Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04714/09
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:03/26/2009
Relator:Teresa de Sousa
Descritores:ACTO INIMPUGNÁVEL
ACTO DE EXECUÇÃO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - Só são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos de execução que excedam os limites do acto exequendo ou os actos de execução arguidos de ilegalidade desde que esta não seja consequência da ilegalidade do acto exequendo (art. 151º, nº 3 e 4 do CPA);
II - No caso em apreço, a determinação de execução, verificada a condição de inexecução voluntária, já constava do acto exequendo e do “mandado de notificação”, indicado no ponto 5 dos factos provados, que o notificou ao interessado;
III - Decorrido esse prazo sem que tenha havido execução voluntária daquele acto, cabia aos serviços praticar os actos necessários à imediata execução do mesmo, o que o acto impugnado concretiza, sem exceder o âmbito do despacho exequendo, nada inovando em relação aquele, não podendo enfermar de vícios autónomos (nº 4 do art. 151º do CPA);
IV - A sentença recorrida ajuizou correctamente, ao ter entendido que o acto impugnado contenciosamente, era inimpugnável, absolvendo o réu da instância (cfr. arts. 89º, nº 1, al. c) do CPTA e 288º, nº 1, al e) do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAF- Leiria que, na acção administrativa especial no qual se impugna o despacho da Presidente da Câmara Municipal de Leiria, de 2 de Fevereiro de 2007, julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto, absolvendo o Réu da instância.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1) O Recorrente interpôs Acção Administrativa Especial, contra o Recorrido, nos termos do disposto nos n°s 2 e 4 do artigo 10° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, alegando o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;
2) O Recorrido contestou, suscitando a excepção de irrecorribilidade do acto, por falta de lesividade, dado que constitui um mero acto de execução, impugnando depois a alegada violação dos princípios enumerados pelo Recorrente, considerando que nada resulta no plano dos factos susceptível de caracterizar as aludidas violações;
3) O ilustre Magistrado do MP, em douto parecer oferecido ao abrigo do disposto no n° 2 do artigo 85° do CPTA, propugna a improcedência da acção com base na inimpugnabilidade do acto por constituir um acto de execução;
4) O Recorrente, notificado da Contestação, bem como do parecer do Ministério Público, pronunciou-se nos termos que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;
5) Por Sentença final, decidiu o Meritíssimo Juiz, “... Na apontada conformidade, julgo procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto, absolve-se o Réu da instância…”;
6) Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a Sentença recorrida;
7) Refere a Sentença recorrida que, não é admissível, em sede de impugnação do acto que determina a execução coerciva da demolição, perante o incumprimento voluntário da respectiva ordem por parte do Autor, a impugnação desta ordem;
8) O acto impugnado (determinação da demolição) pelo Recorrente é um acto administrativo, sujeito a impugnação, e não um mero acto de execução;
9) E este entendimento, resulta do disposto no artigo 51º nº 1 do CPTA, cuja redacção coloca acento tónico da impugnabilidade de um acto na sua eficácia externa;
10) Refere o nº 1 do artigo 51º do CPTA: “Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos…”;
11) Estamos perante um acto administrativo externo, pois, a sua execução lesa os interesses do Recorrente, que estão legalmente protegidos;
12) O acto administrativo considera-se externo quando produz efeitos jurídicos na relação existente entre a Administração e o particular ou quando afecta a situação jurídico-administrativa de uma coisa;
