Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3085/22.5 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/23/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
Sumário:I – Não cabe à entidade adjudicante fiscalizar o cumprimento de normas que se destinam a regular as relações entre os concorrentes e os respetivos trabalhadores.
A proposta violadora do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea f), do CCP, não é aquela cujos preços não refletem os custos salariais e sociais mas antes a que contém condição ou elemento contrários aos normativos legais e regulamentares em vigor, conduzindo a que o contrato celebrado, por aceitar essa incompatibilidade, desrespeite tais normativos.
II - Não se pode atender, em exclusivo, a um preço unitário referido numa proposta, quando este nem sequer integra diretamente o preço global da proposta, tal como este é discriminado, nos termos fixados pela entidade adjudicante.
O n.º 2 do artigo 71.º do CCP aplica-se ao preço global da proposta, e não a cada um dos preços unitários propostos, sendo que a lei apenas releva os preços anormalmente baixos dentro dos parâmetros globalmente definidos.
III – Não tendo sido feita prova cabal de que a proposta da Autora apresentasse um preço anormalmente baixo, à luz dos normativos aplicáveis, a saber, os artigos 1.º-A, n.º 2, 71.º, n.º 2, 70.º, n.º 2, alínea e) e 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP, não pode a proposta ser excluída, pois que, mesmo que se entendesse que os valores remuneratórios unitários apresentados seriam baixos, essa circunstancia não deixaria de constituir um mero indicio da invocada violação, que não foi confirmado pelo conjunto da prova disponível. (cfr. Ac. TJUE de 28/1/2016, proc. T-570/13, “Agroconsulting”).
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A I..... – H… E S… AMBIENTAL, S.A, intentou Processo de Contencioso Pré-Contratual contra o M..... – MERCADO A… DE FARO, tendente anulação da decisão de adjudicação a favor da Contrainteressada C..... – C… DE AMBIENTE, S.A., do concurso público, relativo ao contrato de aquisição de serviços de limpeza interior dos escritórios, pavilhão do mercado e portaria do M......
A Autora/I..... não se conformando com a decisão proferida no TAC de Lisboa/Juízo de Contratos Públicos, em 29 de dezembro de 2022, que julgou “a presente ação totalmente improcedente”, veio recorrer jurisdicionalmente da mesma para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
“1.º Com o maior respeito, a ora Recorrente considera que a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto às questões em apreço, tal seja, sobre a inadmissibilidade da proposta de preço anormalmente baixo apresentada pela Contrainteressada C..... e, bem assim, sobre a exclusão da proposta desta concorrente por omissão de termos e condições relativos a aspetos não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos do procedimento sub judice.
2.º No que concerne à primeira questão, ao contrário do que se sustenta na douta decisão recorrida, os preços unitários (preços/hora homem cuja especificação foi requerida pela Entidade Adjudicante no Anexo II do Programa do Procedimento) não podiam, nem podem ser desconsiderados, pois, tratando-se de valores mais decompostos, constituem parte irrefragável do preço global a apresentar pelos concorrentes.
3.º Isto mesmo decorre do disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do Programa do Procedimento, no qual se estatui que, na nota justificativa do preço proposto (correspondente ao Anexo II daquela peça procedimental), os concorrentes tinham de incluir o preço/hora homem para os serviços contratuais previstos.
4.º Cotejando esta norma com o conteúdo do antedito Anexo II, constata-se que o preço/hora homem para os serviços contratuais previstos é, nos termos daquele Anexo, o preço/hora diurno e noturno para as categorias profissionais de trabalhadores a afetar à prestação dos serviços, a saber, as categorias de trabalhador de limpeza e lavador de vidros.
5.º Logo, diversamente do que se preconiza na douta decisão recorrida, tal preço/hora (constituindo um valor mais decomposto) não é irrelevante e compreende todos os encargos da prestação a realizar por meio de uma daquelas categorias profissionais de meios humanos a afetar àquela prestação (e não apenas os encargos com pessoal).
6.º O preço (visto de forma global ou unitária) não se confunde com as componentes desse preço, relativas à afetação de meios humanos, meios materiais e outros custos da prestação.
7.º Afigura-se, portanto, errado o entendimento sustentado na douta decisão recorrida de que os preços unitários indicados pelos concorrentes não têm, no caso em apreço, qualquer relevo para a formação do preço mensal global (e, depois, para o preço global para a prestação durante os 36 meses de contrato a celebrar).
8.º É claro que tinham e têm toda a importância, sendo que é a partir dos valores unitários mais decompostos que se alcança o preço global mensal e, depois, o valor global da proposta para 36 meses de execução contratual.
9.º Padece, assim, de erro o entendimento sustentado pelo Tribunal recorrido de que os preços unitários “não são utilizados para o apuramento do preço global da proposta”, como se aqueles preços fossem meramente figurativos na nota justificativa correspondente ao Anexo II do PP.
10.º Em face do exposto, o preço unitário correspondente ao preço/hora homem proposto pela Contrainteressada C..... para o serviço diurno a prestar por um trabalhador de limpeza não podia ter sido desconsiderado pelo Tribunal recorrido, sendo relevante para o efeito de aferir se a proposta de preço global apresentada por aquela concorrente constitui ou não uma proposta de preço anormalmente baixo.
11.º A este respeito, denota-se que o Tribunal recorrido não apreciou devidamente o alegado pela ora Recorrente na sua petição inicial, na qual não deixou de se sustentar, para além da manifesta insuficiência do preço/hora diurno proposto pela Contrainteressada C....., a circunstância de, em consequência daquele facto, dever considerar-se que o preço global da proposta daquela concorrente é um preço anormalmente baixo - cfr., inter alia, os artigos 32.º a 33.º da petição inicial.
12.º Como ali se aduziu (e justificou detalhadamente), o preço/hora diurno de € 4,09, proposto pela Contrainteressada C..... – que resulta tão somente da aplicação da aplicação da fórmula prevista no artigo 271.º do Código do Trabalho: 709 Euros de Remuneração Base Mensal x 12 meses) / (52 semanas x 40 horas) – é manifestamente insuficiente para assegurar o cumprimento de todas as obrigações legais do adjudicatário em matéria social e laboral e, bem assim, para cobrir os custos inerentes à execução do contrato, dado que não contempla, desde logo, os encargos legais relativos a contribuições do empregador para a Segurança Social, os custos relativos a subsídios de férias e de Natal, os custos relativos a substituição de trabalhadores em férias e outros custos inerentes à prestação, associados ou não ao custo de mão de obra (como, por exemplo, o custo com medicina do trabalho, seguros, fardamentos, etc.).
13.º Em face dessa constatação (e por causa da mesma), a Recorrente alegou que, sendo o acima referido preço unitário (de € 4,09, relativo à prestação a realizar pelo trabalhador de limpeza) o que tem o peso mais significativo na execução do contrato a celebrar, teria de considerar-se que a inequívoca insuficiência daquele preço para suportar os custos mínimos legais com pessoal prejudica a coerência do preço global proposto pela Contrainteressada C..... e demonstra a sua manifesta anomalia (por afetar a proposta no seu conjunto) – cfr. artigo 33.º da petição inicial.
14.º Diversamente do que se sustenta na douta decisão recorrida, o alegado pela ora Recorrente harmoniza-se inteiramente com o douto entendimento exarado no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 28 de janeiro de 2016, proferido no Proc. T-570/13, “Agriconsulting”, do qual decorre que os preços parciais podem servir de elementos indiciários da anomalia do “preço global” quando corresponderem a partes com peso significativo na execução do contrato.
15.º A invocação deste aresto pela Recorrente – que aqui se reitera - foi feita, pois, de harmonia com o entendimento que vem sendo preconizado pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria, mais precisamente, no seu douto Acórdão de 21 de abril de 2022 (cfr. Processo n.º 03/21.1BEBRG, disponível in www.dgsi.pt).
16.º A douta decisão recorrida errou ao não ter em consideração que o preço unitário (preço/hora homem) do serviço relativo à prestação a realizar pelo trabalhador de limpeza corresponde ao preço que tem, largamente, o peso mais significativo na execução do contrato a celebrar.
17.º Na verdade, como resulta do disposto no CE do concurso sub judice, o preço parcial em questão (€ 4,09) reporta-se à parte largamente maioritária e/ou mais significativa da execução do contrato a celebrar, pois, como decorre do Ponto 4.4. das Cláusulas Técnicas daquela peça procedimental (dada como reproduzida no artigo 5.º da petição inicial), as atividades diurnas de limpeza diária (a realizar pelo trabalhador de limpeza) constituem, irrefragavelmente, as atividades com maior peso na execução do contrato.
18.º As atividades a desempenhar pelo trabalhador com a categoria profissional de Lavador de Vidros, a que alude o Anexo II do PP, serão apenas realizadas trimestralmente – altura para a qual está prevista a “Lavagem de Vidros Interiores e Exteriores” – ou anualmente – periodicidade da Lavagem das “fachadas interior e exterior até 3,50 mt de altura”.
19.º Do acima exposto decorre, portanto, que, à luz do preceituado, inter alia, no Ponto 4.4. das Cláusulas Técnicas do CE, todas as diversas atividades remanescentes, a realizar pelos trabalhadores de limpeza, correspondem, sem margem para dúvidas, à “fatia de leão” das atividades a realizar ao abrigo do contrato a celebrar, sendo, como tal, o respetivo preço/hora homem diurna, o preço mais significativo da prestação a realizar pelo futuro adjudicatário.
20.º Errou, assim, o Tribunal recorrido ao entender que o preço unitário de € 4,09 (preço/hora homem diurno) proposto pela Contrainteressada C..... no Anexo II da sua proposta é irrelevante para efeitos de apurar da existência de um preço anormalmente baixo, decidindo em desconformidade com a jurisprudência decorrente dos doutos Acórdãos acima citados e, bem assim, em desconformidade com o disposto nos artigos 1.º-A, n.º 2 e 71.º, n.º 2 do CCP.
21.º In casu, o preço parcelar ou unitário (preço/hora homem diurno) para a prestação do serviço pelo trabalhador de limpeza proposto pela Contrainteressada C..... – além de constituir, largamente, o preço mais significativo da prestação a realizar - não cobre, desde logo, os inerentes custos mínimos relativos aos encargos com pessoal a suportar na fase de execução do contrato.
22.º Tal insuficiência é patente e objetiva, sendo possível ao julgador fazer essa conferência por via do simples cálculo aritmético daquelas verbas remuneratórias e/ou contributivas, tendo por referência a retribuição mínima mensal de € 709,00, decorrente da tabela salarial inclusa no CCT APFS-STAD.
23.º Sendo tal preço/hora homem o preço relativo à prestação que tem, largamente, o peso mais significativo na execução do contrato a celebrar, a sua patente insuficiência afetou a coerência do preço global proposto pela Contrainteressada C....., evidenciando a sua anomalia.
24.º Logo, ao contrário do decidido na douta decisão recorrida, impunha-se que tivesse sido determinada a exclusão da proposta da Contrainteressada C..... com fundamento no estatuído nos artigos 71.º, n.º 2, 70.º, n.º 2, alínea e) e 146.º, n.º 2, alínea do CCP.
25.º No que concerne à segunda questão sub judice, errou igualmente o Tribunal recorrido ao considerar que a proposta da Contrainteressada não tinha de observar o disposto na Cláusula 4.9. do CE – Cláusulas Técnicas.
26.º No entender da Recorrente, é indiscutível que a Cláusula 4.9. do CE - Cláusulas Técnicas estatui exigências que deviam ser observadas pelos concorrentes na formulação das suas propostas, incluindo o dever de especificar os detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares dos produtos e materiais a utilizar na limpeza, desinfeção e outras operações.
27.º Ao contrário do que se sustenta na decisão recorrida, é irrelevante o facto de a norma em apreço ter sido integrada nas Condições Técnicas do CE, facto que não gera qualquer insegurança ou incerteza sobre o conteúdo da proposta a apresentar, cujas regras relativas a termos e condições aos quais entidade adjudicante pretende que os concorrentes se vinculem nas suas propostas, tanto podem estar contempladas no programa do procedimento, como no caderno de encargos – cfr. o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 3 de abril de 2020 (Processo n.º 01777/19.5BEPRT, in www.dgsi.pt), no qual se preconiza que a obrigatoriedade da apresentação de documentos face a aspetos não submetidos à concorrência, relativos a termos ou condições da execução do contrato, pode advir tanto do programa do concurso, como do caderno de encargos.
28.º Não se afigura, assim, aceitável o entendimento (verdadeiramente corretivo das regras concursais) que vem sustentado pelo Tribunal a quo, desconsiderando a letra da Cláusula 4.9. do CE – Cláusulas Técnicas.
29.º A norma constante da Cláusula 4.9. estabelece de forma clara que os elementos omissos na proposta da Contrainteressada C..... devem ser apresentados junto à proposta e posteriormente durante a execução do contrato, estabelecendo, assim, uma clara diferenciação entre os dois momentos em causa e que era insuscetível de qualquer dúvida ou incerteza por parte dos concorrentes.
30.º O entendimento sustentado pelo Tribunal recorrido colide abertamente, desde logo, com os princípios da legalidade e da inalterabilidade das regras procedimentais, ao sancionar o (ilícito) entendimento de que as propostas não estavam obrigadas a contemplar todos os aspetos que constam expressamente da Cláusula 4.9. do CE – Cláusulas Técnicas, incluindo, portanto, os elementos em falta na proposta da Contrainteressada C......
31.º O entendimento sustentado pelo Tribunal recorrido viola ainda o disposto no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil, perfilhando uma interpretação que não tem qualquer correspondência verbal com a letra do disposto na Cláusula 4.9. do CE – Cláusulas Técnicas, ainda que imperfeitamente expresso.
32.º Acresce, de outra face, que a indicação, na proposta dos concorrentes, da concentração química, do modo de diluição dos produtos de limpeza e da possibilidade de utilização junto de produtos agroalimentares – expressamente referida na Cláusula 4.9. do CE – Cláusulas Técnicas -, podia ser especificada pelos concorrentes no Campo “Observações” do Anexo III do PP (ou, de qualquer outra forma, junta ou apresentada na sua proposta em satisfação do estatuído naquela norma).
33.º Diversamente do que se preconiza na douta decisão recorrida, ao limitar-se a identificar na sua proposta as marcas dos produtos que se propõe utilizar, a Contrainteressada C..... não se comprometeu com todos os termos e condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo CE, relativamente aos quais a Entidade Adjudicante, ora Recorrida, pretendeu que os concorrentes se vinculassem nas suas propostas.
34.º Ao julgar admissível a proposta da Contrainteressada C....., a douta decisão recorrida infringiu as regras e princípios acima referidos, tendo desconsiderado o disposto na Cláusula 4.9. do CE – Cláusulas Técnicas do CE e, bem assim, violado o artigo 70.º, n.º 2, alínea a) e 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do CCP.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta decisão a quo, substituindo-se essa decisão por outra que julgue integralmente procedente a presente ação, nos termos explicitados na petição inicial.”

