Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06737/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/19/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:NOTIFICAÇÃO/PRESUNÇÃO/ REGULAMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO DOS CORREIOS
Sumário:I – Cabe à Administração Tributária o ónus de comprovar que efectuou a notificação em observância dos requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais aplicáveis.

II – Ainda que os recibos de aceitação e de entrega da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios sejam documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário, na sua falta, e para prova do mesmo facto, podem ser substituídos por outros.

III - Do registo da carta resulta a presunção de que o destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo, presunção essa que se destina a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.

IV – Tendo ficado provado nos autos que a liquidação foi emitida e enviada por carta registada para o domicílio da Oponente, e que não veio devolvida, impõe-se concluir que estão verificadas as condições de facto/pressuposto de operatividade da presunção consagrada no artigo 39.º n.º 1, do CPPT.

V – Por conseguinte, nessas circunstâncias, cabe à Oponente a alegação e prova de que, não obstante isso, a carta de notificação não foi recebida (ou que não foi recebida na data presumida).

VI – A mera alegação na petição inicial desse não recebimento, desacompanhada da produção de qualquer prova confirmativa do alegado, é manifestamente insuficiente para sustentar aquele não recebimento, pelo que, constituindo essa alegação o exclusivo fundamento da Oposição, a mesma terá necessariamente que ser julgada improcedente
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

1. Relatório

I………………, Lda.” intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a presente Oposição Judicial à execução fiscal n.º ………………………. e apenso, alegando, em resumo, que não foi validamente notificada para proceder ao pagamento voluntário das liquidações de IRC de 2008 e 2009.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na sentença com que encerrou o processo em 1ª instância, decidiu declarar procedente a Oposição Judicial e, em consequência, determinou a extinção da execução.

Inconformados, o Ministério Público e a Fazenda Pública interpuseram recurso jurisdicional daquela decisão.

Tendo alegado, concluíram as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

O Ministério Público

«1. As liquidações resultantes de correcções à matéria colectável subsequente a acção inspectiva em que o sujeito passivo foi notificado para exercício do direito de audição devem ser efectuadas por carta registada, nos termos do art. 38° n° 1 do CPPT.

2. Tal prova deve ser feita pela AT, não bastando para o efeito um "print" interno dos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que colectivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi efectivamente remetida para o domicílio fiscal do contribuinte e não devolvida.

3. No caso em apreço, com a junção da guia de entrega e expedição do registo dos CTT, das notas de liquidação e cobrança enviadas e da informação dos CTT que a correspondência foi entregue (vide fls. 34, 35, 38 e 41 do PA) entendemos estar feita a prova da correcta notificação.

4. Isto aliás na linha do que tem vindo a ser decidido por esse Venerando Tribunal, nomeadamente nos Acórdãos de 2/10/2012, proc. 05673/12 e de 6/11/2012, proc. 05822/12 e ainda dos Acórdãos do STA de 16/5/2012, proferido no processo 01181/11 e de 13/4/2011, proc. 546/10.

5. Em face do exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare que as notificações das liquidações foram validamente efectuadas e, em consequência, julgue improcedente a oposição deduzida por "I………………..Lda",

VOSSAS EXECELÊNCIAS, PORÉM, COMO SEMPRE, MELHOR DECIDIRÃO, FAZENDO JUSTIÇA».

A Fazenda Pública

«A. O processo de execução fiscal ……………….., por dívidas de IRC de 2008 e 2009, no valor de € 12.461,21, tem por base as liquidações adicionais que resultaram das correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável realizada em acção de inspecção tributária.

B. A ora oponente foi notificada do projecto do relatório de inspecção tributária para efeitos de audição prévia, previsto no artigo 60° da LGT.

C. Nos termos do artigo 38°/3 do CPPT as notificações das liquidações que resultem de correcções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição prévia são efectuadas por carta registada.

D. Em observância do quadro legal invocado, a AT realizou a notificação da liquidação na modalidade prevista, por carta registada.

