Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07846/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/14/2016
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:EXECUÇÃO; CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO; DANO INDEMNIZÁVEL
Sumário:i) Nos termos do disposto no art. 176.º, n.º 1, do CPTA, quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 175.º (três meses), o interessado pode fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição.

ii) Nos termos do artigo 177.º, n.º 3, do CPTA, “no caso de concordar com a existência de causa legítima de inexecução apenas invocada na contestação, o autor pode pedir a fixação da indemnização devida, seguindo-se os termos prescritos no artigo 166.º”

iii) O dano que resulta da impossibilidade de execução da sentença anulatória consubstancia-se, basicamente, na perda da oportunidade de, com tal execução, o autor se colocar numa situação jurídica favorável, que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais

iv) Não sendo possível verificar-se a existência de perda, pela inexecução, da possibilidade da Exequente fazer valer o seu direito – perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado –, não ocorre a constituição de qualquer dano que deva ser reparado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

E………………- Engenharia ………………., S.A., (Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 22.04.2011, que em execução da sentença anulatória, proferida no processo de contencioso pré–contratual nº 1184/09.8.BELRA, confirmada por acórdão deste TCAS de 15.04.2010, e por si movida contra o Município da ............. (Recorrido), julgou a acção executiva improcedente.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1ª: Aceitando as partes a existência de causa legítima de inexecução, segue-se necessariamente a fixação, por acordo ou não, da respectiva indemnização;

2ª: A decisão sub judice violou assim o disposto nos artigos 165°, 166°, 173° e 177°, todos do C. Processo nos Tribunais Administrativos;

3ª: A decisão, além do mais, é nula por omitir actos susceptíveis de influir na decisão da causa, como seja o convite às partes para estabelecer a indemnização e as diligências instrutórias;

4ª: Sempre que uma sentença anulatória não é (ou não pode ser) executada, há lugar a indemnização objectiva, independente de culpa;

5ª: A decisão sub judice é ilegal por violar expressamente o artigo 173° do CPTA e n° 3 do art. 566° do C. Civil.



Contra-alegou o Recorrido concluindo com base no seguinte quadro conclusivo:

1- Nos autos supra identificados foi proferida Sentença que julgou a execução improcedente por considerar, em primeiro lugar, não assistir à Recorrente qualquer direito à execução e, em segundo lugar, que as despesas invocadas pela Recorrente não podem ser consideradas despesas com a participação no concurso;

2 - O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pela Recorrente, não impugna a decisão na parte que julgou não lhe assistir, a ela Recorrente, qualquer direito à execução;

3 - Pelo que Sentença, quanto a essa parte, transitou em julgado, sendo o recurso inútil na medida em que a execução sempre será rejeitada, ainda que o presente recurso viesse a ser julgado procedente;

4 - Em qualquer caso, a Recorrente não impugnou, pelo que se encontra provado, que a anulação da decisão de adjudicação e a eventual elaboração de novo relatório de reapreciação das propostas não tem como consequência possível o procedimento concursal vir alguma vez a ser adjudicado à Recorrente;

5 - Bem andou, pois, a Sentença ao julgar não assistir à Recorrente qualquer direito à execução;

6 - E foi por considerar não assistir à Recorrente qualquer direito à execução que o Sr. Juiz a quo entendeu, e bem, ser desnecessário ordenar a realização de quaisquer diligências adicionais, sem prejuízo da causa legítima de inexecução aceite pela Recorrente;

7 - Também nessa parte nenhum vício há a assacar à Sentença proferida;

8 - Quanto ao direito à indemnização que a verificação da causa legítima de inexecução prevê, este apenas nasce se assistir e for reconhecido ao exequente, pelo Tribunal, o direito à execução, o que se verificou não suceder com a Recorrente nos presentes autos;

9 - Pelo que, conforme se demonstrou, nenhum vício há a apontar à Sentença proferida que deverá ser mantida integralmente.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do julgado.




I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a decisão recorrida é nula por preterição de diligências instrutórias;

- Se a mesma enferma de erro de julgamento ao não ter concluído, perante a existência de causa legítima de inexecução, que haveria lugar ao pagamento de uma indemnização nos termos do art. 177.º, n.º 3, e 178.º do CPTA.