A Contrainteressada aqui Recorrida C..... – C… DE AMBIENTE, S.A. veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 13 de fevereiro de 2023, concluindo:
“A. A Recorrente não tem razão e a Douta Sentença recorrida não merece qualquer censura.
B. A alegação da Recorrente quanto à pretensa verificação de preço anormalmente baixo, assenta na nota justificativa do preço proposto apresentada pela Contrainteressada C....., nos termos do Anexo II do Programa do Concurso, ter indicado o preço/hora diurna de € 4,09 quanto à categoria trabalhador de limpeza, que, no entender da Recorrente, é insuficiente para “dar cobertura aos encargos legais”.
C. O que carece de qualquer fundamento legal e/ou concursal e assenta em falsos pressupostos de facto e de direito.
D. Por um lado, porque, de acordo com as regras e condições patenteadas nas peças do concurso sob análise, a formação do preço contratual proposto pelos concorrentes assenta no resultado da soma dos preços globais mensais (dos meios humanos, dos consumíveis/produtos, dos equipamentos e de “outros” - indicados na nota justificativa do preço proposto -), multiplicado por 36 meses.
E. Por outro lado, porque, de acordo com as regras e condições patenteadas nas peças do concurso, o preço contratual da prestação de serviços corresponde ao preço global proposto pelo adjudicatário, na sua proposta, e não a um dos preços unitários (no caso, no preço unitário/hora diurno da categoria profissional trabalhador de limpeza) indicados na “nota justificativa do preço proposto” e que, de acordo com as regras definidas nas peças do concurso, não deve ser integrado no cálculo e justificação do preço global contratual da prestação de serviços.
F. O artigo 9.º, n.º 1, alínea a. do Programa do Concurso e o Anexo I ao Programa do Concurso estabelecem que os Concorrentes deveriam propor um preço global para a totalidade das prestações contratuais objeto do concurso público.
G. O artigo 9.º, n.º 1, alínea b. do Programa do Concurso estabelece que os concorrentes deveriam constituir a sua proposta com nota justificativa do preço proposto, em conformidade com o anexo II do Programa do Concurso, que previa que: (i) no I.1 fossem indicados preços unitários; (ii) no I.2 fosse indicado o preço globais mensal, cujo valor mensal fixo total corresponde à soma dos I. meios humanos, II. consumíveis, III. equipamentos e IV. outros; e fosse indicado o preço da prestação de serviços (ou preço global da prestação de serviços) – que deveria corresponder ao ponto I.2 multiplicado por 36 meses.
H. Do Anexo II do Programa do Concurso emerge, inequivocamente, que: (i) o valor mensal fixo total proposto não corresponderia à mera soma aritmética dos preços unitários/hora, base, indicados no quadro I.1, com quantidades horárias; e que preço global da prestação de serviços, para os 36 meses, também não corresponderia à mera soma aritmética dos preços unitários/hora, base, indicados no quadro I.1, com quantidades horárias.
I. O Anexo II do Programa do Concurso estabelece, claramente, que a justificação e cálculo do «preço mensal fixo total para a aquisição de serviços» corresponde ao: «Valor Mensal Fixo Total da Proposta (I.2 = I + II + III + IV)», no qual não se integram os preços unitários/hora previstos em I.1..
J. Ou seja, a justificação do «Valor Mensal Fixo Total da Proposta» corresponderia a I.2 Preços Globais Mensais = Meios Humanos (valores mensais globais das categorias profissionais propostas e não os preços unitários/hora, base, indicados no quadro I.1) + Consumíveis (valores mensais globais dos consumíveis/produtos propostos) + Equipamentos (valores mensais globais dos equipamentos propostos) + Outros (valores mensais globais de “outros” propostos).
K. Por outro lado, resulta também manifesto do Anexo II do Programa do Concurso que o «preço global da prestação de serviços, de 36 meses» ou o «Preço da Prestação de Serviços» corresponderia ao ponto «I.2 x 36 meses» - i.e. à soma dos preços globais mensais dos meios humanos, dos consumíveis/produtos, dos equipamentos e de outros, multiplicada por 36 meses.
L. É falso o alegado pela Recorrente de que “os preços unitários (preços hora/homem cuja especificação foi requerida pela Entidade Adjudicante no Anexo II do PP)” (…) “constituem parte irrefragável do preço global apresentado por todos os concorrentes”, pois é o próprio Anexo II do Programa do Concurso que estabelece que o preço global corresponde ao ponto «I.2 x 36 meses», não se incluindo no preço global os preços unitários base que indicativamente deveriam ser apresentados pelos concorrentes no ponto I.1 do Anexo II do Programa do Concurso.
M. É falso o alegado pela Recorrente de que o preço/hora diurna de € 4,09 para a categoria trabalhador de limpeza tenha qualquer divergência com os demais preços indicados na proposta da Contrainteressada C......
N. A nota justificativa do preço, ao contrário do que a Recorrente pretende aparentar, não corresponde a um “mapa de preços” no qual o preço global é decomposto em preços unitários, mas sim no documento no qual os concorrentes justificam os preços propostos e como os mesmos são formados, carecendo totalmente de fundamento a pretensa aplicação do artigo 60.º, n.º 3 do CCP.
O. É falso o agora alegado pela Recorrente – somente em sede de recurso - de que “o preço global mensal da proposta corresponde à multiplicação dos valores dos preços/hora (indicados no Anexo II) pelo número de horas de prestação do serviços decorrente da aplicação do disposto no Caderno de Encargos”, pois esta tese não tem qualquer adesão com o que se encontra estabelecido no Anexo II do Programa do Concurso.
P. No caso concreto da proposta da Contrainteressada C..... é falso que a mesma apresente um preço anormalmente baixo, sendo que os preços globais mensais e o preço global proposto tomaram como partida os preços/hora acima indicados (e constantes do ponto I.1 da nota justificativa do preço proposto), mas incluem outros valores para além desses preços/hora, nomeadamente os custos relativos ao cumprimento das obrigações legais, como foi demonstrado.
Q. Na formação do preço global proposto quanto à categoria do trabalhador de limpeza, a Contrainteressada C..... tomou em consideração o horário da prestação de serviços estabelecido no n.º 5 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos que estabelece um total de 346,40 horas por mês (i.e. 303,10 horas no período diurno + 43,30 horas no período noturno).
R. Consequentemente, em função do preço/hora, diurna e noturna, estabelecido no Contrato Coletivo de Trabalho aplicável e do total do número de horas mensal, diurno e noturno, estabelecido no n.º 5 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, o valor total mensal de salários, quanto à categoria trabalhador de limpeza, é de € 1.462,34.
S. A proposta da Contrainteressada C....., no que respeita à categoria de trabalhador de limpeza, propõe o total mensal de € 2.784,00.
T. A diferença deve-se aos valores relativos ao cumprimento de obrigações legais para cobrir os custos inerentes à execução do contrato - nomeadamente aos custos relativos a subsídios de férias e de Natal, às substituições de férias, à segurança social, a seguros, a subsídios de alimentação -, e ainda uma margem de lucro da Contrainteressada C......
U. Por outro lado, o artigo 71.º, n.º 2 do CCP estabelece que «mesmo na ausência de definição no convite ou no programa do procedimento, o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, por decisão devidamente fundamentada do órgão competente para a decisão de contratar, designadamente, por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato», pelo esta disposição aplica-se ao preço global da proposta – ou seja ao preço contratual proposto – e não a um dos preços unitários hora, que, nos termos do anexo II do Programa do Concurso, não faz parte do modo de cálculo dos preços mensais e globais propostos.
V. Consequentemente, não prevendo a lei aplicável a figura de “preço unitário anormalmente baixo”, em especial em contratos com preço global, carece que qualquer fundamento legal a alegação quanto ao pretenso preço unitário hora diurna, na categoria trabalhador de limpeza, anormalmente baixo (que, como se viu, inexiste).
W. A Douta Decisão recorrida apreciou devidamente o alegado pela Recorrente, mas esta na sua petição inicial – e no recurso - limitou-se a alegar que na nota justificativa do preço proposto apresentada pela Contrainteressada C....., nos termos do Anexo II do Programa do Concurso, é indicado o preço/hora diurno de € 4,09 quanto à categoria trabalhador de limpeza, que, no entender da Recorrente, é insuficiente para “dar cobertura aos encargos legais”.
X. A Recorrente nunca alegou, nem demonstrou, qual o concreto peso do preço/hora diurno de € 4,09 quanto à categoria trabalhador de limpeza no preço global que alega existir, nem nunca demonstrou como em consequência desse pretenso facto o preço global da proposta da Contrainteressada C..... “é um preço anormalmente baixo”.
Y. Aparentemente, a Recorrente entende que a demonstração da sua alegação de que a proposta da Contrainteressada C..... apresentava, pretensamente, um preço anormalmente baixo caberia ao Tribunal a quo através, nas suas palavras, de “conferência por via do simples cálculo aritmético daquelas verbas remuneratórias e/ou contributivas”, o que, com o devido respeito, é totalmente inaceitável e carece inteiramente de qualquer fundamento, pois não caberia ao Tribunal a quo fazer qualquer cálculo, mas à Recorrente demonstrar o que por si é alegado, que não fez por lhe não ser possível demonstrar que a Contrainteressada apresentou um preço anormalmente baixo.
