os benefícios em questão a natureza de isenção, redução de taxa, de regime de transição de benefícios fiscais previsto no art.º 2.° do Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho, que aprovou o Estatuto de benefícios Fiscais, nem se enquadrando no regime de transparência fiscal ou regime especial de tributação de grupos de sociedades, toda a actividade desenvolvida pela sociedade dominante se encontra(va) sujeita ao regime geral de IRC”, pelo que “no caso de, num determinado período de tributação, ser apurado um prejuízo fiscal, quer o mesmo respeite à parte concessionada ou não, o sujeito passivo deve efectuar a soma algébrica de ambos os resultados {da parte concessionada e não concessionada), não havendo lugar à aplicação do disposto no nº 5 do art.º 52.º do Código do IRC” (provado por documento – doc. 10 junto com a p.i.); (…).».

v. Quanto aos pressupostos de facto, verifica-se que com base na fundamentação de facto vertida na sentença a quo, no elenco dos factos julgados provados, não se encontra indicado qualquer facto que indique que a atividade concessionada da Recorrida se encontra sujeita a um regime especial de tributação de isenção ou de redução de taxa de IRC.

vi. Ao invés, a partir dos factos provados indicados nos pontos A, B, C, F, G e O da Fundamentação de facto vertidos na sentença a quo, é possível concluir que a Recorrida encontra-se apenas sujeita ao regime geral de tributação de IRC, tendo optado, a partir de 2009, pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS).

vii. Da análise ao elenco de factos provados na sentença recorrida não consta qualquer facto a partir do qual se possa considerar demonstrado que a Recorrida, na parte respeitante à atividade concessionada, se encontra enquadrada num regime especial de tributação distinto do regime geral do IRC, nem tão pouco identifica qual dos regimes especiais de tributação legalmente previstos deveria ser aplicável, nem porquê.

viii. No âmbito da apreciação do regime de tributação de rendimentos de IRC aplicável à Recorrida, o Tribunal a quo parece ter olvidado o alcance do teor da Declaração de Rendimentos de IRC, Modelo 22, individual, relativa ao exercício de 2010, apresentada pela Recorrida em 02-06-2011, e identificada sob o n.º ….., junta aos autos como Doc. n.º 5 da petição inicial, (que se dá aqui por reproduzida), cujo Quadro 03 respeitante à “IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO”, demonstra que a Recorrida assinalou como “REGIME DE TRIBUTAÇÃO DE RENDIMENTOS” apenas os Campos 1 e 8, respeitantes ao Regime de tributação “Geral” e ao Regime Especial de Tributação de “Grupos de Sociedades”.

ix. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a sentença a quo padece de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC (ex vi alínea e) do art.º 2.º do CPPT), porque existe oposição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que os fundamentos de facto acolhidos com respeito ao regime de tributação aplicável à Recorrida não permitem concluir que a atividade da Recorrida no âmbito da atividade concessionada está sujeita a um regime de tributação diferente do regime de tributação geral.

x. No âmbito do erro nos pressupostos de direito, importa salientar que na fundamentação de direito vertida na sentença a quo, após apreciação que fez sobre a evolução normativa do contrato de concessão da Recorrida, concluiu que «(…), desde 2008, a actividade concessionada da Impugnante não beneficia de qualquer regime fiscal específico.». (Sublinhado nosso).

xi. Apesar da formulação da conclusão antecedente, que deveria ter conduzido à improcedência da tese da Recorrida, a sentença a quo prosseguiu um caminho distinto considerando que «o quadro de benefícios fiscais atribuídos à Impugnante tem um conteúdo específico, dirigido à promoção de determinados investimentos pela concessionária, que se traduz num desagravamento fiscal em sede de IRC» e que «por força desse desagravamento fiscal excepcional, operado pelo quadro de benefícios fiscais que foi contratualizado e que lhe foi concedido» existiria fundamento para ser tratado como regime especial de tributação de redução de IRC, derrogatório da tributação regra em sede de IRC.

xii. Foi com base nesses pressupostos que a sentença a quo concluiu que «desenvolvendo a Impugnante uma actividade sujeita a regime geral de IRC (actividade não concessionada) e outra sujeita a um regime específico de desagravamento fiscal em sede de IRC (actividade concessionada), o apuramento dos correspondentes resultados fiscais deve ser feito de forma segmentada, pelo que se justifica, face aos benefícios fiscais que lhe foram concedidos, que a mesma esteja abrangida pelo regime previsto no n.º 5 do art. 52.º do CIRC, aplicando-se a regra de exclusão de comunicabilidade horizontal dos prejuízos fiscais.».

xiii. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a sentença a quo contém um erro de julgamento de direito, porque apesar de reconhecer que a atividade concessionada da Recorrida não beneficia de regime fiscal específico diverso do regime geral, pretende tratar os benefícios fiscais concedidos à Recorrida, no âmbito da atividade concessionada, como se tais benefícios fiscais se pudessem subsumir no conceito de regime especial de tributação de redução de IRC.

xiv. Afigura-se que à revelia do princípio da legalidade, a sentença a quo trata os benefícios fiscais previstos para a atividade concessionada da Recorrida como se estes, por si só, fossem constitutivos de um regime especial de tributação em sede de IRC, a ser relevado como “redução de IRC”, aludida no n.º 5 do art.º 52.º do CIRC.

xv. Os benefícios fiscais concedidos à Recorrida, no âmbito do contrato de concessão não se subsumem num regime especial de tributação diferenciado que lhe retire enquadramento do regime de tributação geral do IRC.

xvi. Em suma, a incomunicabilidade dos prejuízos fiscais entre diferentes atividades exercidas pelo sujeito passivo, prevista no n.º 5 do art.º 52.º do CIRC, para situações em que este beneficie de regime específico de tributação de «isenção parcial e ou redução de IRC», só se verifica quando o sujeito passivo esteja enquadrado num desses regimes específicos de tributação, e não quando esteja enquadrado no regime geral de tributação, mesmo que à margem deste regime sejam constituídos benefícios fiscais que tenham por efeito reduzir a coleta de IRC.

xvii. A segregação contabilística por sector de atividade, (no caso em apreço por sector de atividade concessionada e não concessionada), prevista nos termos do art.º 17.º do CIRC, pretende salvaguardar a possibilidade de conceder um tratamento fiscal diferenciado consoante os benefícios fiscais previstos para cada um dos sectores de atividades, através de um instrumento prático que permita a delimitação de cada sector e operacionalizar com rigor os efeitos dos benefícios fiscais no âmbito da atividade para a qual foram previstos.

xviii. Deste modo, a segregação contabilística por sector de atividade constitui uma delimitação contabilística e não delimitação fiscal, com base na qual, por si só, possa significar fundamento para aplicação de um regime especial de tributação, distinto do regime geral de tributação em IRC.

xix. A segregação contabilística por sectores de atividade concessionada e não concessionada, não constitui fundamento para aplicar à Recorrida um regime especial de tributação, pelo que, quanto ao sector de atividade concessionada, a sentença a quo deveria ter decidido no sentido de lhe ser aplicável o regime geral de tributação, que obsta à incomunicabilidade de horizontal de prejuízos prevista no n.º 5 do art.º 52.º do CIRC para os casos em que é aplicável um regime especial de tributação de isenção parcial e ou de redução de IRC.

xx. Pelo exposto, a decisão a quo viola o disposto no n.º 5 do art.º 52.º do CIRC, existindo erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito, pelo que existe fundamento para peticionar que a mesma seja anulada pelo Tribunal a quem, mantendo a liquidação do IRC e respetivos juros compensatórios sub judice, porque todas as atividades (concessionada e não concessionada) estão sujeitas ao regime geral de tributação em IRC.

xxi. Quanto à liquidação de derrama municipal, a sentença a quo acompanhou a abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, (vertida nomeadamente nos acórdãos de 2/2/2011, recurso 0909/10, de 22/6/2011, recurso 0309/11, de 2/5/2012, recurso 0234/12, de 5/7/2012, recurso 265/12, de 9/1/2013, recurso 1302/12, de 27/02/2013, recurso 1241/12, de 22.05.2013, recurso 530/13 e de 5/06/2013, recurso 1315/12, todos publicados em www.dgsi.pt.), que unânime e reiteradamente tem concluído que os sujeitos passivos enquadrados no RETGS, estão sujeitos a derrama municipal que incide sobre o lucro tributável do grupo, e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedade, pelo que nos abstemos de impugnar a decisão, apenas quanto ao tema da derrama municipal.

xxii. No que concerne à decisão de condenação da Administração Tributária ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, cumpre-nos impugnar a sentença a quo quanto aos limites de condenação, uma vez que sendo dado provimento ao presente recurso, a indemnização peticionada pela Recorrida deve ser parcial e na justa proporção do seu vencimento no âmbito da presente Impugnação Judicial, nos termos do n.º 1 do art.º 53.º da LGT.

NESTES TERMOS, requer-se a V.as Ex.as que seja dado provimento ao presente Recurso, assim fazendo a costumada JUSTIÇA.”


