Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1613/17.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/07/2019
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA.
ARTIGO 9.º AL. B) DA LEI DA NACIONALIDADE.
Sumário:I – O fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a que alude o artigo 9.º al. b) da Lei da Nacionalidade exige apenas e só que o crime pelo qual o interessado foi condenado preveja pena de prisão igual ou superior a 3 anos, sendo totalmente irrelevante a pena que em concreto foi aplicada pelo tribunal criminal e, por conseguinte, inadmissíveis avaliações casuísticas dos factos e da condenação penal.

II – Não existe colisão entre a consideração da moldura penal em abstracto como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade e o artigo 30.º, n.º 4 da CRP, porquanto o critério do legislador em detrimento do critério do julgador, em matéria de nacionalidade, oferece menos riscos do que uma reavaliação casuística que, em última análise, importará lesão do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO


E…., com sinais nos autos, inconformada com a sentença do TAC de Lisboa, de 13 de Novembro de 2017, que julgou procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e em consequência determinou o arquivamento do respectivo processo na Conservatória dos Registos Centrais, veio interpor para este TCAS o presente recurso jurisdicional e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

“ I. É nula, a sentença, porquanto o juiz não se pronunciou sobre questão jurídica suscitada – inconstitucionalidade – nos art.ºs 26.º e 27.º da Contestação da Requerida, aqui Recorrente, nos termos al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, ex vi o artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

II. A ter sido apreciada, conduziria a uma decisão improcedente quanto à oposição à aquisição da nacionalidade.

III. Nomeadamente procederia a apreciação casuística (como se defende no TC Acórdão n.º 331/2016 do Tribunal Constitucional proferido no Processo n.º 1155/2014 e publicado a 14 de junho de 2016 no Diário da República, consultável em www.dre.pt) por oposição à aplicação automática da verificação objectiva.

IV. Onde parece ser defendida, não só a reabilitação administrativa, mas também a reabilitação judicial, por aplicação do instituto da dispensa da pena, que também deve, (nos termos da Lei n.º 37/2015, de 5/5) ser transcrita para o Registo criminal.

V. Aliás, afinal a condenação não é problema, basta a Recorrente esperar até 2019, quando perfaz 5 anos e terá direito à Nacionalidade, já estará reabilitada.

VI. Só se saberá se estará reabilitada se for apreciada casuisticamente. Não podem ser irrelevantes os muitos anos que vive em Portugal, ser casada com um português, ser mãe de portugueses, onde tem vínculos afectivos, paga os seus impostos, contribui ativamente para o desenvolvimento do Estado.

VII. Nestes termos, entende a Recorrente que tendo sido condenada em pena de multa (posteriormente substituída por trabalho a favor da comunidade – e mesmo que não fosse substituída), tem de ter o mesmo efeito que o instituto da dispensa da pena.

VIII. Aliás como já alguma jurisprudência defendeu e que atribui nacionalidades, o STA, no Acórdão n.º 076/12 de 5 de fevereiro de 2013, consultável em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/347c740369c7cbfa80257b200050242e?OpenDocument&ExpandSection=1

IX. Conclui-se como na contestação, devendo-se julgar inconstitucional a norma que se extrai da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, segundo a qual constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, quando foi aplicado o mecanismo da substituição da pena de prisão pela pena de multa nos terms do art.º 43.º do CP, por violação do artigo 30.º, n.º 4 da CRP e igual violação do direito a mudar de nacionalidade, previsto no n.º 2 parte do n.º 2 do art.º 15.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável ex v art.º 8.º da CRP: “Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade” direito originário do cidadão estrangeiro a requerer a Nacionalidade Portuguesa.

X. E como consequência conceder a Nacionalidade à Requerente por não se aplicar aquele normativo.”


O ora Recorrido Ministério Público contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

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II - DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto pertinente á a constante da sentença recorrida, a qual de dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, nº 6 do CPC, aplicável ex vi , artigos 1.º e 140.º do CPTA..