Z. Pelo exposto, ao contrário do que é alegado pela Recorrente, a proposta da Contrainteressada C..... não apresenta um preço anormalmente baixo, pelo que a Douta Sentença recorrida não “violou” os artigos 1.º-A, n.º 2, 71.º, n.º 2, 70.º, n.º 2, alínea e) e 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP.
AA. No que respeita à segunda questão, a Recorrente alega erro de julgamento da Douta Sentença recorrida por esta ter considerado não existir fundamento para a exclusão da proposta da Contrainteressada C....., por violação do n.º 4.9, pretensamente, por esta proposta não incluir informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”. O que carece de qualquer cabimento ou fundamento legal e/ou concursal.
BB. Das regras e condições aplicáveis ao Concurso, nomeadamente do n.º 4.9. das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, não decorre qualquer obrigação de os concorrentes instruírem as suas propostas com informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”, pelo não se verifica qualquer causa de exclusão da proposta da Contrainteressada C....., nem qualquer erro de julgamento da Douta Sentença recorrida.
CC. O n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos estabelece, expressamente, que a informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares” deverá ser apresentada pelo Adjudicatário e não pelos concorrentes.
DD. Da lei aplicável (cfr. artigos 41.º e 42.º, n.º 1, ambos do CCP) e da doutrina especializada resulta, inequivocamente, que o caderno de encargos, designadamente o n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, contém cláusulas dirigidas ao adjudicatário quanto ao contrato a celebrar e não cláusulas dirigidas aos concorrentes quanto à apresentação das suas propostas, pelo que a informação referida no o n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos deverá ser apresentada pelo adjudicatário e não pelos concorrentes nas suas propostas.
EE. A interpretação do n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, como corretamente fez o Tribunal a quo, deve ser feita em conformidade com a letra desta disposição (que prevê expressamente o “adjudicatário”) e com a peça do concurso em que se insere – ou seja, o Caderno de Encargos (que prevê as cláusulas a incluir no contrato a celebrar) -, pelo que, ao contrário do que é alegado pela Recorrente, o entendimento do Tribunal recorrido não viola o disposto no artigo 9.º do Código Civil.
FF. O alegado pela Recorrente de que a Douta Sentença recorrida “colide abertamente, desde logo, com os princípios da legalidade e da inalterabilidade das regras procedimentais” carece de qualquer fundamento, pois de nenhuma das disposições constantes das peças do concurso resultava a obrigação de os concorrentes apresentarem as suas propostas com a informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”, referida no n.º 4.9. das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos.
GG. Caso se entendesse – o que não se concede –, que a informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”, referida no n.º 4.9. das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, deveria ser apresentada pelo adjudicatário, na execução do contrato, e pelos concorrentes, nas suas propostas, essa pretensa exigência, para além de ser referida no Caderno de Encargos, deveria também constar do programa do concurso, tal como exige a alínea c) do artigo 57.º do CCP. O que não se verificou.
HH. Diferentemente do que é alegado pela Recorrente, não é “irrelevante” que a pretensa obrigação de os concorrentes apresentarem nas suas propostas informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares” conste do somente Caderno de Encargos, pois a alínea c) do artigo 57.º do CCP determina que sejam definidos no Programa do Concurso os documentos que contenham os termos ou condições relativos a aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.
II. Assim, em cumprimento da alínea c) do artigo 57.º do CCP, a Douta Sentença recorrida não merece qualquer censura ao reconhecer que «o programa de procedimento – que regula a tramitação do procedimento adotado – deve especificar os documentos que integram as propostas a apresentar, sem os quais pode estar preenchida uma das causas que habilita à sua exclusão».
JJ. No caso concreto, o Programa do Concurso não faz qualquer referência, direta ou indireta, quanto à pretensa exigência de apresentação pelos concorrentes nas suas propostas de informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”, referida no n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos (pelo contrário, é esta disposição que remete para o Anexo III do Programa do Concurso).
KK. De acordo com as regras estabelecidas nas peças do concurso, os concorrentes deveriam instruir as suas propostas, nos termos do ponto vi. da alínea c. do artigo 9.º do Programa do Concurso, com lista de produtos de limpeza e desinfeção a utilizar, em conformidade com o modelo fixado no Anexo III do Programa do Concurso, não fazendo estas disposições – ou outras – qualquer referência quanto à pretensa exigência de apresentação pelos concorrentes nas suas propostas de informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”.
LL. Da leitura do Anexo III do Programa do Concurso emerge, claramente, a inexistência de qualquer campo para indicação pelos concorrentes de informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”, referida no n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, pelo que, também por esta razão, carece de qualquer cabimento a alegação feita pela Recorrente de que a mesma era obrigatória ou exigida. Aliás, a Recorrente reconhece que a informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”, referida no n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, não era obrigatória ou exigível, pois a Recorrente alega que essa informação “podia” (e não alega “devia”) ser incluída no campo “observações” do Anexo III do Programa do Concurso e, nas suas alegações ignora - ou omite - que o campo por si denominado “observações” do Anexo III do Programa do Concurso é denominado “eventuais obs”, pelo que pela própria denominação deste campo se conclui que no mesmo não seria exigível a indicação de informação de carácter obrigatório.
MM. Assim, como corretamente julgou a Douta Sentença recorrida, «não pode ser exigido a um operador económico que altere um quadro de preenchimento obrigatório, previamente formatado pela entidade adjudicante, incluindo elementos que aquele inicialmente não prevê. No mesmo sentido, não pode entender-se que a coluna relativa a observações tem como função a inclusão dos demais elementos referidos no n.º 4.9 do Caderno de Encargos – Cláusulas Técnicas, sob pena de se criar uma situação de incerteza e insegurança sobre o conteúdo da proposta a apresentar, nos casos em que a entidade adjudicante delimita os termos em que as propostas devem ser instruídas.
NN. Por outro lado, o Programa do Concurso não exigia a apresentação de qualquer documento - nomeadamente de fichas técnicas dos produtos de limpeza e desinfeção a utilizar ou outro documento -, através do qual os concorrentes devessem indicar detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares, nem tão pouco o Programa do Concurso exigia que algum dos documentos da proposta cumprisse ou fosse apresentado em conformidade com o n.º 4.9. das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, pelo que é evidente que não se exigia que a informação em apreço fosse apresentada pelos concorrentes nas suas propostas.
OO. O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-03-2020, proferido no processo n.º 01777/09.5 BEPRT, não tem qualquer relação ou aderência com a questão em juízo, pois como resulta da sua leitura esse Acórdão assenta em diferentes factos provados e não qualquer semelhança com os presentes autos.
PP. A proposta da Contrainteressada C..... tendo apresentado a lista de produtos de limpeza e desinfeção a utilizar, em conformidade com o modelo para esse efeito estabelecido no Anexo III do Programa do Concurso, cumpre todas as exigências estabelecidas nas peças do concurso e não se verifica qualquer causa tipificada na lei para a exclusão da sua proposta.
QQ. Por último, e sem se conceder, o Anexo III do Programa do Concurso menciona a obrigação de apresentação de elementos que permitiriam conhecer detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares, nomeadamente a indicação pelos concorrentes da designação do produto/marca, o que foi feito pela Contrainteressada C..... na sua proposta.
RR. Pelo exposto, ao contrário do que é alegado pela Recorrente, o Tribunal a quo não “violou” quaisquer princípios gerais de direito, nem “desconsiderou” o disposto no n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, nem tão pouco “violou” o artigo 70.º, n.º 2, alínea a), nem o artigo 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do CCP.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, devendo, consequentemente, manter-se a Douta Sentença recorrida, que não merece qualquer censura, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA !”

