Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05626/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/16/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
ILEGAL CUMULAÇÃO.
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA.
Sumário:1. Em processo de impugnação judicial, apenas podem ser cumulados pedidos sobre tributos, desde logo, que comunguem da mesma natureza;

2. O que não acontece no caso de IVA e de IRC, em que o primeiro constitui um imposto geral sobre a despesa e o segundo, um imposto sobre o rendimento das empresas;

3. A ilegal cumulação de pedidos constitui uma excepção dilatória inominada que obsta a que se conheça do mérito da causa e importa a absolvição da instância da parte contrária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Manuel ……… & Irmão ………, Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) O Tribunal a quo deu como provados os factos constantes do relatório de Inspeção Tributária; e, simultaneamente deu como provados os factos alegados pela impugnante, uns e outros factos são incompatíveis entre si, pelo que, ao considera provado, por exemplo, que a sociedade emitente das faturas "A. ……………………., Unipessoal, Lda." tinha a seu cargo em média, no ano de 2004, 8 trabalhadores, e que era manifesta a falta de estruturempresarial, não poderia depois, igualmente, considerar provado que esta mesma sociedade cedeu {muita) mão de obra à impugnante e sempre que era preciso por ter muitos trabalhadores disponíveis;
b) não poderia dar como provado, conforme resulta do relatório de inspecção tributário que, os pagamentos das faturas foram efectuadas mediante cheques passados pela impugnante à ordem da emitente e endossados à primeira e, simultaneamente, considerar que os pagamentos eram efectuados frequentemente pelo gerente da impugnante, Manuel Carolo, ao pessoal da empresa "A. ……………………….., Lda." em dinheiro e à semana.
c) Padecendo a douta decisão recorrida de contradição entre os factos dados como provados, designadamente na matéria de facto supra referida, considera a recorrente que deverá a mesma ser reapreciada pela Tribunal ad quem, tendo como consequência o disposto no artigo 712.º n.º4 do CPC.
d) Defende a recorrente que, o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto ao considerar que a impugnante mediante a prova produzida nos autos logrou demonstrar a efetividade da prestação de serviços.
e) Recaindo o ónus da prova sobre a impugnante, a esta competia demonstrar que a materialidade das operações económicas subjacentes às faturas, a saber:
f) - que as prestações de serviços se haviam efetivado com a sociedade emitente das faturas, e não com a pessoa singular S…………, nem com qualquer outra entidade prestadora de serviços; e,
g) - quais as quantidades precisas das prestações de serviços, local, natureza, preços praticados nas prestações de serviços que estariam em causa em cada uma das faturas.
h) Entende a recorrente que tal prova não resulta dos autos, não tendo a impugnante logrado fazê-la mediante as três testemunhas arroladas (supra referenciadas).
i) Somente feita a referida prova poder-se-ia objetivamente concluir que aquelas facturas em concreto titulam operações verdadeiras e que, por isso, poderiam ser utilizadas para efeitos de dedução de custos em sede de IRC (artigo 23.º do CIRC).