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III - DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Veio o presente recurso interposto sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e em consequência determinou o arquivamento do processo da ora Recorrente na Conservatória dos Registos Centrais.

Em síntese, a Mma. Juiz a quo entendeu que tendo a Requerida sido condenada por crime punível, em abstracto, com pena de prisão até 4 anos e ainda não tendo decorrido o prazo para o cancelamento definitivo da decisão, julgou procedente a presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.
Discorda deste entendimento a Recorrente ao invocar, desde logo, a nulidade da sentença prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto o juiz não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da norma que se extrai da al. b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, além de sustentar que tendo sido condenada em pena de multa, deve beneficiar do efeito previsto no instituto da dispensa de pena.

Vejamos o que se nos oferece dizer.
Assiste desde logo razão à Recorrente que alega na conclusão I) da sua alegação alega que “É nula, a sentença, porquanto o juiz não se pronunciou sobre questão jurídica suscitada – inconstitucionalidade – nos art.ºs 26.º e 27.º da Contestação da Requerida, aqui Recorrente, nos termos al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, ex vi o artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”
No entanto, a Mma. Juiz a quo em despacho sustentado proferido em 6 de Abril de 2018 , pronunciou-se sobre a questão nos termos que se expõem: “(…) Cumpre referir que pertence ao Tribunal Constitucional a competência para julgar inconstitucional um norma (cfr. artigo 281.º, n.º 1, al. a) da CRP).
Quanto ao invocado no artigo 27.º da contestação “Inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos”, considera o Tribunal que a aplicação da norma ao caso concreto não infringe o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados, porque a relevação da moldura penal abstracta fixada no tipo de crime foi conjugada com o instituto da reabilitação legal e de direito.
Ante o exposto, a decisão proferida mantém-se”.
Ora tendo em consideração que as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre o decidido e nada disseram no prazo legal, consideramos sanada a invocada nulidade por omissão de pronúncia constante da conclusão I) da alegação da Recorrente.

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A questão a dilucidar nos presentes autos prende-se em saber se o fundamento de oposição em causa constante do artigo 9.º al. b) da Lei da Nacionalidade, na redacção da Lei Orgânica n.º 19/2015, de 27 de Julho, é de aplicação vinculada, bastando-se a sua verificação objectiva para a oposição proceder, sendo irrelevante a pena efectivamente aplicada ao caso concreto, salvaguardando questões relacionadas com o instituto de reabilitação (cessação de efeitos no registo criminal). Em segundo lugar, importa apurar da conformidade constitucional dessa mesma leitura, nomeadamente perante o artigo 30.º, n.º 4 da CRP e o artigo 15.º, n.º 2, 2ª parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH).

Vejamos quanto à primeira questão.
Dispõe o artigo 9.º, al. b) citado, que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
As situações elencadas no artigo 9.º da Lei da Nacionalidade consubstanciam situações de facto, mas cuja constatação exige o recurso ao juízo administrativo, e uma vez declarado (com trânsito em julgado) constitui um obstáculo ao deferimento do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa.
Convém referir que neste tipo de acções de oposição o que se pede para apreciar e julgar são situações de facto em que tais fundamentos se traduzem.
Isto, desde logo, atento o teor literal da al. b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade que não deixa grande margem ao intérprete na medida em que o que releva é a moldura penal abstracta, e não a pena efectivamente aplicada. Com efeito, resulta do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil que “Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal”.
Ora, quando a norma em questão fala em crime punível está necessariamente a referir-se à moldura penal abstracta e não a qualquer outra realidade punitiva (veja-se neste sentido o Acórdão do STA de 25.02.2016 in Proc. nº 1262/15, disponível em www.dgsi.pt, devidamente citado na sentença recorrida).
Pelo exposto, quanto à questão enunciada em primeiro lugar, concluímos que o fundamento de oposição a que alude o artigo 9.º al. b) citado exige apenas e só que o crime pelo qual o interessado foi condenado preveja pena de prisão igual ou superior a 3 anos, sendo totalmente irrelevante a pena que em concreto foi aplicada pelo tribunal criminal e, por conseguinte, inadmissíveis avaliações casuísticas dos factos e da condenação penal.