A Recorrida M..... veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 14 de fevereiro de 2023, aí concluindo:
“A) A douta sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, nem merece qualquer reparo.
B) Inexiste qualquer razão à Recorrente no que respeita à existência de uma alegada proposta de preço anormalmente baixo apresentada pela Contrainteressada C.....,
C) Bem como inexiste qualquer razão à Recorrente no que respeita a uma alegada omissão por parte desta de termos e condições relativos a aspetos não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos do procedimento em causa.
D) No que concerne à primeira questão, ao contrário do que é alegado pela aqui Recorrente, o preço unitário “preço/hora homem” não releva, no caso em apreço, para a formação do preço mensal global (e, depois, para o preço global para a prestação durante os 36 meses de contrato a celebrar).
E) Assim é porque este preço unitário não conforma, tão pouco, uma componente integrante do preço global da prestação.
F) Tal como consta da matéria de facto dada como provada na sentença ora recorrida (D), o valor fixo total da proposta baseia-se na fórmula de cálculo; ”1.2= I + II + III + IV”, sob a base dos elementos constantes no Anexo II do Programa de Procedimento.
G) Baseando-se o preço da prestação de serviços na fórmula de cálculo: "(1.2) x 36 meses”, respetivamente.
H) Assim sendo, o preço unitário posto em causa pela aqui Recorrente não corresponde, sequer, ao item relativo aos meios humanos - esse sim considerado no preço global da proposta -, nunca podendo, assim, aquele elemento isolado produzir os efeitos visados por aquela.
I) Nestes termos, andou bem o Tribunal a quo ao desconsiderar este valor na tarefa de aferir se a proposta de preço global apresentada pela Contrainteressada C..... constituía, ou não, uma proposta de preço anormalmente baixo.
J) Mais acresce que o juízo de avaliação de "anormalidade”, nos termos e para os efeitos do disposto na al. e) do n.° 2 do art. 70.° e no n.° 2 do art. 71° ambos do CCP, encontra-se circunscrito, única e exclusivamente, ao preço global da proposta.
K) Os preços parciais e unitários podem servir de elementos indiciários da anomalia do “preço global”, não passando, no entanto, disso mesmo - meros indícios.
L) Nestes termos, sempre se impõe que as propostas sejam analisadas na sua globalidade, sendo redutor e objetivo fazer centrar este juízo de “anormalidade" do preço de uma proposta numa individualizada componente unitária.
M) Intensificando-se mais ainda o supramencionado, quando a própria proposta delimita o universo das componentes que são consideradas para a aferição do seu valor global e não inclui esse mesmo elemento, como sucede no caso em apreço.
N) Além do mais, a organização de recursos e tarefas e, consequentemente, a construção do preço composto por várias parcelas é da exclusiva responsabilidade dos concorrentes.
O) Motivo pelo qual, ainda que uma proposta seja apresentada com preço inferior aos custos, essa factualidade nunca poderá implicar uma presunção automática e imediata, por parte da Entidade Adjudicante, da existência de uma intenção do Concorrente de incumprir dos encargos a que está legalmente vinculado.
P) Isto porque pode acontecer que razões estratégicas aconselhem a apresentação de propostas que envolvam a assunção de prejuízos pontuais, sem implicarem a intenção de incumprimento de encargos legalmente impostos.
Q) E. mais ainda, porque como já firmado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, “em sede de execução do contrato sempre o concorrente terá de suportar os custos referentes aos encargos obrigatórios com os trabalhadores, ainda que daí resultem para si prejuízos tendo em consideração a proposta que apresentou”, estando em causa “opções de gestão e de estratégia comercial, das quais não resulta que o concorrente esteja a violar a legislação em vigor".
R) Os operadores económicos detêm, no âmbito da sua liberdade de gestão empresarial, o direito de organizar a sua atividade como bem entendam, de acordo com os seus próprios critérios e opções de gestão.
S) E de outra forma não poderia ser, sob pena de violação da constitucionalmente consagrada liberdade de gestão empresarial (art. 61.° da CRP).
T) A ora Recorrida procedeu à adjudicação segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade de mono fator, de acordo e estrito cumprimento com o disposto na al. b) do n.° 1 do artigo 74.° do CCP, sem violar qualquer disposição legal ou regulamentar.
U) Tal resultou provado e conformado na decisão ora recorrida, a qual, como suprarreferido, não padece de qualquer vício nem merece qualquer reparo.
V) Quanto à alegada omissão em matéria de termos e condições referentes a aspetos não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, também a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer reparo.
W) No momento do lançamento do concurso e respetiva elaboração do Programa de Procedimento (PP), a aqui Recorrida considerou como suficientes, para conhecer dos detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e possibilidade de utilização na proximidade de produtos agroalimentares - mencionados na Cláusula 4.9. do CE -, os elementos exigidos no quadro constante do Anexo III do PP supramencionado.
X) As fichas técnicas dos produtos a utilizar não se apresentavam, nestes termos, como documentos de apresentação obrigatória na fase pré contratual, como aliás se torna claro pelo expresso direcionamento das orientações presentes na Cláusula 4.9. ao “ADJUDICATÁRIO", e já não a um qualquer operador económico/concorrente.
Y) As informações sobre concentração química, modo de diluição e possibilidade de utilização junto de produtos agroalimentares podiam, efetivamente, ser especificadas pelos concorrentes no campo “observações", não passando, no entanto, de uma mera possibilidade.
Z) Em razão dos princípios da igualdade, proporcionalidade e transparência que conformam a contratação pública (cfr. art. 1 ,°-A do CCP), nunca poderia uma proposta ser excluída ou prevalecer sobre outra em razão de uma menor ou maior prestação de informações complementares e acessórias sujeitas à mera discricionariedade dos concorrentes - por serem “observações", como o próprio nome indica.
AA) Nem, tão pouco, se poderia exigir a um concorrente/operador económico que altere um quadro pré- formatado pela Entidade Adjudicante e de preenchimento obrigatório, incluindo elementos que aquele não prevê inicial e expressamente, sob pena de, tal como firmado na douta sentença recorrida, “se criar uma situação de incerteza e insegurança sobre o conteúdo da proposta a apresentar”.
BB) A Contrainteressada C..... apresentou o documento exigido no artigo 9.°, n° 1, al. c), subalínea vi), do Programa de Procedimento, cumprindo essa determinação regulamentar.
CC) A proposta apresentada pela Contrainteressada C..... foi devidamente acompanhada de todos os documentos e informações de apresentação obrigatória, encontrando-se em estrita conformidade com o conteúdo que decorre do modelo imposto pelo Programa de Procedimento e com as restantes determinações regulamentares.
DD) Não se tendo vislumbrado, nem agora se vislumbrando, desta feita, qualquer motivo de exclusão da proposta em causa do respetivo procedimento.
EE) A decisão do Tribunal a quo não se apresenta, assim, desconforme com a legislação aplicável em matéria de contratação pública nem, tão pouco, infringe ou viola qualquer regra ou princípio basilar que a conforme.
FF) Revela-se, assim, evidente que não assiste à Recorrente qualquer razão no ora alegado, não merecendo a douta sentença recorrida, nestes termos, qualquer reparo.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser confirmada a decisão proferida pelo tribunal a quo nos seus precisos termos, julgando-se o presente recurso totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada justiça!”