j) Considera a recorrente que, dos depoimentos prestados não ficam provados a materialidade das operações, como entende o Tribunal a quo (vide factos vertidos nas C) C) e E) dos factos dados como provados) porquanto:
k) Não eram as testemunhas que subcontratavam a cedência de mão-de-obra com a entidade emitente "A. ……………….., Unipessoal, Lda.", pelo que, não tinham, portanto, um conhecimento direto relativamente à subcontratação em causa.
l) O facto de saberem que o patrão contactava telefonicamente o Sr. S………… porque precisava de pessoal não significa que o "pessoal" que este arranjava fossem efectivamente trabalhadores da entidade emitente das faturas. Tinha que o ser para que aquelas faturas em concreto pudessem ser legitimamente utilizadas para a dedução de custos;
m) Também mediante esta testemunha não fica demonstrado que a (suposta) cedência de mão de obra tivesse sido efetuada pelo valor constante das facturas em causa nos presentes autos.
n) É que a prova do preço dos subcontratos é essencial para a sua (eventual) consideração para efeitos de custos.
o) Nem fica provado, através da prova testemunhal, que nas obras específicas das Madalenas e nos Açores tenham estado trabalhadores da emitente "A. ……………………….., Unipessoal, Lda., em que quantidades e que tal ocorreu pelos exatos montantes constantes da operação económica titulada pela fatura.
p) Na ausência de tal prova, não poderia o Tribunal a quo considerar como provados os constante das alíneas C) D) e E) da matéria provada na douta sentença, até porque aqui o ónus da prova recaia sobre a impugnante.
q) A Administração Fiscal no cumprimento da sua atividade fiscalizadora apurou factos consubstanciadores de indícios sérios, objetivos da existência, no caso subjudice, da existência de operações simuladas com o intuito de reduzir a carga fiscal, e que legitimaram a sua atuação, designadamente no que concerne às correções efetuadas e que resultou na liquidação de IRC impugnada.
r) Tais indícios sérios e objetivamente credíveis da existência de faturação falsa constam do relatório da Inspeção Tributária (cujo conteúdo se considera aqui reproduzido para todos os efeitos legais) foram dados como provados pelo Tribunal a quo.
s) Nos casos de “faturação falsa"; à Administração Fiscal compete reunir e demonstrar factos que, apreciados com recurso a regras de experiência permitam concluir que as faturas analisadas não correspondem a operações reais.
t) É jurisprudência pacífica no STA que, cabe à Administração Fiscal a prova dos pressupostos da sua atuação e ao sujeito passivo/impugnante a prova de que as questionadas operações são reais.
u) Tendo a Administração Fiscal cumprido com a prova dos pressupostos da sua atuação cumpria à impugnante provar a realidade das operações económicas a que se referem as faturas, cuja prova considera o Tribunal a quo, a impugnante ter logrado cumprir.
v) A recorrente considera que, a impugnante não logrou fazer prova da materialidade das operações não cumprindo com o ónus que sobre si recaia.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se que por haver sido cumulado, ilegalmente, dois impostos de diferente natureza, na presente impugnação judicial – IRC e IVA – em infracção ao disposto no art.º 104.º do CPPT, deve ser julgada procedente esta excepção dilatória e não ser conhecido do mérito da causa, com a absolvição da instância.


