Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10694/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:09/11/2014
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PROVIMENTO – COMPENSAÇÃO POR CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I – A circunstância dos Decretos-Lei nºs 185/81, de 1/7, e 427/89, de 7/12, não preverem que se pagasse qualquer compensação aos trabalhadores pela caducidade dos seus contratos administrativos de provimento, em razão do decurso do prazo, correspondia a uma intenção do legislador e não consubstanciava uma lacuna legal, a carecer de integração nos termos do artigo 10º do Cód. Civil.

II – As diferenças entre aquele regime laboral de direito público e o de direito privado vedam que tal compensação, prevista no último, deva ser estendida ao primeiro por razões de igualdade.

III – O princípio constitucional da segurança no emprego não constitui base suficiente para que se reconheça o direito de auferir a mesma compensação aos trabalhadores sujeitos ao regime do contrato administrativo de provimento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
Rui ……………….., com os sinais dos autos, intentou no TAF de Beja contra a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Beja e contra o Instituto Politécnico de Beja uma acção administrativa comum, pedindo a condenação solidária dos réus a pagaram-lhe as quantias de € 18.955,52, a título de indemnização compensatória pela caducidade do contrato administrativo de provimento, acrescida dos juros vincendos à taxa em vigor, até integral e efectivo pagamento, e de € 103,87, a título de juros de mora calculados à taxa legal anual, vencidos, referentes à indemnização compensatória pela caducidade do aludido contrato administrativo de provimento.
O TAF de Beja, por sentença datada de 24-1-2013, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os réus a pagar ao autor “uma compensação nos termos previstos no artigo 388º, nºs 2 e 3 do Código do Trabalho, na redacção aplicável à data, com referência a um contrato que durou de 9 de Dezembro de 1997 a 20 de Março de 2008, e ao índice remuneratório em que se encontrava posicionado” [cfr. fls. 196/201 dos autos].
Inconformados, os réus recorrem para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
i. Os contratos administrativos de provimento que são objecto nos presentes autos foram celebrados única e exclusivamente ao abrigo de normas de direito público, nomeadamente o ECPDESP e o Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro.
ii. Tais normas corporizam um regime especial, com características e regras próprias, para a contratação de funcionários públicos distinta do regime laboral privado e sobre o qual essas normas de direito público devem prevalecer.
iii. Ao não se aplicar analogicamente os artigos 387º e 388º do Código do Trabalho não se está a incorrer em qualquer violação do princípio constitucional da igualdade [artigo 13º da CRP], mas sim a tratar diferentemente o que é distinto, conforme postula esse mesmo princípio.
iv. Não é possível lançar mão da analogia no caso em apreço, porquanto o regime aplicável – artigo 9º do Decreto-Lei nº 185/81, de 1 de Julho – responde [ainda que de forma negativa] à questão de saber se há ou não direito à indemnização do docente cujo contrato caducou.
v. Consistindo a prorrogação do contrato administrativo de provimento uma faculdade da Entidade Pública, que pode ou não consumar-se, o contratado apenas é possuidor de uma expectativa de renovação do contrato, não existindo, face a este enquadramento jurídico-legal, qualquer violação do princípio constitucional da segurança no emprego [artigo 53º da CRP].
vi. Inexistindo qualquer omissão legal que justifique aplicação analógica dos artigos 387º e 388º do Código do Trabalho de 2003, nos termos do artigo 10º do Código Civil, sob pena de violação do princípio basilar de aplicação da lei, nos termos do qual uma lei geral não revoga lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador [artigo 7º, nº 3, do CC], não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização compensatória por parte dos réus ao autor.” [cfr. fls. 220/227 dos autos].