Em 17 de fevereiro de 2023, foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, devidamente notificado em 23 de fevereiro de 2023, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no qual, a final, se pronuncia no sentido da improcedência do recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, imputando à sentença recorrida um erro de julgamento quanto à admissibilidade da proposta de preço anormalmente baixo apresentada pela Contrainteressada C..... e, bem assim, sobre a exclusão da proposta desta concorrente por omissão de termos e condições relativos a aspetos não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos do procedimento sub judice. Mais se alega que, ao julgar admissível a proposta da Contrainteressada C....., a decisão recorrida desconsiderou o disposto na Cláusula 4.9. do CE – Cláusulas Técnicas do CE e, bem assim, violado o artigo 70.º, n.º 2, alínea a) e 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do CCP.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“A) Em 5 de julho de 2022, foi publicado, no Diário da República, II série, n.º 128, o anúncio do concurso público, relativo ao contrato de aquisição de serviços de limpeza interior dos escritórios, pavilhão do mercado e portaria do M....., promovido pela Entidade Demandada (cfr. fls. 222 ss., no SITAF);
B) O preço base do procedimento foi fixado em 153.500,00 euros (cfr. artigo 3.º, n.º 2, do Programa de Procedimento, a fls. 283, no SITAF);
C) O Programa de Procedimento, que se dá por integralmente reproduzido, inclui, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Dão-se por reproduzidos os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC.
(…).” (cfr. fls. 286, no SITAF);
D) O anexo II, do Programa de Procedimento, tem o seguinte teor:
Dão-se por reproduzidos os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC.
(cfr. fls. 294, no SITAF);
E) O anexo III, do Programa de Procedimento, correspondente ao quadro de
produtos e materiais a utilizar, que integra a proposta, agrega a seguinte
informação:
Dão-se por reproduzidos os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC.
(cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea c), subalínea vi), do Programa de Procedimento, a
fls. 286 e 296, no SITAF);
F) O preço contratual é o preço da proposta adjudicada, e será pago em trinta e seis prestações mensais, iguais e sucessivas de valor correspondente (cfr.
cláusula 9.1., do Caderno de Encargos – Cláusulas Jurídicas, a fls. 221, no
SITAF);
G) O prazo de duração do contrato a celebrar é de trinta e seis meses (cfr. Cláusula 5.2., do Caderno de Encargos – Cláusulas Jurídicas, a fls. 230, no SITAF);
H) O Caderno de Encargos – Cláusulas Técnicas, que se dá por integralmente reproduzido, inclui, entre o mais, seguinte:
“(…)
Dão-se por reproduzidos os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC.
(…).” (cfr. fls. 244 s., no SITAF);
I) A proposta apresentada pelo concorrente C..... – C… DE AMBIENTE, S.A., que se dá por integralmente reproduzida, inclui, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Dão-se por reproduzidos os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC.
(…).” (cfr. fls. 328 ss., no SITAF);
J) Em 26 de julho de 2022, foi elaborado, pelo júri, o relatório preliminar de análise e avaliação das propostas, que se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Dão-se por reproduzidos os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC.
(…).” (cfr. fls. 398, no SITAF);
K) Em 8 de setembro de 2022, foi elaborado, pelo júri, o relatório final de avaliação das propostas, que se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Dão-se por reproduzidos os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC.
(…).” (cfr. fls. 391, no SITAF);
L) Em 13 de setembro de 2022, o Conselho de Administração da Entidade Demandada deliberou adjudicar o contrato de prestação de serviços de limpeza interior dos escritórios, pavilhão do mercado e portaria do M....., pelo valor total de 145.692,00 euros, a que acresce IVA à taxa legal, à concorrente C..... – C… DE AMBIENTE, S.A. (cfr. fls. 429, no SITAF);
M) Em 15 de setembro de 2022, foi notificada aos concorrentes a decisão a que se refere a alínea anterior (admitido por acordo).”