13) O acto administrativo pelo qual o Recorrido determina a demolição é tão lesivo quanto o acto pelo qual o Recorrido primeiramente ordenou a sua demolição;
14) O Acto impugnado pelo Recorrente não é urna simples execução da anterior ordem de demolição, pois implica a compressão temporária do seu direito de propriedade e inova a sua situação jurídica, na medida em que cria um novo estado das coisas;
15) A diferenciação entre o acto que ordena a demolição e o acto que determina a demolição é evidente se se comparar os n°s 1 e 4 do artigo 106° do DL n° 555/99 de 16/12, o que reforça a tese de ambos serem impugnáveis;
16) Refere o n° 1 do artigo 106° do RJUE: "O Presidente da câmara municipal pode, igualmente, quando for, caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de inicio das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito...";
17) O art° 4 do mesmo artigo refere: “Decorrido o prazo referido no n° 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infractor..,”;
18) Mesmo que se considere um acto de execução, por mera hipótese, o que o Recorrente contraria, deverá o acto impugnado ser qualificado como um acto multipolar, pois, para além da sua função interna também se revela para o exterior, traduzindo assim, uma efectiva lesividade;
19) Se conclui que o acto impugnado pelo Recorrente, determinação para demolição, é um acto impugnável, nos termos acima expostos;
20) Deverá a Sentença recorrida ser revogada, com todas as consequências legais daí resultantes;
21) O Recorrente requereu a reapreciação do processo de licenciamento;
22) O Recorrido não se pronunciou pelo requerido, violando assim, os deveres a que estava obrigado;
23) Não se pode concordar com a Sentença recorrida, quando refere que o acto de execução a determinar a demolição de uma edificação é insusceptível de ofender os direitos e interesses legalmente protegidos do Recorrente;
24) Tal como acima já se referiu, a execução da demolição ofende os interesses e direitos legalmente protegidos do Recorrente;
25) Daí que, também por este motivo, tem a Sentença recorrida ser revogada;
26) O acto contenciosamente impugnado, é um acto definitivo e executório;
27) É uma deliberação proferida pela entidade recorrida;
28) Na verdade, pela leitura atenta do Manual de Direito Administrativo do Prof. Marcelo Caetano, Volume I, página 428, pudesse verificar que o acto é recorrível;
29) Dado que, se tivermos em conta a definição de acto administrativo - conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto - Manual de Direito Administrativo do Prof. Marcelo Caetano, Volume I, página 428;
30) Não existem dúvidas de que o acto é recorrível, pois prejudica o recorrente;
31) E, não se pode afirmar, corno se diz na sentença recorrida de que tal acto não é lesivo dos interesses do recorrente;
32) Segundo o n.° 4 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa dispõe: “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, e impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas…”;
33) Dúvidas não existem, que a decisão proferida pelas entidades recorridas prejudica o recorrente na sua esfera jurídica, se efectivamente for cumprida pela entidade recorrida;
34) Segundo o parecer do Dr. Vital Moreira e Gomes Canotilho na anotação ao artigo 268° da C.R.P., ponto XII, página 939: “Diferentemente do que acontecia com a anterior redacção do n.° 4, o acto administrativo susceptível de recurso não carece de ser «definitivo» e «executório», interessa, porém, esclarecer o alcance jurídico-constitucional da eliminação da definitividade e executoriedade do acto como pressuposto do recurso jurisdicional. Em primeiro lugar, poder-se-ia dizer que a Constituição não fez mais que purificar o conceito de acto administrativo susceptível de recurso, pois as dimensões de definitividade e executoriedade já algum tempo tinham deixado de ser consideradas dimensões imprescindíveis do acto contenciosamente impugnável. O que exige, porém, é que se trate de um verdadeiro acto administrativo, ou seja, decisão de autoridade tomada no uso de poderes jurídico-administrativos com vista à produção de efeitos jurídicos externos sobre determinado caso concreto (cfr. Decreto-Lei n.