Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1861/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:2.ª AVALIAÇÃO
FALTA DE ASSINATURA DO CONTRIBUINTE
TEORIA DO APROVEITAMENTO DO ATO
IRREGULARIDADE
Sumário:
I. Em sede de 2.ª avaliação de um prédio urbano devem intervir na mesma um perito regional, um vogal nomeado pela câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante.

II. Sendo a ficha de 2.ª avaliação assinada pelo perito regional e pelo vogal nomeado pela câmara municipal e inexistindo no procedimento qualquer outro ato que permita concluir que o sujeito passivo concordou com a concreta avaliação constante da mencionada ficha, não se considera demonstrado que o sujeito passivo interveio naquele ato com aquele concreto resultado.

III. A aplicação do princípio do aproveitamento do ato em situações como as referidas em II. depende de um juízo de prognose póstuma, no sentido da inexistência de qualquer possibilidade de que o ato a praticar contivesse conteúdo distinto.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 04.03.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por J….. (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o ato de segunda avaliação da fração autónoma AM do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….., da freguesia de Campolide, concelho de Lisboa.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I - Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou a presente impugnação judicial procedente, determinou pela anulação do ato de fixação do valor patrimonial do prédio melhor identificado nos autos.

II – O douto Tribunal a quo entendeu anular o citado acto de avaliação, com fundamento em vício de preterição de formalidade legal, por a ficha de avaliação em que assentou, não se mostrar assinada pelo Impugnante.

III – Assim, as questões decidendas a submeter ao julgamento do douto Tribunal ad quem consistem em saber se, na situação sub judice, a falta de assinatura da ficha de avaliação se pode converter em formalidade não essencial e, em caso negativo, se ainda assim podia ter sido aplicado o “princípio do aproveitamento do ato administrativo”.

IV – E neste conspecto entende-se que a falta de assinatura da ficha de avaliação deve, face às características do caso concreto, degradar-se em omissão de formalidade não essencial, tendo presente, como resulta do teor da PI formulada pelo Impugnante, que este confirma a sua participação no procedimento de 2ª avaliação e que se mostrou conhecedor de todos os elementos que conduziram à fixação do valor patrimonial, daqui se podendo concluir que não ficou prejudicado na respetiva defesa.

V – Para além disso, não se poderia ter anulado o acto sindicado, por se revelar manifesto que, caso a assinatura da ficha de avaliação se tivesse efetuado, daqui não resultaria para o Impugnante, a possibilidade de apresentar elementos novos e nem tal obstou a que deixá-se [sic] de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final.

VI – Por conseguinte, cremos que o acto consubstanciado na fixação do valor patrimonial do imóvel, não deveria ter sido considerado inválido e anulado por preterição de formalidade legal.

VII – Porém, mesmo que assim se não entendesse, e sem conceder, sempre haveria lugar in casu à aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, por se revelar seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, ainda que a ficha de avaliação se mostra-se [sic] assinada pelo Impugnante, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existia alternativa juridicamente válida que não fosse a de renovar aquele mesmo acto.

VIII – Consequentemente, a falta de assinatura da ficha de avaliação por parte do Impugnante, não obstante ter assinado outros documentos do processado - termo de encerramento do procedimento e ainda o termo de juramento ou compromisso de honra - ainda que se pudesse reputar de formalidade essencial, deve, contudo, ter-se como degradada em não essencial (não invalidante da decisão), posto que aquela assinatura não teria a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, impondo-se, por isso, o aproveitamento do ato útil.

IX – Deste modo, em face do exposto, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de direito e de facto, tendo sido violado o disposto no artigo 76.º e segs. do CIMI, bem como o artigo 134.º do CPPT, devendo tais normas ser aplicadas e interpretadas no sentido de que a falta de assinatura da ficha de avaliação por parte do Impugnante no âmbito de um procedimento de 2ª avaliação, pode degradar-se em formalidade não essencial ou, ainda que assim não seja e sem conceder, tal não impede a aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, devendo em consequência, manter-se na ordem jurídica.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. A fundamentação da Recorrente não pode procede e o Mmo. Juiz a quo ajuizou bem, quer a matéria de facto, quer o direito que lhe é aplicável, sendo por isso de manter integralmente a douta Sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou a presente impugnação judicial procedente e determinou a anulação do ato de fixação do valor patrimonial do prédio melhor identificado nos autos.