***

A Recorrida apresentou as seguintes contra-alegações:

A. O Tribunal ad quem é incompetente em razão da hierarquia, uma vez que a Recorrente não refere qualquer discordância ou efetua qualquer pedido de alteração da matéria fáctica, nem sobressai das conclusões das respetivas alegações qualquer facto, que tenha sido invocado como fundamento da pretensão da Recorrente, que não tenha suporte na decisão recorrida, pelo que o tribunal competente para apreciar o recurso é o Venerando STA, pugnando-se pela incompetência deste Venerando TCAS, em razão da matéria.

B. O segmento decisório constante da sentença recorrida está inteiramente em linha e de forma harmoniosa com a fundamentação expendida, pelo que a alegada nulidade da sentença não procede (nem se compreende).

C. O contrato de concessão outorgado pelo Decreto n.º 467/72, de 22 de novembro, conferiu à Recorrida um regime de tributação específico (por ser atribuído apenas à Recorrida), especial(por ter características diversas das normalmente consagradas para a generalidade das empresas) e substitutivo (por derrogar normas legais que são aplicáveis aos demais sujeitos passivos).

D. Isso mesmo decorre desde logo da mais elevada doutrina, nomeadamente das opiniões professadas por ILUSTRES DOUTORES DO DIREITO como sejam os casos de J. L. SALDANHA SANCHES, JOÃO TABORDA DA GAMA, JOSÉ CASALTA NABAIS, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e PAULO DE PITTA E CUNHA nos vários pareceres oportunamente juntos aos autos pela ora Recorrida, e igualmente de ANTÓNIO MOURA PORTUGAL e MARIA PAULA VAZ FREIRE, citados na sentença recorrida.

E. É esse, também (para que dúvidas não restem), o entendimento que decorre das alegações de recurso da própria Recorrente!

F. O facto de o benefício ou vantagem fiscal ser conferido à Recorrida através de uma dedução à coleta, de um regime especial de dedutibilidade de gastos e de um regime de amortizações aceleradas não contraria a conclusão acima exposta, já que estes incentivos se traduzem numa redução direta do IRC a pagar.

G. Ora, a existência de um regime fiscal especial aplicável a uma parte ou segmento da atividade da Recorrida exige o cumprimento da separação contabilística imposta pelo artigo 17.º, n.º 3, do Código do IRC.

H. Só através da separação contabilística – como de resto reconhecido pela própria Recorrente e pela doutrina professada pelos REPUTADOS PROFESSORES acima mencionados– é que o Estado pode controlar as consequências decorrentes da atribuição de um regime fiscal específico à atividade concessionada e assegurar-se que não há mais (nem menos) benefício do que aquele que ele pretendeu outorgar.

I. A Recorrente defende – sem pudor – que a separação contabilística imposta pelo artigo 17.º do Código do IRC é meramente contabilística e não tem implicação fiscal.

J. Isto apesar de tal obrigação estar prevista no Código do IRC, indício gritante que não parece importunar a Recorrente…

K. O artigo 52.º, n.º 5, do Código do IRC estabelecia que, no caso de o contribuinte beneficiar de isenção parcial e ou de redução de IRC (e não “redução da taxa de IRC”. Como a Recorrente erradamente insiste em ler a norma), os prejuízos fiscais sofridos nas respetivas explorações ou atividades não podem ser deduzidos, em cada período de tributação, dos lucros tributáveis das restantes.

L. Esta norma impede a compensação na horizontal, proibindo que haja uma comunicabilidade dentro do mesmo período de tributação, conforme reconhecido pela jurisprudência do Venerando STA e, igualmente, pela doutrina expressa pelos MAIS CONSAGRADOS FISCALISTAS portugueses.

M. Nesse sentido, os prejuízos fiscais gerados pela atividade não concessionada da Recorrida ― não podendo (como não foram) comunicar-se na horizontal (no mesmo período de tributação) aos lucros da atividade concessionada ― teriam necessariamente, em conformidade com o artigo 52.º, n.º 5, do Código do IRC, ser reportados e deduzidos aos lucros tributáveis apurados em períodos seguintes.

N. As regras previstas no âmbito do RETGS para efeitos de reporte e dedução de prejuízos fiscais apresentam especificidades próprias, mas não afastam, nem sequer condicionam, a aplicação da regra de exclusão de comunicabilidade dos prejuízos fiscais.

O. Nesse sentido, nada há a apontar à sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo, porquanto a mesma bem reflete, não apenas uma boa apreciação dos factos tidos como relevantes, mas também uma perfeita interpretação das normas fiscais relevantes (mormente do artigo 52.º, n.º5, do Código do IRC), tendo em conta a melhor doutrina (inclusive, a da própria Recorrente) e jurisprudência conhecidas.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. Doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso.

Mais se requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a abrigo do art. 6º/7 do RCP, por se encontrarem verificadas as condições aí estabelecidas.


***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa:

A. A Impugnante é concessionária da construção, conservação e exploração de diversas auto-estradas, nos termos e condições definidos no contrato de concessão e nas bases a ele anexas (provado, cfr. Decreto-Lei n.º 467/72);

B. Em paralelo com a actividade concessionada, a Impugnante exerce outras actividades conexas com o seu objecto social (facto não controvertido);

C. Até 31.12.2007, foram atribuídos à Impugnante, no âmbito da sua actividade concessionada, benefícios fiscais em sede de derrama, imposto de selo e IRC (provado, cfr. Decreto-Lei n.º 467/72);

D. A Impugnante organizou a sua contabilidade separando os resultados da actividade concessionada da actividade não concessionada (facto alegado no art. 16.º da p.i., não impugnado);

E. A actividade não concessionada encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC (facto alegado no art. 16.º da p.i., não impugnado);

F. A Impugnante é, desde o período de tributação de 2009, a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS, que é integrado pela: B….., SA (sociedade dominante); B….., SGPS, SA; B….., SGPS, SA; B….., SGPS, SA; B….., SGPS, SA; B….., SA; V….., SGPS, SA; B….., SA (ou ―B…..); B….., SA; B….., SGPS, SA; e B….., S A. (provado por documento – cfr. doc. 7 junto com a p.i., a fls. 107 a 114 dos autos);

G. Na qualidade de sociedade dominante, a Impugnante submeteu, em 02.06.2011, a declaração Modelo 22 do Grupo, relativa ao período de tributação de 2010, apurando um lucro tributável, no montante de € 88.581.827,32, correspondente à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades do Grupo (facto alegado nos arts. 25.º a 27.º da p.i. e admitido no art. 18.º da contestação, conjugado com os docs. 4 e 9 juntos com a p.i. – cfr. campo 380 do quadro 09 do doc. 4, a fls. 93 a 99 dos autos e doc. 9, a fls. 121 a 138 dos autos);

H. Na mesma declaração, a Impugnante deduziu, ao lucro tributável do Grupo, o montante total de € 88.581.827,32, a título de prejuízos fiscais gerados numa base individual, relativamente aos períodos de tributação de 2006 e 2007, no âmbito da actividade não concessionada (facto alegado no art. 28.º da p.i., não impugnado, conjugado com os docs. 4, 5 e 9 juntos aos autos com a p.i. – cfr. campos 309 do quadro 09 do doc. 4);

I. Na referida declaração, a Impugnante apurou a derrama municipal devida pelo Grupo, relativamente ao período de tributação de 2010, no montante de € 1.328.727,41 (provado por documento – campo 364 do quadro 10 do doc. 4 junto com a p.i.);

J. A B….., S.A. (“B…..”) teve um lucro tributável, no período de tributação de 2010, no valor de € 1.721.043,73 (provado por documento – cfr. doc. 6 junto com as alegações, a fls. 472 a 479 dos autos);

K. A “B…..” apurou prejuízos fiscais, no período de tributação de 2008, no valor de € 609.239,52 (provado por documento – cfr. doc. 6 junto com as alegações);

L. Na sequência de um procedimento de controlo, a Impugnante foi notificada, através do ofício n.º ….., de 06.02.2012, da Direcção de Serviços de IRC, para, querendo, corrigir voluntariamente ou exercer o seu direito de audição relativamente às propostas de correcção à dedução dos prejuízos fiscais do Grupo e ao montante da derrama municipal inscrito na declaração de rendimentos Modelo 22 do Grupo (provado por documento – cfr. doc. 7 junto com a p.i., a fls. 107 a 114 dos autos);

M. Em 17.02.2012, a Impugnante exerceu o seu direito de audição, discordando das propostas de correcção apresentadas pela Administração Tributária (provado por documento – cfr. doc. 9 junto com a p.i., a fls. 121 a 138 dos autos);