A segunda questão prende-se, em primeiro lugar como referimos supra, com a conformidade do artigo 9.º, al. b) da Lei da Nacionalidade, no sentido supra exposto, com o artigo 15.º, n.º2, 2ª parte da DUDH.
Dispõe com efeito o referido artigo 15.º, no seu n.º 1, que “ Todo o homem tem direito a uma nacionalidade” e no seu n.º 2 que “ Ninguém será arbitrariamente privado da sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade".
O que parece resultar evidente da norma em apreço é a salvaguarda do acesso à nacionalidade através de um Regulamento inserido num sistema normativo prévio, a cargo do órgão legislativo do Estado, com previsão de garantias bastantes de legalidade e isenção.
Na legislação portuguesa, a previsão de um impedimento ao acesso à nacionalidade – para quem já tem uma outra nacionalidade de origem – directamente relacionada com uma moldura penal aplicável a um facto criminoso comprovadamente da autoria do interessado (por decisão transitada em julgado), não se pode classificar como um impedimento arbitrário ou discricionário. Pelo contrário, relaciona-se com uma previsão legal, regra geral em lei de carácter reforçado, e numa avaliação feita por um tribunal, ainda que noutra sede (penal).
Por conseguinte, quanto à conformidade do entendimento expresso na sentença com aquela norma de direito internacional, não se nos afigura que exista qualquer lesão ou violação da mesma.

Em segundo lugar, importa aferir da conformidade da leitura da norma com o artigo 30.º, n.º 4 da CRP, sendo de referir a propósito que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre tal, em decisões aparentemente opostas: o Acórdão n.º 106/2016, de 30 de Março de 2016, e o Acórdão n.º 331/16, de 19 de Maio de 2016.
Na primeira decisão citada o Tribunal Constitucional não viu colisão entre a consideração da moldura penal em abstracto como critério de oposição à aquisição da nacionalidade e o artigo 30.º, n.º 4 da CRP, optando claramente pelo critério do legislador ao critério do julgador, na definição dos fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade “ sem margem para uma apreciação casuística”.
Já na decisão mais recente o mesmo Tribunal não deixou de afirmar que o princípio da proibição de efeitos automáticos das condenações penais constante do artigo 30.º, n.º 4 da CRP impede que o juiz aplique o fundamento de oposição previsto na al. b) do artigo 9.º de forma automática, antes dele exigindo a ponderação “das circunstâncias do caso concreto”.
Em nosso entender permanece válida a argumentação do primeiro Acórdão citado, ou seja o critério do legislador, em matéria da nacionalidade, na medida em que oferece menos riscos do que a reavaliação casuística, nomeadamente com a invocação do conceito espúrio como seja o da “ indesejabilidade” da pessoa. A tese do Acórdão n.º 331/2016 admitindo a reavaliação, pelo juiz administrativo, do caso julgado pelo juiz penal, importa ainda o risco de importação de mais critérios de subjectividade para o Direito da Nacionalidade, de que o conceito de “ligação efectiva à comunidade nacional” é o expoente máximo, risco que um última análise importará lesão do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP.
Mas mesmo admitindo prevalecente a argumentação do Acórdão n.º 331/2016, a situação concreta do interessado foi ali uma dispensa da pena, ao passo que no caso em apreço foi aplicada pena de prisão substituída por multa, destarte situações diversas.
Por último, se é verdade que em caso de cessação dos efeitos da condenação no registo criminal o fundamento de posição em causa deixa de ser pertinente, também não é menos verdade que os elementos do processo, nomeadamente o registo criminal mais recente da interessada não tem sequer averbada a extinção da pena.

Termos em que, improcedendo as demais conclusões da alegação da Recorrente, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.

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IV – DECISÃO

Acordam, pelo exposto, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida

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Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário requerido e da decisão que venha a recair sobre o mesmo.


Lisboa, 7 de Março de 201

António Vasconcelos

Sofia David

Paula de Ferreirinha Loureiro