2. Esteve bem o Douto Tribunal a quo quando entendeu anular o citado acto de avaliação, com fundamento em vício de preterição de formalidade legal, por a ficha de avaliação em que assentou, não se mostrar assinada pelo Impugnante.
3. As questões que se suscitaram no Recurso em apreço a submeter ao julgamento do douto Tribunal ad quem consistem em saber “se, na situação sub judice, a falta de assinatura da ficha de avaliação se pode converter em formalidade não essencial e, em caso negativo, se ainda assim podia ter sido aplicado o “princípio do aproveitamento do ato administrativo”.

4. Bem esteve o Tribunal a quo, quando nota em abstrato, que uma vez “Reunida a comissão, é feita a avaliação e, posteriormente, validados os resultados, sendo a ficha de avaliação assinada por todos, como garante da correcção dos valores ali referidos.
5. Bem esteve o Tribunal a quo quando sublinha, reportando-se ao teor dos autos, que “não constando da ficha de avaliação a assinatura do representante do sujeito passivo”, “não podemos, então, considerar que o procedimento de segunda avaliação se mostre concluído”.

6. O Tribunal a quo explicita, e bem, dois argumentos liminares e que no caso afastam por completo qualquer uma daquelas possibilidades.

7. Por um lado, o Tribunal a quo refere que nos autos não existe “qualquer menção de, por exemplo, este [o Recorrido] se ter recusado a assinar a ficha”, o que significa que aquela nem sequer lhe foi apresentada, como devia ter sido.

8. Por outro lado, o Tribunal a quo assinala inequivocamente que no caso em apreço houve uma clara inversão da tramitação do procedimento, porquanto o Termo de Encerramento foi assinado a 19/03, quando ainda não se verificavam concluídos todos os trâmites do procedimento, e designadamente quando ainda não se encontrava concluída a ficha de avaliação, com os dados apurados no procedimento de segunda avaliação, a qual apenas viria a ser concluída em 21/03.

9. O Tribunal a quo assinala, e bem, que a assinatura do termo de encerramento do procedimento de segunda avaliação precedeu a própria materialidade e substancia do procedimento de segunda avaliação que lhe deveria anteceder, salientando que “quanto à assinatura do termo de avaliação, cumpre referir que este faz menção a uma ficha de avaliação que, à data [19/03], ainda não existia [uma vez que a ficha não assinada está datada do subsequente dia 21, e só depois se pode considerar como realizada]."
10. E bem concluiu o Tribunal a quo que o Termo de Encerramento não pôde ter por pressuposto e fundamento o procedimento de avaliação em curso, porquanto “esta divergência de datas implica que o termo de 2.a avaliação não pode sustentar a validade da segunda avaliação, simplesmente porque esta lhe foi subsequente. ”
11. A assinatura do Termo de Encerramento do procedimento sem que se encontrasse completo o procedimento de avaliação, constitui uma irregularidade a todos os títulos insanável, porquanto “não constando do termo de 2a avaliação quaisquer dados sobre a fracção avaliada, é-nos impossível determinar se os valores acordados a 19/03 são, efectivamente, os que constam da avaliação datada de 21/03 [veja-se que o Impugnante alega que houve unanimidade na determinação de um coeficiente de 0,010 para o elemento “Qualidade Construtiva” mas, na ficha de avaliação, consta o coeficiente 0,020]. Daí a imperiosidade da assinatura por parte de todos os intervenientes. ”

12. Foi corretamente evidenciado pelo Tribunal a quo que no caso em concreto a falta de assinatura da ficha de avaliação, face às características do caso, não pode convolar-se em omissão de formalidade não essencial, como reclama a ora Recorrente.

13. A questão em apreço é saber se os itens constantes da ficha de avaliação refletem efetivamente o sentido de voto dos intervenientes da diligência realizada e não concluída, e se refletem com veracidade a posição adotada pelo Recorrido em sede da realização da segunda avaliação.

14. O Recorrido ficaria prejudicado caso se desse como provado que aquele teria expresso o seu acordo e concordância ao resultado da diligência da segunda avaliação, e que deveria encontrar-se expresso da ficha de avaliação, o que em definitivo prejudicaria a sua defesa e o modo de reacção.

15. O acto consubstanciado na fixação do valor patrimonial do imóvel, deve ser considerado inválido e anulado por preterição de formalidade legal.

16. Não pode proceder a ideia, para este caso, de proceder à aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, porquanto a questão se coloca na efetiva correspondência entre o teor do acto administrativo em correspondência com a verdadeira factualidade ocorrida, o que se afere pela formalização da aposição de assinatura por todos os intervenientes no acto, circunstância que no caso não se verificou.