N. Através do ofício n.º ….., de 18.04.2012, da Direcção de Serviços de IRC, a Impugnante foi notificada da decisão final, proferida a 11.04.2012, que considerou dedutíveis ao lucro tributáveis do grupo os prejuízos fiscais apurados pela “B…., no valor de € 609.239,53, por cumprirem “as condições referidas na alínea a) do n.º 1 do art. 71.º do Código e estão de acordo com o valor apurado através de informação anterior (provado por documento – cfr. doc. 10 junto com a p.i., a fls. 158 a 169 dos autos);

O. Em relação aos prejuízos fiscais apurados individualmente pela Impugnante, em períodos anteriores ao início de aplicação do RETGS, a Administração Tributária considerou que não “correspondem aos elementos constantes na base de dados e que não cumprem as condições constantes do artigo 71.º, n.º 1, a) do Código do IRC, na medida em que “não revestindo os benefícios em questão a natureza de isenção, redução de taxa, de regime de transição de benefícios fiscais previsto no art.º 2.° do Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho, que aprovou o Estatuto de benefícios Fiscais, nem se enquadrando no regime de transparência fiscal ou regime especial de tributação de grupos de sociedades, toda a actividade desenvolvida peia sociedade dominante se encontra(va) sujeita ao regime geral de IRC”, pelo que “no caso de, num determinado período de tributação, ser apurado um prejuízo fiscal, quer o mesmo respeite à parte concessionada ou não, o sujeito passivo deve efectuar a soma algébrica de ambos os resultados (da parte concessionada e não concessionada), não havendo lugar à aplicação do disposto no nº 5 do art.º 52.º do Código do IRC” (provado por documento – doc. 10 junto com a p.i.);

P. Em relação ao valor inscrito no campo 364 (derrama municipal) do quadro 10 da declaração Modelo 22 de IRC, do período de tributação de 2010, a Administração Tributária entendeu que: “para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades (…). O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo (…)” e concluiu que: ―o somatório a considerar no campo 364 do Quadro 10 da declaração de rendimentos da sociedade dominante é de €1.702.529,48 e não €1.328,727,41, como o sujeito passivo declarou” (provado por documento – doc. 10 junto com a p.i.);

Q. Na sequência da decisão referida nas alíneas antecedentes, em 15.02.2012, foi emitida a liquidação de IRC n.º ….., com o valor a pagar de €22.696.712,64 (provado por documento – cfr. doc. 11 junto com a p.i., a fls. 167 dos autos);

R. A 20.07.2012, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação referido na alínea anterior, que não foi objecto de decisão final (provado por documento – cfr. fls. 2 a 344 do PAT apenso; facto não controvertido, cfr. art. 11.º da contestação);

S. A Impugnante apresentou a garantia bancária n.º ….., emitida pelo Banco Espírito Santo, no valor de € 28.924.043,69, para suspender o processo de execução fiscal n.º ….., que corre termos no Serviço de Finanças de Cascais – 2, instaurado para cobrança coerciva da dívida referida na alínea Q. supra (provado por documento – cfr. doc. 13 junto com as alegações, a fls. 480 dos autos).


***

A decisão recorrida fixou como factualidade não provada o seguinte: “Não há factos que importe registar como não provados.”

***

Consta na decisão recorrida como motivação da matéria de facto o seguinte:

“A convicção do Tribunal, quanto aos factos considerados provados, resultou da apreciação crítica do conjunto da prova produzida, designadamente da análise das informações e documentos, constantes dos autos e do PAT apenso, não impugnados, bem como da posição assumida pelas Partes nos respectivos articulados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

T) A Impugnante na Declaração de Rendimentos de IRC, Modelo 22, individual, relativa ao exercício de 2010, assinalou no Quadro 03 respeitante à “IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO”, no item 4, reportado ao “REGIME DE TRIBUTAÇÃO DE RENDIMENTOS”, os Campos 1 e 8, respeitantes ao Regime de tributação “Geral” e ao Regime Especial de Tributação de “Grupos de Sociedades”, respetivamente (cfr. doc. 5 junto com a p.i. a fls. 100 dos autos).


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRC, do exercício de 2010.

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que o DRFP interpôs recurso jurisdicional da sentença visada nos presentes autos na parte respeitante à dedutibilidade fiscal dos prejuízos fiscais, conformando-se com a questão inerente à derrama municipal, razão pela qual a mesma se consolidou na ordem jurídica.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:
¾ Se deve ser declarada a incompetência em razão da hierarquia, porquanto a competência para apreciação do presente litígio pertence ao STA?
¾ Se a decisão recorrida padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão?
¾  Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, por ter erradamente valorado a matéria de facto constante nos autos?
¾ Se o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento de direito por ter entendido que a atividade concessionada se encontra sujeita a um regime específico de desagravamento fiscal em sede de IRC, subsumindo-se, essa realidade, no preceito legal 52.º, nº5 do CIRC, com a inerente exclusão de comunicabilidade horizontal dos prejuízos fiscais.
¾ Se a indemnização por prestação de garantia está condicionada ao apuramento indevido do imposto que deu origem à dívida, devendo ser concedido em razão da proporção do mérito da pretensão e ilegalidade da dívida.

Comecemos, então, por analisar a questão prévia suscitada pela Recorrida, nas suas contra-alegações relativamente à incompetência em razão da hierarquia, uma vez que a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra (cfr. artigos 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

Apreciando.

De harmonia com o disposto no artigo 280.º, nº 1, do CPPT das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA (artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)).

A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, sendo certo que não é a interpretação subjetiva desses factos que interessa à determinação da competência do tribunal mas a relevância objetiva desses factos.

Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos citados artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.

Com efeito, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respetivas conclusões se questionar a matéria de facto, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, quer, ainda, por o Tribunal, no âmbito dos seus poderes cognição, ter entendido fixar matéria de facto que reputou relevante para a apreciação da lide[1].

In casu, não obstante a Recorrente não ter procedido à impugnação da matéria de facto, não se discernindo qualquer aditamento seja por substituição, seja por complementação, a verdade é que atentando nas suas conclusões, aquiesce-se a necessidade de juízo de valor sobre a matéria de facto.

Em bom rigor, sempre que para a apreciação do erro sobre os pressupostos de direito o Tribunal ad quem tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, independentemente da bondade ou da possibilidade de êxito da mesma, a questão envolve, necessariamente, matéria de facto.

No caso vertente, analisadas as conclusões das alegações da Recorrente, coadjuvadas com o teor das mesmas, constata-se que o objeto do recurso não se limita à questão de direito, defendendo que existe uma deficiente apreciação do direito aos factos (vide, designadamente, conclusões v), vi), vii) do recurso), importando, assim, juízo de valor sobre a realidade contemplada no acervo probatório, mormente, nas alíneas B) a I) e T).

Ademais, a alicerçar a competência do presente Tribunal está, desde logo, o aditamento de factualidade (alínea T da factualidade assente) pelo Tribunal ad quem e no âmbito dos seus poderes de cognição, pelo que em ordem ao consignado nos artigos 38.º, alínea a) e 26.º, alínea b) do ETAF, a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal.

E por assim ser, sem necessidade de outros considerandos, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, aduzida pela Recorrida.

Vejamos, ora, se a decisão recorrida padece da nulidade que lhe vem assacada.

Preceitua o artigo 125.º, nº1, do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto no artigo 615.º alínea c) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe-se que é nula a sentença quando: “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Apreciando.

A Recorrente começa por evidenciar que a decisão recorrida padece de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, porquanto os fundamentos de facto acolhidos com respeito ao regime de tributação aplicável à Recorrida não permitem concluir que a atividade da mesma no âmbito da atividade concessionada está sujeita a um regime de tributação diferente do regime de tributação geral.

Materializa a aludida nulidade relevando que na fundamentação de direito vertida na sentença recorrida, após apreciação que fez sobre a evolução normativa do contrato de concessão da Recorrida, concluiu que “(…), desde 2008, a actividade concessionada da Impugnante não beneficia de qualquer regime fiscal específico”, o que deveria ter conduzido à improcedência e, no entanto, decide em sentido oposto.

Com efeito, defende que, não obstante a aludida conclusão, o Tribunal a quo prosseguiu um caminho distinto considerando que “o quadro de benefícios fiscais atribuídos à Impugnante tem um conteúdo específico, dirigido à promoção de determinados investimentos pela concessionária, que se traduz num desagravamento fiscal em sede de IRC” e que “por força desse desagravamento fiscal excecional, operado pelo quadro de benefícios fiscais que foi contratualizado e que lhe foi concedido” existiria fundamento para ser tratado como regime especial de tributação de redução de IRC, derrogatório da tributação regra em sede de IRC.

Dissente a Recorrida, refutando a existência da aludida nulidade porquanto o segmento decisório constante da sentença recorrida se encontra inteiramente em linha e de forma harmoniosa com a fundamentação expendida.

Assim, também, o entendemos. Senão, vejamos.

Atentando nos trechos supratranscritos e tomando por base, necessariamente, toda a decisão recorrida não se vislumbra que a mesma tenha incorrido em nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão.

Note-se, desde já, que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.

A nulidade em análise concatena-se com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do CPC.

Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada[2].