II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

A) Na sentença dada, em 30 de Dezembro de 2010, nos autos do processo de contencioso precontratual n.°1184/09.8BELRA a que os presentes autos se acham apensados e que correu termos entre as aqui partes foi proferida a seguinte decisão: "(…) Julgo a acção procedente e, em consequência, anulo o acto de adjudicação bem como o contrato de empreitada";

B) Sentença na qual, a fls. 11, se afirma que "a entidade pública demandada demonstrou que a proposta da Autora, pelo facto de prever a existência de uma "torre intermédia" (previsão que a Autora confirmou, classificando a "torre" como "indispensável", nos esclarecimentos que prestou em 22 de Maio de 2009, conforme decorre de fls. 148 a 149 do PA), viola, também ela, a um tempo, o ponto 2.1.6 do Caderno de Encargos (CE), segundo o qual "as soluções de construção preconizadas pelos concorrentes para a execução das obras devem minimizar a interferência com o meio ambiente natural' e o art°46° do Regulamento do PDM da ............., que proíbe a construção, naquele local, de qualquer edificação bem como a destruição de solo vivo e do coberto vegetal e o derrube de quaisquer árvores, por ser classificado como "zona verde de protecção integral”;

C) Por Acórdão de 15 de Abril de 2010 do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) foi negado "provimento ao recurso [interposto daquela sentença], confirmando-se a sentença recorrida" (v. os autos do processo principal);

D) Em 8 de Julho de 2010, a exequente foi notificada pelo Município da ............. de que "nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, reconheceu e invoca a existência de causa legítima de inexecução da decisão proferida no processo judicial acima referenciado, pelos motivos constantes da proposta que foi aprovada (...)" - doc. l junto com o requerimento executivo;

E) Causa legítima de inexecução "consubstanciada no grave prejuízo para o interesse público que decorreria da anulação do acto camarário praticado em l de Junho de 2009, e do contrato de empreitada" (deliberação de 7 de Julho de 2010 da Câmara Municipal da ............., junta com o doc. l cit.);

F) Em 30 de Outubro de 2009, procedeu-se à medição dos trabalhos referentes ao estaleiro, no montante de € 17 839,80 (acervo de documentos juntos com a contestação da entidade obrigada);

G) A contra-interessada dirigiu ao Município da ............. as facturas n.°s 91584, 100075 e 100534, referentes ao projecto de concepção e construção do teleférico e juntas com a contestação da entidade obrigada e cujos teores se dão por reproduzidos (v. também a deliberação junta com o requerimento executivo como doc. 1);

H) O contrato de empreitada foi visado pelo Tribunal de Contas em 15 de Dezembro de 2010 (doc. junto com a contestação da entidade obrigada);

I) Tendo o Município da ............. pago a título de emolumentos a quantia de € l 699,05 (doc. junto com a contestação da entidade obrigada);

J) Em 19 de Dezembro de 2010 foi celebrado entre o Instituto de Turismo de Portugal, I.P. e o Município da ............. um "acordo de colaboração" ao abrigo do qual foi concedido pelo primeiro ao segundo um subsídio não reembolsável no montante de € 376 852,28 (doc. 1 junto com a contestação da entidade obrigada).


Não foram consignados factos não provados, nem autonomamente exarada a fundamentação da decisão da matéria de facto.



II.2. De direito

Entende a Recorrente, em primeiro lugar, que a sentença recorrida é nula – nulidade secundária – uma vez que o Tribunal a quo, omitiu actos susceptíveis de influir na decisão da causa, como seja o convite às partes para estabelecer a indemnização e as diligências instrutórias.

Mas não lhe assiste razão.

Com efeito, o Tribunal a quo considerou que não assistia à exequente qualquer direito à execução, pelo que se tornava desnecessário convidar as partes para acordarem no montante da indemnização. Ou seja, nas palavras do Tribunal, “se por qualquer razão tal direito não existe, o direito à indemnização também não pode, logicamente, existir, pelo que não fará sentido convidar as partes para acordarem no montante da indemnização inexistente”.