E. Neste conspecto, com a cópia da notificação das liquidações, a cópia das guias de registos colectivos que comprovam a aceitação dos registos postais em apreço e com a junção do "print" extraído do site dos CTT, deu-se cumprimento à doutrina expendida nos AC. Do TCA Norte de 21/01/2010 processo 00623/08.6 e Ac. TCA Sul de 23/03/2012, processo 03499/09.

F. Através da modalidade de correio normal registado o remetente consegue fazer a prova da sua expedição, bastando à AT demonstrar a sua expedição para funcionar a seu favor a presunção de notificação ínsita no artigo 39°/1 do CPPT.

G. Em face de todos os elementos que logramos carrear para os autos, e de toda a fundamentação aduzida, dúvidas não restam que as liquidações de IRC de 2008 e 2009 foram validamente notificadas à oponente na modalidade legalmente prevista, e nada mais havendo a demonstrar o presente deverá obter vencimento.

H. A interpretação propugnada ancora-se em jurisprudência consolidada do STA, que em sua defesa a AT invoca, nomeadamente no Ac. proferido no processo n.° 01181/11 de 16/05/2012, disponível em www.dgsi.pt. onde se pode ler que:

I - É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.

II - O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da cana registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a cana foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.

III - Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probatíonem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.

IV- O registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da cana (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado.

V - O registo da cana faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo, uma presunção legal que se destina a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando, presunção que, tendo por base o registo postal só existe quando se prove que o registo foi efectuado."

l. A douta sentença recorrida violou as disposições contidas nos artigos 38°/3, 39°/1 e 2, ambos do CPPT, e ainda o artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios, e como tal deverá ser revogada.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, mantendo-se as liquidações de IRC, com o que se fará como sempre JUSTIÇA»

A Recorrida, notificada da admissão dos recursos, apresentou contra-alegações, aí defendendo, em conclusão, que:

«A) - As notificações das liquidações nomeadamente resultantes de correcções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos de direito de audição, são efectuadas por carta registada.

B) - As notificações registadas, em matéria tributária, encontram-se reguladas nos artigos 35° a 43° do CPPT, sendo que, em nenhuma destas normas se encontra regulada a forma das notificações registadas.

C) - Não estando regulada, no CPPT, a forma das notificações registadas, por força da alínea e) do artigo 2° do citado Código, terá de aplicar-se o regime do Código do Processo Civil.

D) - As notificações registadas encontram-se reguladas nos artigos 253° a 263° do Código do Processo Civil, normas estas que, ao abrigo dos DL 183/2000 de 10.8 e DL 38/2003 de 9.9, foram objecto de regulamentação pelas Portarias 1178-A/2000 e 953/2003.

E) - Segundo o regime aprovado pelas Portarias 1178-A/2000 e 953/2003, da carta registada faz obrigatoriamente parte um impresso preenchido e assinado pelo distribuidor do correio com o qual é feita a prova do depósito na caixa do correio do destinatário, prova esta a ser entregue ao remetente da notificação.

F) — Fazendo parte integrante da notificação registada o impresso preenchido e assinado pelo distribuidor do correio com o qual é feita, junto do respectivo remetente, a prova do depósito na caixa do correio do destinatário, o "registo informático dos dados de facto existentes em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT)" não dá cumprimento às exigências legais da forma de notificação registada."

G) — Configurando a "entrega conseguida" a data em que é depositada a notificação na caixa postal do destinatário, fica por determinar a data do registo da notificação através do sistema de "registo informático dos dados de facto existentes em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT)".

H) - Não informando o citado sistema de "registo informático dos dados de facto existentes em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT)," o dia em que é efectuado o registo da notificação significa que não pode ser aplicada a presunção prevista no n ° l do artigo 39° do CPPT e por este motivo, o registo efectuado nos termos do citado sistema de "registo informático dos dados de facto existentes em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT)," não cumpre com as exigências legais da própria notificação com carta registada, na medida em que, não determinando a data, em concreto, do registo da notificação, impede que se determine a data da notificação resultante da presunção da mesma ocorrer no terceiro dia útil após o registo.

I) - A douta sentença recorrida efectuou um correcto julgamento da matéria de facto e de direito, mais concretamente do n ° l do artigo 39° do CPPT, conjugado com o n ° l do artigo 342° do Código Civil.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente e em consequência ser mantida a douta decisão recorrida com o consequente arquivamento da execução.»

