Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1770/12.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ARTº.100, DA L. G. TRIBUTÁRIA.
TEORIA DA RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS E DE QUANTIDADE.
JURO CONSISTE NO PREÇO DO DINHEIRO EM FACE DA SUA DISPONIBILIZAÇÃO TEMPORAL A TERCEIRO.
ARTº.24, Nº.1, DO C.P.TRIBUTÁRIO.
ARTº.43, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS DEVE ABARCAR TODAS AS "ILEGALIDADES" FUNDANTES DA ANULAÇÃO, TOTAL OU PARCIAL, DO ACTO TRIBUTÁRIO.
ANULAÇÃO DE UM ACTO DE LIQUIDAÇÃO BASEADA NA CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAR O TRIBUTO TAMBÉM PODE FUNDAMENTAR O DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Sumário:1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.

2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).

3. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

4. As obrigações pecuniárias e de quantidade, como é o caso da obrigação de apuramento de juros indemnizatórios derivada do indevido pagamento de uma liquidação tributária, devem ser cumpridas de acordo com o princípio nominalista, em moeda que tenha curso legal no País, impondo a lei o pagamento de juros face a tal tipo de obrigações. O juro consiste no preço do dinheiro em função do tempo, remunerando o seu titular em face da sua disponibilização temporal a terceiro. Especificamente, os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada e imputável à Fazenda Pública (cfr.artºs.550 e 806, nº.1, ambos do C.Civil).

5. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.24, nº.1, do anterior C.P.Tributário; artº.43, da L.G.T.).

6. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
a)Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b)Que o erro seja imputável aos serviços;
c)Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d)Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

6. No âmbito do direito tributário, a interpretação de distinguir "erro" de "vício", como defende a doutrina e jurisprudência dominantes, e só relevar aquele, para efeitos de exame do direito a juros indemnizatórios, não é a que melhor garante a aplicação da teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário (cfr.artº.100, da L.G.T.). É que tal distinção pode conduzir a um tratamento diferenciado dos contribuintes, de forma injustificada.

7. Cremos que a interpretação da expressão "erro imputável aos serviços" que melhor se estriba na letra da lei, considerando que a L.G.T. e o C.P.P.T. não distinguem os conceitos de "erro" e de "vício", deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do acto tributário. Nesse sentido vai, de resto, o estipulado no artº.100, da L.G.T., norma que deve ser concatenada com a do artº.43, nº.1, do mesmo diploma, a qual consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário, na mesma utilizando o legislador a expressão "ilegalidade" como fundamento da dita reconstituição. Ora, a expressão "ilegalidade" aqui utilizada comporta, também, a violação de normas de procedimento que, embora não contendam com a própria definição da relação jurídica tributária substantiva, viciam o acto de liquidação. Tal expressão, a "ilegalidade", é igualmente utilizada pelo legislador, e com a mesma amplitude, no corpo do artº.99, do C.P.P.T., quando define os fundamentos do processo de impugnação, espécie processual por excelência do contencioso tributário.

8. A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo também pode fundamentar o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do artº.43, nº.1, da L.G.T.
Votação:COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.54 a 62 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a presente impugnação, pela sociedade "M................, S.A." intentada, tendo por objecto imediato decisão de indeferimento do recurso hierárquico que lhe negou o direito a juros indemnizatórios, em consequência da anulação parcial de liquidação de Imposto do Selo, do ano de 1993 e com fundamento na caducidade do direito a essa liquidação.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.84 a 88 do processo físico) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por M................, SA, contra o indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada em resposta a liquidação de Imposto de Selo respeitante ao ano de 1993;
2-O thema decidendum que se encontra na génese da decisão tomada pelo Tribunal a quo prende-se com a análise da questão de saber se a notificação da liquidação efectuada para além do prazo de caducidade consubstancia um erro imputável aos serviços do qual emerge a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios;
3-Na análise a tal questão entendeu o Tribunal a quo que “No caso em apreço, resulta provado que o ato de liquidação de Imposto de Selo e Juros Compensatórios, relativo a suprimentos realizados em 1993 foi anulado, em sede de Reclamação Graciosa com fundamento na caducidade do direito à liquidação. Como resulta provado, a liquidação foi emitida para além do prazo de caducidade. Neste conspecto, acolhendo na integra a jurisprudência citada, e por força do disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pela Administração fiscal, a favor do Impugnante, contados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, isto é, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de credito a favor do contribuinte (ou seja, a sua restituição). Em face do supra exposto, procedem os fundamentos invocados pela impugnante o que implica a procedência da presente impugnação, o que se fará no dispositivo da sentença.”;
4-Ora com tal entendimento, que considera violador da lei, não pode a RFP se conformar, porquanto entende, como supra melhor e mais desenvolvidamente se expõe, que;
5-Estipulava o n. 1 do artigo 43.º da LGT, em vigor a data dos factos, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributaria em montante superior ao legalmente devido”;
6-Em nossa opinião a ratio legis por detrás de tal previsão legal prendesse com a atribuição de uma compensação ao sujeito passivo que por erro na liquidação imputável ao serviços da AT, reconhecido em sede de Reclamação Graciosa ou Impugnação Judicial, se veja obrigado ao pagamento de divida tributária de montante superior ao devido;
7-Ora in casu, tais pressupostos não se verificam;
8-Porquanto o que se encontra na génese da anulação da liquidação não é um erro de facto ou de direito da mesma, mas tao só a sua notificação ao interessado para além do prazo legalmente previsto para o efeito;
9-Ora, entendemos portanto, e contrariamente ao decidido, que o direito ao recebimento de juros indemnizatórios somente emerge de erros verificados na liquidação e não nos actos procedimentais da sua comunicação;
10-Alias tal como nos, também o STA, no âmbito do seu processo n.º 0410/12, datado de 30.05.2012, considerou que “…nos casos em que o vicio que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada releva sobre a relação jurídica fiscal e sobre o caracter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.”;
11-Resulta deste entendimento a relevância da diferenciação entre erros substantivos que afectam a liquidação e vícios no procedimento, no sentido de violação de normas que regulam a actividade da AT, que afectam a sua exteriorização;
12-A este propósito refere Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª Edição, Volume 1, anotação 5 ao artigo 61.º, pagina 531,que a “…utilização da expressão “erros” e não “vicio” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação de base ao direito a juros indemnizatórios”;
13-E por assim também o entender o referido Tribunal superior no já mencionado aresto acrescenta ainda que “(…) é jurisprudência consolidada nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vicio de forma, não há suporte, ao abrigo do art.º 43 da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante (…)”;
14-(…)…a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributaria subjacente. Como é sabido, caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto.”;
15-E concluindo afirma “…o direito a juros indemnizatórios previsto no art.º 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação.(…). Conclui-se, assim, que nos da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art.º 43.º da LGT.”;
16-Ora, tal também é o nosso entendimento porquanto se nos afigura que não obtendo o impugnante qual apreciação sobre a existência de erro de direito ou de facto na liquidação, sendo esta tida como o acto de apuramento do imposto, mas emergido a anulação somente de o decurso do prazo previsto para o procedimento a levar a cabo pela AT com o objectivo de comunicar ao sujeito passivo a liquidação do imposto devido;
17-A atribuição de uma compensação, sobre a forma de pagamento de juros indemnizatórios, consubstanciaria um duplo beneficio, ou seja;
18-Por um lado (i) o não pagamento do imposto devido pelo acto de que emerge a liquidação;
19-E por outro lado (ii) o recebimento de uma compensação, não pela existência de erro no apuramento do imposto efectuado pela AT, mas tão só pelo não cumprimento do prazo fixado para tal notificação;
20-Ora assim não foi entendido na sentença de que ora se recorre, razão pela qual, imputando a mesma erro de julgamento, por incorrecta apreciação da norma contida no art.º 43.º da LGT, dado que se impunha, pelo menos em nossa opinião, considerar tal como supra se mencionou, pugnamos por Acórdão;
21-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso deduzido (cfr.fls.97 e 98 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.57 e 58 do processo físico - enumeração nossa):
A-Em ação inspetiva à sociedade impugnante, "M................, S.A.", ao abrigo da ordem de serviço n.º .........., em 29.09.1998, foi detetada a falta de liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 107.777,89 (21.607.538$), ao qual acresceram juros compensatórios no montante de € 91.582,20 (18.360.583$), relativamente a suprimentos titulados por contrato escrito de 1993, por violação da verba 54 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) então em vigor (cfr.relatório da inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.17 a 26 do processo de reclamação graciosa apenso);