No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que atentando no seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela anulação do ato impugnado por padecer de vício de violação de lei, por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito (artigo 52.º, nº5 do CIRC), a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido.

Com efeito, o Tribunal a quo entendeu que a Recorrida desenvolvia uma atividade sujeita a regime geral de IRC (atividade não concessionada) e outra sujeita a um regime específico de desagravamento fiscal em sede de IRC (atividade concessionada), razão pela qual entendeu, em consonância, que o apuramento dos correspondentes resultados fiscais deve ser feito de forma segmentada, justificando-se, por conseguinte, face ao quadro dos benefícios fiscais que lhe foram concedidos, que a questão se subsuma normativamente no artigo 52.º, nº5 do CIRC, aplicando-se, consequentemente, a regra da exclusão de comunicabilidade horizontal dos prejuízos fiscais.

Para depois concluir que procedem as alegações da Impugnante, sendo, por isso, anuláveis os atos de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 2010, por padecerem de vício de violação de lei (nº 5 do artigo 52.º do CIRC), por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Contemplando, in fine, no dispositivo, a procedência, com a consequente anulação da “liquidação de IRC, derrama municipal e respectivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 2010”.

Ora, cotejando a fundamentação da decisão supra expendida, resulta que o decisor enuncia a factualidade e, depois, convocando o direito que entende aplicável ao caso vertente, decide, de forma totalmente coerente e lógica-ainda que a Impugnante discorde da aludida fundamentação jurídica-que há lugar à anulação do ato impugnado.

Conclui-se, assim, que o sentido da decisão não se encontra em contradição ou oposição com os fundamentos, visto que os fundamentos expressos pelo Tribunal a quo não conduziriam a uma solução de sentido antagónico, o mesmo é dizer que a proposição final (conclusão) revela-se compatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), inexistindo, assim, vício de raciocínio, donde nulidade.

Ademais, e conforme já evidenciado anteriormente a nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.

Aqui chegados, vejamos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento.

Em sede de erro de julgamento de facto, a Recorrente sustenta que atentando na factualidade provada não é possível julgar-se no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, visto que no elenco dos factos julgados provados, não se encontra indicado qualquer facto que indique que a atividade concessionada da Recorrida se encontra sujeita a um regime especial de tributação de isenção ou de redução de taxa de IRC.

Mais relevando que do teor dos factos provados indicados nas alíneas A, B, C, F, G e O, é possível concluir-se que a Recorrida se encontra sujeita apenas ao regime geral de tributação de IRC, tendo optado, a partir de 2009, pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS).

Sendo que da demais factualidade fixada não é possível inferir-se que a Recorrida, na parte respeitante à atividade concessionada, se encontra enquadrada num regime especial de tributação distinto do regime geral do IRC, os quais, nem tão pouco, identifica.

Acresce que da própria Declaração de Rendimentos de IRC, Modelo 22, individual, relativa ao exercício de 2010, apresentada pela Recorrida, resulta a asserção de um regime geral de tributação.

Mais aduz que, a decisão recorrida contém um erro de julgamento de direito, porquanto, erroneamente e à revelia do princípio da legalidade, a decisão recorrida trata os benefícios fiscais previstos para a atividade concessionada da Recorrida como se estes, por si só, fossem constitutivos de um regime especial de tributação em sede de IRC, a ser relevado como “redução de IRC”, aludida no n.º 5 do artigo 52.º do CIRC.

Densifica, para o efeito, que a incomunicabilidade dos prejuízos fiscais entre diferentes atividades exercidas pelo sujeito passivo, prevista no n.º 5 do artigo 52.º do CIRC, surge apenas para situações em que este beneficie de regime específico de tributação de “isenção parcial e ou redução de IRC”, logo só se verifica quando o sujeito passivo esteja enquadrado num desses regimes específicos de tributação, e não quando esteja enquadrado no regime geral de tributação, mesmo que à margem deste regime sejam constituídos benefícios fiscais que tenham por efeito reduzir a coleta de IRC.

No concernente à segregação contabilística por sector de atividade, sufraga que a mesma visa apenas salvaguardar a possibilidade de conceder um tratamento fiscal diferenciado consoante os benefícios fiscais previstos para cada um dos sectores de atividades, através de um instrumento prático que permita a delimitação de cada sector e operacionalizar com rigor os efeitos dos benefícios fiscais no âmbito da atividade para a qual foram previstos, o que não é o caso vertente.

Termina, concluindo, que a decisão recorrida deveria ter decidido quanto ao sector de atividade concessionada pela aplicação do regime geral de tributação, obstando, nessa medida, à incomunicabilidade horizontal de prejuízos prevista no n.º 5 do artigo 52.º do CIRC regulada apenas para os casos em que é aplicável um regime especial de tributação de isenção parcial e ou de redução de IRC. Pelo que, não o tendo feito, incorre em erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito, especificamente, errónea interpretação do disposto no n.º 5 do artigo 52.º do CIRC.

Dissente a Recorrida, propugnando que a decisão recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é assacado visto que o contrato de concessão outorgado pelo Decreto n.º 467/72, de 22 de novembro, conferiu à Recorrida um regime de tributação específico (por ser atribuído apenas à Recorrida), especial (por ter características diversas das normalmente consagradas para a generalidade das empresas) e substitutivo (por derrogar normas legais que são aplicáveis aos demais sujeitos passivos).

Sendo certo que o facto de o benefício ou vantagem fiscal ser conferido à Recorrida através de uma dedução à coleta, de um regime especial de dedutibilidade de gastos e de um regime de amortizações aceleradas não contraria a conclusão acima exposta, já que estes incentivos se traduzem numa redução direta do IRC a pagar.

Mais densifica que a existência de um regime fiscal especial aplicável a uma parte ou segmento da atividade da Recorrida exige o cumprimento da separação contabilística imposta pelo artigo 17.º, n.º 3, do Código do IRC, não se podendo alegar que a separação contabilística imposta pelo citado normativo é meramente contabilística e não tem implicação fiscal.

Razão pela qual defende a aplicabilidade do artigo 52.º, n.º 5, do Código do IRC, de forma a que os prejuízos fiscais gerados pela atividade não concessionada da Recorrida, não possam (como não foram) comunicar-se na horizontal (no mesmo período de tributação) aos lucros da atividade concessionada.

Relevando, in fine, que as regras previstas no âmbito do RETGS para efeitos de reporte e dedução de prejuízos fiscais apresentam especificidades próprias, mas não afastam, nem sequer condicionam, a aplicação da regra de exclusão de comunicabilidade dos prejuízos fiscais.

O Tribunal a quo fundamentou a procedência da impugnação judicial entendendo, desde logo, que face aos benefícios fiscais que foram concedidos deve reconhecer-se que, no âmbito da atividade concessionada, a Recorrida estava sujeita a um regime especial de tributação.

Fundando o seu entendimento, designadamente, no seguinte:

“Como resulta das bases enunciadas no Decreto-Lei n.º 467/72, e que vigorou durante todo o período (inicial) da concessão, a Impugnante, no âmbito da sua actividade concessionada estava isenta de impostos e contribuições. Essa isenção manteve-se durante os primeiros anos de vigência do IRC, por força do disposto no art. 2.º do Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho (Estatuto dos Benefícios Fiscais), que assegurou a manutenção dos benefícios fiscais cujo direito tivesse sido adquirido antes da Reforma Fiscal de 1989.

Assim, dúvidas não se levantam que, até aprovação do Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro ou, mais precisamente, do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, que concretizou as alterações ao contrato em matéria de benefícios fiscais, a Impugnante estava obrigada a proceder à separação contabilística da actividade concessionada da não concessionada, por força do disposto no art. 17.º, n.º 3, b) do CIRC.

Ora, a modificação contratual operada pelo referido Decreto-Lei n.º 271/99 – que se traduziu numa redução dos benefícios fiscais anteriormente atribuídos à Impugnante – foi negociada pelas Partes e, como resulta expressamente do diploma, aceite pela concessionária, em respeito do equilíbrio financeiro estabelecido no contrato (e, consequentemente, do princípio da boa fé e da regra pacta sunt servanda, tal como aponta Nuno Sá Gomes, sobre os limites à revogabilidade dos benefícios fiscais de natureza contratual, cfr. ―Teoria Geral do Benefícios Fiscais, CTF n.º 165, p. 283). Os benefícios fiscais atribuídos à concessionária passaram, assim, a ser temporários (em vigor até 31.12.2005), traduzindo-se, designadamente: i) numa dedução à colecta do IRC e até à sua concorrência, de uma importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas, reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado, sendo apenas considerada nos anos de 2006 e 2007 àquela que respeita a investimentos que foram objecto de alteração do programa de abertura ao tráfego que consta da base VII; ii) na aceitação como custo dos acréscimos resultantes de reavaliação do imobilizado corpóreo efectuado pela concessionária em 1989; iii) num regime especial amortizações.