Neste Tribunal Central o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronunciou, a final, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

2. Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art.º639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir se o Tribunal a quo - ao ter concluído, face aos factos apurados, que a Oponente não tinha sido notificada das liquidações e para voluntariamente proceder ao pagamento da quantia nelas apostas - incorreu em erro de julgamento.

3. Fundamentação de Facto

3.1. O julgamento da matéria de facto vem exarado na sentença recorrida nos seguintes termos:

«FUNDAMENTOS DE FACTO

1. A oponente foi sujeita a fiscalização externa, referente aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, de que resultaram liquidações adicionais.

2. No âmbito da inspeção, a oponente foi notificada para exercer o direito de audição (fls. 44 dos autos e fls. l do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

3. As liquidações adicionais de imposto foram remetidas em nome e para a morada da oponente, mediante registo n.°s RY………………..PT, expedido em 22/8/2011 e RY541447264PT, expedido em 23/8/2011 (fls. 38 e 41do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido)

4. Os CTTs declararam a entrega conseguida dos registos nos dias 23/8/2011, às 10:30, e 24/8/2011, às 10:30, respectivamente (fls. 34 e 35 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

5. Os CTTs prestam três modalidades de entrega dos registos: «simples», «em mão», e «pessoal» (fls. 93 cujo conteúdo se dá por reproduzido)

6. O registo simples, é depositado no receptáculo postal do destinatário; no registo «Em mão» é recolhida a assinatura de quem recebe no domicílio, e a modalidade de «entrega pessoal», inclui o aviso de receção (fls. 93 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

3.2. Mais ficou consignado, a título de «Factos não provados» que «Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.» e, em sede de «Motivação da decisão de facto» que « A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.»

3.3. Por entendermos que nosFUNDAMENTOS DE FACTO», mais concretamente sob os números 5. e 6., se encontram integradas considerações/definições/conclusões que mais não são do que a absorção parcial de um regime legal (ínsito no DL n.º 176/88 de 18-5), acorda-se em determinar a sua eliminação.

4. Fundamentação de Direito

Tendo presentes a questão por nós identificada no ponto II supra, importa, agora, decidir.

E, fazendo-o, começamos por salientado o seguinte: a presente Oposição Judicial e o pedido de extinção da execução fiscal aí formulado têm um único fundamento: a não notificação das liquidações.

Esta delimitação afigura-se-nos de extrema relevância porquanto, como se constata da leitura das conclusões das contra-alegações de recurso (e se bem as interpretámos), a Recorrida sustenta a manutenção da sentença em duas ordens de razões: por um lado, na efectiva verificação da falta de notificação [conclusões A) a F)]; por outro (no mínimo, complementarmente), na impossibilidade de apuramento da data em que essa notificação (alegadamente inexistente) terá ocorrido [conclusões A) a F)].

Ora, como é bom de ver, aquela última razão de sustentação do decidido extravasa a causa de pedir da acção, nos termos em que esta foi delimitada pela Oponente, e o fundamento da própria decisão sindicada, uma vez que ambas assentaram exclusivamente na falta de prova de realização do próprio acto de notificação e não na falta de prova da data em que essa concreta notificação terá ocorrido.

Aliás, salvo o devido respeito, essa “factualidade” relativa à data de verificação da notificação apenas assumiria relevo em sede de apreciação de uma eventual caducidade do direito à liquidação, questão que, de todo, não vem ou invocada como causa de pedir na presente acção e, consequentemente, também não foi, bem, objecto de apreciação.

Posto isto, e prosseguindo para a questão central do recurso que nos vem dirigido - assente já que a Oponente fundamenta a sua pretensão de extinção da execução na falta de notificação prévia da liquidação e para pagamento voluntário desta - vejamos agora o que contrapôs a Administração Fiscal e que prova realizou.

Ora, compulsados os autos, especialmente a contestação e o parecer final do Ministério Público, bem como as conclusões de ambos os recursos, constatamos que para os Recorrentes não existem dúvidas: não devolvida a carta registada que para efeitos de notificação da liquidação foi enviada à Oponente, deve presumir-se que essa notificação efectivamente ocorreu.

Para efeito da prova dessa notificação, a Fazenda Pública fez chegar aos autos cópia da carta (contendo a liquidação), prints do seu sistema onde se encontra registado esse envio e os meios e datas e que foram realizados, bem como documentos emitidos pelos CTT e que, em seu entender, comprovam a entrega no domicílio da Oponente da mesma carta.

O Tribunal a quo partilhou parcialmente desse entendimento: deu como provado a emissão da carta de notificação com a liquidação impugnada; o seu envio para o domicílio da Oponente e a sua entrega. Porém, discordou que a prova desses factos fosse suficiente para concluir que essa notificação ocorreu.

Substanciando tal conclusão de insuficiência probatória, aduziu o seguinte raciocínio:

«A oponente foi submetida a fiscalização no âmbito da qual foi notificada para exercer o direito de audição.

A liquidação de imposto resultante de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos de direito de audição, é notificada por carta registada (Art.° 38°/3 CPPT).

As cartas não foram devolvidas, daí que a AT tenha considerado verificada a notificação do destinatário, por recurso à presunção do Art.° 39°/1 CPPT: a notificação presume-se efetuada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no 1° dia útil seguinte a esse, quando esse não seja útil.

Efetivamente, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto que a ela conduz (Art.° 350 do Código Civil).

Mas a presunção assenta sobre facto, ou factos, que têm de ser provados (…) Quer dizer, a presunção legal dispensa a AT de provar o recebimento da carta. mas não a dispensa de provar a base presuntiva: ou seja, que enviou a carta para o destinatário, sua morada e mediante correio registado.

A AT demonstrou o envio da carta para o destinatário, para a sua morada.

Mas não provou tê-la enviado segundo a modalidade de registo que a lei atende.

Vejamos esta questão com mais pormenor.

Nos termos do Art.° 38°/3 do CPPT, as notificações que resultem de correcções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos de direito de audição, são efectuadas por carta registada.

Os CTTs disponibilizam três modalidades de registo: simples, em mão e pessoal.

O registo simples - utilizado pela AT- é um registo que não recolhe a assinatura do destinatário.

Mas havendo três modalidades de registo, será que a lei defere à AT o poder de escolher o que mais lhe aprouver, ou haverá uma modalidade vinculada?

Bem se vê que numa situação tão relevante como as notificações, não pode ser deixado ao livre arbítrio da AT a escolha da modalidade de registo. E de facto a lei aponta ela própria para a modalidade de registo que deve ser usada pela AT, como se verá de seguida.

Com efeito, quando a lei refere no art.° 38°/3 do CPPT que as notificações são efetuadas por carta registada, está a referir-se a uma modalidade legal de registo postal,

Ora a única modalidade legal de registo postal é a que consta do Art.° 28° do Decreto - Lei n.° 176/88, de 18/5, nos termos da qual a entrega das correspondências registadas é sempre comprovada por recibo. E o diploma em referência, e que constitui o Regulamento do Serviço Público de Correios, não prevê outra modalidade de correio registado.

Assim, quando no Art.° 38°/3 do CPPT se manda notificar por carta registada é para esta modalidade de registo se remete e não outra.

(…)

E nem a declaração dos CTTs mencionando «entrega conseguida» constitui prova plena da entrega do registo, nem tem qualquer valor probatório especial. Só o recibo desse facto pode confirmar a sua efetiva receção.

Por conseguinte, o chamado «registo simples», não é uma modalidade de registo prevista na lei, uma vez que a entrega ao destinatário não é comprovada por recibo, nem é possível saber-se a data da efetiva receção (2).

E sendo assim, também não é a modalidade de registo prevista no CPPT.

Aliás, repare-se que o Art.° 2° da Portaria n.° 953/2003, de 9 de Setembro, aprovou os modelos oficiais de carta registada e de aviso de recepção (3) para citação pessoal, a efectuar por via postal, bem como os modelos a adoptar nas notificações via postal, constantes do anexo à presente portaria, que dela fazem parte integrante.

Ora, no modelo da carta registada está claramente assinalada a prova da sua receção.

Donde, o chamado «registo simples» só prova o seu envio; não tem aptidão para provar a receção.

Portanto, conclui-se, a AT demonstrou ter enviado a carta para o destinatário, e para a sua morada. Mas não demonstrou tê-la enviado segundo a modalidade de registo legal.

Como tal, a base presuntiva cuja prova constitui ónus da AT não foi cumprida e assim ião pode beneficiar da presunção de recebimento a que alude o Art.° 39/1 do CPPT».

Vimos já que para a Recorrida as ilações de facto e direito extraídas pelo Meritíssimo Juiz a quo são acertadíssimas.

Para os Recorrentes Fazenda Pública e Ministério Público a decisão não pode deixar de ser revogada por da prova produzida só poder concluir-se que a presunção operou e a Recorrida não ilidiu, como se impunha, a realidade de notificação por aquela presunção criada.

Tudo se resume, pois, em saber se a Oponente deve considerar-se notificada das liquidações de imposto e juros de mora que subjazem à quantia exequenda, tendo em conta o formalismo legal previsto para a notificação daquelas.

Quid iuris?

Adiantemos que, como nos é revelado pelos inúmeros acórdãos, em especial do nossos Tribunais Superiores que regularmente vem publicados, a questão da notificação das liquidações, a forma como estas legalmente devem ser processadas aos contribuintes e os ónus que nesta matéria recaiem sobre a Administração Fiscal (emissor) e sobre os contribuintes (destinatários) que pretendem questionar a verificação e validade dessas mesmas notificações é matéria que insistentemente vem sendo colocada para apreciação.

E porque assim é, e a jurisprudência difundida em idênticas circunstâncias de facto e direito, tem sido recorrentemente, no mesmo sentido, decidimos a questão do nosso recurso por acolhimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 11 de Março de 2015, no processo n.º 4/2014, integralmente disponível em www.dgsi.pt :

Vejamos.

3.3. Trata-se de questão que (conforme ressalta, aliás, quer da fundamentação constante da sentença recorrida, quer do teor da alegação do recurso), tem sido apreciada em vários arestos desta Secção do STA, (cfr., os acórdãos de 16/5/2012, proc. n.º 1181/11, de 27/6/2012, proc. n.º 966/11, de 29/5/2013, proc. n.º 472/13, de 1/10/ 2014, procs. n.ºs 603/13 e 1450/13, de 29/10/2014, proc. n.º 1619/13, de 5/11/2014, proc. n.º 0609/13, de 26/11/2014, proc. n.º 1056/13 e de 3/12/2014, proc. nº 1139/13), com a mais recente jurisprudência a firmar-se no sentido de que, tendo a AT o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta (cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais) e sendo certo que o recibo de aceitação e o recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do art. 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário. E que, de todo o modo, sempre se estará perante uma formalidade simplesmente probatória ou “ad probationem”, cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.

E na verdade assim é.

Por um lado, o registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes – o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT) – é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado e, por outro lado, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo, uma presunção legal que se destina a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando, presunção que, tendo por base o registo postal, só existe quando se prove que o registo foi efectuado.

No que aqui releva, exara-se no citado acórdão de 1/10/2014, proc. n.º 1450/13, o seguinte:

«Antes de mais, convém esclarecer que não se encontra em discussão no presente recurso que a notificação dos actos de liquidação que estão na origem da dívida exequenda tinha que ser efectuada por carta registada, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 38.º do CPPT; nem se discute que, tal como ficou provado, a carta para notificação desses actos de liquidação foram recepcionados na sede da oponente. O que se discute é unicamente a questão de saber se o registo dessas cartas apenas pode ser provado pelo recibo da expedição da carta sob registo, emitido e entregue ao remetente pelos CTT, ou se pode, antes, ser comprovado por outros meios de prova, mais propriamente pelos registos informáticos da emissão, distribuição e entrega da correspondência existentes nos respectivos serviços. (…)

Tal questão foi já analisada e decidida no acórdão proferido pelo STA em 16 de Maio de 2012, no processo n.º 01181/11, […]

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos plenamente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão proferido no processo nº 01181/11:

“O procedimento de notificação por carta registada, regulado nos artigos 35.º a 39.º do CPPT e no artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL n.º 176/88 de 18/5, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.

Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.

O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário. Para a administração tributária é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o n.º 1 do artigo 39.º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3.º dia posterior ao registo. Porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1.º dia útil, se o último dia não for dia útil.

Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando. Mas a «presunção» que tem por base o registo postal, não existe se o registo não for feito.».

No caso concreto, a recorrida Fazenda Pública não juntou aos autos o recibo da expedição da carta sob registo. Perante essa omissão, a recorrente conclui que não está provado o dia em que foi efectuado o registo postal da notificação, o que é impeditivo do funcionamento da presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT. A tese da recorrente parece ser no sentido de que o recibo de apresentação da carta é único meio de prova de que a mesma foi expedida sob registo, não admitindo que os “prints internos” da administração fiscal e dos CTT sejam documentos idóneos para provar que o registo foi feito.

Não se duvida que o recibo da apresentação da carta nos serviços de correio é de grande importância probatória do registo postal e por isso mesmo pode questionar-se se o recibo tem preponderância absoluta como meio de prova ou se é possível prová-lo por outros meios.

O registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória. É uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28.º do RSPC que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e aplicando o critério do n.º 2 do artigo 364.º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.

Os outros meios de prova invocados pela administração tributária são os dados constantes do sistema electrónico de citações e notificações da DGCI e dos registos constantes do site dos CTT. Aqueles elementos, que constam dos autos, indicam a data em que foram emitidas as notificações relativas às liquidações a que nos vimos referindo e o número do registo postal dessas notificações a indicação de que foram recebidas e a data da recepção. Por sua vez, no registo dos CTT, cuja cópia consta do processo administrativo, também consta o número do registo, a data de envio e a data da aceitação do registo.

Do confronto entre os dois registos resultou claro para o julgador que as notificações das liquidações foram remetidas à recorrente através de registo postal. Daí que a matéria de facto fixada na 1.ª Instância (a qual expressamente não é atacada) tenha referido não só o envio das liquidações como a sua recepção na sede da oponente.

A partir da prova do envio funciona a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, pertencendo ao destinatário o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber as cartas pois que é verdade que a atribuição legal de certa relevância ao registo não dá certeza de que o seu destinatário as recebeu no prazo de três dias, havendo sempre o risco de as não ter recebido. E, como referimos, é por isso mesmo que o n.º 2 do artigo 39.º permite ao notificado ilidir aquela presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção» ou, como também se estabelece no art. 6.º do RSPC, qualquer outro «documento comprovativo» do destino que lhe foi dado.

Como se vê, os n.ºs 1.º e 2.º do artigo 39.º CPPT indicam claramente o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec. n.º 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu, o que não se verificou nos autos.

E assim sendo, não tem cabimento a argumentação da recorrente no sentido de que a dívida exequenda é inexigível por falta de notificação».

Comprovado, pelos referidos meios de prova, o registo da carta para notificação dos actos de liquidação, há que presumir que o seu destinatário (Oponente) a recebeu nos três dias após esse registo, ficando, assim, com o ónus de provar que a não recebeu ou recebeu posteriormente, o que não logrou demonstrar. (citado acórdão de 1/10/2014, proc. n.º 1450/13).

Acresce que, como igualmente tem vindo a salientar a jurisprudência, nestas situações em que também está provado que a liquidação foi recepcionada na sede da Oponente - como é o caso – qualquer formalidade que não tivesse sido observado no cumprimento do acto sempre se degradaria em não essencial, por ter sido atingido o objectivo visado com a notificação: levar ao conhecimento do respectivo destinatário o teor do acto notificado, possibilitando-lhe o uso dos meios contenciosos e administrativos que a lei coloca ao seu dispor.

Em concordância, pois, com o sentido da jurisprudência exposta, que aqui se acolheu, impõe-se a revogação da sentença recorrida que em contrário decidiu, concluindo-se, consequentemente, pela procedência do recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, dando provimento aos recursos interpostos pela Fazenda Pública e pelo Ministério Público, em revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a presente Oposição Judicial.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Registe e notifique.

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Lisboa, 19-11-2015

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]