Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11434/14
Secção:CA -2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL, INTERESSADOS, NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo legal a contar da notificação dos interessados.
II - Interessado é quem dispõe de legitimidade (procedimental) para intervir no procedimento aberto pela entidade administrativa.
III - O nº 3 do artigo 59º do CPTA não se aplica aos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado, como é o caso de quem foi convidado a participar e participa num procedimento pré-contratual.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
· R……, S.A., com os demais sinais nos autos, intentou
Processo cautelar contra
· MUNICIPIO DE OURIQUE.
Pediu ao T.A.C. de Beja o seguinte:
- Suspensão de eficácia do acto de adjudicação das concessões de carreira de serviço público de transporte rodoviário de passageiros no Município de Ourique, atribuídas originariamente pelo Estado Português através da extinta Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, pedindo cumulativamente a suspensão da eficácia do contrato adjudicado.
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Por decisão cautelar de 10-6-2014, o referido tribunal decidiu julgar improcedente o pedido cautelar.
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Inconformada, a requerente recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objecto a Sentença que veio julgar improcedente a providência cautelar por alegada a caducidade do direito de acção da Recorrente relativamente à impugnação do Acto de Adjudicação e respectivos actos subsequentes, incluindo, se for o caso, do respectivo contrato de prestação de serviços.
B. O TAFB cometeu um grave erro de julgamento, tanto no plano dos factos, como no do Direito.
C. Na Sentença diz o TAFB que a Recorrente em 19.08.2013 tomou conhecimento do Acto de Adjudicação, o que não corresponde à verdade e nem sequer consta dos pontos A. a Q. que contêm a matéria de facto dada como provada pelo TAFB.
D. Em 19.08.2013 a Recorrente não sabia - nem formal, nem informalmente - do Acto de Adjudicação, ou seja, que o serviço de transporte escolar no ano lectivo de 2013/2014 tinha sido adjudicado à empresa E……, Lda., nem existe qualquer facto nos autos (e muito menos na Sentença) que demonstre que em 19.08.2013 a Recorrente teve conhecimento do Acto de Adjudicação.
E. A Sentença comete assim um erro grosseiro, porque uma coisa é os serviços da Câmara Municipal de Ourique terem informado informalmente a Recorrente em 19.08.2013 de que não seria esta a realizar o referido serviço de transporte escolar, outra bem diferente é a informação sobre a quem havia sido adjudicado tal serviço.
F. Em 19.08.2013 — e ao contrário do que refere a Sentença — nunca a Recorrente poderia ter atacado, fosse por via da acção, fosse por via do requerimento de medidas cautelares, o Acto de Adjudicação, porque o desconhecia na totalidade.
G. A Recorrente tomou conhecimento da adjudicação pela Câmara Municipal de Ourique à E……, Lda., em dois momentos diferentes: (i) em 13.09.2013 quando a Recorrente constatou visualmente no terreno que havia autocarros da E……., Lda. a realizar os percursos escolares (como consta da alínea O) da matéria provada); (ii) em 11.11.2013 quando a Câmara Municipal de Ourique veio juntar aos autos o processo administrativo relativo ao procedimento por ajuste directo que deu origem ao Acto de Adjudicação e nesta data, pela primeira vez, a Recorrente conheceu formalmente o teor do Acto de Adjudicação.
H. A Recorrente, para efeitos de apresentação da presente acção em juízo, tomou como data relevante para a contagem do prazo de um mês a que alude o artigo 1012 do CPTA a data de 13.09.2013, por ser aquela em que — repita-se — pela primeira vez viu autocarros da E…… Lda. a executar no terreno o serviço objecto do Acto de Adjudicação e, tendo dado entrada da presente acção no TAFB em 11.10.2013 (e não em 14.10.2013 como erradamente indica a Sentença), a mesma é tempestiva.
I. A Sentença erra quando considera a data de 19.08.2013 como data relevante para efeitos da contagem do prazo previsto no artigo 1012 do CPTA e viola esta norma ao não considerar tempestiva a presente acção em 11.10.2013 tendo em conta que só em 13.09.2013 a Recorrente constatou a execução do Acto de Adjudicação pela E……, Lda. e só em 11.11.2013 teve conhecimento formal do teor do mesmo.
J. A Sentença, ao considerar para efeito de aplicação do artigo 1019 do CPTA um prazo diferente daquele em que a Recorrente teve conhecimento da execução do Acto de Adjudicação, fez uma interpretação e aplicação abusivas e contrárias ao disposto no n.9 4 do artigo 2682 da CRP.
K. Requerendo-se a Vs. Exas. a revogação da Sentença, o reconhecimento da tempestividade da acção de impugnação do Acto de Adjudicação apresentada em 11.10.2013 pela Recorrente no TAFB, e, em consequência, a admissão da providência cautelar requerida.
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O recorrido contra-alegou, concluindo:
1. O recurso interposto pela AA deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o sentido da sentença proferida, na medida em que é manifesto que a ação de que o presente procedimento cautelar depende foi interposta extemporaneamente, isto é, mais de um mês depois de a A ter conhecimento do acto que agora impugna – artigo 101 CPTA, fosse por consideração que a A. teve conhecimento do acto de adjudicação a 19 de agosto de 2013, fosse pela consideração de que a AA teve conhecimento do acto de ajudicação apenas a 3 ou 4 de setembro de 2013.
2. Por confronto com a factualidade considerada provada em J), K), L), e M.
3. Com efeito, com relevância para a questão recorrida, foi considerada provada e a recorrente não impugnou, a seguinte factualidade:
“(...) Acto Suspendendo: No caso dos autos, o acto de adjudicação impugnado está consubstanciado no despacho do Senhor Presidente da Entidade Requerida, de 31.07.2013 (Acto de Adjudicação), aposto manualmente sobre um documento denominado “Apreciação da Proposta Apresentada”. cfr. Doc. N.º 1 junto com a Oposição da Entidade Demandada na providência cautelar apensa aos presentes autos;
Em 2013-08-19; 2013-08-29, 2013-08-30, 2013-09-02 e 2013-09-04, perante a ausência de notificação por banda da Entidade Demandada, a A. apresentou diversos pedidos de informação relativamente ao procedimento para a aquisição do serviço de transporte escolar: cfr. Docs. N.° 21 a N.° 24 juntos com o PI da providência cautelar;
Em 2013-09-03, a A. informou a Demandada que: “... tendo em consideração o teor da informação que nos foi veiculada de uma forma informal (...) que o serviço de transporte de alunos seria efectuado pelo Município e por uma outra empresa em regime de aluguer por ajuste directo (...), vimos por este meio informar V.ª Ex.ª que a partir do dia 23 de Setembro suspenderemos todo o serviço de carreira regular existente no Concelho de Ourique...”: cfr. PA, de fls. 149 a 303 da providência cautelar;
Em 2013-09-04, a A. informou a Demandada que: “... Considerando que, embora informalmente, tenha esta empresa sido informada, em 2013-08-19, pelos serviços da Câmara Municipal (...) que o transporte dos estudantes (...), não seria no próximo ano lectivo efectuado pela R……, ao contrário do que tem vindo a acontecer nos últimos anos (...) Considerando ainda que ao longo dos últimos dias esta empresa (...) tenha por várias vezes e por diversos modos tentado contactar com alguém responsável nessa Autarquia, o que não conseguiu. Vimos por este meio informar V.ª Ex.ª de que, embora mantenhamos total disponibilidade para falarmos sobre o assunto, não mais poderemos fazer (...) do que (...) em 2013-09-23, (...) suspender todos os serviços de transporte publico de passageiros no concelho de Ourique...”: cfr. Doc. 24 que junta com o PI da providência cautelar.
4. Ora, a recorrente interpôs ação contenciosa pré-contratual de que o presente procedimento cautelar depende, com vista à impugnação da decisão da Ré de adjudicação à E…… Lda., do serviço de transporte escolar para o ano letivo de 2013/2014 no Município de Ourique, bem como de todos os actos subsequentes, se for o caso, do respetivo contrato, com todas as consequências legais, por Fax remetido ao tribunal no dia 11.10.2013.
5. Ora, o CPTA prevê, na SECÇÃO II, denominada Contencioso pré-contratual, Artigo 100.º que: 1 - A impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens rege-se pelo disposto na presente secção e, subsidiariamente, pelo disposto na secção I do capítulo II do título III. 2 - Também são susceptíveis de impugnação directa, ao abrigo do disposto na presente secção, o programa, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos mencionados no número anterior, designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos. 3 - Para os efeitos do disposto na presente secção, são equiparados a actos administrativos os actos dirigidos à celebração de contratos do tipo previsto no n.º 1 que sejam praticados por sujeitos privados, no âmbito de um procedimento pré-contratual de direito público.