Ora, se não existiam dúvidas sobre a sujeição da actividade concessionada a um regime especial de IRC até 1998, o mesmo se deve concluir após a mencionada data. (…)

“[c]omo é claramente explicado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 271/99, anteriormente citado, que operou a ―remodelação do modelo de concessão, reformulando o quadro dos benefícios fiscais aplicáveis à Impugnante, não se deixou de ter em conta que a realização da rede de auto-estradas definida no contrato de concessão mantinha uma ―importância essencial para o desenvolvimento económico nacional e regional, afirmando ainda que, por essa via, ―justificava-se plenamente - em função do interesse público prosseguido e do equilíbrio estabelecido no contrato de concessão - a manutenção de benefícios fiscais, embora, como se disse, em níveis substancialmente inferiores aos inicialmente consagrados.

(…)Neste caso concreto, o quadro de benefícios fiscais atribuídos à Impugnante tem um conteúdo específico, dirigido à promoção de determinados investimentos pela concessionária, que se traduz num desagravamento fiscal em sede de IRC. Neste sentido, não podemos acompanhar a posição da Fazenda Pública quando defende que, ao admitir esta tese, incorríamos na recondução de um qualquer quadro de benefícios fiscais a um regime especial substitutivo, desde logo porque estamos perante benefícios fiscais de carácter excepcional (à luz do n.º 1 do art. 2.º do EBF), de cariz subjectivo e de natureza contratual, ou ―tailor made, i.e. desenhados para uma situação particular. (…)

Avançando, cumpre, então, analisar se esse estatuto especial, que, neste caso, deixou de ser de ―isenção se reconduz a uma ―redução de IRC, para os efeitos previstos no n.º 5 do art. 52.º do CIRC.

E, quanto a este ponto, não podemos acompanhar o entendimento restritivo da Administração Tributária no sentido que a norma apenas pretendeu abranger as situações de -redução de taxa de IRC, tal como resulta da informação referida na alínea O. dos factos provados. Não se pode deixar de ter presente a alteração legislativa que foi introduzida pelo Código do IRC. Como se referiu anteriormente, o n.º 5 do art. 52.º deixou cair a referência à ―redução da taxa de IRC passando a prever simplesmente ―redução de IRC, ao contrário do que sucedia ao abrigo do preceito legal equivalente no âmbito da vigência do Código da Contribuição Industrial – o n.º 1 do art. 43.° do Código da Contribuição Industrial. Sendo a norma do CIRC decalcada da citada norma do CCI, ter-se-á de entender que esta alteração foi ponderada pelo legislador, passando essa disposição a ter um sentido menos restritivo (ou mais abrangente). Deste modo, o regime especial de tributação em que se enquadra a Impugnante, no âmbito da sua actividade concessionada, deve ser considerado um regime de redução de IRC, por força do desagravamento fiscal excepcional, operado pelo quadro de benefícios fiscais que foi contratualizado e que lhe foi concedido, para a realização de uma finalidade extra-fiscal, assumida como relevante, e derrogatória do regime regra de tributação em sede de IRC.

Por outro lado, também não parece ter acolhimento, considerando quer o elemento literal da norma, quer o seu elemento teleológico, a interpretação – também ela restritiva – defendida pela Fazenda Pública quando preconiza que o regime constante do n.º 5 do art. 52.º do CIRC apenas seria aplicável a regimes especiais substitutivos ou quando estejam em causa impostos especiais. Se assim fosse, não só essa formulação devia ter sido expresssamente consagrada, desde logo, na letra da lei, ou clarificada nas sucessivas alterações ao CIRC, como também não parece compatível com a ratio da norma e, dir-se-á mais uma vez, com o sentido da alteração introduzida na própria letra da lei, ao prever que a mesma se aplica, não só no caso de o contribuinte beneficiar de ―isenção parcial, mas também em situações de ―redução de IRC (e já não de simples redução de taxa de IRC), quer porque aqueles não implicam, por si só ou necessariamente, um qualquer efeito de desagravamento ou redução do IRC, quer porque estes são, por natureza, regimes especiais.

(…)

Assim, impõe-se concluir que, desenvolvendo a Impugnante uma actividade sujeita a regime geral de IRC (actividade não concessionada) e outra sujeita a um regime específico de desagravamento fiscal em sede de IRC (actividade concessionada), o apuramento dos correspondentes resultados fiscais deve ser feito de forma segmentada, pelo que se justifica, face ao quadro de benefícios fiscais que lhe foram concedidos, que a mesma esteja abrangida pelo regime previsto no n.º 5 do art. 52.º do CIRC, aplicando-se a regra de exclusão de comunicabilidade horizontal dos prejuízos fiscais.

Em conformidade, estando a Impugnante, no exercício de 2010, enquadrada no RETGS, a dedução dos prejuízos fiscais deverá ser feita também à luz do previsto nos nºs. 1 e 3 do art. 71.º do CIRC.”

Vejamos, então.

Importa, ab initio, relevar que a matéria de facto se encontra, devidamente, estabilizada, visto que a Recorrente não procede à impugnação da mesma, apenas sindica um erro de julgamento de facto porquanto, no seu entendimento, o acervo fático dos autos não permite extrair a conclusão em que assentou a decisão recorrida, e por conseguinte, a procedência da impugnação judicial.

E por assim ser, comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

O Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de outubro de 1969, que autorizou o Ministério das Obras Públicas a abrir concurso público para a concessão da construção, conservação e exploração de autoestradas ou seus troços, para cumprimento dos programas de autoestradas aprovados pelo Conselho de Ministros, contempla no seu artigo 5.º que “o Estado garantirá às entidades concessionárias, pelo exercício da concessão, os seguintes benefícios:

a) Isenção das taxas de licença;

b) Isenção de impostos, de contribuições e de outros encargos fiscais”.

Em resultado da aludida abertura do concurso, foi outorgada à Recorrida a concessão da construção, conservação e exploração de autoestradas, nos termos das bases anexas ao Decreto-Lei n.º 467/72, de 22 de novembro, prevendo a Base XI, sob a epígrafe de “isenções de que beneficiam a concessionária e os seus empreiteiros”, o seguinte:

“1. De harmonia com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de Outubro de 1969, a concessionária beneficiará das seguintes isenções: a) De taxas de licença; b) De impostos, contribuições e outros encargos fiscais devidos ao Estado e às autarquias locais;”

Mais consignava o nº 4 do citado artigo 5.º que: “As isenções previstas no n.º 1 referem-se apenas à construção, conservação e exploração das autoestradas, não abrangendo, por isso, as outras atividades da concessionária, tais como a construção, conservação e exploração de postos de abastecimento de combustíveis, restaurantes ou motéis.”

De relevar, neste particular, que as bases contempladas no Decreto-Lei n.º 467/72, de 22 de novembro, supra evidenciado foram sendo sucessivamente alteradas, mormente, pelo Decreto Regulamentar n.º 5/81, de 23 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 458/85, de 30 de outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 315/91, de 20 de agosto.

Sendo que na vigência do Código do IRC, beneficiou da isenção deste imposto face ao preceituado no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, que aprovou o Estatuto dos Benefícios Fiscais, e que assegurou a manutenção dos benefícios fiscais “(…) cujo direito tenha sido adquirido até 31 de dezembro de 1988 (…)”

Ulteriormente, na revisão do contrato de concessão efetuada nos termos autorizados pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de outubro, a Recorrida aceitou a alteração dos benefícios fiscais então em vigor, que passaram a ser temporários, vigorando até 31 de dezembro de 2005.

Com efeito, de harmonia com a Base XIII, sob a epígrafe de “benefícios fiscais da concessionária” foi preceituado o seguinte:
“a) A concessionária mantém a isenção do imposto do selo;
b) Poderá ser deduzida, ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado nos termos do presente contrato, realizados pela concessionária entre os anos de 1995 a 2000 inclusive;
c) A dedução a que se refere a alínea anterior é feita, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 71.º do Código do IRC, nas liquidações respeitantes aos exercícios de 1997 a 2005;
d) Os acréscimos das amortizações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo efetuada pela concessionária em 1989 são considerados integralmente como custos para efeitos do IRC;
e) São ainda consideradas como custos para efeitos do IRC as seguintes amortizações:
1) Amortizações, que poderão ser por um período mínimo de oito anos, dos investimentos na camada de desgaste dos pavimentos betuminosos;
2) Amortizações dos custos diferidos constantes do balanço de 31 de dezembro de 1996, relativos a «Diferenciais de receitas garantidas» e a «Encargos com empréstimos da cláusula do Acordo de Equilíbrio Financeiro», no valor total de 19719073 contos, e que são efetuadas a taxas constantes em função do número de anos de concessão;
f) A concessionária é isenta de derrama;
g) Os benefícios fiscais previstos na presente base são concedidos até 31 de dezembro de 2005.”