Donde, na decisão proferida, a actividade instrutória que a Recorrente considera ter sido omitida e que funda a arguição da nulidade que invoca, ficou prejudicada face ao dispositivo fixado e respectivos fundamentos. A questão será, pois, de erro de julgamento quanto ao juízo efectuado sobre essa prejudicialidade.

Posto isto, vejamos então se o Tribunal a quo incorreu no erro de julgamento que lhe vem imputado.

Na sentença recorrida escreveu-se, neste ponto, o seguinte:

O convite às partes para acordarem no montante da indemnização pressupõe, como realidade prévia assente, a existência do direito à execução fundado numa posição jurídica tutelada pelo direito, i.e. pela ordem jurídica, e lesada pelo acto anulado, faltando apenas determinar o quantum, o montante, da indemnização. Se por qualquer razão tal direito não existe, o direito à indemnização também não pode, logicamente, existir, pelo que não fará sentido convidar as partes para acordarem no montante da indemnização inexistente.

Destinando-se a indemnização a compensar o exequente pela perda das vantagens que a execução da sentença lhe proporcionaria não fora a procedência da invocação pela Administração de causa legítima de inexecução, é necessário que, antes de qualquer juízo sobre a existência ou não do direito de indemnização pela inexecução, se apure se os pedidos executivos, olhados à luz da sentença anulatória, seriam ou não, num juízo de prognose póstuma, julgados procedentes não fora a existência de causa legítima de inexecução e, na afirmativa, se a efectiva execução proporcionaria ao exequente alguma vantagem cuja perda mereça ser compensada mediante atribuição de uma indemnização.

No caso sub iudice, entendeu-se na sentença exequenda que a proposta da exequente “viola, a um tempo, o ponto 2,1.6 do Caderno de Encargos (CE), segundo o qual "as soluções de construção preconizadas pelos concorrentes para a execução das obras devem minimizar a interferência com o meio ambiente natural e o art° 46° do Regulamento do PDM da ............., que proíbe a construção, naquele local, de qualquer edificação bem como a destruição de solo vivo e do coberto vegetal e o derrube de quaisquer árvores, por ser classificado como "zona verde de protecção integral”.

Assim, mesmo que, em tese, fosse possível executar a sentença anulatória mediante a reconstituição in natura da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, nunca poderia o objecto do concurso ser adjudicado à exequente.

Consequentemente, não assiste à exequente qualquer direito à execução e, pois, a indemnização pelo facto da inexecução, pelo que se torna desnecessário convidar as partes para acordarem no montante da indemnização.

Diverge a Recorrente do assim decidido, alegando que tendo sido aceite pelas partes a existência de causa legítima de inexecução, teria que se seguir necessariamente a fixação, por acordo ou não, da respectiva indemnização. Na sua tese, sempre que uma sentença anulatória não é ou não pode ser executada, há lugar a indemnização objectiva, independente de culpa.

Mas também aqui não lhe assiste razão. Vejamos porquê.

A execução de sentenças anulatórias de actos administrativos, por princípio, deve consistir na reposição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado e no cumprimento dos deveres que a Administração não cumpriu com fundamento nesse acto, por forma a que a ordem jurídica seja reintegrada e o executado colocado na posição a que tem direito (art. 173.º do CPTA).

Todavia, casos há em que essa forma de execução não pode ser realizada, quer porque a referida reconstituição é impossível quer porque, atento o grave prejuízo para o interesse público que dela decorreria, não é exigível – o que é o caso dos autos. Nesses casos, a lei prevê que a Administração invoque essa impossibilidade ou essa inexigibilidade como fundamento para a recusa da reconstituição da realidade cumprindo ao Tribunal verificar a procedência dos fundamentos invocados e, sendo caso disso, desonerá-la da obrigação de executar a sentença dessa forma, ordenando que se iniciem as diligências destinadas à fixação de uma indemnização. Caso o interessado concorde com a invocação da existência de causa legítima de inexecução – como aconteceu –, as partes podem chegar a acordo quanto ao montante da indemnização devida e, na falta de acordo, o interessado pode pedir ao tribunal que fixe esse montante (artigo 176.º, n.º 7, do CPTA).

A propósito do dano indemnizável já a jurisprudência se pronunciou repetidamente, importando aqui relembrar o seguinte (cfr., por todos, o ac. do STA de 25.09.2014, proc. n.º 1710/13):

A impossibilidade de dar cumprimento à sentença anulatória – legitimadora da declaração da existência de uma causa legítima de inexecução – implica genericamente a perda da possibilidade da reconstituição natural, o que, tem-se vindo a entender, “constitui, por si só, um dano real que importará indemnizar”. Ou, visto de uma outra perspectiva, a oportunidade real de vir a obter um ganho “é um bem cuja perda é indemnizável” (cf. acórdãos do STA de 02.06.10, Proc. n.º 01541A/03, e de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12, respectivamente).

Qualquer que seja a perspectiva adoptada, o que importa reter é que a indemnização em apreço tem como objectivo ressarcir “aquilo que vem sendo chamado de expropriação do direito à execução ou de perda de uma oportunidade de reconstituição natural” (cf. acórdão do STA de 02.06.10, Proc. n.º 01541A/03), e que a mesma encontra fundamento legal no artigo 178.º do CPTA.

Concretizando, o dano que resulta da impossibilidade de execução da sentença anulatória consubstancia-se, basicamente, na perda da oportunidade de, com tal execução, o autor se colocar numa situação jurídica favorável, que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais (cf. acórdãos do STA de 01.10.08, Rec. n.º 42003A/97-12, e de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12). Deste modo, e “a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho”, não se está em face de “mera expectativa mas de um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração” (cf. acórdão do STA de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12) [sublinhado nosso].”

Isto é, o exequente terá direito a uma compensação pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado.

Ora, como salientado pelo Ministério Público nesta sede, a inexecução da sentença não frustrou a oportunidade de a ora Recorrente poder obter um resultado favorável no concurso cuja adjudicação foi anulada pela sentença exequenda. E não frustrou essa oportunidade, pela razão de que ela não existia ab initio, em face do próprio teor desta sentença, sendo certo que a Recorrente não contesta sequer a asserção – o fundamento – de que a execução da sentença nunca permitiria a adjudicação da empreitada, objecto do concurso, a seu favor.

Assim sendo, excluído está o dano específico que a inexecução, ela própria, poderia em abstracto causar, isto é, a perda da possibilidade de obter a adjudicação do concurso, uma vez que está demonstrado, sem contestação o que importa sublinhar, que essa possibilidade não existia.

Perante o acabado de explicitar, não tem, portanto, qualquer pertinência alegar a irrelevância da culpa para a atribuição da indemnização pretendida arbitrar pelo tribunal, já que, como igualmente observado pelo Ministério Público, o pressuposto em falta que fundamentou a sentença recorrida é o dano e não a culpa.

Em síntese, andou bem o Tribunal a quo ao não ter impulsionado as diligências instrutórias previstas nos artigos 165.º, n.º 4, e 166.º, n.º 2, do CPTA, uma vez que verificou que não havia lugar a compensação pela inexecução por causa legítima. Diligências essas que se mostrariam inúteis e, como tal, proibidas pela lei adjectiva.






III. Conclusões

Sumariando:

i) Nos termos do disposto no art. 176.º, n.º 1, do CPTA, quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 175.º (três meses), o interessado pode fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição.

ii) Nos termos do artigo 177.º, n.º 3, do CPTA, “no caso de concordar com a existência de causa legítima de inexecução apenas invocada na contestação, o autor pode pedir a fixação da indemnização devida, seguindo-se os termos prescritos no artigo 166.º”

iii) O dano que resulta da impossibilidade de execução da sentença anulatória consubstancia-se, basicamente, na perda da oportunidade de, com tal execução, o autor se colocar numa situação jurídica favorável, que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais

iv) Não sendo possível verificar-se a existência de perda, pela inexecução, da possibilidade da Exequente fazer valer o seu direito – perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado –, não ocorre a constituição de qualquer dano que deva ser reparado.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2016



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Pedro Marchão Marques


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Conceição Silvestre


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Cristina Santos