17. A falta de assinatura da ficha de avaliação por parte do Impugnante ora Recorrente, não obstante ter assinado outros documentos do procedimento - termo de encerramento do procedimento e ainda o termo de juramento ou compromisso de honra - não pode deixar de se tratar de formalidade essencial (invalidante da decisão), posto que aquela assinatura confirmaria o resultado expresso na ficha de avaliação como unanime.

18. O Tribunal a quo julgou correctamente, em consonância com o disposto no artigo 76.° e segs. do CIMI, bem como com o artigo 134.° do CPPT, os quais consagram a ilegalidade existente quando se verifica a preterição de formalidades legais, como seja inequivocamente a falta de assinatura da ficha de avaliação por parte do Impugnante no âmbito de um procedimento de 2a avaliação, no caso em que esta não foi concluída na presença do ora Recorrido, o que de todo tem de impedir a invocada e peticionada aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo.

19. Termos em que deve a decisão do Tribunal a quo ser integralmente mantida

20. Assim se concluindo que se impõe a manutenção integral do decisório da douta sentença do Tribunal a quo, ora recorrida, e por consequência deve ser considerado integralmente improcedente o recurso de apelação da ora Recorrente.

Termos em que, improcedendo o recurso, deve a decisão da Douta Sentença a quo ser integralmente confirmada e mantida, tudo com as legais e devidas consequências.

ASSIM DECIDINDO FARÃO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:
a) Há erro de julgamento, na medida em que a falta de assinatura em causa configura-se como mera irregularidade não invalidante, sendo que o ato sempre será suscetível de manter, atenta a teoria do aproveitamento do ato?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. No dia 29 de Junho de 2007, J….. e S…..va declararam “Que aceitam a presente venda”, a seu favor, da “fracção autónoma designada pelas letras “AM”, que corresponde ao quinto andar A, no bloco A dois, para habitação […] que integra o prédio urbano denominado ….., composto por nove blocos, sito na ….., […] inscrito na matriz da freguesia de Campolide sob o artigo …...” – cfr. escritura pública, a fls. 43 a 51, e que se dá por integralmente reproduzida;

2. Em 10 de Dezembro de 2009 foi elaborada a ficha número ….., correspondente à 1.ª avaliação da “Fracção AM” referida em 1), e que determinou um “Valor Patrimonial Tributário” de €304.970,00 – cfr. ficha de avaliação, a fls. 31 a 33 do PA apensado ao suporte físico dos autos;

3. Por requerimento datado de 25 de Janeiro de 2010, o Impugnante solicitou a segunda avaliação do prédio referido em 1) – cfr. requerimento, a fls. 36 e 37 do PA apensado ao suporte físico dos autos;

4. Pelo ofício ….. do Serviço de Finanças de Lisboa 10, datado de 04 de Março de 2010, foi o Impugnante “notificado (a) na qualidade de perito/sujeito passivo/representante, para comparecer no dia 2010-03-19, às 15h00, neste Serviço de Finanças, a fim de em comissão se proceder à 2ª avaliação nos termos do artigo 76º do Código do IMI, requerida por J….. e quanto à fracção autónoma “AM” do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de S. Sebastião da Pedreira sob o artigo …...” – Cfr. Ofício, a fls. 34 do PA apensado ao suporte físico dos autos;

5. Em 19 de Março de 2010 foi elaborado e assinado, pelo “Presidente”, “Vogal CML ou 2º Perito” e pelo “Suj. Passivo/Representante”, “Termo de 2ª avaliação (artigo 76º do CIMI)”, onde se declara que aquelas pessoas “avaliaram a(s) fracção(ões) autónoma(s) AM do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Campolide sob o artigo ___, com observância de todas as formalidades legais, conforme está descrito na(s) ficha(s) de avaliação n.º (s) …..– Cfr. Termo de 2ª avaliação, a fls. 29 do PA apensado ao suporte físico dos autos;

6. A ficha número ….., datada de 21 de Março de 2010 e correspondente à fracção referida em 1), determinou um “Valor Patrimonial Tributário” de €247.540,00 – cfr. ficha de avaliação, a fls. 26 a 28 do PA apensado ao suporte físico dos autos;

7. A ficha referida em 6) contém a assinatura do “Perito Presidente” e do “Vogal CM ou 2º Perito”, encontrando-se em branco o espaço reservado à assinatura de “Sujeitos Passivos ou seus Representantes” – cfr. ficha de avaliação, a fls. 26 a 28 do PA apensado ao suporte físico dos autos;

8. Pelo ofício ….., entregue a 09 de Abril de 2010, foi enviado ao Impugnante “Notificação da 2ª Avaliação” do prédio referido em 1) – cfr. ofício, junto com a petição inicial como documento 6, a fls. 38 do suporte físico dos autos;

9. A petição inicial que deu origem ao presente processo foi enviada, por fax, para “Repartição de Finanças de Lisboa 10”, no dia 08 de Julho de 2010 – cfr. folha de rosto e petição inicial, a fls. 2, 76 e 77 do suporte físico dos autos”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Factos não provados

Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, quaisquer outros factos”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes e indicada a seguir a cada um dos factos.