6. E, estatui por sua vez o artigo 101º do CPTA que, “os processos de contencioso pré contratual têm carater urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados, ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto.”.
7. Ora é evidente que a Recorrente reconhece por escrito referido na factualidade provada em K) e M) que, desde o dia 19 de Agosto de 2013, era a mesma conhecedora do procedimento concursal para a aquisição dos serviços especiais de transporte coletivo de crianças adjudicado à aqui contra interessada E…… Lda, por ter sido a 2013-08-19, informalmente informada pela Demandada de que o transporte dos estudantes não seria, contrariamente ao que tem vindo a suceder nos últimos anos, no ano lectivo 2013/2014, efectuado pela A.
8. E, a ser assim desde pelo menos aquela data que a A. sabia da adjudicação que só viria a impugnar depois do mês que a lei expressamente previu para o efeito, num momento em que precisamente a ação de impugnação já tinha caducado.
9. Mas mais, da factualidade considerada provada, resulta ainda que, também no dia 3 de setembro seguinte, a Recorrente volta claramente a demonstrar ter conhecimento do acto de adjudicação,
10. Já que, nessa data, foi recebido um email que se encontra junto aos autos a fls. 149 a 303 do processo administrativo junto e referido na factualidade provada em L) e nos termos da qual a AA. reconhece que foi informada pela Sra. A…… de que o transporte escolar foi contratado a outra empresa por ajuste direto.
11. Ora, se a Recorrente desta feita a 03 de setembro afirma que o transporte escolar foi contratado a outra empresa, pressupõe-se com total clareza que, pelo menos, desde aquela data a AA. tinha conhecimento do acto de adjudicação que viria posterior e extemporaneamente a impugnar judicialmente.
12. O mesmo se aplicando à comunicação referida em M) e remetida a 4 de setembro seguinte.
13. Pelo que a 11 de Outubro de 2013, data em que a Recorrente lança mão da ação de procedimento pré-contratual há muito tinha sido ultrapassado o prazo de caducidade previsto no artigo 101º do CPTA.
14. Termos em que, também por esta argumentação se demonstra a assertividade do sentido da decisão assim proferida e que declarou a caducidade do direito de ação da recorrente.
15. Refira-se por fim que a doutrina e jurisprudência citada pela recorrente nas suas alegações de recurso, não é apta à produção dos efeitos que a recorrente pretende, na medida em que, sendo certo que os actos de execução de qualquer acto administrativo são uma forma de conhecimento oficial, evidente e claro desse acto, não é menos verdade que, nada impede que o interessado na impugnação do acto possa ter tido conhecimento do mesmo em momento anterior.
16. Situação onde cai precisamente o conhecimento advindo à AA e que a mesma assume em comunicações dirigidas à Camara Municipal a que acima nos referimos.
17. E, tanto assim foi que, no momento em que a Recorrida deu inicio à execução do contrato de adjudicação do transporte escolar coletivo para o ano de 2013/2014 à E…… aqui contra interessada, já a Recorrente estava devidamente preparada para recolher registo fotográfico desse inicio.
18. E, esta preparação só aconteceu porque a AA previa que, depois da adjudicação de que teve conhecimento dessem as rés inicio à execução do contrato, como sucedeu, ficando aquela a aguardar que tal sucedesse ao invés de lançar mão desde logo da ação de impugnação aplicável.
19. Por outro lado, as situações em que o início da contagem do prazo para a propositura dos processos de contencioso pré-contratual começa a contar a partir do começo da sua execução, são situações em que não existem factos suscetíveis de demonstrar que o interessado tomou efetivo conhecimento do acto em momento anterior.
20. Alias a própria doutrina citada pela recorrente, designadamente Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha Dr. António Cadilha, - vide ponto 27 da alegação – ensinam que “a contagem do prazo varia consoante a qualidade das pessoas que pretendem deduzir a impugnação contenciosa”, sendo que para quaisquer interessado o prazo se inicia a partir do conhecimento do acto, que poderá advir da notificação ou do começo da execução.
21. Ora, a formulação doutrinária com recurso ao futuro condicional amplia precisamente as possibilidades das fontes de conhecimento, não as restringindo ou reduzindo aos actos de execução do próprio contrato, como pretende defender a recorrente.
22. Pode o conhecimento ser atestado por actos de execução, mas podem outros factos demonstrar inequivocamente esse conhecimento.
23. E, no caso concreto estamos em crer que quer a comunicação referida na factualidade considerada provada no ponto K) quer nos pontos L) ou M) são aptas a demonstrar o conhecimento prévio da recorrente do acto de adjudicação posteriormente impugnado.
24. Termos em que, deve o recurso interposto pela AA. ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o sentido da sentença proferida, na medida em que é manifesto que a ação principal de que os presentes autos cautelares dependem foi interposta extemporaneamente, isto é, mais de um mês depois da AA ter conhecimento do acto que agora impugna – artigo 101 CPTA, fosse por consideração que a AA. teve conhecimento do acto de adjudicação a 19 de agosto de 2013, fosse pela consideração de que a AA teve conhecimento do acto de adjudicação apenas a 3 ou 4 de setembro de 2013.
25. Não podendo por isso a Recorrente arrogar em sua defesa que apenas tomou conhecimento do acto de adjudicação em 11.11.2013, por ocasião da junção aos autos do processo administrativo e contratualização com a aqui contra interessada.
26. Já que, como se disse, desde agosto que a recorrente manifestou conhecimento da adjudicação subjacente ao transporte escolar.
27. E, assim sendo, deve ser a partir daquela data, em que a Recorrente reconhecidamente soube que o transporte escolar de passageiros para o referido ano letivo não lhe tinha sido adjudicado a si, que deve ser contabilizado o prazo de que a recorrente dispunha para impugnar judicialmente tal acto de adjudicação.
28. O que manifestamente não fez.
29. Tendo a acção dado entrada em juízo, por fax apenas em 2013-10-11, deve concluir-se como de resto resulta da douta sentença que há muito que se mostrava ultrapassado o prazo legal de um mês, de que a A. dispunha para exercitar judicialmente o seu direito de Acção.
30. Por outro lado, e por fim, a CM de Ourique recorrida nos presentes autos, voltou a abrir procedimento de contratação publica para a contratualização dos serviços de transporte escolar para o ano letivo 2014/2015,
31. Por recurso a um concurso publico, devidamente publicado e anunciado nos termos legais, designadamente em cumprimento do código da contratação publica e para que não subsistissem duvidas quanto á legalidade e ao fim do contrato, a qual a AA. recorrente não apresentou qualquer proposta.
32. O que, além de constituir uma circunstância superveniente que fere de inutilidade a presente lide, só vem reforçar a incapacidade e indisponibilidade da AA se sujeitar à legalidade e às regras da contratação pública atualmente em vigor, tal como defendido na Contestação apresentada.
33. Devendo assim negar-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se o sentido e o alcance da sentença recorrida, e fazendo-se assim a justiça que o caso reclama.
*O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. Teremos presente o seguinte: (i) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida política e económica submetida ao Bem Comum e à suprema e igual Dignidade de cada pessoa; (ii) os valores ético-jurídicos do ponto de vista da nossa Lei Fundamental e os princípios ou máximas estruturais vigentes, como os da Juridicidade, da Igualdade e da Proporcionalidade.(1)

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QUESTÕES A RESOLVER
Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas).
Temos, pois, de apreciar o seguinte contra a decisão do tribunal a quo:
- Caducou ou não o direito de acção principal, de acordo com o artigo 101º do CPTA Os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto., com o consequente efeito neste processo cautelar (a sra. juiza considerou o seguinte: «causa de improcedência da presente acção cautelar, por verificação de circunstância que obsta ao conhecimento de mérito da acção principal»)?
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido
A) A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica principalmente à exploração de transportes públicos rodoviários de passageiros e de mercadorias, conforme resulta da respectiva certidão permanente cujo código de acesso é o seguinte: 0042-8513-0441;
B) A Requerente é a actual titular de concessões de carreira de serviço público de transporte rodoviário de passageiros no Município de Ourique (“Concessões”), atribuídas originariamente pelo Estado Português através da extinta Direcção-Geral dos Transportes Terrestres: cfr. Docs. N.º 1 a n.º 4 juntos com o Requerimento Inicial – RI;
C) A localização geográfica de cada uma das referidas Concessões é a que consta das plantas juntas como Docs. N.º 5 a N.º 8 com o RI;
D) Para a realização do serviço público relativo às concessões acima indicadas (e também do transporte escolar), a Requerente tem afecta permanentemente uma frota de quatro de autocarros e de quatro motoristas, a saber: os autocarros com as matrículas 00-00-00, 00-00­00, 00-00-00 e 00-00-00 todos da propriedade da Requerente, bem como os trabalhadores J… C…., J,…M…., E…. T…. e J…. S…., todos trabalhadores da A.: cfr. Docs. N.º 9 a N.º 18 juntos com o RI;
E) Em 2013-07-04, a Entidade Requerida solicitou à Requerente a indicação do valor para a prestação do serviço de transporte escolar para o ano lectivo de 2013/14, tendo por base o serviço de três autocarros para três percursos indicados pela Entidade Requerida: cfr. Doc. N.º 19 junto com o RI;
F) Em 2013-07-11, a Entidade Requerida procedeu à cabimentação e à abertura do procedimento por ajuste directo, cujo objecto definiu como: “Aluguer de três autocarros para transportes escolares - ano lectivo de 2013/2014: cfr. PA;
G) Em 2013-07-15, a Requerente enviou à Entidade Requerida o seu orçamento, no valor de € 10.000,00 (dez mil euros) /mês para a realização do transporte escolar: cfr. Doc. 20 junto com o RI;
H) Em 2013-07-17, a Entidade Requerida convidou a Contra-interessada a apresentar a sua proposta no âmbito do procedimento de Ajuste Directo, melhor identificado na alínea F) supra: cfr. PA;
I) Em 2013-07-26, a Contra-interessada apresentou a sua proposta, a qual tinha o mesmo valor base estimado da cabimentação do procedimento de Ajuste Directo melhor identificado na alínea F) supra, ou seja, €55.550,00/ano, mais IVA: cfr. PA;
J) Acto suspendendo:

: cfr. Doc. N.º 1 junto com a Oposição da Entidade Demandada;
K) Em 2013-08-19; 2013-08-29, 2013-08-30, 2013-09-02 e 2013-09-04 perante a ausência de notificação por banda da Entidade Requerida, a Requerente apresentou diversos pedidos de informação relativamente ao procedimento para a aquisição do serviço de transporte escolar: cfr. Docs. N.º 21 a N.º 24 juntos com o RI;
L) Em 2013-09-03, a Requerente informou a Entidade Requerida que: tendo em consideração o teor da informação que nos foi veiculada de uma forma informal (...) que o serviço de transporte de alunos seria efectuado pelo Município e por uma outra empresa em regime de aluguer por ajuste directo (...) vimos por este meio informar V.ª Ex.ª que a partir do dia 23 de Setembro suspenderemos todo o serviço de carreira regular existente no Concelho de Ourique...”: cfr. PA;
M) Em 2013-09-04, a Requerente informou a Entidade Requerida que: Considerando que, embora informalmente, tenha esta empresa sido informada, em 2013-08-19, pelos serviços da Câmara Municipal (...) que o transporte dos estudantes (...), não seria no próximo ano lectivo efectuado pela R……, ao contrário do que tem vindo a acontecer nos últimos anos (...) Considerando ainda que ao longo dos últimos dias esta empresa (...) tenha por várias vezes e por diversos modos tentado contactar com alguém responsável nessa Autarquia, o que não conseguiu. Vimos por este meio informar V.ª Ex.ª de que, embora mantenhamos total disponibilidade para falarmos sobre o assunto, não mais poderemos fazer (...) do que (...) em 2013-09-23, (...), suspenderá todos os serviços de transporte publico de passageiros no concelho de Ourique...”: cfr. Doc. 24 junto com o RI;
N) Contrato suspendendo:
Em 2013-09-09, entre a Entidade Requerida e a Contra-interessada foi celebrado o Contrato de Prestação de Serviços “Aluguer de 3 Autocarros para Transportes Escolares”, para o ano lectivo de 2013/2014: cfr. Doc. N.º 1 junto com a Oposição da Entidade Requerida;
O) Em 2013-09-13 (sexta-feira), a Requerente, apurou visualmente no terreno, que havia autocarros da E……, LDA, ora Contra-interessada, a realizar os percursos escolares relativamente aos quais a Entidade Requerida havia solicitado à Requerente a apresentação de orçamento em 2013-07-04 : cfr. Docs. N.º 25 e N.º 26 juntos com o RI;
P) Em 2013-10-07, a Requerente deu entrada da presente providência cautelar neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: cfr. fls. 1 dos autos;
Q) Em 2013-10-11 (sexta-feira), por fax, deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja a acção principal, de contencioso contratual, que foi distribuída em 2013-10-14 (segunda-feira), na qual foi julgada verificada a caducidade do direito de acção e correu termos sob o n.º 376/13.0BEBJA: cfr. autos principais; art. 412º do CPC ex vi art. 1º do CPTA.
*
Continuemos.
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável, apreciarmos o seu mérito.

Temos presente, em matéria de metodologia jurídica (de “gramática do Direito”, i.e., da inferência da regra jurídica do caso concreto a partir da fonte do direito, através de um processo aplicativo de acordo com a lei), (i) o postulado da coerência normativa e interpretativa, (ii) bem como a destrinça entre o modelo lógico da interpretação-aplicação das regras jurídicas (cfr. os artigos 9º e 335º do C.C.)(3)e a interpretação-aplicação dos comandos jurídicos constitucionais que visem concretizar um dever-ser ideal (em que, por causa dos princípios estruturais da “igual dignidade de cada pessoa humana” e do “Estado social e democrático de Direito”, predominam o valor-princípio estruturante e máxima metódica da Igualdade e a máxima metódica da Proporcionalidade com um modelo aritmético de ponderação ou sopesamento - cfr. os artigos 2º, 13º, 17º e 18º da Constituição). (4)
Vejamos, pois.
DO PRAZO PREVISTO NO ARTIGO 101º DO C.P.T.A. e DA SUA CONTAGEM
É a 2ª vez que este processo vem a este TCA Sul.
Além disso, no processo principal, este TCA Sul, por Ac. de 6-8-2014 (P. nº 11266/14), julgou procedente o recurso e revogou a decisão que havia declarado caduco o direito de acção.
Ora, o direito de acção principal, de que este processo cautelar é instrumento, caduca no prazo de 30 dias, previsto no artigo 101º do CPTA.
Esse prazo conta-se nos termos previstos no artigo 59º/1 do CPTA (que é igual ao artigo 101º, quanto a esta matéria) e no artigo 138º do NCPC.
O tribunal a quo, como vimos já, considerou tal caducidade, porque a Requerente/Autora tomou conhecimento informal do acto de adjudicação (e, parece, também do contrato adjudicado) em data superior àqueles 30 dias.
«Os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto» (artigo 101º cit.).
Naquela 1ª parte, há identidade com o nº 1 do artigo 59º.
«O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o acto administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação» (artigo 59º/1 CPTA).
«O prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados dos actos que não tenham de ser obrigatoriamente publicados começa a correr a partir do seguinte facto que primeiro se verifique: a) notificação; b) publicação; c) conhecimento do acto ou da sua execução» (artigo 59º/3).
Portanto, sendo a ora requerente/recorrente alguém que dispõe de legitimidade para intervir no procedimento aberto pela entidade requerida, onde aliás já intervinha, de acordo com o critério de legitimidade procedimental estabelecido no artigo 53º CPA, isso quer dizer que a ora requerente é interessada directa, interessada a quem o acto administrativo deve ser notificado nos termos do artigo 68º CPA ou 77º CCP; sob pena de inoponibilidade do acto (vd. artigo 60º/1 CPTA) - cfr. MÁRIO AROSO/C.C., in Comentário ao CPTA, 3ª ed., pp. 397 e 679 ss.
Portanto, o cit. nº 3 do artigo 59º CPTA não tem aqui aplicação. Ao contrário do referido pela sra. Juiza a quo.
E, como está pacificamente provado e confessado que a entidade requerida não notificou a sua decisão à requerente, isso quer dizer que o prazo previsto no artigo 101º CPTA nem começou a correr. A requerente não tomou conhecimento da adjudicação.
Pelo que, não tendo caducado o direito de acção previsto nos artigos 100º ss do CPTA, não ocorre esse motivo para, por causa da instrumentalidade e segundo uma das teses possíveis nessa sede, se julgar improcedente o processo cautelar.
*
III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida.
Custas a cargo da entidade recorrida.
(Acórdão processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator)
Lisboa, 6-11-2014

Paulo H. Pereira Gouveia (relator)


Nuno Coutinho


Carlos Araújo


1)Toda a convivência social e todas as instituições sociais estão condicionadas pela Justiça Material e pela Igual Dignidade de cada Ser Humano (valor este sublinhado e desenvolvido por I. KANT na ainda hoje essencialCrítica da Razão Práticade 1788, ou na versão mais simples, Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, de 1785), o que implica igualdade de direitos e deveres para todos e ainda igualdade de oportunidades para todas as pessoas (cfr. J. RAWLS, Uma Teoria da Justiça, 2ª ed., trad., Lisboa, Ed. Presença, pp. 84 ss); é a negação do utilitarismo, da chamada “análise económica do direito” e da funcionalização dos seres humanos.
2) Os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto.
3) Sendo certo que, sempre no caso concreto, a operação da subsunção do facto da vida ao tipo legal é um juízo ou raciocínio valorativo orientado pelo critério da analogia entre dois concretos (o facto concreto e o tipo legal concreto). As dificuldades para ali se chegar surgem quase sempre por causa da previsão da norma jurídica. E daí que se deva partir desta para a estatuição. O nosso artigo 9º do CC consagra, a propósito da metodologia jurídica, uma orientação actualista prospectiva, em que, (i) com base no “basic meaning” do texto legal (a base textual actualista), se utilizam (ii) elementos não gramaticais que devem necessariamente não se contradizer (I- precedentes normativos históricos e comparados, precedentes doutrinais, realidade então existente, exposição oficial de motivos, trabalhos preparatórios, preâmbulos e evoluções interpretativas; II- conexão e coerência com o sistema jurídico actual, onde domina a máxima metódica da igualdade, num contexto interpretativo de conformidade com a lei fundamental, com o direito europeu e com o direito ordinário, bem como a máxima metódica da consistência com a globalidade do sistema jurídico; III- perceber a finalidade da fonte, começando pela estatuição da norma à luz das circunstâncias actuais, passando depois para os princípios jurídicos formais e materiais a optimizar no caso concreto e para a aferição das consequências mais compatíveis com o sistema); assim se atinge o “deep meaning” do texto legal. Apurado este significado da fonte, i.e., a regra do caso concreto, o resultado da tarefa pode ser (i) declarativo ou confirmatório do “basic meaning”, ou (ii) reconstrutivo extensivo do “basic meaning”, ou (iii) reconstrutivo restritivo do mesmo, ou mesmo (iv) a excepcional e rara desconsideração da regra apurada (cfr., em geral e por todos, M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012; OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., 2005; e ainda K. LARENZ/C.-W. CANARIS, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 3ª edição, Berlim, Springer, 1995). O tipo de discurso (jurídico) a utilizar é sempre de base racional, com regras justas como as da universalidade do objecto e da igualdade dos argumentantes, a fim de se chegar a um resultado que demonstre a irracionalidade do dissenso existente. Em matéria de direito, os argumentos centrais são o “a simile”, o “a contrario” e o “a fortiori”. Em matéria de facto, a mais exigente para o juiz, as legislações são pouco densas quanto à respectiva argumentação, dado o factor subjectivo e de senso comum que rodeia, em larga medida, o respectivo julgamento. A final, depois de apurados os factos subsumíveis às previsões legais e de obtida a regra aplicável em concreto, é crucial que a decisão jurisdicional se apresente (i) internamente justificada, coerente ou logicamente válida (silogismo judiciário) e também (ii) externamente justificada ou correcta na obtenção das respectivas premissas fácticas e de direito, por forma a maximizar (i) o valor ou princípio subjacente à regra concretamente apurada e (ii) a aceitabilidade racional da decisão do caso concreto. O primeiro aspecto refere-se ao chamado “contexto da descoberta” e o segundo aspecto ao “contexto da justificação” (cfr. CÍCERO, Topica, II, 6; SCHNEIDER/SCHROTH, Perspectivas da aplicação da norma jurídica: determinação, argumentação e decisão, in Kaufmann/Hassemer (org,), “Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria …”, trad., Lisboa, F.C.G., 2002, pp. 522 ss; HANS REICHENBACH, Experience and prediction: an analisys of the foundations and the structure of knowledge, Chicago, The University of Chicago Press, 1970).
4) Cfr. R. ALEXY, A construção dos direitos fundamentais, in revista Direito & Política, nº 6, 2014, pp. 38-48; e A. PECZENIK, On Law and Reason, 2ª ed., Springer, 2008 (in Law and Philosophy Library, vol. 8).