Porém, como a necessária autorização legislativa para esta revisão apenas veio a ser concedida através da Lei nº 18/99, de 25 de março, a modificação apenas foi concretizada pelo Decreto-Lei nº 271/99, de 16 de julho, preceituando o seu artigo 1.º o seguinte:
“1 - São concedidos à B….., S. A., no âmbito do contrato de concessão da construção, conservação e exploração de autoestradas outorgada a esta entidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de Outubro de 1969, do Decreto n.º 467/72, de 22 de Novembro, e dos Decretos-Leis n.ºs 458/85, de 30 de Outubro, 315/91, de 20 Agosto, 330-A/95, de 16 de Dezembro, 81/96, de 21 de Junho, e 294/97, de 24 de Outubro, os seguintes benefícios fiscais:
a) Isenção do imposto do selo e de derramas;
b) Possibilidade de dedução ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC e até à sua concorrência, a efetuar, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 71.º do Código do IRC, nas liquidações respeitantes aos exercícios de 1997 a 2005, de uma importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado, realizados pela concessionária entre os anos de 1995 a 2000, inclusive;
c) Consideração integral dos acréscimos das amortizações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo efetuado pela concessionária em 1989 como custos para efeitos do IRC;
d) Consideração das seguintes amortizações como custos para efeitos do IRC: amortizações, que poderão ser por um período mínimo de oito anos, dos investimentos na camada de desgaste dos pavimentos betuminosos e amortização dos custos diferidos constantes do balanço de 31 de Dezembro de 1995 relativos a «Diferenciais de receitas garantidas» e a «Encargos com empréstimos da cláusula do acordo de equilíbrio financeiro», no valor total de 20399041000$00, e que são efetuadas a taxas constantes em função do número de anos da concessão.
2 - Os benefícios fiscais concedidos no n.º 1 do presente artigo vigorarão até 31 de Dezembro de 2005.
3 - Os montantes que, nos termos da alínea b) do n.º 1, seriam dedutíveis nas liquidações respeitantes aos exercícios de 1997 e 1998, se o regime fixado no n.º 1 fosse já aplicável, não poderão ser deduzidos nos exercícios seguintes.”

Ainda nesse ano de 1999, importa, igualmente, ter presente, o Decreto Lei nº 287/99, de 28 de julho, cuja referida Base XIII da concessão foi objeto de alteração, face à “decorrente da necessidade de adaptação da programação da abertura ao tráfego de alguns sublanços, que sofreram atrasos devidos em parte a razões exógenas à empresa, e das correspondentes implicações, de harmonia com os princípios gerais de direito aplicáveis, nas bases técnicas e financeiras, assim como da conveniência de se consagrar contratualmente a solução das questões pendentes, nomeadamente no prazo da concessão dado que foi pedido à B….. para fazer um conjunto alargado de intervenções.”.

Tendo, nessa medida, sido prorrogada por mais dois anos a possibilidade de dedução à coleta, ou seja, nas liquidações respeitantes aos exercícios de 2006 e 2007, embora ficando limitada apenas aos investimentos que foram objeto da referida alteração do programa de abertura de tráfego de alguns sublanços de autoestradas.

In fine, importa relevar que com a publicação do Decreto-Lei n.º 247-C/2008, foi revogada a Base XIII do contrato de concessão, que consagrava os benefícios fiscais atribuídos à Recorrida, salvaguardando, contudo, o artigo 4.º, nº2, “os efeitos contabilísticos e fiscais futuros que decorrem do que nela se encontrava estabelecido”.

Ainda em termos de enquadramento legal importa atentar no consignado nos artigos 17.º, 52.º, 70.º e 71.º todos do CIRC.

Dispunha, à data o artigo 17.º do CIRC, sob a epígrafe de determinação do lucro tributável, o seguinte:
“1 - O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram -se como resultado líquido do período.
3 - De modo a permitir o apuramento referido no nº 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir -se dos das restantes.”

Quanto à dedução de prejuízos fiscais contemplava o artigo 52.º do CIRC, o seguinte:
1 - Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo -os, de um ou mais dos seis períodos de tributação posteriores.
(…)
5 - No caso de o contribuinte beneficiar de isenção parcial e ou de redução de IRC, os prejuízos fiscais sofridos nas respetivas explorações ou atividades não podem ser deduzidos, em cada período de tributação, dos lucros tributáveis das restantes.
6 - O período mencionado na alínea d) do nº 4 do artigo 8º, quando inferior a seis meses, não conta para efeitos da limitação temporal estabelecida no nº 1.
7 - Os prejuízos fiscais respeitantes às sociedades mencionadas no nº 1 do artigo 6º são deduzidos unicamente dos lucros tributáveis das mesmas sociedades. (…)”

Preceituava, por seu turno, o artigo 70.º relativamente à determinação do lucro tributável do grupo como segue:
“1 - Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
2 - O montante obtido nos termos do número anterior é corrigido da parte dos lucros distribuídos entre as sociedades do grupo que se encontre incluída nas bases tributáveis individuais.”

Por último, no concernente ao regime específico de dedução de prejuízos fiscais, consagrava o artigo 71.º do CIRC que:
“1 - Quando seja aplicável o regime estabelecido no artigo 69º, na dedução de prejuízos fiscais prevista no artigo 52º, observa -se ainda o seguinte:
a) Os prejuízos das sociedades do grupo verificados em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do regime só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam;
b) Os prejuízos fiscais do grupo apurados em cada período de tributação em que seja aplicado o regime só podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo;
c) Terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respetivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os períodos de tributação em que o regime se aplicou, podendo, porém, ainda ser deduzidos, nos termos e condições do nº 1 do artigo 52º, os prejuízos a que se refere a alínea a) que não tenham sido totalmente deduzidos ao lucro tributável do grupo;
d) Quando houver continuidade de aplicação do regime após a saída de uma ou mais sociedades do grupo, extingue-se o direito à dedução da quota -parte dos prejuízos fiscais respeitantes àquelas sociedades.
2 - Quando, durante a aplicação do regime, haja lugar a fusões entre sociedades do grupo ou uma sociedade incorpore uma ou mais sociedades não pertencentes ao grupo, os prejuízos das sociedades fundidas verificados em períodos de tributação anteriores ao do início do regime podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da nova sociedade ou da sociedade incorporante, desde que seja obtida a autorização prevista no artigo 75º
3 - Na dedução dos prejuízos fiscais devem ser primeiramente deduzidos os apurados há mais tempo.”

Ora, aqui chegados feita a enunciação do regime legal, importa, então, aferir se os benefícios fiscais que foram concedidos e, sucessivamente, alterados, no quadro normativo supra evidenciado traduzem um regime especial de tributação, particularmente, um regime especial de redução de IRC, como ajuizou o Tribunal a quo.

Regressemos, desde já, ao recorte probatório dos autos.

Do acervo fático dos autos resulta que até 31 de dezembro de 2007, foram atribuídos à Recorrida, no âmbito da sua atividade concessionada, benefícios fiscais em sede de derrama, imposto de selo e IRC, tendo a mesma organizado a sua contabilidade separando os resultados da atividade concessionada, da atividade não concessionada.

Mais dimanando assente, que a Recorrida desde o período de tributação de 2009, é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS, e que nessa qualidade submeteu, em 02 de junho de 2011, a declaração Modelo 22 do Grupo, relativa ao período de tributação de 2010, apurando um lucro tributável, no montante de € 88.581.827,32, correspondente à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades do Grupo.

Sendo que, nessa mesma declaração deduziu, ao lucro tributável do Grupo, o montante total de € 88.581.827,32, a título de prejuízos fiscais gerados numa base individual, relativamente aos períodos de tributação de 2006 e 2007, no âmbito da atividade não concessionada.

De facto, como evidencia a Recorrente, do aludido probatório não ressalta, de forma expressa e objetiva, que a Recorrida no âmbito da sua atividade concessionada, se encontra sujeita a um regime especial de tributação, mormente, de redução de imposto, resultando apenas da alínea E) a asserção de que a atividade não concessionada se encontra sujeita ao regime geral de tributação.

E, é igualmente certo que, na Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 individual, relativa ao exercício de 2010, a Recorrida, assinalou no Quadro 03 respeitante à “IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO”, no item 4, reportado ao “REGIME DE TRIBUTAÇÃO DE RENDIMENTOS”, os Campos 1 e 8, respeitantes ao Regime de tributação “Geral” e ao Regime Especial de Tributação de “Grupos de Sociedades”.

Porém, entende-se que tais alegações não permitem, per se, propugnar no sentido da verificação do erro de julgamento de facto nos moldes em que o faz a Recorrente, desde logo, porque, in casu, a afirmação do regime de tributação mais não representa que um juízo conclusivo, inteiramente dependente da interpretação da demais factualidade vertida no probatório e concatenada com o respetivo regime jurídico.

No entanto, sem embargo do exposto tal não significa que o Tribunal ad quem, entenda que face à factualidade constante nos autos e ao respetivo quadro normativo vigente a decisão recorrida tenha feito a melhor interpretação do regime jurídico aplicável.

Senão vejamos.