° 442/91, art. 120°), De qualquer modo, a nova redacção do preceito tem consequências várias juridicamente relevantes: l) visto que a definitividade (ou definitividades verticais e horizontais) do acto impugnado já não constitui um pressuposto processual para a proposição de recurso jurisdicional, então o recurso hierárquico administrativo tem de ser meramente facultativo, sendo constitucionalmente duvidoso que a lei possa estabelecer «recursos hierárquicos obrigatórios»…”;
35) Nos presentes autos, estamos perante um caso que tem inteiro cabimento na nova redacção do artigo 268° da C.R.P;
36) Deverá ser Revogada a Sentença recorrida e ordenar-se o prosseguimento do processo até final;
37) Não se compreendendo assim, as decisões e deliberações proferidas no âmbito do processo até ao momento, pela entidade recorrida;
38) Tudo que é referido, na Sentença recorrida, mais não passa de uma retórica sem qualquer valor jurídico, sendo apenas um modo pouco dignificante de "empatar" e prejudicar o Recorrente, por parte da entidade recorrida;
39) Acresce que, conforme já se disse, além de não terem aplicação ao licenciamento do recorrente as norma jurídicas enumeradas na exaustiva fundamentação (?!) contidas na Sentença recorrida, as mesmas estão em contradição com o que se diz, e que as mesmas dispõem;
40) Na verdade, em tal Sentença, nem sequer se faz qualquer referência a normas legais, o que por si só acarreta a nulidade de tal Sentença;
41) A Sentença recorrida tem de ser Revogada, e assim, o Despacho/deliberação recorrido tem de ser anulado;
42) Por outro lado, o acto em causa, constitui lesivo dos interesses do Recorrente, pois, com tal decisão, ficou o Recorrente privado de licenciar o seu projecto;
43) Não podemos concordar que o acto tenha sido meramente informativo, pois o processo já estava em andamento, e com tal decisão, o Recorrente seria obrigado a iniciar a sua pretensão de início;
44) Tal acto restringiu o direito e interesse do Recorrente, portanto terá de se considerar um acto lesivo, e como tal terá de ser anulado;
45) Daí que a sentença recorrida sofra do vício de omissão de pronúncia;
46) Uma Sentença que contenha tal vício é nula nos termos da alínea d) do artigo 668° do Código do Processo Civil, aplicável neste caso em concreto em virtude do disposto no artigo 1° da L.P.T.A.;
47) Além do vício invocado pelo Recorrente na p.i., e que o Meritíssimo Juiz “a quo” não conheceu na Sentença recorrida, existe ainda um outro;
48) Tal vício foi o invocado pelo recorrente, acerca deste não ter sido ouvido antes da emissão do despacho recorrido, nos termos dos artigos 100° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo;
49) E, com tal omissão cometeu a entidade recorrida uma nulidade;
50) Todavia, o Meritíssimo Juiz “a quo” ao não se pronunciar sobre tal questão invocada na p.i. e alegações pelo recorrente, e nada se dizer sobre ela na sentença recorrida, cometeu-se assim, e, também uma nulidade;
51) Pelos mesmos fundamentos já acima expostos a sentença recorrida sofre do vício da nulidade - OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
52) Daí que tal Sentença tenha obrigatoriamente de ser REVOGADA;
53) Acresce que, a mesma Sentença não apreciou a questão da falta de fundamentação invocada na p.i., e alegações, como o vem sendo pela nossa jurisprudência;
54) A Sentença recorrida viola:
- Constituição da República Portuguesa: artigos 13°, 266° e 268°;
- Código do Procedimento Administrativo: artigos 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 51°, 100°, 124°, 125°, 128° e 133°;
- Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro: n°s. 1 e 4 do artigo 106°; -Artigo 668° do CPC

Em contra-alegações defende-se que a sentença recorrida se deve manter.