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão de 1ª Instância:
“a) Do preço anormalmente baixo da proposta apresentada pela Contrainteressada C.....
A Autora invoca que a Contrainteressada C..... propõe um preço/hora diurno de apenas 4,09 euros, para a prestação do serviço com recurso a trabalhador de limpeza, que é manifestamente insuficiente para assegurar o cumprimento de todas as obrigações legais do adjudicatário em matéria social e laboral e para cobrir os custos inerentes à execução do contrato, sendo que o valor global da proposta assenta num preço unitário que se afigura ilegal.
A Entidade Demandada entende que a construção do preço composto por várias parcelas é da responsabilidade da Contrainteressada C....., sendo que estão assegurados todos os direitos dos trabalhadores, além de que foi subscrita a declaração correspondente ao anexo I, do CCP.
A Contrainteressada C..... sustenta que a justificação e cálculo do preço mensal fixo total para a aquisição de serviços corresponde ao valor mensal fixo total da proposta (n.º I.2., do anexo II, do Programa de Procedimento), no qual não se integram os preços unitários previstos no n.º I.1., do mesmo anexo.
A Autora não alega que o preço da proposta seja anormalmente baixo, mas sim que um dos preços unitários hora/diurna é um preço anormalmente baixo, o que não tem fundamento legal.
Entende-se que uma proposta é anormalmente baixa quando “apesar de satisfazer o interesse da entidade adjudicante em que a adjudicação seja feita ao preço mais baixo possível, provoca todavia um juízo de suspeita sobre se está ou não em condições de garantir a satisfação correta e integral das prestações contratuais a cargo do adjudicatário, no tempo e no modo estabelecidos no caderno de encargos, oferecendo por isso o sério risco de causar graves danos ao interesse público inerente à execução do contrato.” (cfr. João Amaral e Almeida, As propostas de preço anormalmente baixo, in Estudos de Contratação Pública – III, 2010, p. 89).
Para prevenir a ocorrência destes danos, podem ser adotadas diversas vias, entre elas conta-se a prévia identificação, nas peças do procedimento, das situações em que uma proposta revela aquele tipo de anomalia.
Assim, a entidade adjudicante pode definir, no programa de procedimento, as situações em que o preço de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, devendo, se seguir esta possibilidade, indicar os critérios que presidiram a essa definição (artigo 71.º, n.º 1, do CCP).
Trata-se, como a norma bem enuncia, de uma faculdade de que a entidade adjudicante dispõe para definir um patamar mínimo, abaixo do qual pode ser questionada a seriedade da proposta que se encontra nessa posição.
No caso dos autos, a entidade adjudicante não fixou um limiar a partir do qual se deve considerar que a proposta é anormalmente baixa.
No entanto, esta circunstância não inibe o órgão competente para a decisão de contratar de qualificar uma proposta como anormalmente baixa, contanto que esta se revele insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato (artigo 71.º, n.º 2, do CCP).
No caso dos autos, as propostas devem ser instruídas com um documento correspondente ao anexo II, do Programa de Procedimento, que está organizado em dois pontos, o I.1., relativo aos preços unitários/hora, diurna e noturna, e o I.2., respeitante aos preços globais mensais, dividido em i. meios humanos, ii. consumíveis, iii. equipamentos e iv. outros. Da soma destes quatro itens alcança-se o valor mensal fixo da proposta, e da sua multiplicação por 36 (os meses de duração do contrato) obtém-se o preço global da prestação de serviços.
Foram previamente fixadas as condições de pagamento que correspondem a um valor fixo mensal, em função do resultado da soma dos diferentes itens que integram o ponto I.2., do citado anexo II.
A questão que a este propósito vem colocada consiste na alegação de que o preço unitário proposto pela Contrainteressada C....., no ponto I.1., do anexo II, não é suficiente para satisfazer as obrigações laborais e sociais em que está constituída, o que implica estar-se perante uma proposta com um preço anormalmente baixo.
A Autora sustenta a sua alegação exclusivamente no preço constante desse ponto I.1., não efetuando qualquer demonstração de que a proposta é globalmente uma proposta que evidencia uma anomalia ou insuficiência.
Ora, como a Contrainteressada nota, o artigo 71.º, n.º 1, do CCP, prescreve que:
“1 – As entidades adjudicantes podem definir, no convite ou no programa do procedimento, as situações em que o preço ou custo de uma proposta é considerando anormalmente baixo, devendo, nesse caso indicar os critérios que presidiram a essa definição, designadamente por referência a preços médios obtidos em eventuais consultas preliminares ao mercado.”
O preceito que consagra o instituto do preço anormalmente baixo não o direciona para uma parcela da proposta ou para um elemento que dela conste, independentemente da função que desempenhe, mas sim para o preço ou custo da proposta.
A aferição de um preço anormalmente baixo está diretamente relacionado com o preço global da proposta e não com qualquer elemento que a suporte ou que a integre parcialmente. Essa circunstância pode influir na identificação da anomalia do preço, ainda que esta não se possa reduzir a um preço unitário de uma proposta.
Nesta medida, pode existir uma proposta com um preço (global) anormalmente baixo, cuja origem determinante derive de um preço unitário que desequilibra a totalidade da proposta; não pode, no entanto, existir uma proposta que assim se qualifique porque um seu elemento, visto, isoladamente, possa não cobrir o custo global da proposta ou de uma parte, em especial, quando a própria proposta, seguindo as prescrições da entidade adjudicante, delimita o universo das componentes que são considerados para o seu valor global e não inclui esse elemento.
Em suma, a Autora sustenta que o preço unitário, incluído no ponto I.1., do anexo II, é um preço anormalmente baixo, por ser insuficiente para cobrir os custos com o pessoal a afetar ao serviço e a Contrainteressada C..... entende que o preço relevante para efeitos de determinação do preço anormalmente baixo é o preço indicado no ponto I.2., desse anexo, por via da soma dos vários itens aí enumerados, nos quais se conta um relativo aos meios humanos.
É certo que não se pode atender, em exclusivo, a um preço unitário referido numa proposta, quando este nem sequer integra diretamente o preço global da proposta, tal como este é discriminado, nos termos fixados pela entidade adjudicante.
Não é possível qualificar uma proposta como anormalmente baixa por referência exclusiva a um preço unitário, requerido como elemento de referência, que não é utilizado sequer para o apuramento do preço global da proposta e sobretudo quando não produz qualquer efeito – tal não foi alegado, nem demonstrado – nesse preço total, ao ponto de o fazer incorrer numa situação de anomalia.
O preço anormalmente baixo é apurado em função do preço total da proposta e não de um seu elemento, quer este se reflita de forma direta ou indireta na sua composição.
A Autora limita-se a esta invocação – preço unitário, ponto I.1., do anexo II – que não produz o efeito por si visado, por não corresponder sequer ao item relativo aos meios humanos, esse sim considerado no preço global da proposta.
Nestes termos, improcede a pretensão formulada pela Autora, com este fundamento.
b) Da omissão de aspetos não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos
A Autora alega que o anexo III, que acompanha a proposta da Contrainteressada C..... não contém qualquer alusão à concentração química, ao modo de diluição dos produtos de limpeza e à possibilidade de utilização junto de produtos agroalimentares, nem é acompanhada por fichas técnicas de produtos de limpeza, pelo que aquela não se comprometeu com todos os termos e condições relativos a aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, omitindo especificações obrigatórias, o que conduz à exclusão da proposta.
A Entidade Demandada sustenta que a Contrainteressada C..... não estava obrigada a apresentar fichas técnicas dos produtos e que o quadro do anexo III, não continha uma coluna para concentrações químicas, sendo que através da informação fornecida é possível aceder à composição química e a outros dados que se considerem importantes.
A Contrainteressada C..... alega que o n.º 4.9., do Caderno de Encargos – Cláusulas Técnicas, faz menção ao adjudicatário e não aos concorrentes, sendo que, em qualquer caso, a informação deve ser apresentada em conformidade com o anexo III, do Programa do Procedimento, que respeita à lista de produtos de limpeza e desinfeção a utilizar, pelo que basta a cada concorrente efetuar o preenchimento dos elementos obrigatórios exigidos nesse anexo, o que fez, devendo considerar-se como suficiente a designação do produto/marca.
Assim, a questão que importa dilucidar consiste em saber se a proposta apresentada pela Contrainteressada C..... observou o disposto na cláusula 4.9., do Caderno de Encargos – Cláusulas Técnicas.
As propostas devem ser instruídas com os documentos de apresentação obrigatório, que decorrem do artigo 57.º, n.º 1, do CCP, e com outros documentos que a entidade adjudicante considere necessários para o efeito. Se estiver em causa um procedimento em que foi adotado o critério de adjudicação monofator, a entidade adjudicante pode solicitar que os concorrentes se vinculem relativamente a determinados aspetos do caderno de encargos que, apesar de não terem sido submetidos à concorrência – no sentido de integrarem algum fator ou subfactor do critério de adjudicação – ainda assim conferem alguma latitude aos concorrentes, dentro de margens pré-estabelecidas, e relativamente aos quais a vinculação prévia dos concorrentes ao seu cumprimento e aos termos em que este ocorre se revela imprescindível para a satisfação do interesse público subjacente ao contrato.
Nestes termos, o programa de procedimento – que regula a tramitação do procedimento adotado – deve especificar os documentos que integram as propostas a apresentar, sem os quais pode estar preenchida uma das causas que habilita à sua exclusão.
O artigo 9.º, n.º 1, alínea c), subalínea vi), do Programa de Procedimento, enumera os documentos que constituem a proposta, sob pena de exclusão, entre os quais se inclui a “Lista de Produtos de limpeza e desinfeção a utilizar (Anexo III)”.
O referido anexo III, sob a forma de um quadro, determina a inclusão da seguinte informação: designação do produto/marca, especificidade, instruções de uso, locais a aplicar, observações.
A cláusula 4.9., do Caderno de Encargos – Cláusulas Técnicas, prescreve que:
Do que se conclui que a proposta deve ser integrada pelo quadro a que respeita o anexo III, devidamente preenchido com a informação aí exigida, e que este quadro – de preenchimento obrigatório, por a sua falta se encontrar sancionada com a exclusão da proposta – não inclui, de forma expressa, a menção aos detalhes sobre a concentração química e a possibilidade de utilização na proximidade de produtos agroalimentares, conforme indicado na citada cláusula do Caderno de Encargos.
Em primeiro lugar, o caderno de encargos, que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar (artigo 42.º, n.º 1, do CCP), não é a peça do procedimento adequada para definir o conteúdo de documentos que integram as propostas a apresentar.
É aliás, por isso, que nessa cláusula se atribui a obrigação em causa ao adjudicatário, sendo que este é o concorrente que, após a apresentação da proposta, obteve a adjudicação do contrato, adquirindo o direito à sua celebração e posterior execução. Ou seja, a entidade adjudicante atribuiu a responsabilidade ao adjudicatário, mas cominou-lhe, parcialmente, um momento temporal de cumprimento incompatível com a fase em causa.
Nesta medida, a interpretação da cláusula 4.9. deve ser efetuada em conformidade com a sua sede e com a natureza das obrigações que dela resultam, isto é, tendo como destinatário o adjudicatário e não o operador económico que apresenta uma proposta.
Mas, ainda que assim não fosse, tal cláusula impõe que a informação seja prestada em conformidade com o anexo III, do Programa de Procedimento, desta forma impondo a cada um dos concorrentes o preenchimento desse quadro, em função do modo como ele foi desenhado, contendo as informações aí previstas e não outras, desde logo, as que não encontram acolhimento expresso nesse anexo.
Em suma, seja porque a cláusula 4.9. apenas se aplica ao adjudicatário, aquele que foi escolhido para posterior celebração do contrato, que é o sujeito passivo da obrigação estatuída, ainda que em moldes imperfeitos, seja porque, admitindo-se que tal cláusula vale em sede de formação do contrato, o seu cumprimento deve ser assegurado em conformidade com o disposto no anexo III, do Programa de Procedimento, ou seja, considerando apenas os elementos que neste são expressamente exigidos.
Nesta perspetiva, releva apurar se o documento da proposta da Contrainteressada C....., que corresponde ao referido anexo III, se encontra em conformidade com o conteúdo que decorre do modelo imposto pelo Programa de Procedimento.
Compulsada a proposta em apreço, parcialmente transcrita na alínea I), do probatório, constata-se que o anexo se encontra devidamente preenchido, incluindo a designação/marca do produto, a sua especificidade, as instruções de uso e os locais a aplicar. A proposta encontra-se instruída com um documento, que é de apresentação obrigatória, em observância do modelo que foi previsto para o efeito.
A Contrainteressada C..... apresentou, dessa forma, o documento exigido no artigo 9.º, n.º 1, alínea c), subalínea vi), do Programa de Procedimento, cumprindo essa determinação regulamentar.
Não pode ser exigido a um operador económico que altere um quadro de preenchimento obrigatório, previamente formatado pela entidade adjudicante, incluindo elementos que aquele inicialmente não prevê. No mesmo sentido, não pode entender-se que a coluna relativa a observações tem como função a inclusão dos demais elementos referidos na cláusula 4.9., do Caderno de Encargos – Cláusulas Técnicas, sob pena de se criar uma situação de incerteza e insegurança sobre o conteúdo da proposta a apresentar, nos casos em que a entidade adjudicante delimita os termos em que as propostas devem ser instruídas.
Nestes termos, improcede a pretensão formulada, tendo em conta que a proposta da Contrainteressada C..... respeita o disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea c), subalínea vi), do Programa de Procedimento, para cujo anexo, aliás, a referida cláusula do Caderno de Encargos remete.”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância julgar “a presente ação totalmente improcedente”.