Neste particular, e uma vez que a questão foi tratada pelo STA nos recentes Acórdãos proferidos nos processos nºs 20/07.4BESNT e 520/11.1 BESNT e uma vez que a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no primeiro dos citados Acórdãos.
O Aludido Aresto, num item que identifica como antecedentes do litígio aduz, desde logo, e convocando o preâmbulo do Decreto-Lei nº 271/99, de 16 de julho que:
“[c]omo se sublinha no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, estes regimes fiscais mais favoráveis – primeiro a isenção e posteriormente os benefícios fiscais em matéria de tributação do rendimento – “reconhecidos” ou “atribuídos” por contrato, mesmo que as respectivas bases fossem aprovadas por instrumento legislativo do Governo, deixariam de ser conformes com a Constituição de 1976, que incluiu no âmbito da competência legislativa parlamentar a disciplina da incidência dos impostos e dos benefícios fiscais (artigo 106.º, n.º 2 e 167.º, al. o e 168.º da CRP, na sua redacção original, posteriormente alterados e renumerados, mas sem que tivesse sido modificado o conteúdo no sentido que aqui interessa), se não fossem autorizados pelo Parlamento. É nesse contexto que se compreende a aprovação do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, aprovado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 18/99, de 25 de Março, cujo artigo 1.º (já antes transcrito), sob a forma constitucionalmente exigida, veio instituir o regime fiscal já antes consagrado na mencionada Base III do contrato de concessão anexo ao Decreto-Lei n.º 294/97.”
Densificando, depois, quanto ao regime fiscal da atividade concessionada que:
“[t]rata-se de apurar se o regime fiscal da actividade da concessão se deve interpretar como um regime fiscal separado e incomunicável com o regime fiscal aplicável às restantes actividades da empresa -ou mesmo, como chega a sustentar a Recorrente, de um “regime fiscal especial de tributação do rendimento”, i. e., “um regime fiscal substitutivo do regime geral da tributação dos rendimentos” ¯ ou se, como afirma a AT, a partir de 2000 os rendimentos da actividade da concessão passam a ficar sujeitos à tributação geral em regime de IRC, cabendo apenas à Recorrente a obrigação de, no apuramento da matéria colectável anual, autonomizar a parte respeitante à concessão para, querendo, deduzir, até esse valor, a importância correspondente a 50 % dos investimentos em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado (al. b do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99), bem como a consideração como custos para efeitos de IRC dos valores das amortizações referidas nas als. c e d do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99.
Ora, das normas em presença resulta claro que com a aprovação do referido Decreto-Lei n.º 271/99 cessou o benefício de isenção fiscal de que a empresa beneficiava na parte respeitante à actividade concessionada, passando aquela actividade a ficar subordinada às regras gerais em matéria de tributação do rendimento, ou seja, aplicando-se o regime geral do IRC, quer quanto à determinação da matéria colectável, quer quanto à taxa aplicável.”(destaque e sublinhado nosso).
Afirmando, depois, de forma clara e perentória que:
“[o] primeiro argumento que cumpre rejeitar é o de que o Decreto-Lei n.º 271/99 consagre um regime especial de tributação do rendimento substitutivo do regime geral de tributação em IRC. Tal não resulta nem da letra, nem do conteúdo, nem da teleologia do articulado do Decreto-Lei n.º 271/99. Estamos apenas ante um regime de benefícios fiscais que complementa, em sentido favorável ao contribuinte, as regras gerais em matéria de tributação do rendimento e que visa, neste caso, pela sua natureza temporária, amenizar os efeitos daquela tributação para os interesses económicos da empresa (dos accionistas), aproveitando para incidir sobre os investimentos nos activos afectos à concessão que, por efeito da cessação da mesma no fim do respectivo prazo, reverterão para o Estado concedente, livres de ónus e encargos (cf. Base XLI do contrato de concessão anexo ao Decreto-Lei n.º 294/97). Esta é também uma técnica regulatória para neutralizar os efeitos negativos para o interesse público que em regra decorrem das concessões de actividades de interesse público por desinvestimento intencional por parte dos accionistas, quando aquelas concessões começam a aproximar-se do fim do prazo e os investidores, confrontados com a eminência do fim do contrato e, em muitos casos, o efeito da reversão dos bens para o Estado, optam por não realizar despesa de investimento, mesmo que necessária, por temerem já não conseguir promover a respectiva amortização.”(destaque e sublinhado nosso).
Enfatizando, em abono da posição sufragada, que:
“[o] próprio carácter temporário dos benefícios fiscais consubstancia um elemento interpretativo do enquadramento jurídico-normativo daqueles benefícios fiscais como disposições complementares do regime geral de tributação dos rendimentos (IRC) ao qual os rendimentos daquela actividade, até aí isenta, passaram, entretanto, a estar sujeitos. Trata-se de um desagravamento temporário dos efeitos daquela tributação, que afasta um eventual carácter abrupto da mudança, assim como um efeito imediato das consequências financeiras desvantajosas, de modo a afastar uma violação do princípio da protecção da confiança legítima. Princípio que aqui poderia eventualmente ser mobilizado pelo concessionário (o que não é a regra em caso de alterações nos regimes de tributação da actividade), atenta a circunstância, excepcional, de o regime fiscal da actividade ter vindo a integrar as regras do contrato de concessão.”(destaque e sublinhado nosso).
Fazendo, por conseguinte, a interligação do regime de tributação com a subsunção normativa no artigo 47.º, nº5 do CIRC (atual artigo 52.º, nº 5 do CIRC), aduzindo o seguinte entendimento:
“o Decreto-Lei n.º 294/97 não só não consubstancia (como já dissemos antes) um regime fiscal substitutivo do IRC (não existe qualquer semelhança entre a aplicação das regras do Decreto-Lei n.º 294/97 à tributação da actividade concessionada explorada pela Recorrente e a tributação do jogo no âmbito da actividade desenvolvida pelas empresas que exploram os casinos), como também as suas regras sobre a tributação dos rendimentos da concessão não se podem qualificar como um regime especial de redução de IRC.
Trata-se, tão-só, de um benefício fiscal que, para o aqui respeita, se traduz numa dedução à colecta. E os benefícios fiscais deste tipo (deduções à colecta) consubstanciam despesa fiscal fundada em razões sociais e económicas (no caso o já mencionado contributo para a redução do impacto financeiro para a empresa da passagem de um regime de isenção fiscal para um regime de tributação geral dos rendimentos, consistindo esse contributo na dedução de despesa efectivamente realizada pela empresa com os activos que ingressarão na esfera jurídica do Estado no fim da concessão) que operam após o apuramento da colecta, como um momento complementar da liquidação, e não, como sucede com as reduções de IRC em sentido técnico (aquelas a que se reporta o n.º 5 do artigo 47.º do CIRC), como se de alterações estruturais do imposto se tratasse.
As alterações estruturais do imposto resultam obrigatoriamente de condicionantes específicas da natureza do objecto ou do sujeito da tributação e exigem uma mudança estrutural nas próprias regras do imposto, seja no âmbito de incidência (ex. consagração de delimitações negativas de incidência, como sucede com a isenção do mínimo de existência), seja na taxa (ex. taxas reduzidas), seja também na instituição de incomunicabilidades entre tipos de rendimentos.” (destaques e sublinhados nossos).
Concluindo, assim, que não é possível a aplicação da regra da incomunicabilidade de prejuízos fiscais contemplada no atual artigo 52.º, nº5 do CIRC, à data 47.º, nº5 do CIRC, contrariamente ao propugnado pela Recorrente, porquanto:
“No caso em apreço não existe uma redução de IRC, apenas uma dedução à colecta do IRC decorrente do benefício fiscal, que, é óbvio, se traduzirá, no final, no pagamento de um valor mais reduzido do imposto, mas não é a esse tipo de consequências, de natureza empírica, que se refere o n.º 5 do artigo 47.º do CIRC quando se refere a “redução de IRC”. As incomunicabilidades de prejuízos reguladas naquele artigo (sobre a qualificação do artigo como acolhendo um regime de incomunicabilidades v. acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Janeiro de 2005, proc. 01214/04) dizem respeito a situações em que, estruturalmente, o legislador diferencia a tributação de uma certa actividade ou aquelas em que expressamente consagra incomunicabilidades entre tipos de rendimentos. Nem uma nem outra hipótese se verificam neste caso.” (destaques e sublinhados nossos).

