Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06722/10
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/14/2010
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
PROCESSO CRIME PENDENTE
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I – O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio [artigo 3º, nº 1 da Lei nº 25/94).

II – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros, a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa [alínea b) do artigo 9º da Lei nº 37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4].

III – Não constitui obstáculo à dedução do pedido de oposição à aquisição da nacionalidade, com base em sentença crime, o facto desta ainda não ter transitado em julgado, devendo em tal caso, após a citação do requerido, aguardar-se a decisão final do processo crime, o que processualmente se alcança através da suspensão da instância, nos termos previstos no artigo 279º, nº 1 do CPCivil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
A Digna Magistrada do Ministério Público junto do TAC de Lisboa veio interpor recurso jurisdicional da sentença daquele tribunal, datada de 23-10-2009, que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, por si intentada contra A..., de nacionalidade caboverdiana, natural de São Nicolau Tolentino, Cabo Verde, e residente no ..., …., Amadora.
Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
1. O requerido encontra-se a ser julgado no 2º Juízo Criminal de Lisboa pela prática de um crime de roubo + arma de fogo, punível com pena de prisão de máximo superior a três anos.
2. Existindo a susceptibilidade de vir a verificar-se o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, previsto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, deduziu-se oposição e requereu-se que, após a citação do requerido, se aguardasse a decisão final do processo-crime.
3. Assim não entendeu o Tribunal «a quo», que julgou improcedente a oposição, por falta de prova do fundamento invocado.
4. Não obsta, todavia, à dedução da oposição à nacionalidade o facto de ainda não existir sentença crime transitada em julgado.
5. Nada impedia, com efeito, que após a citação do requerido, ao abrigo do nº 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil, a instância fosse suspensa até que viesse a ser proferida decisão final no processo-crime.
6. Ao decidir de modo diverso, o Tribunal «a quo» violou os citados preceitos.
7. Pelo que deve ser revogada a sentença recorrida e decidir-se suspender a instância até que venha a ser proferida decisão final no processo-crime” [cfr. fls. 79/86 dos autos].
O recorrido não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada, com base nos documentos juntos aos autos, a seguinte factualidade:
i. O requerido nasceu a 15 de Julho de 1944 em São Nicolau Tolentino, Cabo Verde, filho de B...de nacionalidade cabo-verdiana – cfr. fls. 11/12 dos autos.
ii. Em 15 de Outubro de 1980, na Chancelaria Consular da Embaixada de Cabo Verde em Lisboa o requerido contraiu casamento civil com a cidadã portuguesa C... nascida, também ela, em São Nicolau Tolentino – cfr. fls. 13/14 dos autos.
iii. Em 11 de Março de 2008, na Conservatória dos Registos Centrais, o requerido, em impresso “tipo”, prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 3º da Lei nº 37/81, de 3/10, com base no casamento que contraiu com a nacional portuguesa antes identificada.
iv. No quadro 2 daquele impresso assinalou, quanto à questão “Foi condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior e três anos?”, a menção “Não”.
v. Na sequência de diligências oficiosamente promovidas no âmbito do processo nº 16141/08-NACA da Conservatória dos Registos Centrais, instaurado com base na declaração a que se referem as anteriores alíneas, apurou-se que, na respectiva ficha da Polícia Judiciária, o requerido era referenciado como “«arguido», infracção «Roubo+com arma de fogo» – NUIPC000366/05.6PBAMD”.
vi. A fls. 53 dos autos consta cópia do ofício GF-2441/08 da Secção Central do TIC dirigido à Srª Conservadora dos Registos Centrais com data de 16-10-2008, no qual se informa que, por determinação da Srª Procuradora daquela Secção Central, o inquérito 366/05.6PBAMT03 da 5ª Secção do DIAP foi remetido a julgamento aos Juízos Criminais em 25-7-2007.
vii. Constando ainda dos autos, a fls. 61, cópia da informação de 18-12-2008 do 2º Juízo Criminal de Lisboa – 1ª Secção, dirigida à mesma Conservatória dos Registos Centrais na qual se diz “que os n/autos de processo comum [Tribunal Singular] nº 366/05.6PBAMD se encontram a aguardar a designação de data para continuação de realização de audiência de julgamento”.
viii. No âmbito do processo nº 16141/08-NACA foi remetida ao MP a certidão que consta de fls. 63 e 64 dos autos, cujo teor se dá como reproduzido na íntegra.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como se viu, o objecto do presente recurso jurisdicional é a sentença do TAC de Lisboa, datada de 23-10-2009, que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa intentada pelo Ministério Público, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 5º, 9º, alíneas a) e c), 10º, nº 1, 25º e 26º, da Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, e artigos 4º do DL nº 237-A/06, de 14/12, e 56º e segs. do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo mesmo DL.
Inconformado, o Ministério Público pede a revogação da sentença sob censura, alegando para tanto que o requerido encontra-se a ser julgado no 2º Juízo Criminal de Lisboa pela prática de um crime de roubo com arma de fogo, punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, existindo deste modo a susceptibilidade de vir a verificar-se o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, previsto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, pelo que nada impedia que, tal como foi requerido na petição inicial, após a citação do requerido, a instância fosse suspensa até que viesse a ser proferida decisão final no processo-crime, ao abrigo do nº 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil.
Vejamos então se assiste razão à Digna Recorrente.
Preliminarmente, importa delinear, ainda que sucintamente, as linhas que no nosso ordenamento jurídico constituem o núcleo do “direito da nacionalidade”, as quais encontram acolhimento na Lei nº 37/81, de 3/10 [sucessivamente alterada pela Lei nº 25/94, de 19/8, pelo DL nº 194/2003, de 23/8, pela Lei Orgânica nº 1/2004, de 15/1, republicada em anexo, e pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4] e, no Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro.
Um dos traços caracterizadores do nosso ordenamento jurídico, é a função que é reconhecida à vontade dos indivíduos em todas as vicissitudes que a relação da nacionalidade pode apresentar – vd., neste sentido, Rui Manuel Moura Ramos, “Do Direito Português da Nacionalidade”, 1992, a págs. 118 e segs. E, uma das situações em que a manifestação de vontade do interessado é relevante para a aquisição da nacionalidade portuguesa, é a contemplada no artigo 3º da Lei nº 37/81, cujo teor é o seguinte:
1 – O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio”.
Assim, tal como defende Rui Moura Ramos, na obra citada, a pág. 151, “o casamento não é mais do que um pressuposto de facto necessário dessa declaração – mas não é ele o elemento determinante da aquisição”.
Todavia, a lei não se basta com a declaração de vontade do cidadão estrangeiro, feita nos moldes descritos, uma vez que exige ainda, para que lhe possa ser concedida a nacionalidade portuguesa, que o Ministério Público não tenha deduzido oposição à aquisição de nacionalidade, ou caso a tenha, o tribunal venha a considerá-la improcedente.
Na sua versão originária, a Lei nº 37/81 prescrevia na alínea b) do artigo 9º, o seguinte:
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
[…]
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
[…]”.
Como decorre dos autos, a Digna Magistrada do Ministério Público requereu no final da petição inicial que, após a citação do requerido, o processo ficasse a aguardar a decisão relativa ao processo comum [Tribunal Singular] nº 366/05.6PBAMD, a correr termos no 2º Juízo Criminal de Lisboa – 1ª Secção, no qual aquele responde pela prática de crime de roubo com arma de fogo, punível, de acordo com a lei portuguesa, com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos.
A sentença recorrida, porém, considerando não estar provado o concreto fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa invocado pelo Ministério Público – a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos – desatendeu o pedido de suspensão da instância e julgou a acção improcedente, ordenando o prosseguimento do processo pendente na Conservatória dos Registos Centrais [cfr. fls. 69/73 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
Mas mal, como se procurará demonstrar.
Como se viu, a Digna Magistrada do Ministério Público, ciente de que ainda não estava verificado o fundamento de oposição que invocou para obstar a que o requerido adquirisse a nacionalidade portuguesa, requereu a suspensão da instância, após a citação daquele, por forma a que se aguardasse o trânsito da decisão relativa ao processo comum [Tribunal Singular] nº 366/05.6PBAMD, a correr termos no 2º Juízo Criminal de Lisboa – 1ª Secção, onde o requerido responde pela prática de crime de roubo com arma de fogo, punível, de acordo com a lei portuguesa, com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos.
E fê-lo com referência ao disposto no nº 1 do artigo 279º do CPCivil, segundo o qual “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
No caso presente, é inequívoco que a decisão da acção especial de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa está dependente do julgamento em curso no âmbito processo comum nº 366/05.6PBAMD, a correr termos no 2º Juízo Criminal de Lisboa – 1ª Secção, uma vez que caso a decisão a proferir nesse processo venha a ser de absolvição do requerido, o pedido na acção de oposição soçobrará e, inversamente, caso vier a ser de condenação, a oposição deduzida não poderá deixar de ser julgada procedente, por força da demonstração do fundamento de oposição previsto na alínea b) do artigo 9º da Lei nº 37/81, de 3/10.
E, finalmente, não constitui obstáculo à dedução do pedido de oposição à aquisição da nacionalidade com base em sentença crime, o facto desta ainda não ter transitado em julgado, devendo em tal caso, após a citação do requerido, aguardar-se a decisão final do processo crime, o que processualmente se alcança através da suspensão da instância, nos termos previstos no artigo 279º do CPCivil, tal como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-10-95, proferido no âmbito do processo nº 0082871, citado pela Digna recorrente.
Deste modo, impunha-se deferir o pedido de suspensão da instância, até ser proferida decisão final, com trânsito em julgado, no processo comum [Tribunal Singular] nº 366/05.6PBAMD, a correr termos no 2º Juízo Criminal de Lisboa – 1ª Secção, pelo que ao não ter determinado a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artigo 279º do CPCivil, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
Procedem, pois, todas as conclusões da alegação da Digna Magistrada do Ministério Público.

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do 2º Juízo do TCA Sul em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e determinar a suspensão da instância, ao abrigo do nº 1 do artigo 279º do CPCivil, até que seja proferida decisão final, com trânsito em julgado, no processo comum [Tribunal Singular] nº 366/05.6PBAMD, a correr termos no 2º Juízo Criminal de Lisboa – 1ª Secção.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Outubro de 2010

[Rui Belfo Pereira – Relator]