Vejamos:
Enquadrando jurisprudencialmente a questão aqui predominantemente em causa, alude-se ao sumariado em alguns acórdãos da Jurisdição Administrativa, de modo a balizar tudo quanto ulteriormente se dirá:
Acórdão do TCAN nº 01029/15.0BEPRT, de 18-12-2015
1 – Não cabe à entidade adjudicante fiscalizar o cumprimento de normas que se destinam a regular as relações entre os concorrentes e os respetivos trabalhadores.
A proposta violadora do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea f), do CCP, não é aquela cujos preços não refletem os custos salariais e sociais mas antes a que contém condição ou elemento contrários aos normativos legais e regulamentares em vigor, conduzindo a que o contrato celebrado, por aceitar essa incompatibilidade, desrespeite tais normativos.

Acórdão do TCAN nº 01965/16.6BEPRT, de 24-02-2017
I- Em termos de Código de Contratos Públicos o que os concorrentes estão proibidos de ultrapassar é a apresentação de preço anormalmente baixo, sob pena de exclusão (artigo 70º n.º 2 al. e) e artigo 71º do CCP), e não os valores mínimos recomendados pela ACT.
II- Os valores dos preços finais insertos na recomendação da ACT são valores meramente indicativos, recomendados, não constituindo ou gozando de um qualquer valor impositivo obrigatório e absoluto como valor mínimo que importe ser estritamente observado sob pena de ilegalidade.

Acórdão do STA nº 03/21.1BEBRG, de 21-04-2022
“(…) Para efeitos de ponderação de exclusão de proposta com fundamento na alínea f) do nº 2 do art. 70º do CCP (“cuja análise revele que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”) – tal como na alínea e) (“cuja análise revele um preço ou custo anormalmente baixo”) - não relevam preços parcelares relativos a partes de execução do contrato, em si mesmo considerados, sem prejuízo de estes poderem servir de elementos indiciários de tais violações ou da anomalia do preço global, designadamente quando corresponderem a partes com peso significativo na execução do contrato, afetando a sua coerência e a do preço global (cfr. Ac. TJUE de 28/1/2016, proc. T-570/13, “Agroconsulting”).

Do “preço anormalmente baixo da proposta apresentada pela C.....”
A Recorrente invoca a verificação de erro de julgamento da Sentença recorrida por esta ter considerado não existirem fundamentos para a exclusão da proposta da Contrainteressada C....., por apresentação de proposta com preço anormalmente baixo.

Refere recursivamente a Recorrente que na nota justificativa do preço proposto apresentada pela Contrainteressada C....., nos termos do Anexo II do Programa do Concurso, é indicado o preço/hora diurna de €4,09 quanto à categoria trabalhador de limpeza, entendendo que o mesmo é insuficiente para “dar cobertura aos encargos legais” o que corresponderia à apresentação de preço anormalmente baixo.

Vejamos:
Quanto ao preço contratual, o n.º 9.1 do Caderno de Encargos dispõe que «pela prestação dos serviços objeto do Contrato, bem como pelo cumprimento das demais obrigações constantes do presente Caderno de Encargos, a M....., S.A., pagará ao adjudicatário o preço constante da proposta adjudicada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas do valor correspondente»

Efetivamente, o artigo 9.º, n.º 1, alínea a. do Programa do Concurso e o Anexo I ao Programa do Concurso estabelecem que os Concorrentes deveriam propor um preço global para a totalidade das prestações contratuais objeto do concurso público, o que se mostra cumprido.

Por outro lado, o mesmo artigo 9.º, n.º 1, alínea a. do Programa do Concurso estabelece que as propostas deveriam ser constituídas, nomeadamente, por:
«Documento de que conste a Proposta de preço, que não deve incluir o IVA, indicado em algarismos e por extenso, em conformidade com o modelo anexo este Programa de Procedimento (Anexo I)».

O Anexo I do Programa do Concurso, que estabelece o modelo da Proposta de Preço a que se refere o artigo 9.º, n.º 1, alínea a. do Programa do Concurso, impõe que os concorrentes, declarem que se obrigam «(…) a executar todos os trabalhos a contratar que constituem a aquisição de serviços de limpeza interior dos escritórios, pavilhão do mercado e portaria do mercado abastecedor da região de Faro, no prazo de execução de 36 meses, em conformidade com o Caderno de Encargos pelo preço contratual de …….. € (…… euros) (…)».

Correspondentemente, a Contrainteressada C..... apresentou a sua Proposta de Preço, na qual, entre outros elementos declarou que se obriga «(…) a executar todos os trabalhos a contratar que constituem a aquisição de serviços de limpeza interior dos escritórios, pavilhão do mercado e portaria do mercado abastecedor da região de Faro, no prazo de execução de 36 meses, em conformidade com o Caderno de Encargos pelo preço contratual de 145.692,00 € (cento e quarenta e cinco mil seiscentos e noventa e dois euros) (…)».

Acresce que, para a justificação do preço global contratual proposto na Proposta do Preço, os concorrentes deveriam, por força do artigo 9.º, n.º 1, alínea b. do Programa do Concurso, incorporar nas suas propostas:
«Nota justificativa do preço proposto (…) em conformidade com o modelo anexo a este Programa de procedimento (Anexo II)».

A nota justificativa do preço proposto a apresentar pelos concorrentes deveria, assim, respeitar o modelo estabelecido no Anexo II do Programa do Concurso, nos seguintes termos:
a) I. 1 - Preços Unitários/hora – deveriam ser indicados quais os preços da hora diurna e da hora noturna da categoria de trabalhador de limpeza, de lavador de vidro e eventual outra categoria;
b) I.2 – Preços Globais mensais, para:
I Meios Humanos – deveriam ser indicados quais os valores mensais por categoria de trabalhador de limpeza, de lavador de vidro e eventual outra categoria, bem como o preço global mensal dos Meios Humanos;
II Consumíveis – deveriam ser indicados quais os valores mensais dos consumíveis/produtos, bem como o preço global mensal dos Consumíveis/Produtos;
III Equipamentos – deveriam ser indicados quais os valores mensais dos equipamentos do adjudicatário, bem como o preço global mensal dos Equipamentos;
IV Outros – deveria ser indicado qual o preço global mensal dos Outros;
c) Valor Mensal Fixo Total da Proposta – deveria ser indicado qual o valor mensal fixo total da proposta que deveria corresponder à soma dos pontos I, II, III e IV do ponto 1.2;
d) Preço da Prestação de Serviços (ou preço global da prestação de serviços) – deveria ser indicado qual o preço global da prestação de serviços que deveria corresponder ao ponto 1.2 – i.e. ao Valor Mensal Fixo Total da Proposta - multiplicado por 36 meses.

Da análise do Anexo II do Programa do Concurso, resulta que o preço unitário/hora, a indicar pelos concorrentes no quadro I.1. Preços Unitários/Hora da nota justificativa do preço proposto, deveria corresponder ao valor/hora diurna e noturna, base, correspondente ao valor remuneratório a pagar aos trabalhadores de limpeza e lavador de vidros e que serviria de ponto partida para a justificação do preço global proposto e, assim, do valor mensal fixo a pagar ao adjudicatário.

Na realidade, do Anexo II do Programa do Concurso resulta que:
a) O valor mensal fixo total proposto não corresponderia necessariamente à soma aritmética dos preços unitários/hora, base, indicados no quadro I.1, com quantidades horárias; e
b) O preço global da prestação de serviços, para os 36 meses, também não corresponderia necessariamente à soma aritmética dos preços unitários/hora, base, indicados no quadro I.1, com quantidades horárias.

Com efeito, o Anexo II do Programa do Concurso estabelece que a justificação e cálculo do «preço mensal fixo total para a aquisição de serviços» corresponde ao: «Valor Mensal Fixo Total da Proposta (I.2 = I + II + III + IV)», no qual não se integram os preços unitários/hora previstos em I.1.

Por outro lado, resulta igualmente do Anexo II do Programa do Concurso que o «preço global da prestação de serviços, de 36 meses» ou o «Preço da Prestação de Serviços» corresponderia ao ponto «I.2 x 36 meses», o que significa que o «preço global da prestação de serviços, de 36 meses» ou o «Preço da Prestação de Serviços» deveria corresponder ao resultado da soma dos respetivos preços globais mensais dos meios humanos, dos consumíveis/produtos, dos equipamentos e de outros, multiplicada por 36 meses.

Assim sendo, não merece censura o discurso fundamentador da decisão recorrida quando afirmou que “no caso dos autos, as propostas devem ser instruídas com um documento correspondente ao anexo II, do Programa de Procedimento, que está organizado em dois pontos, o ponto I.1, relativo a preços unitários/hora, diurna e noturna, e o I.2., respeitante aos preços globais mensais, dividido em i. meios humanos, ii. Consumíveis, iii. Equipamentos e i.v. outros. Da soma destes quatro itens alcança-se o valor mensal fixo da proposta, e da sua multiplicação por 36 (os meses de duração do contrato) obtém-se o preço global da prestação de serviços”.

A nota justificativa do preço não corresponde a um “mapa de preços” no qual o preço global é decomposto em preços unitários, mas sim no documento no qual os concorrentes justificam os preços propostos e como os mesmos são formados, o que significa que se não vislumbra que se verifiquem divergências entre os preços constantes da nota justificativa do preço.

Como mais uma vez se refere acertadamente na Sentença Recorrida, “a questão que a este propósito vem colocada consiste na alegação de que o preço unitário proposto pela Contrainteressada C....., no ponto I.1. do Anexo II, não é suficiente para satisfazer as obrigações laborais e sociais em que está constituída” o que, no entender da Recorrente “implica estar-se perante uma proposta com um preço anormalmente baixo”.

De acordo com as regras definidas no Anexo II do Programa do Concurso, da nota justificativa do preço proposto deveriam simplesmente constar os preços/hora, diurna e noturna, das categorias trabalhador de limpeza e lavador de vidros, que corresponderiam aos valores de partida para a justificação dos preços globais mensais e do preço global proposto pelos concorrentes a respeito dos meios humanos e, assim, justificar esses preços que seriam os preços contratuais.

Como ponderadamente se reconheceu em 1ª Instância “é certo que não se pode atender, em exclusivo, a um preço unitário referido numa proposta, quando este nem sequer integra diretamente o preço global da proposta, tal como este é discriminado, nos termos fixados pela entidade adjudicante”.

Decorre das peças do concurso que os preços unitários não se integram no preço global da proposta, sendo que o artigo 71.º, n.º 2 do CCP estabelece que «mesmo na ausência de definição no convite ou no programa do procedimento, o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, por decisão devidamente fundamentada do órgão competente para a decisão de contratar, designadamente, por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato».

O preço de uma proposta corresponde pois ao preço contratual proposto.

Deste modo, o n.º 2 do artigo 71.º do CCP aplica-se ao preço global da proposta, e não a cada um dos preços unitários propostos, sendo que a lei apenas releva os preços anormalmente baixos dentro dos parâmetros globalmente definidos.

Não se reconhece ainda que o Tribunal a quo não tenha apreciado “devidamente o alegado pela ora Recorrente na sua petição inicial”, quanto à invocada “insuficiência do preço/hora diurno proposto pela Contrainteressada C....., a circunstância de, em consequência daquele facto, dever considerar-se que o preço da proposta da concorrente é um preço anormalmente baixo”.

Com efeito, a Recorrente limitou-se a alegar conclusivamente que a categoria trabalhador de limpeza tem “um peso significativo na execução do contrato”, mais afirmando singelamente que o preço/hora diurno de €4,09 quanto à categoria trabalhador de limpeza seria insuficiente para “dar cobertura aos encargos legais”, o que só por si, não permitiria concluir que o preço global da proposta da C..... se consubstanciaria num preço anormalmente baixo.

Entende surpreendentemente a Recorrente que o tribunal a quo deveria ter feito “(…) essa conferência por via do simples cálculo aritmético daquelas verbas remuneratórias e/ou contributivas, tendo por referência a retribuição mínima mensal de €709,00, decorrente da tabela salarial inclusa no CTT APFS-STAD”.

Diga-se que, em bom rigor, ao tribunal não caberia fazer qualquer cálculo, antes competindo à Recorrente demonstrar o alegado, ónus que incumpriu.

Como afirmado pelo tribunal a quo, a Recorrente “sustenta a sua alegação exclusivamente no preço constante desse ponto I.1, não efetuando qualquer demonstração de que a proposta é globalmente uma proposta que evidencia uma anomalia ou insuficiência”.

Assim, em face do jurisprudência cujos sumários supra se transcreveram, entende-se que não foi feita prova cabal de que a proposta da C..... apresentasse um preço anormalmente baixo, à luz dos normativos aplicáveis, a saber, os artigos 1.º-A, n.º 2, 71.º, n.º 2, 70.º, n.º 2, alínea e) e 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP, pois que, mesmo que se entendesse que os valores remuneratórios unitários recursivamente invocados, seriam baixos, essa circunstancia não deixaria de constituir um mero indicio da invocada violação, que não foi confirmado pelo conjunto da prova disponível. (cfr. Ac. TJUE de 28/1/2016, proc. T-570/13, “Agroconsulting”).

Tal como afirmado pela Recorrente, "os preços parciais podem servir de elementos indiciários da anomalia do «preço global»", não passando, no entanto, de meros indícios, o que não veio a ser confirmado em termos globais.

Como sumariado no já referenciado Acórdão do STA de 21-04-2022, proferido no Proc. n.° 03/21.1BEBRG, “(…) “Para efeitos de ponderação de exclusão de proposta com fundamento na alínea f) do n.° 2 do art. 71° do CP (...) tal como na alínea e) (...) não relevam preços parcelares relativos a partes de execução do contrato, em si mesmo considerados, sem prejuízo de estes poderem servir de elementos indiciários de tais violações ou da anomalia do preço global (...)".

Improcede pois o vicio recursivamente suscitado e supra analisado.

Da “omissão de aspetos não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos”
Invocou a Recorrente erro de julgamento da Sentença recorrida por esta ter considerado não existir fundamento para a exclusão da proposta da C....., por violação do n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, entendendo que a sua proposta deveria ter sido excluída por não incluir informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”.

Vejamos:
Refira-se, desde logo, que não se vislumbra que do n.º 4.9. das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, decorra qualquer obrigação dos concorrentes instruírem as suas propostas com informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”.

Com efeito, o n.º 4.9. das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos estabelece simplesmente que «o Adjudicatário deverá apresentar junto à proposta e posteriormente durante a execução do contrato, a listagem dos produtos e materiais utilizados na limpeza, desinfeção e outras operações no mercado a usar em cada local, incluindo detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares, conforme legislação aplicável e Anexo III do Programa do Concurso».

Decorre do transcrito que a referida cláusula estabelece que a informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares” deverá ser apresentada pelo Adjudicatário e não pelos concorrentes, em face do que se não reconhece que a decisão recorrida tenha “desconsiderado a letra” desta disposição.

Acresce que o n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos encontra-se inserido no Caderno de Encargos, sendo que nos termos n.º 1 do artigo 42.º do CCP, «o caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar», em face do que as cláusulas estabelecidas no Caderno de Encargos são aplicáveis à fase de execução do contrato e não à fase de formação do contrato.

À fase de formação do contrato é aplicável o programa do concurso que, como o artigo 41.º do CCP define, corresponde ao “regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração”.

Reitera-se, pois, que o caderno de encargos, designadamente o controvertido n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, contém cláusulas dirigidas ao adjudicatário quanto ao contrato a celebrar e não cláusulas dirigidas aos concorrentes quanto à apresentação das suas propostas, pelo que a informação referida na referida Cláusula deverá ser apresentada pelo adjudicatário e não pelos concorrentes nas suas propostas.

Como justa e adequadamente afirmado na Sentença Recorrida, no n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos «se atribui a obrigação em causa ao adjudicatário», sendo que o caderno de encargos, nos termos do artigo 42.º, n.º 1 do CCP, «não é a peça do procedimento adequada para definir o conteúdo de documentos que integram propostas a apresentar», pelo que a «interpretação da cláusula 4.9. deve ser efetuada em conformidade com a sua sede e com a natureza das obrigações que dela resultem, isto é, tendo como destinatário o adjudicatário e não o operador económico que apresenta uma proposta».

É assim claro que, caso se entendesse que a informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”, referida no n.º 4.9. das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, deveria ser apresentada simultaneamente pelo adjudicatário, na execução do contrato, e pelos concorrentes, nas suas propostas, essa exigência, para além de referida no Caderno de Encargos, deveria igualmente constar do programa do concurso, nos termos da alínea c) do artigo 57.º do CCP, o que não ocorreu.

Efetivamente, estabelece-se na alínea c) do artigo 57.º do CCP, que a proposta é constituída, nomeadamente por «documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule».
À luz do referido, não merece censura a decisão recorrida, ao ter afirmado que «o programa de procedimento – que regula a tramitação do procedimento adotado – deve especificar os documentos que integram as propostas a apresentar, sem os quais pode estar preenchida uma das causas que habilita à sua exclusão», sendo que, como repetidamente se afirmou, o Programa do Concurso não fazia qualquer referência quanto à exigência de apresentação pelos concorrentes nas suas propostas, de informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”.

Assim, de acordo com as regras estabelecidas nas peças do concurso, os concorrentes deveriam instruir as suas propostas, nos termos do ponto vi. da alínea c. do artigo 9.º do Programa do Concurso, com lista de produtos de limpeza e desinfeção a utilizar, em conformidade com o modelo fixado no Anexo III do Programa do Concurso, não havendo qualquer imposição legal ou regulamentar que impusesse qualquer referência quanto à exigência de apresentação pelos concorrentes nas suas propostas de informação relativa a “detalhes sobre a concentração química, instruções de uso e a possibilidade de utilização, na proximidade de produtos agroalimentares”.

Como, mais uma vez, afirmado corretamente em 1ª Instância, «não pode ser exigido a um operador económico que altere um quadro de preenchimento obrigatório, previamente formatado pela entidade adjudicante, incluindo elementos que aquele inicialmente não prevê. No mesmo sentido, não pode entender-se que a coluna relativa a observações tem como função a inclusão dos demais elementos referidos no n.º 4.9 do Caderno de Encargos – Cláusulas Técnicas, sob pena de se criar uma situação de incerteza e insegurança sobre o conteúdo da proposta a apresentar, nos casos em que a entidade adjudicante delimita os termos em que as propostas devem ser instruídas.»

Em face de tudo quanto supra se expendeu, entende-se que o Tribunal a quo não “violou” quaisquer princípios gerais de direito, nem “desconsiderou” o disposto no n.º 4.9 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, não tendo igualmente violado o artigo 70.º, n.º 2, alínea a), nem o artigo 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do CCP.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, mais se confirmando a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 23 de março de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa