Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08836/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/14/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ATOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA, RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA, INDEFERIMENTO DOS MEIOS DE PROVA, PERICULUM IN MORA.
Sumário:I. Ocorrendo uma posição expressa sobre o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, ainda que para considerar o seu conhecimento prejudicado e inútil, não procede a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

II. A omissão de pronúncia ocorre apenas quando o Tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver ou que deve apreciar, isto é, significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que as partes submeteram à sua apreciação, bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso.

III. A emissão de Resolução Fundamentada e a decisão de improcedência do pedido cautelar, não transitada em julgado, não prejudicam, nem tornam inútil o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.

IV. Constituindo objeto deste incidente, os atos de execução e sendo sua finalidade, a declaração de ineficácia desses atos de execução indevida, tem o requerente o ónus de identificar especificadamente os atos de execução indevida cuja declaração de ineficácia pretende.

V. O incumprimento de tal ónus acarreta o indeferimento do incidente, pois que sem a identificação concreta e precisa dos atos de execução, não é possível ao Tribunal a sua declaração de ineficácia e não é sua finalidade apreciar em abstrato dos fundamentos da Resolução Fundamentada.

VI. A suspensão de eficácia do ato suspendendo – de declaração de nulidade parcial da autorização de utilização –, por mero efeito da apresentação do requerimento inicial de providência cautelar em juízo, não acarreta para a entidade requerida a obrigação de emissão do alvará de utilização, pelo que, a sua omissão não se pode traduzir em dar execução indevida ao ato suspendendo.

VII. Uma coisa é suspensão automática da eficácia do ato administrativo, por efeito do nº 1 do artº 128º do CPTA e outra é que tal efeito obrigue a Administração a prestações de facere, isto é, em dar satisfação positiva às pretensões que lhe são dirigidas pelos particulares.

VIII. É em função das especificidades do caso concreto, traduzido na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o juiz a quo decide da admissibilidade dos meios de prova, de forma a obter o indispensável esclarecimento da factualidade sobre a qual assentará a solução de direito.

IX. O esclarecimento exigível corresponderá ao “estritamente necessário” para decidir o pedido de decretamento da providência cautelar, considerando a natureza sumária, perfunctória e instrumental, que caracteriza este meio processual e cuja finalidade consiste a de acautelar o efeito útil da decisão a proferir na ação principal de que depende.

X. A demonstração do fundado receio da produção de prejuízos para os interesses do requerente, não equivale à asserção constante na alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA, referente ao requisito do periculum in mora, por este se referir à produção de prejuízos de difícil reparação, por referência a um padrão de prejuízo qualificado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

Lisandra ………………., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, datada de 31/03/2012 que, no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia movido contra o Município de , indeferiu a providência cautelar requerida, de suspensão de eficácia do ato de declaração de nulidade parcial da autorização de utilização da habitação, sita na Rua do ………, freguesia de S. …….., .

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 162 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“I- O requerido executou indevidamente o ato negativo suspendendo, ao ordenar aos respetivos serviços que continuassem a considerar, com base no mesmo e numa “pretensão” de emissão de resolução fundamentada, parcialmente nula a autorização de utilização concedida à requerente.

II- É entendimento jurisprudencial, com assento na Lei, que para acionar o mecanismo previsto pela parte final do n.° 1 do art. 128.° do CPTA de modo válido, a resolução tem que ser levada ao conhecimento do Tribunal antes de qualquer ato de execução do ato administrativo suspendendo, mesmo que tudo se passe dentro do prazo máximo para tal de 15 dias.

III- O requerido levou ao conhecimento do Tribunal a quo resolução alegadamente fundamentada para evitar o diferimento da execução do ato fora do prazo legal de que dispõe para o efeito, sem que o Tribunal a quo daí retirasse as devidas consequências legais.

III- A resolução fundamentada apresentada pelo requerido é de conteúdo exclusivamente jurídico, não contendo quaisquer factos que demonstrem que resultaria grave atentado ao interesse público o adiamento da execução do ato, sendo por isso os seus fundamentos improcedentes, o que se invoca para todos os efeitos legais.

IV- O Tribunal a quo não decidiu o incidente de declaração de ineficácia de ato de execução indevida por considerar tal decisão inútil perante a decisão desfavorável que proferiu no âmbito dos autos cautelares.

V- A decisão do incidente de declaração de ineficácia do ato de execução indevida era e é útil visto que a discussão sobre o mérito do pedido cautelar se mantém pelo presente recurso jurisdicional e visto que se mantém o pressuposto de perigo de lesão séria dos direitos e interesses legalmente protegidos da requerente.

VI- O Tribunal a quo tinha o dever legal de decidir o referido incidente, pelo que ao não fazê-lo incorreu a douta sentença em omissão de pronúncia, que comina a sua nulidade nos termos do art. 668.°, n.° 1 al. d) do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.

VII- O Tribunal a quo não designou dia nem local para inquirição das testemunhas oferecidas pela requerente no pedido cautelar, como se lhe impunha nos termos do art. 118.°, n.° 4 do CPTA e art. 619.°, n.° 2 do CPC a contrario sensu por não ter havido desistência da inquirição.

VIII- O Tribunal a quo não fundamentou suficientemente a decisão de afastamento da inquirição das testemunhas regularmente indicadas pela requerente, o que em conjunto com a violação das normas legais referidas em VIII resulta numa notória violação de lei e falta de fundamentação da sentença de que ora se recorre, nos termos do art. 668.°, n.° 1, al. b) do CPC, da qual se devem extrair as necessárias consequências legais.