É certo que a Recorrida convoca, em abono da sua pretensão, a segregação contabilística materializada em cumprimento do artigo 17.º, nº 3 do CIRC, argumentando, para o efeito, que não se pode defender que a separação contabilística imposta pelo artigo 17.º do Código do IRC é meramente contabilística e não tem implicação fiscal.
Porém, também neste âmbito não logra provimento a argumentação da Recorrida, visto que para usufruir do benefício tem de contabilizar separadamente o lucro tributável das duas atividades.
Neste âmbito, convoque-se novamente o Aresto do STA que vimos acompanhando e que, neste e para este efeito, afirma que:
“[t]em razão a AT quando, na informação que envia à Recorrente, lhe adverte que para poder usufruir do benefício fiscal tem de contabilizar separadamente o lucro tributável das duas actividades, pois só assim será possível limitar o efeito do benefício fiscal de dedução à colecta– como impõe o Decreto-Lei n.º 294/97 – aos rendimentos da actividade concessionada. E atendendo a que a taxa do imposto é única (e, por isso, a mesma), o recurso ao cálculo a partir da percentagem do lucro tributável afigura-se estar em sintonia com o princípio da praticabilidade, sendo esta a única forma de garantir a legalidade no cálculo e na aplicação do benefício fiscal. De resto, se tivesse sido intenção do legislador consagrar neste caso um regime especial de incomunicabilidade de prejuízos poderia tê-lo feito no Decreto-Lei n.º 294/97, o que não sucedeu.”
Face ao supra aludido e tendo por base a fundamentação vertida no citado Aresto citado impõe-se concluir que:
- Após a cessação do regime de isenção fiscal da tributação dos rendimentos da concessão, a atividade desenvolvida pela Recorrida no âmbito da concessão ficou subordinada ao regime geral de tributação dos rendimentos das pessoas coletivas, beneficiando, temporariamente, do benefício fiscal instituído pelo Decreto-Lei n.º 294/97;
- O aludido Decreto-Lei n.º 294/97 não consubstancia um regime fiscal substitutivo do IRC e não pode, outrossim, qualificar-se como um regime especial de redução de IRC, em sentido técnico, para efeitos do artigo 52.º, nº5 do CIRC (anterior 47.º, nº5 do CIRC).
-É, tão-só, um benefício fiscal que opera através de uma dedução à coleta, ou seja, de uma despesa fiscal fundada em razões sociais e económicas que opera após o apuramento da coleta, como um momento complementar da liquidação;
- As alterações estruturais do imposto resultam obrigatoriamente de condicionantes específicas da natureza do objeto ou do sujeito da tributação e exigem uma mudança estrutural nas próprias regras do imposto, seja no âmbito de incidência (ex. consagração de delimitações negativas de incidência, como sucede com a isenção do mínimo de existência), seja na taxa (ex. taxas reduzidas), seja também na instituição de incomunicabilidades entre tipos de rendimentos;
- As incomunicabilidades de prejuízos consignadas no n.º 5 do artigo 52.º do CIRC dizem respeito a situações em que, estruturalmente, o legislador diferencia a tributação de uma certa atividade ou aquelas em que expressamente consagra incomunicabilidades entre tipos de rendimentos, o que não acontece, de todo, no Decreto-Lei n.º 294/97;
Deste modo, contrariamente ao propugnado pela Recorrida e decidido pelo Tribunal a quo, a correção realizada pela Administração Tributária, em consequência da qual apenas deveria ser deduzido, ao lucro tributável apurado pelo Grupo, os prejuízos fiscais apurados pela B….., no montante de €609.239,52 e não os €88.581.827,32 relativos a prejuízos fiscais gerados pela Recorrida na atividade não concessionada não padece de qualquer ilegalidade.
Uma nota final para evidenciar que carece de relevância, a  alegação de que “as regras previstas no âmbito do REGTS para efeitos de reporte e dedução de prejuízos fiscais apresentam especificidades próprias, mas não afastam, nem sequer condicionam, a aplicação da regra de exclusão de comunicabilidades dos prejuízos fiscais”, pois, como visto, entende-se que a questão não é subsumível no artigo 52.º, nº5 do CIRC, donde, sem possibilidade de aplicação da regra da incomunicabilidade dos prejuízos fiscais.
Com efeito, os prejuízos fiscais individuais dedutíveis ao lucro tributável do grupo são os que resultam da aplicação do artigo 52.º do CIRC (como visto sem a inerente regra consignada no seu nº 5), conjugado com a alínea a), do nº1 do artigo 71.º do mesmo diploma legal.
Deste modo, a correção realizada pela Administração Tributária, em consequência da qual apenas pode ser deduzido, ao lucro tributável apurado pelo Grupo, os prejuízos fiscais apurados pela B….., no montante de €609.239,52, não padece de qualquer ilegalidade, não podendo, face a todo o exposto, ser considerado o montante de €88.581.827,32, relativo a prejuízos fiscais gerados pela Recorrida na atividade não concessionada.
Pelo que face ao supra aludido não pode manter-se a decisão recorrida que entendeu que “desenvolvendo a Impugnante uma actividade sujeita a regime geral de IRC (actividade não concessionada) e outra sujeita a um regime específico de desagravamento fiscal em sede de IRC (actividade concessionada), o apuramento dos correspondentes resultados fiscais deve ser feito de forma segmentada, pelo que se justifica, face ao quadro de benefícios fiscais que lhe foram concedidos, que a mesma esteja abrangida pelo regime previsto no n.º 5 do art. 52.º do CIRC, aplicando-se a regra de exclusão de comunicabilidade horizontal dos prejuízos fiscais.”, devendo, por isso, ser revogada, com a consequente manutenção do ato impugnado, nessa parte, e respetivos juros compensatórios.
Aqui chegados, cumpre analisar a questão inerente à indemnização para prestação indevida de garantia.

A Recorrente sustenta que sendo dado provimento ao presente recurso, a indemnização peticionada pela Recorrida deve ser parcial e na justa proporção do seu vencimento no âmbito da presente Impugnação Judicial, em ordem ao consignado no artigo 53.º, nº1 da LGT.
Atentemos, para o efeito no que foi decidido pelo Tribunal a quo neste âmbito:
“[f]icou provado que a Impugnante apresentou a garantia bancária n.º ….., emitida pelo Banco Espírito Santo, no valor de € 28.924.043,69, destinada a suspender o processo de execução fiscal n.º ….., instaurado para cobrança coerciva da dívida impugnada nos autos (cfr. alínea S. dos factos provados).
Deste modo, considerando, nos termos anteriormente expostos, a procedência da presente impugnação judicial, por vício de violação de lei, verificam-se os pressupostos legais para a indemnização por prestação de garantia indevida, ao abrigo do n.º 1 e 2 do art. 53.º da LGT e 171.º do CPPT, com os limites previstos no n.º 3 do art. 53.º da LGT, pelo que deve ser atribuída à Impugnante a referida indemnização.
Não tendo a Impugnante junto aos autos o comprovativo dos custos incorridos e caso a AT não efectue voluntariamente o pagamento devido, o mesmo poder ser conhecido em sede de execução de sentença.”

Assiste-lhe, efetivamente, razão.

Senão vejamos.

Preceituava o artigo 53.º da LGT, com a redação à data aplicável, e sob a epígrafe de “Garantia em caso de prestação indevida” que:

“1- O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2- O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3-A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”

Por sua vez, dispõe o artigo 171.º do CPPT, com a epígrafe “Indemnização em caso de garantia indevida” que:

“1-A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2-A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”

Resulta, assim, do teor dos normativos legais citados que no domínio do contencioso tributário se “(…) consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda (…)”[3]

Resulta dos aludidos normativos que são três os elementos constitutivos do direito à indemnização por garantia indevida, a saber:
Ø Ter sido prestada garantia bancária ou equivalente em execução fiscal;
Ø O sujeito passivo ter suportado custos com a prestação ou manutenção da garantia;
Ø Ter-se apurado ser indevido o imposto que deu origem à dívida, por ter sido anulada total ou parcialmente a liquidação impugnada;

Pelo que, face à revogação da decisão recorrida na parte impugnada, significa que a liquidação de IRC do exercício de 2010 só, em parte, padece de ilegalidade, razão pela qual sendo condição sine qua non para a atribuição da prestação de garantia bancária a procedência da pretensão, tal determina, per se, que a aludida indemnização tenha de ser concedida na exata medida e proporção do vencimento.

Procede, assim, a pretensão da Recorrente, devendo a indemnização por prestação indevida de garantia ser concedida tendo por base o critério de vencimento da presente ação, e cujo quantum se relega, conforme decidido pelo Tribunal a quo, para execução de sentença[4].


***

Resta analisar a suscitada dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns-encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Conceder provimento ao recurso, revogar a decisão na parte recorrida, e em consequência:

Julgar parcialmente improcedente a impugnação judicial, na parte referente à correção à dedução de prejuízos fiscais no valor de € 87.972.587,80, mantendo-se, nessa parte, o ato de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios;

Determinando, em consequência, que a indemnização por prestação indevida de garantia, seja apurada em exata proporção ao mérito da sua pretensão referente à correção da Derrama Municipal e cujo apuramento se relega para execução de sentença.

Custas a cargo da Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 25 de junho de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


_______________________________
[1] Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo nº 0161/14, de 09 de abril de 2014 e demais jurisprudência nele citada
[2] vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
[3] In Acórdão do STA, proferido no recurso nº 01032/10, de 13 de abril de 2011.
[4] Vide, neste sentido, José Maria Fernandes Pires e outros,Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina:2015, p.550.