Desta invocada excepção dilatória, foram notificadas as partes que nada disseram.


Não foram, previamente, colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos, face à manifesta simplicidade da questão a decidir – art.º 707.º, n.º4 do CPC, na redacção actual e a aplicável.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se no caso ocorre a invocada ilegal cumulação de pedidos, entre IVA e IRC, excepção dilatória que obsta à apreciação do mérito da causa.



3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 02/03/2009, peta Direcção Geral dos Impostos, foi emitido a liquidação n.º …………… de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, respeitante ao exercício de 2004, no valor de € 63.161,05 e respectivo aviso de cobrança n.º ……………., com data limite de pagamento de 15/04/2009. - (cfr. docs. a fls. 10 e 11 destes autos).
B) Em 10-02-2009, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais foi elaborado relatório da inspecção realizada à sociedade Manuel ………… e Irmão …………, Lda., ao exercício de 2004, onde consta o seguinte:
"DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSOES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
O sujeito passivo contabilizou, no exercício de 2004, facturas relativas à subcontratação de uma entidade sem estrutura empresarial para a execução dos trabalhos em causa e com fortes indícios de respeitarem a operações simuladas, tendo infringido o n.º 3 do art.º 19.º do CIVA e art.º 23.º do CIRC, o que é punível pelo n.º 2 do art.º 104.º do RGIT.
Foram apuradas as seguintes correcções, relativas ao exercício de 2004:
Correcções Matéria Tributável (€) IVA (€)
De natureza meramente aritmética 276.657,65 35.965,49
(...)
DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
IRC
O contribuinte encontra-se enquadrado no regime geral de apuramento do lucro tributável, no exercício de 2004.
De acordo com a informação contabilística recolhida junto do contribuinte objecto de inspecção, a empresa A. …………. - ………………, Unipessoal, Lda. foi o seu maior fornecedor, no exercício de 2004.
A entidade em causa foi objecto de inspecção pela Direcção de Finanças de Lisboa que detectou um conjunto de indícios de emissão de facturação falsa em seu nome, conforme segue:
a) 53 adquirentes de serviços alegadamente prestados pela mesma, estando em causa montantes de facturação (com IVA incluído) de € 2.518.024,81 em 2004, o que representa um excesso de volume de operações activas relativamente à capacidade real da empresa;
b) um quadro de pessoal que, em 2004, rondou os oito trabalhadores em média, não se justificando os volumes de prestação de serviços declarados por terceiros, até porque não foi detectada qualquer subcontratação de pessoal ou serviços e a maioria da facturação emitida refere-se a cedência de mão-de-obra;
c) existência da apólice para cobertura de riscos de acidentes de trabalho, com o n.º ………, junto da seguradora Z………., S.A., com início em 2002-10-08 e anulação em 2004-02-10, desconhecendo-se a existência de outras;
d) requerimento, pela sociedade, de um certificado EOP (empreiteiro de obras públicas) e ICC (industrial de construção civil) em 2002-05-21, junto do INCI (Instituto da Construção e do Imobiliário) sem que nunca lhe tenham sido concedidos estes certificados, pela falta de apresentação da documentação exigível;
e) inexistência de veículos registados em nome da sociedade e seu sócio, por consulta ao sistema informático da DGCI;
f) deficiente discriminação dos serviços nas facturas emitidas em nome desta entidade e, na maioria dos casos, ausência de quantificação dos valores unitários, não existindo, em muitas situações, documentos comprovativos dos serviços que estiveram na base dos montantes facturados (contratos, orçamentos ou autos de medição), apesar dos montantes envolvidos elevados;
g) utilização de uma caligrafia diferente na inscrição da importância envolvida em várias facturas, noutras evidenciando-se a correcção de valores;
h) pagamento em numerário da grande maioria das facturas, não obstante a existência de contas bancárias, sendo a data dos recibos igual à da emissão das facturas respectivas;
i) em alguns adquirentes ressalta a aquisição de serviços no final dos períodos em que as declarações periódicas de IVA devem ser entregues ou no final do ano;
j) nos pagamentos por cheque, solicitada a frente e verso destes, verificou-se que muitos foram endossados aos sócios das empresas adquirentes.
No que respeita às facturas em análise, respeitantes à subcontratação daquela entidade pelo SP, verificou-se o seguinte:
a) os custos documentados pelas facturas em nome de …………… – Construções …………………, Unipessoal, Lda. representam 75,31% do total de subcontratos no exercício de 2004;
b) a rubrica de subcontratos constitui 73,90% do valor de fornecimentos e serviços externos, o mais significativo no total de custos, determinante do resultado líquido de apenas € 12.356,51 em 2004, apesar do volume de negócios de € 1.000.434,19;
c) para comprovar os serviços que estiveram na base dos montantes facturados, o SP apresentou autos de medição em obra, não assinados, afirmando não existir contratos ou orçamentos uma vez que o acordo foi verbal, apesar dos elevados montantes envolvidos (docs. de 1 a 9);