IX- A inquirição testemunhal teria permitido evidenciar o direito da autora mediante o apuramento de factos que se subsumem sem dificuldade nos normativos invocados e circunstanciar o perigo de aplicação de penalizações pela instituição bancária da requerente através do apuramento dos elementos que neste âmbito foram verbalmente transmitidos a uma das testemunhas, pelo que tendo sido preterida ficou frustrado o direito e o dever da requerente fazer prova sumária do que alegou em sede cautelar.

X- A requerente fez prova sumária suficiente da existência de perigo sério da lesão dos seus direitos por aplicação de penalizações pela instituição bancária perante a qual tem responsabilidades devido à impossibilidade causada pelo requerido de apresentar o alvará de utilização de conteúdo correspondente à autorização de utilização concedida.

XI- O Tribunal a quo considerou, erradamente, que a impossibilidade de quantificação prévia dos prejuízos constituía motivo para não verificação do periculum in mora, quando a lei dispõe precisamente o contrário e assim é jurisprudencialmente reconhecido.

XII- O Tribunal considerou que as alegações da requerente em matéria de perigo sério de aplicação de penalizações não eram suficientemente específicas, quando as alegações do requerente cautelar não são meios de prova e as mesmas alegações corresponderam a documento da instituição bancária junto aos autos e ao qual o Tribunal a quo não faz referência.

XIII- A restante prova sumária a cargo da requerente ficou prejudicada pelo afastamento da inquirição das testemunhas por si oferecidas com o pedido cautelar.

XIV- O ato de declaração de nulidade parcial da autorização de utilização concedida à requerente padece de vício de incompetência por o seu autor não ser um dos órgãos do requerido, mas apenas um membro do órgão executivo da autarquia, ao que não obsta a competência legal que lhe assiste de emitir a autorização pois a lesividade da declaração de nulidade de um ato positivo e consolidado no ordenamento jurídico não permite a operação de argumento maioria de razão quanto à competência para a sua remoção do mesmo ordenamento.”.

Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional, ser declarada nula a sentença ou se assim não se entender, ser revogada e ser ordenada a baixa dos autos à 1ª instância para ser proferida decisão sobre o incidente de declaração de ineficácia do ato de execução indevida e designado dia para a inquirição das testemunhas apresentadas.


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O ora recorrido notificado apresentou contra-alegações (cfr. fls. 191 e segs.), formulando as seguintes conclusões:

A) A edificação da recorrente foi apenas e exclusivamente licenciada com um acesso pelo lado Norte do prédio da Recorrente e não pelo lado Sul – tal como foi já, em dezembro de 2010, objeto de expressa decisão municipal nesse sentido e como bem sabe e sempre soube a Recorrente, decisão municipal aquela devidamente alicerçada em parecer desfavorável vinculativo emitido pela autoridade regional competente (a, então, Direção Regional do Ordenamento do Território e dos recursos Hídricos).

B) Ainda assim, a Recorrente, com pleno conhecimento daqueles termos em que a operação urbanística foi licenciada construiu clandestinamente o acesso Sul que lhe havia sido indeferido e requereu, a final, autorização de utilização, teimando no mesmo acesso Sul.

C) O Recorrido não respondeu, em tempo, àquele pedido de autorização de utilização, tendo-se, nos termos legais, formado um ato tácito de deferimento – da autorização de utilização, obviamente, não da pretensão da Recorrente em aceder ao prédio pelo lado Sul.

D) A autorização de utilização destina-se, porém, nos termos legais (cfr. art. 62°/1 do RJUE, a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do licenciamento.

E) Conformidade essa que, in casu, não se verificava nem verifica.

F) Por isso, foi, pelo Recorrido, reposta a legalidade, através da prática do ato, posterior, ora impugnado.

G) E, ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente, não está, nem nunca esteve em causa a utilização do seu prédio ou, muito menos, o direito a nele habitar, porquanto a Recorrente é quem se recusa, obstinadamente, a requerer a autorização de utilização nos precisos termos em que licenciou a construção, acedendo ao seu prédio pelo lado Sul – daí, também, o facto de a nulidade invocada no ato impugnado ter sido meramente parcial.

H) O presidente da câmara (ou o vereador com competências delegadas) é o órgão municipal legalmente competente para a prática de atos de emissão de autorizações de utilização de imóveis – ou da sua revogação ou declaração administrativa de nulidade – como resulta inequivocamente do disposto nos arts. 4°/ n°s 1 e 5 e 5°/n° 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL n° 555/ 99, de 16/12, na redação do DL n° 26/2010, de 30/3.

I) Quanto aos alegados prejuízos de que padecerá a Recorrente, a existirem, o que só em mera hipótese se concebe, não são os mesmos juridicamente atendíveis, muito menos para o efeito do decretamento da providência cautelar requerida, porquanto os mesmos sempre entroncariam direta e exclusivamente no comportamento/ actução ilegal da própria Recorrente.

J) Por outro lado, a Recorrente, com a sua atuação ilegítima, estava também a comprometer o respeito devido ao que resulta dos regimes jurídicos do domínio público marítimo, da Reserva Ecológica e do Plano de Ordenamento da Orla Costeira da Ilha Terceira, que evidenciam interesses públicos absolutos e que absolutamente se sobrepõem aos alegados prejuízos ou interesses particulares ora controvertidos.

K) Por outro lado, ainda, Recorrido é totalmente alheio ao alegado contrato de mútuo celebrado entre a Recorrente e uma instituição bancária, contrato que não pode, de modo nenhum, sustentar, ainda que a título meramente cautelar, a concessão de uma autorização de utilização de uma pretensão urbanística executada contra a lei.

L) É totalmente irrelevante que a Recorrente tenha ou não apresentado testemunhas para serem inquiridas nos presentes autos cautelares a propósito desses alegados prejuízos – o que, em qualquer caso, só soberanamente ao tribunal a quo competiria, como competiu, julgar (quanto a serem ou não as mesmas testemunhas indispensáveis a uma boa decisão da providência).

M) Finalmente, quanto à alegada não pronúncia, pelo tribunal a quo, sobre o incidente de alegada execução indevida, pelo Recorrido, do ato impugnado pela Requerente, decorre logicamente da sentença produzida que se tornou efetivamente inútil apreciar ou discutir se o ato impugnado foi ou não indevidamente executado pelo Recorrido, pois ao não ter sido judicialmente decretada a suspensão do ato impugnado – antes pelo contrário, ao ter sido expressamente indeferida a providência cautelar requerida – “falece” a questão da anterior execução ou não indevida do ato impugnado.

N) Seja como for, ao declarar, posteriormente à entrada em juízo da petição cautelar da Requerente, que não se deveria emitir a autorização de utilização pretendida pela Recorrente, a Presidente da Câmara não executou indevidamente o ato impugnado, pois então se deparava com uma questão prejudicial à emissão de autorização de utilização, nos termos em que esta foi requerida pela Recorrente, tal como resulta da aplicação conjugada dos arts. 11°/7 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE – aprovado pelo DL no 555/99, de 16/12, na redação do DL n° 26/2010, de 30/3) e 31°/1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo, dando-se nesta sede por reproduzidos.”.

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso em relação ao incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, que carece de ser apreciado e decidido e, no demais, a improcedência do recurso, mantendo-se o pedido de indeferimento do pedido de suspensão de eficácia (cfr. fls. 217 e segs.).

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Tal parecer sendo notificado às partes, mereceu resposta da recorrente, no sentido de que o recurso seja totalmente procedente.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Nulidade, por omissão de pronúncia e erro de julgamento em relação ao incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida [conclusões I, II, III, IV, V e VI];
2. Nulidade, por falta de fundamentação e erro de julgamento quanto à não inquirição de testemunhas [conclusões VII, VIII e IX];
3. Erro de julgamento quanto ao pressuposto periculum in mora [conclusões X, XI, XII, XIII e XIV].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A requerente é proprietária de uma moradia destinada a habitação sita na Rua do ………, freguesia de S. ………., , à qual não foi atribuído ainda número de polícia.

Este imóvel confronta a sul com o Caminho ………………..

Na sequência da tramitação administrativa do procedimento de licenciamento urbanístico n.° 01/2006/422 da mencionada moradia, foi atempadamente requerida a emissão de Alvará de Utilização daquele prédio.

Decorreu o prazo legalmente previsto para a emissão do requerido Alvará de Utilização, sem que o requerido procedesse a essa emissão.

Entretanto, o requerido notificou a requerente para se pronunciar em audiência de interessados sobre o teor de um projeto de decisão de declaração de nulidade parcial da autorização de utilização da moradia tacitamente deferida.

Dá-se por reproduzido a decisão datada de 13 de janeiro de 2012, constante em cópia de fls 20 a 24 dos autos, subscrito pela presidente da câmara do requerido, nos termos do qual, “vinculadamente (em virtude de dever de respeito elementar ao princípio da legalidade, que norteia e é transversal a toda a atuação da Administração Pública; e do dever de efetivar as suas competências, nos termos da lei – cfr. art. 29° do CPA) – a signatária, ex vi arts. 4º/5 e 5º/3 do RJUE – declaro nulidade parcial do ato de deferimento tácito da autorização de utilização, com base na violação de disposições imperativas do POOC da Ilha Terceira (artigos 6°, n° 1, a), 12° e 33º, n° 1) e com base no cit. Art. 68°/ a) e c) do RJUE”.

A violação a que se alude supra reporta-se ao facto de o deferimento tácito contrariar parecer desfavorável emitido em 14.12.2009 pela Direção Regional do Ordenamento do Território e dos Recursos Hídricos, relativo a pretensão de acesso ao prédio da requerente por via que com ele confronta a sul.”.


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Nos termos do disposto no artº 712º, nº 1, a), do CPC, por resultar dos autos, se mostrarem relevantes para a apreciação das questões suscitadas e ser manifestamente deficitária a factualidade assente, aditam-se os seguintes factos à seleção dos Factos Assentes:

- Em 15/02/2012, Adília …………., do B…………., remeteu à ora requerente a seguinte comunicação eletrónica: “Recebemos do nosso departamento de crédito uma nota, solicitando, uma vez mais, a apresentação da licença de utilização, em falta no seu processo de crédito habitação nº (…), cuja data para conclusão das obras terminou em 7-08-2010. O seu processo de crédito habitação está a ser alvo de fiscalização, nomeadamente por se tratar de um produto certificado do Banco. Perante esta situação de incumprimento, solicitamos que a mesma seja regularizada o mais rápido possível, sob pena de se aplicarem penalizações.” – cfr. doc. 6, junto com o reqº inicial, a fls. 32 dos autos;

- A entidade requerida foi citada para deduzir oposição no prazo de 10 dias, acrescida da dilação de 10 dias, em 08/03/2012 – cfr. fls. 35 e 36 dos autos;

- Em 09/03/2012 a requerente apresentou requerimento dirigido à Presidente da Câmara Municipal de , em que referindo-se ao requerimento apresentado para a emissão da autorização de utilização do prédio da sua propriedade e que sobre o mesmo formou-se deferimento tácito, o que determinou que o Município viesse a declarar a nulidade parcial desse deferimento tácito da autorização municipal na parte respeitante ao acesso à habitação a Sul, pelo Caminho …………….., alega que na sequência da apresentação de providência cautelar, os serviços encontram-se sob a proibição de dar execução à declaração de nulidade parcial, pelo que, invocando ter sido ultrapassado o prazo para a emissão do alvará de utilização da habitação e nunca tendo sido notificada para liquidar as taxas municipais devidas e o seu levantamento, requer a emissão do alvará de utilização e remete cheque visado à ordem do Município para pagamento das taxas municipais correspondentes à emissão do alvará de utilização – cfr. fls. 47 e segs. dos autos;

- Em 12/03/2012 a Presidente da Câmara Municipal de emitiu o seguinte despacho, onde se pode ler o seguinte: “Na sequência do requerimento apresentado (…) no sentido de se proceder à suspensão da execução do ato de declaração de nulidade parcial da autorização de utilização da moradia (…) e consequente emissão da mesma autorização de utilização, nos termos do artigo 128º, nº 1 e 2 do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), notifique-se os requerentes, o Centro de Atendimento integrado e a Unidade de Gestão Urbanística desta autarquia da pretensão do Município de fazer uso da faculdade prevista no citado artº 128º, nº 1 do CPTA de apresentar resolução fundamentada, reconhecendo que o diferimento da execução será gravemente prejudicial para o interesse público.

Devolva-se o cheque (…) aos requerentes destinado ao pagamento das taxas municipais, até decisão do processo cautelar (…).” – cfr. fls. 58 dos autos;

- Em 13/03/2012 a requerente apresentou em juízo requerimento de declaração de ineficácia de atos de execução indevida, onde em súmula, alegou estar em risco iminente de sofrer sanções causadas pela recusa de emissão do alvará de utilização da moradia pertencente à requerente e que, decorrendo do artº 128º, nº 1 do CPTA, até ser proferida decisão no âmbito cautelar, não pode a entidade requerida iniciar ou continuar a executar o ato negativo de declaração de nulidade parcial da autorização de utilização, pedindo que seja dado por provado o incidente e serem declarados ineficazes os atos de execução indevida, traduzidos na instrução da Presidente da Câmara Municipal de , constante do despacho de 12/03/2012, notificada à requerente e aos serviços, ordenando a continuação da execução do ato suspendendo, através da não emissão do alvará de utilização com acesso a Sul, na sequência de requerimento apresentado pela requerente para a emissão da autorização de utilização do prédio, sem apresentação de Resolução Fundamentada – cfr. fls. 37 e segs. dos autos;

- Em 22/03/2012 foi emitida Resolução Fundamentada, no sentido de que “o diferimento da execução, in casu da eficácia do ato impugnado, datado de 13/01/2012, seria gravemente prejudicial para o interesse público municipal”, nos termos do doc. constante de fls. 109-117, para cujo teor se remete e ora se dá integralmente por reproduzido;

- A Resolução Fundamentada foi apresentada em juízo, em 26/03/2012, juntamente com a respetiva oposição da entidade requerida – cfr. fls. 92 e segs.;

- Em 27/03/2012 a requerente apresentou novo requerimento, em que pede a rejeição da Resolução Fundamentada ou, se assim não se entender, a improcedência dos seus fundamentos – cfr. doc. de fls. 128 e segs..

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.


1. Nulidade, por omissão de pronúncia e erro de julgamento, em relação ao incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida [conclusões I, II, III, IV, V e VI]

Nos termos das conclusões do recurso em análise, alega a recorrente a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, por falta de decisão em relação ao incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.

Tal decisão não é inútil, por se manter o presente recurso jurisdicional, além de que se mantém o pressuposto do perigo de lesão séria dos direitos e interesses legalmente protegidos da requerente.

Além disso, para ser acionado validamente o disposto no nº 1 do artº 128º do CPTA, a resolução fundamentada tem de ser levada ao conhecimento do Tribunal antes de qualquer ato de execução do ato suspendendo, tendo o requerido levado ao conhecimento do Tribunal a quo tal resolução fora do prazo, sem que o Tribunal tivesse retirado as devidas consequências.

Por último, alega que os fundamentos da resolução fundamentada são improcedentes.

Explanada a alegação da recorrente, importa dizer que não podendo proceder a nulidade dirigida contra a sentença, assiste-lhe, contudo, razão quanto ao erro de julgamento, não podendo manter-se a decisão que julgou prejudicado e inútil o conhecimento e decisão do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.

Compulsada a factualidade assente, ora aditada por este Tribunal ad quem, decorre que pela ora requerente foi apresentado requerimento dirigido à entidade requerida a solicitar a emissão de alvará de licença de utilização e que perante a recusa da sua emissão, a requerente apresentou em juízo requerimento em que deduz a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.

Mais se extrai que, em 12/03/2012, a Presidente da Câmara Municipal de proferiu despacho sobre o requerido e depois disso, emitiu Resolução Fundamentada, que apresentou em juízo, juntamente com a oposição.

Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida, na parte em que considerou que “Tendo a requerida emitido em 22 de março a resolução fundamentada a que aludem os nºs 1 e 3 do referido artigo, fica prejudicado o conhecimento do mesmo. De qualquer modo, face ao indeferimento da providência, sempre se tornaria inútil o conhecimento do referido incidente.”.

Por ter ocorrido uma posição expressa sobre a questão submetida a pleito, ainda que no sentido de não a conhecer, por a julgar prejudicada e inútil, é de recusar que proceda a invocada nulidade, por omissão de pronúncia.

A omissão de pronúncia ocorre apenas quando o tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver ou que deve apreciar, por nada dizer a seu respeito.

Significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e exceções (excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual – vide artºs. 668º, nº 1, al. d) e 660º, nº 2 do CPC, o Acórdão do STA de 07/06/2005, proc. nº 1110/04; ANTUNES VARELA, in RLJ 122º, pág. 112; ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, pág. 143; LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, 2º Vol., 2ª ed., anotação ao nº 2 ao artº 660º e ao nº 3 ao artº 668º.

Tal nulidade é consequência de recair sobre o juiz o dever de conhecer todas as questões que lhe forem submetidas, isto é, todos os pedidos e todas as causas de pedir, pelo que, o não conhecimento de questão cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento anterior de outra questão, integra a nulidade por omissão de pronúncia.

No caso, entendeu o Tribunal a quo, que o conhecimento e decisão sobre o incidente em causa estava prejudicado pela apresentação de resolução fundamentada por parte da entidade requerida, assim como se afigurava inútil tal decisão, em face do indeferimento da providência, pelo que, atenta a pronúncia expressa emitida acerca de tal questão, ainda que incorreta, não procede tal nulidade.

Contudo, se assim é, não pode manter-se tal juízo, por não se afigurar correta tal decisão que julgou prejudicado e inútil o conhecimento do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.

A apresentação de Resolução Fundamentada por parte da entidade requerida não torna prejudicada a decisão a proferir quanto a tal incidente, pois o que a requerente pretende é que o Tribunal sindique os seus fundamentos, enquanto questão que é submetida ao Tribunal e nem tal decisão se afigura inútil, por mera consequência da decisão proferida no âmbito da lide cautelar, por tal decisão não ter transitado em julgado.

Remetendo a este respeito para o acórdão do TCAN, de 27/10/2011, no proc. nº 01910/09.5BEPRT-A-B: “(…) o pedido de suspensão de eficácia por decisão ainda não transitada em julgado não prejudica a apreciação do pedido de declaração de ineficácia do ato de execução indevida. Na verdade, é possível conhecer por não estar prejudicado, o pedido de declaração de ineficácia de atos de execução, quando for indeferida a providência cautelar e exista uma hipótese ainda que abstrata de recurso desse decisão, o que acontece quando a decisão ainda não transitou em julgado.”.

Assim sendo, improcede a nulidade por omissão de pronúncia invoca e procede o erro de julgamento, passando este Tribunal a conhecer e decidir em substituição, sobre o incidente de declaração dos actos de execução indevida.


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Do incidente de declaração dos actos de execução indevida:

Começa a recorrente por suscitar a intempestividade da emissão da Resolução Fundamentada e da sua apresentação em juízo.

Ora, extraindo-se da factualidade assente que a entidade requerida foi citada para deduzir oposição em 08/03/2012, que a Resolução Fundamentada foi emitida em 22/03/2012 e que foi apresentada em juízo em 26/03/2012, juntamente com a oposição, significa que foi respeitado o prazo de 15 dias para a emissão da Resolução Fundamentada e para a sua junção aos autos, a que se refere o nº 1 do artº 128º do CPTA, isto é, que foi a mesma emitida de modo tempestivo.

Importa agora analisar se foi praticado algum ato de execução e se o mesmo foi praticado de forma indevida, como alega a recorrente.

Como decorre do nº 1 do artº 128º do CPTA, tendo tomado conhecimento de ter sido requerida suspensão do ato administrativo, a autoridade requerida não pode iniciar ou prosseguir a execução do mesmo ato, salvo se produzir no prazo legal Resolução Fundamentada que o justifique.

Proferida uma Resolução Fundamentada, a Administração poderá executar o ato até ao momento em que o Tribunal a julgue infundada, no âmbito de um eventual incidente de declaração de ineficácia dos atos praticados ao abrigo da resolução, ou venha a decidir o processo cautelar decretando a suspensão de eficácia, caso em que qualquer resolução tomada caduca automaticamente – cfr., neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, inComentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª ed., 2010, págs. 855 e segs..

Nos termos do nº 3 do artigo 128º do CPTA, a Administração procede a uma execução indevida do ato administrativo suspendendo quando o execute sem ter emitido a Resolução Fundamentada a que se refere o nº 1 deste preceito ou quando o execute com base em Resolução Fundamentada cujas razões o Tribunal venha a considerar improcedentes.

Verificando-se a execução indevida, o interessado, requerente da providência cautelar, pode requerer ao Tribunal a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, nos termos do disposto nos nºs 4 a 6 do citado artigo 128º.

Constituindo objeto deste incidente, os atos de execução e sua finalidade, a declaração de ineficácia desses atos de execução indevida, sempre se entendeu que o requerente tem o ónus de identificar especificadamente os atos de execução indevida cuja declaração de ineficácia pretende [entre muitos outros, vide os Acórdãos do STA, de 28/10/1998, recurso nº 44.007 e de 24/02/2000, recurso nº 45.366, e do TCAS, de 27/01/2005, processo nº 06635/04/A, de 06-06-2007, processo nº 01443/06 e de 29-01-2009, processo nº 04405/08].

Uma vez que o controle contencioso da resolução fundamentada se tem de processar no contexto do referido incidente, ou seja, com o fim de declarar a ineficácia dos atos de execução indevida, tal incidente só pode ser acionado perante a prática de atos de execução pela Administração, nos termos dos nºs 3 a 6 do artº 128º do CPTA.

Por outras palavras, a não identificação ou inexistência de atos de execução que o Tribunal deva declarar ineficazes, obsta à procedência do incidente que se destina a permitir ao requerente do processo cautelar reagir diretamente contra atos de execução indevida.

Assim, associa-se ao incumprimento de tal ónus, o indeferimento do incidente deduzido, pois que sem a identificação concreta e precisa do(s) ato(s) de execução, não é possível ao Tribunal a sua declaração de ineficácia e não é sua finalidade apreciar em abstrato dos fundamentos da Resolução Fundamentada.

Como sustentam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, na obra citada, a págs. 859, “parece que não se pode questionar, só por si, a resolução eventualmente emitida, ainda na ausência de atos de execução, pelo que há que aguardar pela prática dos atos de execução para poder reagir contra eles”.

No caso trazido a juízo procede a requerente à identificação do ato de execução que considera ser indevido, mas sem que seja possível dizer que a atuação da entidade requerida se traduza, no caso concreto, na prática de um ato de execução ou que o mesmo seja indevido.

Relembrando que o ato suspendendo é o ato que declara a nulidade parcial da autorização de utilização de uma moradia, pretende a requerente que como consequência da suspensão de eficácia determinada ope legis, isto é, por mero efeito do disposto no nº 1 do artº 128º do CPTA, a entidade requerida emita o alvará de autorização de utilização, mais defendendo que a recusa na sua emissão, constitui um ato de execução indevido.

Sem razão.

A suspensão de eficácia do ato suspendendo, por mero efeito da apresentação do requerimento inicial de providência cautelar em juízo não acarreta a obrigação de emissão do alvará de autorização de utilização para a entidade requerida, pelo que, a sua omissão não se traduz em dar execução indevida ao ato suspendendo.

O efeito jurídico que a requerente pretende obter vai muito para além do efeito previsto no nº 1 do artº 128º do CPTA, pois uma coisa é suspensão automática da eficácia do ato administrativo e outra é que tal efeito obrigue a Administração a prestações de facere, isto é, em dar satisfação positiva às pretensões que lhe são dirigidas pelos particulares.

O efeito jurídico que a ora recorrente pretende obter, apenas poderia ser obtido no âmbito de uma providência cautelar de intimação à adoção de conduta, neste caso, à emissão do alvará pretendido, enquanto providência cautelar de natureza antecipatória, que introduzisse uma alteração da situação de facto e de direito atualmente existente e não como efeito da mera suspensão judicial da eficácia do ato que declara a nulidade parcial da autorização de utilização.

A recorrente pretende obter um efeito positivo que a suspensão judicial de eficácia de um ato como o ora suspendendo não lhe concede.

Por esta razão, é de recusar que na situação configurada em juízo, a entidade requerida tenha praticado qualquer ato de execução do ato suspendendo e ainda que o mesmo constitua uma atuação indevida.

Nestes termos, não se pode conhecer da legalidade da Resolução Fundamentada, pois além de não se mostrar praticado qualquer ato de execução do ato suspendendo, não constitui finalidade do presente incidente apreciar em abstrato dos seus fundamentos.

Pelo que, em face do exposto, improcede, por não provado, o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.


2. Nulidade, por falta de fundamentação e erro de julgamento, quanto à não inquirição de testemunhas [conclusões VII, VIII e IX]

Alega a recorrente que o Tribunal não designou dia nem local para a inquirição das testemunhas oferecidas, como se impunha, nem fundamentou a decisão de afastamento da referida inquirição, incorrendo em nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artº 668º do CPC.

Vejamos.

Estabelece o disposto no nº 3 do artº 118.º do CPTA que juntas “as contestações ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, que pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias”.

Nos termos do n.º 1 do art. 119.º do mesmo Código o “juiz ou relator profere decisão no prazo de cinco dias contado da data da apresentação da última contestação ou do decurso do respetivo prazo ou da produção de prova, quando esta tenha tido lugar”.

Resulta da citada norma legal transcrita do artº 118º do CPTA a assumpção do princípio de inquisitoriedade na averiguação da verdade material – a este respeito vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, inComentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, Almedina, pág. 597.

Isso significa que além dos meios probatórios oferecidos pelas partes, o juiz dispõe do poder de ordenar oficiosamente as diligências probatórias que considerar necessárias ao apuramento dos pressupostos de decretamento das providências cautelares requeridas, o que aliás decorre do disposto no artº 386º do CPC.

Por essa razão estipulou o legislador que ao juiz compete não só ordenar os meios de prova oferecidos ou requeridos pelas partes, como recusar tais meios, quando os mesmos lhe parecerem dispensáveis, por inúteis ou desnecessários.

Será em função das especificidades do caso concreto, traduzido na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o juiz a quo decidirá da admissibilidade dos meios de prova, de forma a obter o indispensável esclarecimento da factualidade sobre a qual assentará a solução de direito.

O esclarecimento exigível corresponderá ao “estritamente necessário” (na expressão usada pela doutrina – cfr. autores e obra cit, pág. 597), para decidir o pedido de decretamento das providências cautelares requeridas, considerando a natureza sumária, perfunctória e instrumental, que caracteriza este meio processual e cuja finalidade consiste a de acautelar o efeito útil da decisão a proferir na ação principal de que depende.

No caso dos autos, verifica-se que no final do requerimento cautelar a ora recorrente arrolou três testemunhas, requerendo a sua inquirição por teleconferência, no Tribunal Judicial de .

O juiz a quo fundamentou a recusa da inquirição das testemunhas, no facto de resultarem demonstrados factos que, segundo o seu juízo, permitem aceder de imediato ao fundo da questão, sendo essa inquirição um ato supérfluo e, como tal, desnecessário.

Significa isto que, não ordenando as diligências de prova requeridas, considerou que não é necessária a produção de quaisquer outros meios de prova, designadamente, a prova testemunhal requerida pela ora recorrente.

Em face do exposto, é manifesta a falta de razão da recorrente quanto à alegada nulidade da sentença, por falta de fundamentação quanto à decisão de não inquirição das testemunhas, pois que logrou o juiz a quo emitir um juízo expresso sobre tal questão, não integrando a mera ou simples insuficiência de fundamentação o âmbito da facti species da alínea b) do nº 1 do artº 668º do CPC.

Além disso, quanto a tal questão, refere a recorrente na conclusão VIII do recurso que o “Tribunal a quo não fundamentou suficientemente”, com isso admitindo que existe fundamentação.

No que respeita ao erro de julgamento quanto à necessidade de proceder à produção da prova testemunhal, é sabido que apenas podem recair meios de prova sobre factos que hajam sido alegados pelas partes, pois que, sem factos, não há que proceder à sua prova.

No caso dos autos, além de em momento algum a requerente concretizar no requerimento inicial qual a factualidade sobre que pretendia que incidisse a prova testemunhal, também não a logra concretizar no presente recurso, além de que, não decorre que a mesma se reputasse necessária para a decisão a proferir sobre o pedido de decretamento da providência cautelar requerida ou que fosse apta a permitir a prolação de decisão judicial diferente da que foi proferida.

Ora, considerando a concreta providência cautelar requerida, assim como os factos alegados e a natureza dos prejuízos invocados pela requerente, os quais não se encontram suficientemente caracterizados, é de manter o juízo de desnecessidade da produção de prova testemunhal requerida pela requerente, improcedendo a violação dos nºs 3 e 4 do artº 118º do CPTA.

Improcedem, portanto, os fundamentos do recurso e as suas respetivas conclusões.
3. Erro de julgamento quanto ao pressuposto periculum in mora [conclusões X, XI, XII, XIII e XIV]

Segundo a recorrente a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à decisão de indeferimento da providência cautelar requerida, por ter logrado fazer prova sumária da existência de perigo sério da lesão dos seus direitos.

Está em causa apurar da correção do julgamento feito pelo tribunal a quo, no âmbito do requisito do periculum in mora, previsto no artº 120º, nº 1, al. b) do CPTA, que faz depender a concessão da providência cautelar, de haver fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses da requerente.

As providências cautelares visam impedir que durante a pendência de qualquer processo principal a situação se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca a sua eficácia, assim obviando a que a decisão judicial não se torne numa decisão platónica ou desprovida de sentido útil.

O requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista o fundado receio que quando o processo principal termine, a decisão que vier a ser proferida já não venha a tempo de dar resposta às situações jurídicas carecidas de tutela, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.

Deste modo, interessa como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b) do nº 1 do nº 120º do CPTA, respeitante ao periculum in mora, aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

Para tanto, deve o julgador proceder a um juízo de prognose ou de probabilidade das razões que determinam o receio de inutilidade da sentença a proferir na ação principal, pelo perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

No que respeita ao perigo de, sendo a providência recusada, tornar-se impossível ou difícil, proceder à reintegração da situação conforme à legalidade, em caso de procedência do processo principal, este pressuposto relaciona-se com a possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação, considerando que, contrariamente ao sentido da “ideia antiga”, como refere Vieira de Andrade, obra cit., pág. 299, não se afere esta dificuldade de reparação à possibilidade de avaliação ou quantificação pecuniária dos danos, mas antes à dificuldade de reintegração da situação que deveria existir caso o ato administrativo não tivesse sido praticado ou executado.

Assim, contrariamente ao entendimento anterior à reforma do contencioso administrativo, não procede à luz do novo regime, para afastar a dificuldade de reparação desses prejuízos, a exigência da irreparabilidade dos danos ou o argumento de os prejuízos serem suscetíveis de avaliação pecuniária ou passíveis de indemnização.

Contudo, não é um qualquer perigo que pode fundar o decretamento duma providência cautelar, porquanto se terá de exigir um perigo qualificado e que derive ou decorra da delonga processual.

Do ponto de vista do periculum in mora, a providência deve ser concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos concretos alegados inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

Os prejuízos de difícil reparação serão os que advirão do não decretamento da pretensão cautelar conservatória requerida e que, pela sua irreversibilidade, tornam extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, sendo suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica da requerente.

Quando se trata de aferir da possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação, o critério é o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, devendo o juiz ponderar as concretas circunstâncias do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos.

Aliás e como refere J. C. Vieira de Andrade o “juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica” (in “A Justiça Administrativa (Lições)”, 11.ª edição, pág. 305).

Estar-se-á em presença duma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica da requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ela existente no momento da respetiva lesão.

Assim, o STA sustentou no seu Acórdão de 31/10/2007, proc. n.º 0471/07 que numa “aceção lata, todo o facto acontecido consuma-se «qua tale», dada a irreversibilidade do tempo; mas não é obviamente esse o sentido da expressão da lei. Na economia do preceito, o «facto» será havido como «consumado» por referência ao fim a que se inclina a lide principal, de que o meio cautelar depende; e isto significa que só ocorre uma «situação de facto consumado» quando, a não se deferir a providência, o estado de coisas que a ação quer influenciar ganhará entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado – ficando tal ação inutilizada «ex ante»”.

No mesmo sentido, o Acórdão do STA de 02/12/2009, proc. n.º 0438/09.

Na consideração dos prejuízos, devem ser atendidos todos os prejuízos relevantes para os interesses da requerente, independentemente de o perigo respeitar a interesses públicos ou privados, individuais ou coletivos.

Na caracterização do “fundado receio” releva o receio que seja “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” (cfr. António S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 103).

Por isso, obedecem a um maior rigor a apreciação dos factos integradores do requisito do periculum in mora, visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir a adoção das medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar, com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos através das ações principais.

Considerando o enquadramento antecedente, relativo à determinação do conceito de periculum in mora importa, então, reverter ao caso em análise.

No requerimento inicial, alegou a recorrente que existe o perigo sério de produção de prejuízos de difícil reparação, pois por força do atraso na emissão do alvará de utilização da moradia, a requerente foi advertida pela instituição bancária junto da qual assumiu responsabilidades para contrair empréstimo destinado à construção da habitação, de que se não apresentar urgentemente o mencionado alvará de utilização poderá incorrer em penalizações, o que tem a sua demonstração no documento emitido pela respetiva instituição bancária, aditado à seleção dos factos assentes por este Tribunal ad quem.

Este é o único facto alegado pela requerente, o qual se dá como demonstrado, destinado a demonstrar o periculum in mora associado à delonga do processo principal.

Defende, pois, a requerente que deveria ter-se dado por provado o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, ao abrigo da al. b) do nº 1 do artº 120º do CPTA.

Atenta a matéria de facto demonstrada em juízo e a fundamentação vertida na decisão judicial impugnada, temos que se afigura de improceder a argumentação desenvolvida pela recorrente, inexistindo no caso a demonstração inequívoca na sua esfera jurídica duma situação passível de configurar ou integrar o conceito de periculum in mora em qualquer das situações que são pelo mesmo abarcadas.

A factualidade alegada e que se dá como assente não se mostra suficiente para inferir o preenchimento do requisito do periculum in mora, já que embora derive a produção de prejuízos, decorrentes das previsíveis penalizações perante a instituição bancária, nada deriva fixado ou provado relativamente à produção de prejuízos de difícil reparação para os direitos e interesses da ora recorrente, ou sequer quanto ao fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, de molde a se poder concluir, com segurança que tais prejuízos não mais ou apenas muito dificilmente, poderão ser reparados, como consequência da não suspensão do ato administrativo.

Além disso, nos termos que antecedem, não é de associar ao decretamento da providência cautelar requerida, o efeito jurídico pretendido pela requerente, relativo à emissão do alvará de utilização, o que apenas poderia ser obtido mediante a adoção de uma providência cautelar de adoção de conduta, de natureza antecipatória, em que os requisitos de decretamento são diferentes e de maior exigência.

Além, não é possível extrair, quer da alegação da requerente, quer da factualidade assente, o fundado receio da produção de um prejuízo de difícil reparação, enquanto prejuízo qualificado, necessário ao decretamento da providência cautelar requerida.

Conclui-se, portanto, que a alegação da requerente e a factualidade apurada não permite sustentar a existência do periculum in mora, exigido pelo nº 1 do artº 120º do CPTA, razão pela qual se impunha ao tribunal a quo e se impõe nesta instância, indeferir a presente providência cautelar.

Por este motivo, apresenta-se irrelevante o teor da conclusão XIV do presente recurso, a qual não é apta a inverter o juízo constante da sentença recorrida quanto ao fumus bonis iuri.

Não se verificando o requisito do periculum in mora, está votado ao insucesso a providência cautelar requerida, sendo desnecessário proceder ao juízo de ponderação de interesses, a que alude o nº 2 do artº 120º do CPTA.


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Pelo exposto, será de manter a sentença, na parte em que denega o decretamento da providência cautelar, por não provados os seus respetivos pressupostos.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Ocorrendo uma posição expressa sobre o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, ainda que para considerar o seu conhecimento prejudicado e inútil, não procede a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

II. A omissão de pronúncia ocorre apenas quando o Tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver ou que deve apreciar, isto é, significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que as partes submeteram à sua apreciação, bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso.

III. A emissão de Resolução Fundamentada e a decisão de improcedência do pedido cautelar, não transitada em julgado, não prejudicam, nem tornam inútil o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.

IV. Constituindo objeto deste incidente, os atos de execução e sendo sua finalidade, a declaração de ineficácia desses atos de execução indevida, tem o requerente o ónus de identificar especificadamente os atos de execução indevida cuja declaração de ineficácia pretende.

V. O incumprimento de tal ónus acarreta o indeferimento do incidente, pois que sem a identificação concreta e precisa dos atos de execução, não é possível ao Tribunal a sua declaração de ineficácia e não é sua finalidade apreciar em abstrato dos fundamentos da Resolução Fundamentada.

VI. A suspensão de eficácia do ato suspendendo – de declaração de nulidade parcial da autorização de utilização –, por mero efeito da apresentação do requerimento inicial de providência cautelar em juízo, não acarreta para a entidade requerida a obrigação de emissão do alvará de utilização, pelo que, a sua omissão não se pode traduzir em dar execução indevida ao ato suspendendo.

VII. Uma coisa é suspensão automática da eficácia do ato administrativo, por efeito do nº 1 do artº 128º do CPTA e outra é que tal efeito obrigue a Administração a prestações de facere, isto é, em dar satisfação positiva às pretensões que lhe são dirigidas pelos particulares.

VIII. É em função das especificidades do caso concreto, traduzido na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o juiz a quo decide da admissibilidade dos meios de prova, de forma a obter o indispensável esclarecimento da factualidade sobre a qual assentará a solução de direito.

IX. O esclarecimento exigível corresponderá ao “estritamente necessário” para decidir o pedido de decretamento da providência cautelar, considerando a natureza sumária, perfunctória e instrumental, que caracteriza este meio processual e cuja finalidade consiste a de acautelar o efeito útil da decisão a proferir na ação principal de que depende.

X. A demonstração do fundado receio da produção de prejuízos para os interesses do requerente, não equivale à asserção constante na alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA, referente ao requisito do periculum in mora, por este se referir à produção de prejuízos de difícil reparação, por referência a um padrão de prejuízo qualificado.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso em relação ao incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida e, em substituição, em julgar improcedente tal incidente e, no demais, negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a decisão de não decretamento da providência cautelar requerida.

Custas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção de 2/3 e de 1/3, respetivamente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)