O facto provado 8) decorre ainda do acordo das partes quanto à data de notificação da segunda avaliação”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Entende a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, porquanto não se verifica qualquer irregularidade e, ainda que a mesma ocorresse, degradar-se-ia em formalidade não essencial.

Vejamos.

Com a reforma da tributação do património, de 2003, operou-se uma profunda alteração em termos de avaliação dos prédios urbanos.

Como resulta do preâmbulo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12 de novembro, um dos objetivos desta reforma foi o de aproximar o valor tributário dos prédios ao seu valor de mercado. Citando:

“O sistema de avaliações até agora vigente foi criado para uma sociedade que já não existe, de economia rural e onde a riqueza imobiliária era predominantemente rústica. Por essa razão, o regime legal de avaliação da propriedade urbana é profundamente lacunar e desajustado da realidade atual.

(…) Com este Código opera-se uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana. Pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em fatores objetivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjetividade e discricionariedade do avaliador.

(…) Foram acolhidas, no essencial, as recomendações do relatório da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal, bem como os critérios do anteprojeto do Código de Avaliações elaborado em 1991, atualizados mais tarde no âmbito da Comissão da Reforma da Tributação do Património, considerando-se, nomeadamente, a relevância do custo médio de construção, da área bruta de construção e da área não edificada adjacente, preço por metro quadrado, incluindo o valor do terreno, localização, qualidade e conforto da construção, vetustez e caraterísticas envolventes.

Estes fatores são complementados com zonamentos municipais específicos, correspondentes a áreas uniformes de valorização imobiliária, com vista a impedir a aplicação de fatores idênticos independentemente da localização de cada prédio e de cada município no território nacional.

(…) Os objetivos fundamentais das alterações propostas são, pois, o de criar um novo sistema de determinação do valor patrimonial dos imóveis, o de atualizar os seus valores e o de repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária, principalmente no plano intergeracional.

(…) Os prédios urbanos novos e os que forem transmitidos no domínio de vigência do CIMI serão objeto de avaliação com base nas novas regras de avaliação …”.

Assim, nos termos do art.º 7.º do CIMI, o valor patrimonial tributário (VPT) dos prédios é fixado nos termos definidos naquele código, decorrendo do n.º 4 do seu art.º 37.º que a avaliação se reporta à data do pedido de inscrição do prédio na matriz.

Em relação aos prédios urbanos, é desde logo de chamar à colação o art.º 38.º do CIMI, nos termos do qual (redação à época):

“1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afetação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior”.

Os elementos que integram a fórmula de cálculo do VPT são elementos cuja definição é bastante objetiva, sendo, pois, diminuta a margem de discricionariedade da administração na fixação do VPT.

Como referido por José Maria Fernandes Pires[1]:

“O novo sistema de avaliações do IMI assenta em critérios e coeficientes de avaliação que são objectivos e demonstráveis. Essa objectividade foi assegurada pelo legislador, que plasmou na Lei todos os coeficientes de avaliação, tipificando-os minuciosamente.

O Código do IMI enuncia de forma especificada todos os factores que condicionam a determinação do valor patrimonial, descrevendo-os e definindo-os de forma detalhada, com a preocupação clara de evitar que a sua interpretação conduza a valores divergentes, conforme os serviços ou as pessoas que efectuem a avaliação. Essa enunciação é tipificada e exaustiva, pelo que todos os coeficientes de avaliação estão previstos na Lei, não podendo os avaliadores usar quaisquer outros factores em cada avaliação que efectuarem.

Além dessa tipificação exaustiva dos coeficientes-de avaliação, a Lei preocupa-se ainda em fixar, relativamente a cada um deles, a respectiva quantificação, estabelecendo a medida da sua contribuição individual para a determinação do valor patrimonial tributário resultante da avaliação.