d) alegadamente, o contacto com aquela entidade subcontratada era estabelecido em reuniões na sede de Manuel ……….. & Irmão …………., Lda. ou por telefone, com o Sr. Carlos …………, através do n.º 9…………. (doc. 1);
e) os pagamentos das facturas em questão estão documentados por cheques, todos eles endossados, identificando-se no verso dos mesmos a conta bancária de destino dos montantes em causa conta n.º ……………., correspondente ao NIB ………..(docs. de 10 a 16). Apesar das diligências efectuadas junto da instituição de crédito (Banco ………….., S.A.) e do Banco de Portugal, não nos foi, até a data, fornecida informação quanto ao nome do seu titular. No entanto, através de simulação de transferência bancária para o NIB em questão (doc. 17), verificou-se que o seu titular é o Sr. Manuel ………….., sócio gerente do SP e responsável pela assinatura dos cheques para pagamento a A. …………………;
f) os recibos relativos aos serviços alegadamente subcontratados àquela entidade, têm a mesma data das respectivas facturas, isto é, apesar dos montantes elevados em causa e das dificuldades de tesouraria associadas. Aos créditos em mora reclamados judicialmente no exercício de 2004 (doc. 18, obtido junto do Técnico Oficial de Contas), os pagamentos a A. …………… - ……………………………….., Unipessoal, Lda. estão documentados como efectuados a pronto.
Acresce que, o cheque que documenta o pagamento da factura n.º 142, no valor de € 60.094,30 datada de 2004-04-23, tem data-valor de 2004-04-04, tendo sido desta forma emitido e descontado ainda antes da data da factura e recibo correspondentes (docs. de 19 a 22);
g) por consulta às declarações periódicas de IVA entregues, no exercício de 2004, verifica-se que no período 04.03, em que foram contabilizadas 3 facturas em nome de A. ………………………., Unipessoal, Lda., resulta imposto a favor do SP no valor de - € 105,62. No período 04.04, em que o resultado da declaração periódica é IVA a favor do Estado, é já deduzido (indevidamente) parte do IVA referente ao mês seguinte, respeitante à factura n.º 143 em nome de S …………, com data de Maio. Por sua vez, apesar da dedução apenas parcial do IVA inscrito naquela factura de Maio, no período 04.05 verifica-se uma situação de crédito de imposto. No que respeita às facturas n.ºs 145 e 147, com data de Junho, contabilizadas em Julho, detectou-se terem sido apenas consideradas na declaração periódica de 04.09, em que resulta imposto a favor do Estado no montante de € 11.041,10. Note-se que nos períodos 04.06 e 04.07 se registam créditos de imposto e, em 04.08, o IVA a favor do Estado é de apenas € 874,98. Assim, há indícios de que o IVA inscrito naquelas facturas era considerado, jndependentemente da data inscrita nas mesmas, nos períodos em que resultariam, de outra forma, valores mais elevados a entregar ao Estado (docs. de 23 a 27);
h) atendendo às declarações periódicas de IVA entregues pela entidade alegadamente subcontratada, verificou-se que, em 04.03T, a respectiva declaração foi submetida com o valor de serviços prestados de € 42.817,78, inferior ao correspondente às facturas datadas de Março em seu nome, contabilizadas pelo SP, que perfazem o montante de € 78.667,20. Acresce que o SP deduziu o IVA das facturas emitidas em nome de A. …………………………………………….., Unipessoal, Lda., no anexo dos Açores. Por análise àquelas facturas, confirma-se que se referem efectivamente a trabalhos nos Açores, excepto as facturas com os n.ºs 142, 143 e 147 que descrevem obras efectuadas na Madeira. No entanto, o fornecedor em causa não enviou qualquer declaração periódica, respeitante a 2004, com o anexo dos Açores, assumindo, desta forma, lá não ter prestado qualquer serviço (docs. de 28 a 32).
Pelo exposto, conclui-se que o contribuinte deduziu custos indevidamente, não tendo comprovado tratarem-se de custos indispensáveis à realização dos proveitos nos termos do artigo 23.º do CIRC.
Neste contexto, o montante apurado no quadro em anexo (doc. 33), contabilizado como custo do exercício, a título de subcontratos, no montante de € 276.657,65, deverá ser acrescido ao resultado tributável do exercício de 2004, conforme quadro abaixo (valores em €)
Exercício Rendimento tributável Correcção Rendimento Tributável
declarado corrigido
2004 26.923,47 276.657,65 303.581,12
( . . . ) - (cfr. processo administrativo apenso).
C) A empresa A. ……………………………….., Lda., efectuou vários trabalhos ao longo do ano de 2004 para a impugnante, que consistiam na cedência de mão de obra. - (facto provado pelo depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante).
D) As obras mencionadas nas alíneas anteriores foram subcontratadas oralmente e 1ocalizavam-se nas Madalenas (Vilas II) e na Ilha de S. Miguel nos Açores. - (facto provado pelo depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante).
E) Os pagamentos eram efectuados frequentemente pelo gerente da impugnante Manuel ……., à semana e directamente ao pessoal da empresa A. …………………………….., Unipessoal, Lda. - (facto provado pelo depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante).

B - Factos não provados
Inexistem outros factos não provados com interesse para a decisão da presente causa.

C – Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que dos autos constam e no depoimento das testemunhas arroladas pelas partes, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
António …………….., ...
A testemunha Gentil ………………, ...
O depoente José …………, ...
A depoente Cristina ……………………….., ...

Todas as testemunhas demonstraram conhecimento directo dos factos sobre que depuseram, revelando credibilidade, convencendo o Tribunal da veracidade do seu depoimento.


4. Comecemos então por apreciar a invocada questão da ilegal cumulação de pedidos entre os dois impostos, questão que também seria de conhecimento oficioso pelo Tribunal, já que a impugnante e ora recorrida fez cumular os pedidos de IVA e de IRC, ambos pretendidos anular na presente impugnação judicial, a qual constitui uma excepção dilatória inominada e que obsta a que se conheça do mérito da causa e importa a absolvição da instância da parte contrária – art.ºs 493.º, 494.º e 288.º n.º1 e) do CPC.

A presente impugnação judicial foi deduzida em 9.6.2009, como se vê do carimbo aposto na sua petição inicial, ou seja em plena vigência do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que como se sabe entrou em vigor em 1.1.2000, em cuja norma do seu art.º 104.º permite a cumulação de pedidos quando, em caso de identidade de natureza de tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão. Ou seja, a contrário, não é desde logo possível a cumulação de pedidos sobre tributos que não comunguem entre si desta identidade da natureza dos tributos.

Esta norma do art.º 104.º constitui uma norma especial para o processo de impugnação judicial, que afasta a possibilidade de aplicação subsidiária da anterior regra do art.º 38.º da LPTA e hoje dos art.ºs 4.º e 47.º do CPTA, segundo a qual é viável a cumulação de impugnação de actos que estejam entre si numa relação de dependência e de conexão.

Ora, como não sofre dúvidas, o IVA constitui um imposto geral sobre o consumo de bens, enquanto que o IRC constitui um imposto que incide sobre os rendimentos das empresas e outros entes colectivos, não comungando pois, os dois impostos, da identidade de tributos, prevista naquela norma do art.º 104.º, o que desde logo afasta que, na mesma impugnação judicial, possa ser pedida a anulação de ambos os impostos, ainda que ambos resultem da mesma acção inspectiva e de idênticos pressupostos para a sua liquidação (1).

Não cabe também neste caso, ao tribunal, optar pelo aproveitamento da petição quanto a um dos impostos em detrimento do outro, mandando seguir a impugnação quanto àquele, por os direitos do recorrente sempre se encontrarem assegurados com a instauração de novas impugnações no prazo de um mês a contar desta decisão, nos termos do disposto no anterior art.º 38.º n.º4 da LPTA, e hoje dos art.ºs 4.º, n.º4 e 47.º, n.º6 do actual CPTA, ex vi do art.º 2.º d) do CPPT.

Também não constitui qualquer impedimento o facto de tal questão não ter sido expressamente conhecida até ao presente, designadamente na fase liminar e na fase de saneamento do processo, porque tal conhecimento não fica precludido nos termos do n.º5 do art.º 234.º do CPC, na actual redacção, correspondente à do art.º 479.º n.º3 do CPC na redacção anterior a 1.1.1997, e que correspondem à reprodução do 2.º do art.º 483.º do CPC de 1939, não se havendo pois, formado sobre a mesma, caso julgado formal (art.º 672.º do CPC).


É assim de julgar procedente a invocada excepção dilatória inominada de ilegal cumulação de pedidos e de não conhecer do objecto do recurso.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em julgar procedente a excepção dilatória de ilegal cumulação de pedidos e de absolver da instância a Fazenda Pública, não se conhecendo do objecto do recurso.


Custas pela recorrente nesta Instância, e pela recorrida na 1.ª Instância.


Lisboa, Eugénio Sequeira
Joaquim Condesso
Lucas Martins


(1) Neste mesmo sentido tem decidido uniformemente o STA, como se vê dos seus acórdãos de 13.3.2002, 26.3.2003 e de 10.3.2004, recursos n.ºs 26 752, 131/03-30 e 1911/03-30, respectivamente.