A EMMP emitiu parecer a fls. 125 a 128, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. Com data de 13 de Novembro de 2001, o Autor dirigiu à Presidente da Câmara Municipal de Leiria um pedido de licença "para a operação urbanística que consta de legalização de pavilhão", recebido nos serviços camarários em 18/12/2001 (fls. 22 do P.A.};
2. Pelo ofício n.º 1405, datado de 25/02/2002, dirigido pela Câmara Municipal ao Autor, foi comunicada a intenção de indeferimento do pedido de licenciamento e formulado o convite à pronúncia em sede de audiência prévia (Fls. 32 do P.A.);
3. Consta do of.º n.º 3939, datado de 20 de Maio de 2002, subscrito pelo Director do Departamento de Obras Particulares, por delegação da Presidente da Câmara, dirigido ao Autor (fls. 47 do PA):
"Relativamente ao assunto em epígrafe, e de acordo com o despacho do Senhor Vereador datado de 2002/05/15, cumpre-me informar Vossa Exa de que os elementos apresentados não permitem alterar a totalidade dos motivos que estiveram na base da proposta de Indeferimento, pelo que a pretensão foi indeferida, ao abrigo do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 24º do Decreto Lei n.º 555/99, de 18 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto Lei n. 177/01 de 04 de Junho, pelos motivos já transmitidos através do ofício n.º 1045 de 2002/02/25, nomeadamente no ponto1" 4. Consta do ofício n.º 5760, datado de 24 de Julho de 2002, subscrito pelo Director do Departamento de Obras Particulares, por delegação da Presidente da Câmara, dirigido ao Autor (fls. 52 do P.A.); "(...) cumpre-me informar Vossa Exa de que foi manifestada a intenção de o notificar para, no prazo de sessenta dias, demolir o pavilhão, (...) que levou a efeito clandestinamente (...) ao abrigo do disposto no artigo 106.º do Decreto Lei n.º 555/99 (...).
Assim, e tendo em conta o disposto no n.º 3 do mesmo artigo do referido diplome legal, fica Vossa Exa notificado para, no prazo de 15 dias, contados a partir da recepção do presente ofício, se pronunciar sobre o assunto, caso pretenda. "
5. Com data de 9 de Dezembro de 2002, foi emitido um “mandado de notificação” do qual consta (Fls 57 do PA):
"Na sequência da exposição apresentada nestes Serviços em sede de audiência do interessado, da qual não constam elementos técnicos que permitam obstar aos motivos que estiveram na origem da proposta de demolição da obra abaixo descrita, mando (...) notifique o senhor Joaquim ... (...) informando-o de que, por despacho datado de 2002/12/05, e de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 106.º (...), lhe foi concedido o prazo de sessenta dias, a contar da data em que foi notificado, para demolir o pavilhão, a que corresponde a participação n.º 2676 (. ..).
Caso não cumpra, será a Câmara a proceder à referida demolição, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 106.º da disposição legal acima referida. "
6. Do verso do documento referido no ponto anterior, consta, subscrita pelo Autor a respectiva notificação, em 6 de Janeiro de 2003 (idem)
7.Por requerimento de 11 de Fevereiro de 2003, o Autor corrigiu o número dos processos indicados em sede de audiência prévia, requerendo a reapreciação do pedido de licenciamento (Fls. 59 do PA)
8.Consta do ofício n.º 2268, datado de 19 de Março de 2003, subscrito pelo Director do Departamento de Obras Particulares, por delegação da

Presidente da Câmara, dirigido ao Autor (fls. 62 do P.A.);
"Relativamente ao teor da exposição em epígrafe (...) cumpre-me informar Vossa Exa de que os elementos constantes da mesma não permitem alterar os motivos de indeferimento da pretensão, (...) pelo que deverá o requerente dar cumprimento ao mandado de notificação efectuado em 2003/01/06" . 9. Consta da “informação” do Dep. de Obras Municipais, datada de 25 de Agosto de 2004, sob o “Motivo: Demolição de um pavilhão clandestino” (Fls. não numerada do PA):
"Depois da visita efectuada ao local, sito no lugar de Barqueiro, nos B...., verificou-se que o referido pavilhão de um piso está concluído, formado pelas seguintes características construtivas: pilares, vigas, lintéis de betão armado, cobertura de chapas termolacadas, caleiras, portões em chapa de alumínio, vãos e paredes em tijolo, ocupando a área aproximada de 738.00 m2, como se pode verificar nas fotos anexas. Considerando as características da construção e a sua área, estima-se o seu custo total em 10.785,00 (...), conforme medição e o orçamento em anexo.
10. Consta do ofício n.º 17757, datado de 8 de Outubro de 2007, recebido pelo Autor no dia 10 seguinte, subscrito pelo Director do Departamento de Obras Municipais, por delegação da Presidente da Câmara, dirigido ao Autor, sob a epígrafe “Demolição de um barracão, sito em Barqueiro - B..” (fls. não numeradas do PA):
"Relativamente ao assunto acima citado, informa-se V.Ex.ª que por despacho da Srª Presidente de 02 de Fevereiro de 2007, estes serviços irão proceder a um ajuste directo, para a demolição em causa, estimando-se os trabalhos no valor de € 10,785,00 + IVA, ficando todas as despesas à expensas de V. Ex.ª."
11. A petição inicial deu entrada em juízo, via correio electrónico, em 10 de Janeiro de 2008.

O Direito
A sentença recorrida julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto, absolvendo o Réu da instância, na acção administrativa especial no qual se impugna o despacho da Presidente da Câmara Municipal de Leiria, de 2 de Fevereiro de 2007.
O recorrente alega que a Sentença recorrida viola:
- Constituição da República Portuguesa: artigos 13º, 266º e 268º;
- Código do Procedimento Administrativo: artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 51º, 100º, 124º, 125º, 128º e 133º;
- Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro: nºs. 1 e 4 do artigo 106º; -Artigo 668° do CPC.

Vejamos
Das nulidades da sentença
Invoca o recorrente que a sentença recorrida padece de falta de fundamentação de direito e de omissão de pronúncia (cfr conclusões 40 e 42 a 51).
Quanto à nulidade da sentença prevista na al. b) do citado art. 668º do CPC, ocorre quando a sentença “…não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
Manifestamente não se verifica tal nulidade, já que a sentença recorrida contém fundamentação de direito, sendo pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido de que só se verifica tal nulidade quando haja total ausência de fundamentação, e já não quando esta seja (eventualmente) deficiente.
Quanto à nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC verifica-se se “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
Tal nulidade, de omissão de pronúncia, traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do art. 660º do CPC, que é o dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, no caso dos autos, não se vislumbra, qualquer questão que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal e que este não tenha resolvido, já que, tendo-se considerado que o acto impugnado era inimpugnável, a procedência desta questão prejudicava o conhecimento dos vícios imputados ao acto (como o própria sentença refere a fls. 90), pelo que não há qualquer omissão de pronúncia.
Também quanto à falta de lesividade do acto impugnado, a sentença não se lhe refere expressamente.
No entanto, ao ter qualificado o acto como de execução, pronuncia-se pela sua não lesividade (cfr. fls. 93), podendo, quanto muito enfermar de erro de julgamento na qualificação do acto como inimpugnável, mas não de nulidade por omissão de pronúncia.
Improcedem, consequentemente, as nulidades imputadas à sentença recorrida.
Da inimpugnabilidade do acto
O acto impugnado pelo recorrente foi o despacho da Presidente da Câmara Municipal de Leiria (CML) de 02.02.2007, transcrito no ponto 10 do probatório, que decidiu o ajuste directo para a demolição, calculando em € 10.785,00 o respectivo custo, a expensas do recorrente.
Conforme se afirma na sentença recorrida, o ora recorrente, embora “dirigindo a sua impugnação contra aquele acto mais recente o de execução - invoca vícios pretensamente invalidantes dos anteriores, de indeferimento do pedido de legalização e de ordem de demolição, nada referindo susceptível de afectar a validade daqueles”.
Ora, o acto que definiu, a situação jurídica do recorrente foi aquele que considerando improcedente o seu pedido de licenciamento, ordenou a demolição voluntária da obra de construção do barracão agrícola e que lhe foi notificado em 06.01.2003 (cfr. pontos 5 e 6 do probatório).
Quanto ao acto ora impugnado, notificado em 10.10.2007, apenas executa ou concretiza aquela ordem de demolição, que por não ter sido, voluntariamente acatada pelo Autor, passará a ser realizada pelos serviços da própria autarquia, procedendo para o efeito a um ajuste directo, a expensas daquele.
Conforme se escreveu no Ac. deste TCAS de 10.03.2005, Proc. 00557/05 “tem sido jurisprudência uniforme do STA a que sustenta que, uma
vez decidida a demolição de obra construída sem licença, os actos ulteriores que determinam a posse administrativa do prédio e a execução coerciva dos trabalhos de demolição, são actos de mera execução. Ora, os actos de execução que se limitam a desenvolver e concretizar a determinação contida no acto exequendo são irrecorríveis, na medida em que, não sendo mais do que o efeito lógico necessário do acto anterior, não assumem autonomamente potencialidades lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos, (cfr. entre outros, o Ac. do STA, de 23-05-96, AP. DR, de 23-10-98, pág. 3921).”.
E, como se refere na sentença recorrida e no Ac. do STA de 20.02.2008, proc. nº 549/02, nela citado, a impugnação dos actos de execução é admissível apenas nos casos em que estes excedem os limites do acto exequendo, ou que padeçam de ilegalidade própria, ou autónoma, i.e., desde que tal ilegalidade não se prenda com o acto primário em que funda.
Efectivamente, só são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos de execução que excedam os limites do acto exequendo ou os actos de execução arguidos de ilegalidade desde que esta não seja consequência da ilegalidade do acto exequendo (art. 151º, nº 3 e 4 do CPA).
No caso em apreço, a determinação de execução, verificada a condição de inexecução voluntária, já constava do acto exequendo e do “mandado de notificação”, indicado no ponto 5 dos factos provados, que o notificou ao interessado, no qual se dizia: “(...), lhe foi concedido o prazo de sessenta dias, a contar da data em que foi notificado, para demolir o pavilhão, a que corresponde a participação n.º 2676 (. ..).
Caso não cumpra, será a Câmara a proceder à referida demolição, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 106.º(…)”.
Ora, decorrido esse prazo sem que tenha havido execução voluntária daquele acto, cabia aos serviços praticar os actos necessários à imediata execução do mesmo, o que o acto impugnado concretiza, sem exceder o âmbito do despacho exequendo, nada inovando em relação aquele, não podendo enfermar de vícios autónomos (nº 4 do art. 151º do CPA).
Ora, da petição inicial do A. resulta que os vícios que este imputa ao acto impugnado (acto de execução) não são vícios próprios desse acto, constituindo, antes, invalidades que deveriam ter sido assacadas ao acto final do procedimento de licenciamento, emitido pela CML, e que indeferiu a pretensão do A., ordenando que este procedesse, voluntariamente, à demolição do pavilhão.
E, nas presentes alegações de recurso jurisdicional, o recorrente continua a confundir, no que à impugnação se refere, o acto que indeferiu a sua pretensão, e determinou a demolição voluntária do pavilhão, com o acto de execução da demolição coerciva impugnado.
Ora, como já se disse, era aquele acto (indicado no ponto 5 do probatório) o acto administrativo susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos, e com eficácia externa (cfr. arts. 120º do CPA e 51º, nº 1 do CPTA), o qual não impugnou - nem já o poderia fazer por ter, há

muito, decorrido o prazo de 2 meses, previsto no art. 28º, nº1, al. a) da LPTA, (então em vigor), ou mesmo o prazo de três meses a que se reporta o art. 58º, nº 2, al. b) do CPTA, para a sua impugnação.
Termos em que, ao ter entendido que o acto impugnado contenciosamente, era inimpugnável, absolvendo o réu da instância (cfr. arts. 89º, nº 1, al c) do CPTA e 288º, nº 1, al e) do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA), a sentença recorrida ajuizou correctamente não tendo violado os preceitos constitucionais e legais invocados pelo recorrente.
Improcedem, consequentemente, todas as conclusões do recorrente.

Pelo exposto, acordam em:
a) - negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida;
b) - condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 UC, já com redução a metade (arts. 73º-D, nº 3 e 73º-E, nº 1, al. b) do CCJ).

Lisboa, 26 de Março de 2009