Esta objectivação na Lei dos coeficientes de avaliação é também um importante factor de transparência do sistema, dado que todos os cidadãos interessados podem verificar como se efectua a avaliação, sendo possível que cada um possa prever qual o valor resultante da aplicação dos coeficientes legais aos prédios de que são titulares. (…)

A objectividade e transparência do sistema de avaliações permitem ainda eliminar os factores de subjectividade e discricionariedade dos avaliadores e da administração fiscal”.

Em termos de procedimento e no que respeita exclusivamente aos prédios urbanos, temos que, sendo efetuada a 1.ª avaliação de um prédio, caso o sujeito passivo discorde da mesma, cabe-lhe requerer 2.ª avaliação.

Os termos de realização desta 2.ª avaliação estão previstos no art.º 76.º do CIMI.

Assim, a mesma deverá ser realizada por uma comissão, constituída por um perito regional, designado pelo diretor de finanças, por um vogal nomeado pela câmara municipal e pelo sujeito passivo ou seu representante.

Por outro lado, atenta a remissão para os n.ºs 3 a 6 do art.º 74.º do CIMI, é de salientar que o perito regional tem apenas voto de qualidade, devendo conformar-se com um dos laudos.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como resulta provado, a ficha da 2.ª avaliação apenas foi assinada pelo perito regional e pelo vogal designado pela câmara municipal, não contendo a mesma a assinatura do sujeito passivo ou seu representante.

Considerou o Tribunal a quo, a este propósito, que se verifica preterição de formalidade, porquanto a falta de assinatura do representante do sujeito passivo não permite considerar que o procedimento se mostre concluído.

Desde já se adiante que se acompanha este entendimento.

Como decorre da factualidade assente, não obstante ter sido realizado um termo de 2.ª avaliação onde foi declarada que foi realizada uma segunda avaliação a 19.03.2010, a ficha de segunda avaliação (seja qual for o motivo subjacente a tal circunstância) tem data ulterior (21.03.2010) e não se mostra assinada pelo sujeito passivo.

Esta circunstância configura-se como irregularidade, porquanto não existe qualquer elemento que permita confirmar que os dados ali constantes foram efetivamente objeto de acordo – designadamente por parte do sujeito passivo, que não assinou nem aquele nem qualquer outro documento onde conste a concreta avaliação.

Portanto, sem dúvida que estamos perante uma irregularidade procedimental passível de inquinar o ato de vício invalidante.

Considera, no entanto, a Recorrente que esta irregularidade não é invalidante, designadamente atendendo à teoria do aproveitamento do ato.

Nos termos da mencionada teoria, à época ainda não objeto de positivação legal, ao contrário do que sucede atualmente, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma. Assim, quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado[2].

Ora, consideramos que tal teoria não é aplicável in casu.

Com efeito, compulsado o procedimento administrativo verifica-se que do mesmo não constam quaisquer laudos, o que não permite aferir se o resultado constante da ficha corresponde àquele que terá sido acordado.

Por outro lado, o termo de 2.ª avaliação não contém qualquer elemento atinente ao específico cálculo de tal avaliação, constando este apenas da mencionada ficha datada de momento ulterior.

Ou seja, não resulta dos elementos facultados e nos quais há inequivocamente intervenção do sujeito passivo que o valor acordado corresponda àquele específico valor mencionado no documento a que se refere 6) do probatório.

O termo, na verdade, refere-se a uma ficha que não existe no procedimento, porquanto as respetivas datas são não coincidentes e a data do termo é anterior à do documento referido em 6).

Ou seja, não existem nos autos quaisquer elementos que permitam concluir pela garantia da correção dos valores constantes do mencionado documento, tal como refere o Tribunal a quo, o que é tanto mais relevante que, no caso em concreto, o Recorrido refere que o coeficiente de qualidade construtiva ali constante é distinto do acordado.

Aliás, refira-se a este propósito que, quanto a este coeficiente de qualidade construtiva, o Recorrido refere na sua petição que o mesmo se fixou em 0,010 na reunião efetuada (cfr. o art.º 10.º), o que a FP confirma, na informação para que remete a contestação (cfr. o seu art.º 12.º). No entanto, do documento referido em 6), a esse respeito, consta o coeficiente 0,020.

Isto é, não é possível concluir, com a segurança exigível, que, caso tal irregularidade não tivesse ocorrido, o ato fosse exatamente o mesmo, justamente em virtude de, segundo o Recorrido, o acordado quanto ao coeficiente de qualidade construtiva não corresponder ao constante da ficha.

Logo, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de junho de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


_________________________
[1] José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 37 e 38.
[2] Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS).