Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:44/21.9 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:INIMPUGNABILIDADE DA DECISÃO ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
RECURSO DE REVISÃO
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I- Infere-se do teor literal do normativo 27.º do RJAT, e da sua ratio legis, que a expressão “decisão arbitral” visa, tão-só, integrar, a decisão final e não uma decisão interlocutória.
II- É admissível a impugnação da decisão arbitral que põe termo ao recurso extraordinário de revisão por falta de verificação dos pressupostos legais atinentes ao efeito, porquanto é uma decisão final passível de subsunção normativa no artigo 27.º do RJAT, e abstratamente enquadrável no fundamento da “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c), do artigo 28.º, n.º 1 do RJAT.
III- O erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. A propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma.
IV- Se o Tribunal Arbitral se reconstitui para apreciar um pedido de revisão com fundamento em oposição da decisão arbitral revidenda já transitada com jurisprudência do TJUE, mas decide que o pedido não apresenta fundamento válido de revisão, tal consubstancia eventual erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, donde radicada no mérito e, portanto, cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, Subsecção Comum, deste Tribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Impugnante), deduziu impugnação ao abrigo dos artigos 27.º, e 28.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (RJAT), dirigida a este Tribunal visando decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo no âmbito do processo …../2019-T, que indeferiu o requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).

A Impugnante formula as seguintes conclusões:

A. A decisão que indeferiu o Recurso de Revisão apresentado pela agora Impugnante é nula por configurar uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial, e por assentar numa interpretação inconstitucional dos normativos aplicáveis.

B. E, nessa medida, é impugnável, nos termos do disposto na primeira parte da alínea c) do artigo 28.º do RJAT, por pronúncia indevida.

C. Está jurisprudencialmente assente que a questão da incompetência dos tribunais arbitrais integra-se no conceito de “pronúncia indevida”, enquanto fundamento para a dedução de Impugnação de Decisão Arbitral, a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do TCAS, proferido em 03/12/2020 no âmbito P. 123/19.2BCLSB, e 177/2016 do TC, proferido em 29/03/2016.

D. Pelo que o conceito de “pronúncia indevida” previsto no artigo 28.º/1-c), 1.ª parte, do RJAT, abrange os casos em que, por via da impugnação, se pretende a sindicância de questões referentes à competência do tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD.

E. As questões referentes à competência tanto podem dizer respeito aos casos em que o tribunal arbitral não podia sequer decidir, por vício na sua constituição; conheceu de questões que não podia conhecer; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu a sua competência; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu o prazo para as conhecer; ou, como interessa para os presentes autos e para esta impugnação, os casos em que o tribunal arbitral não se considera ele próprio competente para apreciar a questão.

F. A decisão ora em crise, de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão.

G. E tal é manifesto quando afirma que a AT “(…) nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado ‘uma instância de recurso”.

H. Ainda que tal correspondesse à verdade, o que não se concede, é inquestionável que não cabe à Impugnante explicar a um órgão jurisdicional as noções básicas de organização judiciária portuguesa, até porque foi invocado todo o arsenal legal, doutrinário e jurisprudencial necessário para a formação de tal juízo.

I. A decisão ora colocada em crise consubstancia uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete, com o culminar de uma decisão de natureza exclusivamente processual pela qual o Tribunal Arbitral se coloca, ilegalmente, à margem do sistema jurídico, enveredando, para tanto, numa “pronúncia indevida”.

J. Consubstanciando a sua posição no facto de, alegadamente, o TJUE não ser uma “instância internacional de recurso” para efeitos da legislação processual portuguesa, de o acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo 0360/13, não ser aplicável ao caso vertente, e, por fim, por nos processos de Reenvio Prejudicial, o TJUE não funcionar enquanto instância de recurso, mas sob as vestes de colaboração de juízes.

K. Porém, e salvo o devido respeito, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder.

L. O primeiro, e como se deixou bem expresso na presente Impugnação, não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, o “(…) TJUE é uma instância internacional vinculativa para o Estado português”, pois ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

M. É, precisamente, neste sentido que deve ser interpretado o conceito de “instância internacional de recurso”, e não na dimensão redutora empregue pelo Tribunal Arbitral.

N. Também não colhe o argumento segundo o qual o acórdão do STA, invocado pela Impugnante, não é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial.

O. Em primeiro lugar porque o Tribunal Arbitral não logrou fundamentar as motivações que subjazem a tal conclusão.

P. Seja como for, certo é que, estando em causa a interpretação de normas comunitárias (como é o caso do IVA), obviamente que nem a espécie processual, nem o autor da ação poderiam (e poderão), por si só, constituir fatores determinantes para o acesso, ou não, ao instituto do Recurso de Revisão.

Q. Não se vislumbra uma razão objetiva e válida que justifique uma diferença de tratamento recursório entre uma ação por incumprimento e um Reenvio Prejudicial para efeitos do acionamento do artigo 696.º-f) do CPC.

R. Antes pelo contrário, a doutrina produzida sobre esta matéria não tem dúvidas quanto à aplicação do artigo 696.º-f) do CPC, independentemente de a decisão do TJUE ser o culminar de uma ação por incumprimento ou de um Reenvio Prejudicial.

S. Também a jurisprudência está alinhada com a posição doutrinal, conforme decidido pelo TCA Norte, em 03/12/2020, no âmbito do P. 00036/11.6BEPNF-A.

T. Quanto à afirmação de que o TJUE apenas funciona sob as vestes de colaboração de juízes, e tomando por base tudo o que se disse anteriormente, naturalmente também este argumento não tem sustentação.

U. Não existem dúvidas que a União Europeia não constitui uma federação e tão-pouco possui um tribunal federal, assim como não possui um sistema de tribunais próprios, com vista à aplicação exclusiva do seu direito.

V. E que na ausência de tal sistema, a arquitetura jurisdicional da União Europeia assenta nos tribunais nacionais existentes nos Estados-Membros.

W. Entre o TJUE e os tribunais nacionais existe uma relação de cooperação horizontal, o que, como se viu, não invalida que o TJUE seja instância internacional vinculativa para o Estado Português, designadamente nas situações de Reenvio Prejudicial, ou seja, quando perante um órgão jurisdicional nacional foi suscitada uma questão de interpretação nova e que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia, como, aliás, já se pronunciou o TC no Acórdão n.º 422/2020, de 15/07/2020.

X. Assim, é evidente que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia.

Y. O que se traduz na circunstância de os tribunais nacionais, incluindo os constituídos sob a égide do CAAD, ficarem vinculados à interpretação decidida pelo TJUE, não só nos respetivos reenvios prejudiciais, mas também nas situações em que estão reunidos os pressupostos de que depende o recurso extraordinário de Revisão, como in casu, pois o que aqui está em causa não é mais do que a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia e a garantia do primado do direito europeu.

Z. Razão pela qual se entende que o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial.

AA. Acresce ainda referir que o artigo 696.º-f) do CPC, em articulação com o artigo 293.º/1 do CPPT e o artigo 29.º/1-e) do RJAT, é inconstitucional, na interpretação normativa de que o TJUE não constitui uma “instância internacional de recurso”, designadamente nas situações em que profere um acórdão em resultado de um Reenvio Prejudicial, por violação dos artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 e da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

BB. A forma como o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou as citadas normas é, desde logo, atentatória do dever de observância do Direito Europeu (artigo 8.º/4 da CRP) e, nessa medida, inconstitucional (artigo 204.º da CRP), uma vez que, tal como tem sido reiteradamente referido pela jurisprudência nacional e é corolário do Reenvio Prejudicial (previsto no artigo 267.º do TFUE), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.

CC. E colocou em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia, a par da garantia do primado do Direito Europeu.

DD. A interpretação e aplicação efetuadas pelo Tribunal Arbitral viola os princípios da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva, pois negou à Impugnante o exercício de meios de reação legais expressamente consignados na lei e cujos pressupostos estão reunidos.

EE. E dessa forma está a colocar-se à margem de normas de Direito Europeu e à jurisdição comunitária, pese embora saiba que o nosso sistema jurídico está obrigado a acolhê-las, olvidando, por completo, o papel que cabe a todos os órgãos jurisdicionais de zelarem e aplicarem o Direito da União Europeia, de que o IVA é clássico exemplo.

FF. Aqui chegados e, tendo em conta que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia e, bem assim, que as decisões prejudiciais têm efeito «EX-TUNC» (e não «EX-NUNC»), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico,

GG. entende a Impugnante que um interpretação conjugada dos artigos 696.º-f) do Código de Processo Civil, 293.º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário e 29.º/1-e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que resulte na não admissão de recurso de revisão, com base no entendimento de que o Tribunal de Justiça da União Europeia não é uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, viola os artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que é contrária ao Primado do Direito da União e ao Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, sendo assim inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.

HH. Por todo o exposto conclui-se que a decisão que rejeitou o Recurso de Revisão é nula, devendo ser substituída por decisão que admita o Recurso e analise os fundamentos ali aduzidos.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


***

A Entidade Impugnada, devidamente notificada, apresentou contra-alegações concluindo da seguinte forma:

“I. Vem a presente impugnação judicial interposta da douta decisão Arbitral que indeferiu liminarmente a admissibilidade do recurso de revisão instaurado pela impugnante em sede de arbitragem tributária.

II. Ou seja, a decisão Arbitral da qual se pretende recorrer não é uma decisão arbitral sobre o mérito da causa, mas sim um despacho liminar de não admissão do recurso de revisão nos termos do artigo 699 nº 1 do CPC, conforme referido expressamente na decisão arbitral.

III. Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, o qual foi introduzido pelo Dec. Lei n.º 10/2011, de 20/1 (R.J.A.T.), os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consistem na impugnação da decisão arbitral consagrada no artº.27º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28º, nº.1.

IV. Ora, a decisão arbitral a que o artigo 27º do RJAT se refere é a decisão arbitral referida no artigo 21º do mesmo diploma sob a égide de decisão arbitral, ou seja, a que for proferida no decurso do processo arbitral e que deve ser emitida no Prazo de seis meses a contar da data do inicio da constituição do tribunal arbitral (crf. artigo 21º do RJAT).

V. E não a uma decisão que mais não é do que um despacho liminar de indeferimento de recurso de revisão.

VI. Ou seja, e sem mais delongas, o despacho do qual se recorre através da presente impugnação não é suscetível de impugnação ainda que se verificassem os fundamentos para a impugnação nos temos do artigo 28 º do mesmo diploma, o que não se concede e que só por mera cautela de patrocínio se admite, já que não configura uma decisão arbitral sob o mérito da causa.

VII. Na verdade, no regime da arbitragem tributária o desígnio legislativo foi de restringir os recursos das decisões arbitrais, revelado na alínea h) do nº 4 do artigo 124.º da Lei 3/b/2010 de 28 de Abril , na qual a Assembleia da República deu ao Governo a autorização legislativa na qual se baseou o DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regulamenta a arbitragem e que consagrou a regra da irrecorribilidade da decisão arbitral em matéria tributária, com exceção dos recursos de constitucionalidade e o recurso por oposição de acórdãos do STA, nos termos do art.º. 25.º do RJAT. e da impugnação da decisão arbitral, prevista nos arts. 27.º e 28.º do RJAT.

VIII. Aliás mesmo no regime de recursos no CPPT, CPTA e no CPC, o despacho de não admissão de recurso apenas possibilita reclamação nos termos do artigo 282 do CPPT e não qualquer instância de recurso.

IX. Face ao exposto, não é admissível impugnação judicial do despacho do relator da decisão arbitral que não admitiu recurso de revisão.

X. Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consistem na impugnação da decisão arbitral, consagrada no artº. 27º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº. 28º, nº.1, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais Tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CP Civil.

XI. Reitera-se que, a impugnante impugna um despacho de não admissão de recurso de revisão,

XII. É fato que a doutrina e a jurisprudência tem entendido que mesmo em sede de Arbitragem é possível instauração de recursos de revisão, mesmo não estando expressamente previsto o mesmo em sede de RJAT é de aplicar ao caso omisso ex vi do artigo 29 nº 1 alínea a) e o disposto no artigo 293 do CPPT .

XIII. Antes de mais, retira-se da leitura do estatuído no artigo 293º do CPPT que o Tribunal que proferiu a decisão revidenda será o competente para apreciar o pedido de revisão.

XIV. A tramitação por apenso significa que o processo não estará sujeito a distribuição nos tribunais arbitrários, sendo atribuído ao juiz competente para o processo a que o pedido de revisão está apenso, como se conclui do previsto no artigo 206.º, 2 do CPPT.

XV. Por outro lado, o artigo 293º do CPPT prescreve que a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revivenda.

XVI. Ou seja, o pedido formulado pela impugnante nunca poderia proceder atendendo a que o mesmo peticiona a declaração de nulidade da decisão arbitral.

XVII. Vem a Impugnante subsumir a presente impugnação na pronúncia indevida nos termos do artigo 28 nº 1 alínea c) 1 parte do RJAT.

XVIII. Trata-se de uma enumeração que tem sido entendida como “taxativa” dos fundamentos de impugnação da decisão arbitral.

XIX. Entende a Impugnante que a questão de indeferimento de recuso de revisão subsume no fundamento de impugnação de pronúncia indevida.

XX. Contudo, só uma interpretação muito extensiva do preceito, que se pretendeu taxativo e restritivo, poderia abarcar tal situação.

XXI. Se é certo que a pronúncia indevida faz parte do elenco taxativo dos fatos previstos para a impugnação judicial já não se pode subsumir o indeferimento de um recurso de revisão numa pronúncia indevida na incompetência material do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;

XXII. Aqui chegados, convirá aferir se o despacho de rejeição de recurso de revisão do qual se recorre configura uma incompetência material do tribunal arbitral.

XXIII. Na verdade, a decisão da qual se recorre, conforme já dito não é verdadeiramente uma decisão arbitral.

XXIV. Por outro lado, o fundamento da rejeição do recurso não se baseou na incompetência do tribunal arbitral, mas sim por entender “ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento indicado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por instância internacional de recurso “.

XXV. Na verdade, a pronúncia indevida, para além do excesso de pronúncia, que não é manifestamente o caso, inclui as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência.

XXVI. Refere a Impugnante, que o tribunal ele próprio não se considera competente e como tal há omissão de pronúncia, mas assim não é.

XXVII. Na verdade, o Tribunal conheceu do pedido de recurso e julgou-o manifestamente infundado e daí a sua rejeição.

XXVIII. Não há qualquer afastamento de competências como refere erradamente a Impugnante

XXIX. Pelo que nunca haveria qualquer pronúncia indevida na vertente de incompetência material por mais rebuscada que seja a tese da impugnante.

XXX. A decisão da qual se recorre não visa colocar o tribunal arbitral à margem do sistema jurídico, na verdade, nos termos do artigo 699º, nº 1, do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso de revisão:” o tribunal a que for dirigido indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para a revisão “.

XXXI. A própria decisão admite a possibilidade de recursos de revisão em sede de decisões arbitrais, o que o Tribunal entendeu é que não havia lugar, ora o fundamento para o recurso excepcional de revisão justificando e fundamentando a sua decisão.

XXXII. O Tribunal arbitral não afastou a sua competência para apreciar o recurso, apenas o rejeitou por falta de fundamento apreciando as questões indicadas pela Impugnante

XXXIII. Admitindo que existia fundamento para a impugnação judicial da decisão arbitral e indeferimento de recurso de revisão atenhamo-nos sobre a possibilidade de se subsumir na alínea f) do nº 1 do artigo 696º do CPC.

XXXIV. Na verdade, como muito bem entende o tribunal arbitral o acórdão do TJUE invocado pela AT não é proferido por uma instância internacional de recurso.

XXXV. Em primeiro, subscrevendo os fundamentos da douta decisão porque não se pode recorrer para o TJUE de decisões de tribunais nacionais e, por outro lado, porque ao acórdão em crise foi proferido num processo de reenvio e não em ação de incumprimento instaurado pela comissão europeia contra o Estado Português.

XXXVI. O TJUE não é uma instância de recurso para os casos de reenvio prejudicial, pois a decisão de interpretação é anterior à própria decisão do tribunal nacional sendo pacifico em sede jurisprudencial que a atuação em sede de TJUE em processos de reenvio não tem natureza de recurso, mas sim de colaboração entre juízes.

XXXVII. Face à natureza taxativa do disposto no artigo 696º do CPC aplicável ex vi do artigo 293º do CPPT e 29º nº 1 alínea e do RJAT a decisão arbitral que se impugnam não padece de qualquer vício não devendo ser anulada devendo manter-se a decisão de não admissão do recurso de revisão.”


***


O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

***


Colhidos os vistos dos Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão.

***


II. Fundamentação de Facto

A decisão arbitral impugnada possui o seguinte teor:

“A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do artigo 696.º, alínea f) do CPC, para que remete o artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

Neste caso, a decisão que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento do recurso de revisão é uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida em processo de reenvio prejudicial, no processo n.º C-581/19, junta aos autos.

Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Por isso, nos termos do artigo 699.º, n.º 1, do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: «o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão».

No caso em apreço, «não há motivo para a revisão», pois é manifesto que o acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito de um pedido de reenvio, não é proferido por «uma instância internacional de recurso».

Na verdade, desde logo, no processo de reenvio prejudicial o TJUE não funciona como instância internacional de recurso, para efeito da legislação processual portuguesa, que é a que está em causa aplicar.

Por outro lado, mesmo que se entenda que possam ser fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra Portugal ao abrigo do art. 258.º do TFUE (como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-07-2014, processo n.º 0360/13), no caso de acórdãos do TJUE proferidos em reenvio não se está perante uma acção desse tipo, pelo que não há razão para aplicar essa jurisprudência.

O TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois, desde logo, a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE.

Por outro lado, o reenvio prejudicial é facultativo e depende de decisão do órgão julgador português.

Nos termos do Artigo 104.º do REGULAMENTO DE PROCESSO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, a interpretação das decisões prejudiciais refere-se que não cabe ao TJUE interpretar as decisões que profere neste particular do reenvio prejudicial (nº.1) e que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar se estão suficientemente esclarecidos por uma decisão prejudicial, ou se entendem que é necessário dirigirem-se de novo ao Tribunal (nº. 2).

Finalmente, é o próprio acórdão junto pela recorrente que, ao afirmar a sua interpretação, declara que a mesma é "sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio", pois, além de ter de ser no caso considerada a factualidade relevante, os Estados membros podem isentar nas leis nacionais outras atividades não previstas nos regulamentos europeus.

Este entendimento, para além de ser evidente, é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE, e ficou consignado na Decisão Arbitral de indeferimento proferida no processo n.º 159/2019-T:

“– 28 Note se, a este respeito, que o artigo 234.° CE não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.° CE;( );

– Uma vez que o artigo 267.º TFUE não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente no tribunal nacional, o Tribunal de Justiça não pode ser obrigado a apreciar a validade do direito da União apenas porque esta questão foi invocada perante o mesmo por uma destas partes (acórdão de 30 de Novembro de 2006, Brünsteiner e Autohaus Hilgert, C-376/05 e C-377/05, Colect., p. I-11383, n.º 28);

– 9 Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio ( );

– “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for the national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and the case will then be sent back to the national courts, which will apply the Union law to the case at hand” ( );

– «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território» ( );

– «Importa começar por referir que um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial e que a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais.

Na sua arquitectura específica, não é também destinada a afrontar qualquer interpretação de normas internas alegadamente errónea ou aferir da violação de preceitos constitucionais dos diversos Estados-Membros.

Uma questão prejudicial antes corresponde a uma pergunta/pedido de resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra avaliar.

O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde ao de interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito» ( )”.

Realce-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira, no requerimento que apresentou, nem sequer explica, como estava obrigada, qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso. Nem tão pouco explicou em que termos um juízo pre-judicial, anterior à decisão de fundo do litígio e dirigido ao juiz nacional, é vinculativo para o Estado Português.

Como consignado na Decisão Arbitral de indeferimento proferida no processo n.º 159/2019-T, “Os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT são taxativos, como resulta do teor expresso do corpo daquele artigo 696.º: «a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando ...».

“Tratando-se, neste artigo 696.º, de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral a ela constitucionalmente associada (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional e da União Europeia, proferidas por uma «instância de recurso».”

Nestes termos, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de “recurso”.

Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão previsto na alínea f) do artigo 696.º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE proferida no processo no processo n.º C-581/19 é inconciliável ou não com a decisão arbitral preferida no presente processo e se deve considerar-se ou não vinculativa para o Estado Português, para efeitos daquela norma.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo …/2019-T, que indeferiu o requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela ATA.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar:

Ø Se a decisão arbitral é inimpugnável;

Ø Improcedendo a aludida inimpugnabilidade, se a decisão recorrida padece de nulidade por Pronúncia Indevida.

Comecemos pela Inimpugnabilidade da decisão.

A Impugnante sustenta que a decisão que indeferiu o Recurso de Revisão apresentado é nula por configurar uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial, e por assentar numa interpretação inconstitucional dos normativos aplicáveis, subsumindo-se, assim, na primeira parte da alínea c), do artigo 28.º do RJAT, por pronúncia indevida.

Dissente a Impugnada, desde logo, quanto à admissibilidade da presente impugnação, na medida em que a decisão Arbitral visada limitou-se a indeferir liminarmente a admissibilidade do Recurso de Revisão instaurado pela Impugnante em sede de arbitragem tributária, donde não é uma decisão arbitral sobre o mérito da causa, donde passível de integração no artigo 21.º do mesmo diploma sob a égide de decisão arbitral.

Vejamos, então.

Para o efeito comecemos, desde já, por atentar no normativo que regulamenta a impugnação arbitral, concretamente o artigo 27.º do RJAT, o qual sob a epígrafe de “impugnação da decisão arbitral” dispõe o seguinte:

“1 - A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respetivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral ou da notificação prevista no artigo 23.º, no caso de decisão arbitral emitida por tribunal coletivo cuja intervenção tenha sido requerida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º.
2 - Ao pedido de impugnação da decisão arbitral é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso de apelação definido no Código do Processo dos Tribunais Administrativos.
3 - A impugnação da decisão arbitral é obrigatoriamente comunicada ao Centro de Arbitragem Administrativa e à contraparte.”

Ab initio, e atentando na letra do normativo 27.º supracitado verifica-se que o mesmo ao reportar-se a “decisão arbitral” visa, tão-só, integrar, a decisão final e não uma decisão interlocutória.

Note-se que esta é a interpretação que melhor se coaduna com a própria ratio e delimitação da recorribilidade. Com efeito, o RJAT consagrou a regra da irrecorribilidade da decisão arbitral em matéria tributária, porquanto não permite recurso de mérito da decisão arbitral nem para uma segunda instância arbitral, nem para os tribunais judiciais.

Aliás, este é, também, o entendimento já sufragado por este Tribunal, designadamente, no âmbito dos processos nºs 15/21.5 BCLSB, de 13 de maio de 2021, 83/18.7 BCLSB, de 05 de junho de 2019, 124/17, de 22 de março de 2018 no processo nº 35/21, de 01 de junho de 2023, e bem assim no processo nº 33/21, de 11 de janeiro de 2024.

Contudo, in casu, contrariamente ao advogado pela Impugnada, não se verifica a aludida inimpugnabilidade, na medida em que nos encontramos perante uma decisão final, rigorosamente uma decisão final que incide sobre o Recurso de Revisão, a qual visa “combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto(1), sendo considerado como um recurso de reparação. É essa especial gravidade que admite a cedência da certeza e da segurança jurídica conferida pelo princípio do caso julgado .”.(2)

(1)José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3, T. I, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 222.

(2)Cfr., v.g., neste particular, o Acórdão do STJ, prolatado no âmbito do processo 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, de 13.12.2017, convocado, desde logo, no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 542/14, de 27.01.2022

Quanto ao âmbito, extensão e expediente de reação ao aludido recurso de revisão, e tendo presente o teor das alegações da Entidade Impugnada, importa chamar à colação o doutrinado no Acórdão prolatado por este Tribunal no âmbito do processo nº 542/14.0BEALM-S1, de 27 de janeiro de 2022, o qual aborda, justamente, essas questões e do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“O recurso de revisão deve ser apresentado no prazo de 30 dias (cfr. art.º 293.º, n.º 3, do CPPT) e dentro do prazo de quatro anos a contar do trânsito em julgado da decisão revidenda (cfr. art.º 293.º, n.º 1, do CPPT), no tribunal que proferiu tal decisão (cfr. art.º 697.º, n.º 1, do CPC). O recurso de revisão pode ser liminarmente indeferido, como resulta do disposto no n.º 1 do art.º 699.º do CPC. Esse indeferimento liminar pode, desde logo, resultar da falta legitimidade ativa, da circunstância de a decisão não ter transitado em julgado e de terem sido excedidos os prazos previstos no art.º 293.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT. (3)
Por outro lado, nos termos do n.º 2 do art.º 699.º do CPC, o recurso pode ser imediatamente indeferido, caso não tenha sido instruído nos termos exigidos (cfr. art.º 293.º, n.º 3, do CPPT, e art.º 698.º do CPC) ou quando de imediato se reconheça que não há motivo para revisão.
Caso haja este indeferimento liminar, da decisão proferida cabe recurso, atento o disposto no art.º 629.º, n.º 3, al. c), do CPC, e não reclamação nos termos do art.º 643.º do CPC, ao contrário do pugnado pela Recorrida [v., neste sentido, os Acórdãos deste TCAS de 29.11.2016 (Processo: 1005/12.4 BELRA-D), de 29.06.2017 (Processo: 274/10.9BEBJA-A) e de 20.05.2021 (Processo: 3260/11.8BELSB-S1-R1)].
(…)
Conclui-se, assim, que tanto à luz do regime anterior como à luz do atual, do despacho proferido pelo tribunal a quo … (rejeição liminar do recurso de revisão) não cabia reclamação, mas sim recurso.”
(…)
(…) Com efeito, como também se afirmou no ac. deste TCAS de 29.06.2017, proc. n.º 274/10.9BEBJA-A:
“O recurso de revisão assume características típicas de uma acção declarativa ou de reconhecimento de uma pretensão em sentido amplo, como nos é revelado pelos pressupostos processuais e fundamentos específicos que o disciplinam, em especial, pelo facto de na petição de recurso a parte ter de alegar e comprovar possuir legitimidade para aduzir a revisão da sentença, estar em tempo e que se verifica, concretizando devidamente, uma das situações previstas no n.º 2 do preceito em apreço (isto é, que foi proferida decisão judicial transitada em julgado que declarou falso um documento que tenha sido essencial para a decisão cuja revisão vem peticionada, a existência de um documento novo que o interessado não tenha podido nem devesse ter apresentado no processo em que a decisão a rever foi proferida e que, só por si, seja suficiente para destruir a prova aí realizada ou a falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia)”.
Na verdade, ainda que respeitante a recurso extraordinário, o requerimento obedecerá a uma estrutura semelhante à da petição inicial, mormente no que se refere à alegação da matéria de facto e de direito que sustenta a pretensão de revisão (neste sentido, desenvolvidamente, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 5.ª ed., 2018, p. 496-501)”.

E por assim ser, sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, encontramo-nos perante uma decisão final que põe termo ao recurso extraordinário de revisão por falta de verificação dos pressupostos legais atinentes ao efeito, concretamente por o Tribunal Arbitral ajuizar que não se verifica “[o] pressuposto a que se refere o artigo 696.º, alínea f), do CPC, uma vez que a decisão do TJUE invocada como fundamento do recurso não deve ser entendida como tendo sido proferida por uma instância internacional de recurso”, logo uma decisão passível de subsunção normativa no citado artigo 27.º do RJAT, e abstratamente enquadrável no fundamento da “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c), do artigo 28.º, n.º 1 do RJAT.

Improcede, assim, a arguida inimpugnabilidade.

Analisemos, ora, a questão atinente à pronúncia indevida.

A Recorrente defende que a decisão de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão, consubstanciando, assim, uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete.

Mais aduz que, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder, na medida em que não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, que o TJUE ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

Existindo, outrossim, errada valoração no atinente ao acórdão do STA, invocado pela Impugnante, porquanto contrariamente ao evidenciado é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial.

Sublinhando, para o efeito, que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia, donde o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial.

Dissente a Impugnada, relevando, desde logo, que só uma interpretação muito extensiva do preceito, que se pretendeu taxativo e restritivo poderia abarcar a presente situação na pronúncia indevida, porquanto o Tribunal Arbitral não funcionou de modo irregular ou excedeu a sua competência, nem visa colocar o mesmo à margem do sistema jurídico.

Densifica, para o efeito, que o fundamento da rejeição do recurso não se baseou, contrariamente ao evidenciado pela Impugnante, na incompetência do Tribunal Arbitral, mas sim por entender ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento indicado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por instância internacional de recurso.

Vejamos.

Preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto no artigo 615.º alíneas d) e e) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando: “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e bem assim quando “o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido”.

Dir-se-á, portanto, que o vício de excesso de pronúncia ocorre sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ele ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido(3)

(3) José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, proferido no processo nº proc.6505/13, de 2 de julho de 2013..

Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, ou condena em objeto diverso do pedido, a decisão enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).

Note-se que, não obstante o Tribunal não estar sujeito às alegações das partes, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, nº 3, do CPC), a verdade é que em ordem ao consignado no artigo 609.º, nº1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Neste particular, importa relevar que o conceito de pronúncia indevida previsto na primeira parte da alínea c), do nº1, do artigo 28.º do RJAT como fundamento de impugnação da decisão arbitral é mais abrangente que o excesso de pronúncia previsto no citado artigo 615.º e bem assim do normativo 125.º do CPPT. O legislador pretendeu abranger duas situações, uma primeira que compreende as situações em que o tribunal arbitral conhece de questões de que não podia conhecer, ou seja, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório, condenando além do pedido-excesso de pronúncia e outra sempre que o tribunal arbitral conhece sem o poder ter feito, por existir um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências(4)

(4) Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo nº 09286/16, de 28 de abril de 2016.:

Visto o direito, importa transpor o mesmo para o caso vertente, relevando, desde já, que a pretensão da Impugnante se reconduz a erro de julgamento, porquanto no seu entendimento a questão foi, erradamente, julgada padecendo de errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Aliás, se atentarmos no teor das suas alegações verifica-se que é a própria que acaba por concluir no sentido do erro de julgamento, no sentido que nenhum dos argumentos convocados pelo Tribunal Arbitral são aptos a proceder.

Ora, como é consabido, o erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal.

Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Nessa medida, caso se verifique um fundamento de anulação, este Tribunal deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra (5)

(5)cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes..

Dir-se-á, portanto, que, no sentido advogado pela Impugnada, o Tribunal Arbitral considerou-se competente para apreciar o Recurso de Revisão, mas, no entanto, -independentemente da bondade da decisão que não cumpre, ora, apreciar, porquanto cerceada-, indeferiu-o. Com efeito, pronunciou-se sobre o requerido, contudo entendeu que não se verificavam os respetivos pressupostos legais atinentes ao efeito.

Neste particular, e uma vez que a questão foi tratada por este Tribunal, no Acórdão proferido no âmbito do processo 79/21.1BCLSB, datado de 27 de outubro de 2021 (6) , uma vez que a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, com similitude inclusive no teor das respetivas alegações, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no citado Aresto, a cuja fundamentação se adere:
“Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.

(6)No mesmo sentido, vide Arestos deste TCAS, proferidos, designadamente, nos processos nº 45/21, de 20.12.2022, 46/21, de 19.01.2023 e 33/21, de 11.01.2024.


Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.
A questão dos autos afigura-se-nos simples face aos poderes de cognição do TCAS delimitados anteriormente e que constituem jurisprudência assente deste Tribunal.
Alega a impugnante que a decisão arbitral revidenda, transitada em julgado em 04/10/2020, decidiu a mesma questão de direito em oposição ao Ac. do TJUE proferido em 04/03/2021 (rectificado em 23/03/2021) e que corresponde ao entendimento por si preconizado na resposta que apresentara ao pedido de pronúncia arbitral.

Com esse fundamento, dirigiu ao CAAD um pedido de reconstituição do Tribunal Arbitral Singular com vista à admissão e provimento do Recurso de Revisão à luz do disposto no art.º 696.º, al. f) do CPC, a fim de se operar a revogação da decisão arbitral inicialmente proferida e o proferimento de nova decisão conciliável com o citado ac. do TJUE.
Como também alega a Impugnante e documentam os autos, reconstituído o Tribunal Arbitral Singular, veio o mesmo por decisão proferida em 24/06/2021 e notificada em 28/06/2021, indeferir o requerimento de Recurso de Revisão por considerar “… ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso”.
Pretende a impugnante – e a tanto se reconduz o fundamento da presente impugnação – que a decisão arbitral proferida se mostra contrária à Constituição e à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.
Sucede que, se o Tribunal Arbitral foi reconstituído e decidiu, o mérito dessa pronúncia não pode ser sindicado por este TCAS por via de impugnação, ainda que com apelo a razões de ordem constitucional.
Este Tribunal não pode sindicar se o Tribunal Arbitral decidiu bem ou mal o pedido de revisão, pois tal equivaleria a sindicar erros de julgamento (“error in judicando”) da decisão de revisão, que mesmo pretensamente grosseiros, escapam aos poderes de cognição que a lei lhe confere, como acima deixamos explicado.
A impugnação não pode proceder com o fundamento invocado.”

Assim, face a todo o exposto e aderindo ao entendimento supra expendido, se a Impugnante, sob a invocação de nulidade por pronúncia indevida, argui um erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, tal questão já radica no mérito e nessa medida está cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição, razão pela qual a presente impugnação terá de improceder.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, Subsecção Comum, deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, e manter a decisão impugnada.
Condena-se a Impugnante em custas.
Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de janeiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Luísa Soares)

(Susana Barreto)