O autor não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. O autor celebrou com o 2º réu no dia 9 de Dezembro de 1997, por um período de um ano, um contrato administrativo de provimento para prestar serviço na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Beja, na categoria de equiparado a assistente de 2º triénio.
ii. Este contrato foi renovado por duas vezes, a 9 de Dezembro de 1998 e a 9 de Dezembro de 2000, por um período de 2 anos, para prestar serviço na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Beja, na categoria de equiparado a assistente de 2º triénio, em regime de exclusividade.
iii. A 5 de Dezembro de 2001 o Secretário de Estado do Ensino Superior emitiu um despacho que homologava um parecer da auditoria jurídica que aplicava ao ora autor a pena de demissão traduzida na rescisão contratual prevista na alínea e) do artigo 14º do DL nº 185/81.
iv. O autor intentou recurso de anulação do acto administrativo em causa, que veio a correr termos na 2ª Subsecção do Tribunal Central Administrativo sob o nº 11184/02.
v. Nesses autos foi proferido acórdão, a 3 de Dezembro de 2003, o qual concedeu provimento ao recurso interposto pelo autor, anulando o acto do Secretário de Estado do Ensino Superior de 5 de Dezembro de 2001.
vi. Face à inexecução do acórdão do Tribunal Central Administrativo o autor intentou um processo de "execução de sentença de anulação de acto administrativo" que correu termos sob o nº 131/04, no 2º Juízo, 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo.
vii. Neste processo foi proferido acórdão que determinou "Pagar ao exequente todas as quantias por este deixadas de auferir em face da decisão de demissão [anulada], sendo este valor uma operação aritmética que consiste em multiplicar os vencimentos mensais e subsídios do exequente, nos valores à data da demissão, pelo número de meses que se passaram desde a data em que foi demitido [...] Reintegrar o exequente no cargo e funções que exercia na altura da demissão, colocando-o no posto ou em idênticas funções que exercia em face do vínculo contratual se ter reposto pelo acórdão anulatório".
viii. À data da prática do acto anulado o autor exercia as funções de assistente de segundo triénio, em regime de exclusividade, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Beja.
ix. O autor exerceu funções docentes na 1ª ré entre 9 de Dezembro de 1997 e 17 de Dezembro de 2001.
x. De acordo com os dados constantes do processo disciplinar a 1ª ré considerou que o autor violou o regime de exclusividade entre 17 de Dezembro de 1997 e 4 de Janeiro de 2001.
xi. Entende o autor que entre 5 de Janeiro de 2001 até à data em que lhe foi aplicada a pena disciplinar, é de considerar que exerceu funções em regime de exclusividade.
xii. Aquando da reintegração, o autor foi-o na categoria de assistente de segundo triénio, em regime de tempo integral mas sem exclusividade.
xiii. Entende o autor que no âmbito da reconstituição actual hipotética que deve ser efectuada em execução de julgado de acto administrativo que foi anulado, a 1ª ré está vinculada a essa prolação sob pena de se mostrar frustrada a execução integral da sentença e prejudicado o exequente pela (in)acção da Administração.
xiv. Deste modo sustenta que a sua reintegração na categoria de equiparado a assistente de 2º triénio mas sem exclusividade consubstancia uma inexecução do acórdão proferido.
xv. Em defesa desse mesmo entendimento, o autor requereu processo de execução de sentença que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o nº 536/08.5 BELSB – Execução [antiga].
xvi. De acordo com o entendimento do autor, o exercício de funções em tempo integral e em regime de exclusividade devia ser remunerado de acordo com o índice 145, ou seja, devia receber a título de remuneração o valor de 2.306,52 €.
xvii. O autor recebia a título de remuneração a quantia de 1.537,68 € pago pela 1ª ré.
xviii. Datada de 11 de Fevereiro de 2008, o 2º réu enviou ao autor uma carta na qual lhe comunica a não renovação do seu contrato administrativo de provimento em consequência do que o mesmo caducou no dia 20 de Março de 2008.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Através da acção dos autos, o ora recorrido – que, desde 1997, celebrou com o réu e aqui recorrente vários contratos administrativos de provimento para a prestação de serviços de docência, vigorando o último desses contratos entre 1/2/2005 e 31/3/2005 – formulou dois pedidos: «primo», o de reconhecimento de que a sua ligação contratual ao réu persistiria até 25/6/2006, prorrogável por mais dois anos, razão por que deveria ser nele reintegrado (como Assistente do 2.º triénio) e auferir as retribuições correspondentes, acrescidas de juros de mora; «secundo» – e este pedido, apesar de formulado «em alternativa», é deveras subsidiário do anterior – o de condenação do réu a pagar-lhe uma «indemnização compensatória», que seria proporcional ao tempo de serviço atendível e que o autor computou em cinco anos.
O TAF de Castelo Branco recusou que o autor tivesse direito àquelas reintegração (e aos vencimentos e juros que se lhe seguiriam) e indemnização compensatória. E, quanto a esta, afirmou que a licitude da cessação do último contrato excluía, «de plano», qualquer direito de indemnização.
O autor conformou-se com a improcedência do pedido principal. Mas insistiu junto do TCA-Sul pelo seu direito à aludida compensação, argumentando com a CRP e com o Código do Trabalho.
E essa argumentação vingou no TCA. Com efeito, e após considerar nula a sentença por esta ter conhecido do direito à indemnização compensatória fora do quadro jurídico que seria o apropriado, o aresto «sub specie» entendeu que a falta de previsão legal dela aquando do «terminus» do último contrato traduzia uma genuína «lacuna legis», detectável através de princípios e normas constitucionais e da regulamentação posterior dos casos do género, lacuna que deveria ser preenchida por aplicação analógica do antigo art. 388º do Código do Trabalho (correspondente ao actual art. 344º desse diploma). E, nesta conformidade, o acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso, declarou nula a sentença e condenou o réu a pagar ao autor a aludida indemnização compensatória, a calcular por referência a um contrato que durou desde 15/2/2001 até 31/3/2005.
A questão já foi abordada no recente acórdão do STA, de 28-2-2013, proferido no âmbito do recurso de revista nº 01171/12, nos termos e a seguir se expõem:
[…]
Na presente revista, o recorrente diz duas essenciais coisas: que não há qualquer lacuna justificativa de que, por analogia, se reconheça ao recorrido o direito à compensação prevista no Código do Trabalho; e que, se assim não fosse, a indemnização compensatória só poderia ser calculada relativamente ao tempo de duração do último contrato celebrado entre as partes – que apenas vigorou entre 1/2/2005 e 31/3/2205.
Comecemos pela primeira dessas «quaestiones juris», cuja resolução pode prejudicar o conhecimento da segunda. Diz-nos a matéria de facto que, desde 16/4/97, as partes celebraram entre si sucessivos contratos administrativos de provimento pelos quais o recorrido prestou ao recorrente serviços docentes. Interessam-nos sobretudo os contratos desse tipo que vigoraram após 2001. Assim, em 15/2/2001, foi celebrado um contrato administrativo de provimento pelo período de três anos e com começo em 1/2/2001, pelo qual o recorrido prestou ao recorrente serviços enquadráveis na categoria de equiparado a Assistente do 2.º triénio. Esse contrato foi prorrogado por outro, celebrado em 7/4/2004 e produtor de efeitos entre 1/2/2004 e 31/1/2005. E, em 18/2/2005, as mesmas partes celebraram novo contrato administrativo de provimento, por urgente conveniência de serviço, que vigoraria entre 1/2/2005 e 31/3/2005, acordo por que o aqui recorrido exerceu as funções correspondentes à categoria de equiparado a Assistente.
No clausulado deste contrato – que, sendo o último, é aqui decisivo – disse-se que as «disposições legais aplicáveis» eram os arts. 9º do DL n.º 185/81, de 1/7, e 15º e 16º do DL n.º 427/84, de 7/12. Mas, como a recorrente assinalou nos autos, a alusão àquele art. 9º, em vez do art. 8º do mesmo diploma, adveio de um «lapsus calami» óbvio, tanto em face da «proposta de contratação» respectiva, como à luz do tipo contratual utilizado. Com efeito, e na medida em que foi celebrado «por urgente conveniência de serviço», o contrato incluiu-se na previsão do art. 13º do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (aprovado pelo DL n.º 185/81). E esse artigo remete para o art. 8º do diploma (daí a equiparação do ora recorrido «a assistente» – n.º 2), o que também explica a celebração do contrato «por período de duração inferior a um ano» («vide» o art. 12º, n.º 3, do diploma).
É, pois, fora de dúvida que o regime legal desse último contrato se colhia directamente em tais normas do Estatuto aprovado pelo DL n.º 185/81. E que, ademais, ele se reportava de maneira indirecta às regras do contrato administrativo de provimento, previstas nos arts. 15º e 16º do DL n.º 427/89, de 7/12, então em vigor.
Nesse regime, os contratos do género caducavam no fim do prazo previsto, se não fossem prorrogados ou renovados. É o que se depreende do disposto no DL n.º 185/81; mas, ainda que tivéssemos dúvidas a tal respeito, sempre teríamos de aceitar aquela proposição, pois o segmento da sentença do TAF onde se afirmou isso já transitou em julgado. Portanto, resta apurar se o regime jurídico aplicável impunha que, a uma tal caducidade, se seguisse o direito do agente contratado a uma compensação pelo fim do contrato.
Essa possibilidade não estava contemplada nos DL’s ns.º 185/81 e 427/89. E o aresto recorrido, achando que razões de igualdade (relativamente aos trabalhadores do direito laboral privado) e de justiça a justificavam, entreviu aí uma lacuna, a preencher por analogia.
Mas tal lacuna é fantasiosa e a mera suposição dela afronta o que se estabelece no art. 9º, n.º 3, do Código Civil. Salta à vista que o autêntico motivo para esses dois diplomas não terem contemplado o direito à compensação, agora em apreço, radica no intuito do legislador de o não consagrar, nem conceder. E o facto do legislador da Lei n.º 59/2008, de 11/9 (que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas) haver reconhecido, para o futuro, um direito congénere para os casos de caducidade dos contratos a termo certo (cfr. art. 252º) não significa que, anteriormente, a questão fora e permanecesse esquecida; e significa, sim, que o legislador optou em 2008 por inovar em tal domínio. Ora, não havendo a lacuna que o TCA divisou, desaparece o fundamento básico da aplicação analógica efectuada pelo aresto recorrido.
Por outro lado, não há razões constitucionais, designadamente advindas dos princípios da igualdade ou da segurança no emprego, que decisivamente condenem a anterior falta de previsão de compensações em favor dos trabalhadores cujos vínculos contratuais de direito público caducassem. Desde logo, porque as diferenças então havidas entre os sectores laborais público e privado logo afastam que, convicta e objectivamente, aqui raciocinemos a partir da ideia de igualdade. Depois, porque a aludida «segurança no emprego» só muito marginalmente se articula com aquela compensação – pois só é possível ligar uma à outra na medida em que a compensação imposta «ex lege» iniba a entidade patronal de não continuar o contrato. É que a compensação não assegura, «a se», o emprego, até porque somente emerge quando ele cessa; e seria absurdo que tomássemos como anterior a um facto ou estado – no caso, a «segurança no emprego» – aquilo que lhe é consequencial e posterior. Sendo assim, temos que a «segurança no emprego» não constitui uma premissa idónea à construção de um raciocínio constringente que concluísse ao contrário do que o legislador, ainda que «a silentio», perfilhou.
Em suma: nem existe a lacuna que o TCA entreviu – e que é fruto de se substituir o que a lei dispôs por aquilo que se gostaria que ela dispusesse – nem a falta de previsão do pretenso direito à compensação fere de algum modo a CRP, fazendo ressurgir a lacuna ou originando uma inconstitucionalidade por omissão”.
Pelo que procedem as conclusões do recorrente que tratam o ponto que esteve em apreço, o que prejudica o conhecimento do demais e impõe que se revogue já o aresto «sub censura».

III. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando totalmente improcedente a acção administrativa comum dos autos.
Custas pelo recorrido, na 1ª instância e neste TCA Sul.
Lisboa, 11 de Setembro de 2014

[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Catarina Jarmela – em substituição]
[Carlos Araújo]