B-Em 12.10.1998, foi emitida a liquidação do imposto apurado na alínea A) supra, no montante total de € 199.360,15/Esc.39.968.121$00 (cfr.documento junto a fls.16 do processo de reclamação graciosa apenso);
C-A sociedade impugnante pagou a liquidação de imposto referida na alínea B), ao abrigo do regime previsto no dec.lei 124/96, de 10/8, na parte em que foi indeferida em sede de reclamação graciosa deduzida, conforme mencionado na alínea seguinte, no montante de € 77.830,00 (cfr.informação e parecer exarados a fls.101 a 107 do processo de reclamação graciosa apenso; factualidade admitida pelas partes nos respectivos articulados);
D-Contra a liquidação referida na alínea B) supra, a ora impugnante deduziu reclamação graciosa em 09.02.1999, a qual foi parcialmente deferida, por despacho datado de 21/10/2003, com base no fundamento caducidade do direito de liquidação (cfr. informação, parecer e despacho exarados a fls.82 a 92 e 101 a 107 do processo de reclamação graciosa apenso);
E-Na decisão exposta na alínea D) supra, foi indeferido o pedido de pagamento de juros indemnizatórios (cfr.informação, parecer e despacho exarados fls.101 e 107 do processo de reclamação graciosa apenso);
F-Em 27.11.2003, a ora impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão narrada na alínea D) supra, ao qual foi negado provimento por despacho datado de 21.12.2011, exarado sobre a informação de fls.31 a 35 do processo de recurso hierárquico apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e se destaca o seguinte:
«(…)
6. Não existindo o requisito legal de “erro imputável aos serviços”, não existe também, obrigação ao pagamento de juros indemnizatórios, por parte da Administração. (…)»
(cfr.data de entrada aposta a fls.2 do processo de recurso hierárquico apenso; informação, parecer e despacho exarados fls.29 a 35 do processo de recurso hierárquico apenso);
G-O articulado inicial da presente impugnação foi remetido a este Tribunal, via postal, em 06.06.2012 (cfr.data de registo postal constante de fls.17 do processo físico).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, designadamente na Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico apensos, conforme indicado em cada uma das alíneas…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação, mais determinando, em consequência, o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Fazenda Pública, computados nos termos do artº.61, nº.5, do C.P.P.T.
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Em primeiro lugar, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese, que o direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, da L.G.T., exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que considera não poder dar-se como verificado no caso dos autos, em face da declaração de caducidade do direito à liquidação que subjaz à anulação parcial do acto tributário. Que se imputa um erro de julgamento à sentença recorrida, devido a incorrecta apreciação da previsão da norma contida no artº.43, da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 20 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício.
Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão (cfr.artº.43, da L.G.T.).
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.5110/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.6718/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.526 e seg.).
A A. Fiscal está, assim, obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados. Tal constitui uma simples explicitação do princípio geral de direito que nos diz que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes de um acto ilícito (cfr.artº.562, do C.Civil).
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/7/2006, proc. 1258/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/1/2007, proc.205/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc. 8862/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/11/2017, proc.1388/15.4BELRS; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.869).
E recorde-se que as obrigações pecuniárias e de quantidade, como é o caso da obrigação de apuramento de juros indemnizatórios derivada do indevido pagamento de uma liquidação tributária, devem ser cumpridas de acordo com o princípio nominalista, em moeda que tenha curso legal no País, impondo a lei o pagamento de juros face a tal tipo de obrigações. O juro consiste no preço do dinheiro em função do tempo, remunerando o seu titular em face da sua disponibilização temporal a terceiro. Especificamente, os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada e imputável à Fazenda Pública (cfr.artºs.550 e 806, nº.1, ambos do C.Civil; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol.I, 7ª. edição, Almedina, 1991, pág.844 e seg., e 867 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.357).
Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/09/2015, proc. 8862/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/11/2017, proc.1388/15.4BELRS; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.37 e seg.).
Especificamente, quanto à aplicação da exposta teoria ao regime previsto no anterior artº.24, nº.1, do C.P.Tributário, norma em que igualmente se consagra a expressão "erro imputável aos serviços", mais se enquadrando na matéria de responsabilidade civil extracontratual e tendo guarida constitucional no artº.22, da C.R.P., também se pode citar a jurisprudência mais recente dos Tribunais Superiores (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/11/2004, rec.772/04; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/1/2009, rec.945/08; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.766/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5791/12).
O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito na L.G.T. reflecte o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, assumindo, neste caso, o contribuinte o papel de sujeito activo. A obrigação tributária principal é sempre de natureza pecuniária e o seu pagamento indevido envolve sempre um custo para o sujeito passivo, custo este que os juros se destinam a reparar. Recorde-se que, no reverso da moeda, quando ocorre atraso na percepção do valor a pagar pelos contribuintes, o prejuízo correspondente do credor tributário (Fazenda Pública) é reparado com o pagamento de juros compensatórios e juros de mora. Pelo contrário, quando o sujeito passivo do tributo efectua um pagamento indevido ou a A. Fiscal procede tardiamente à sua restituição, o prejuízo do sujeito passivo é reparado com o pagamento de juros indemnizatórios.
A instituição do direito a juros indemnizatórios é relativamente recente na ordem jurídico-tributária portuguesa. Este direito não estava previsto no antigo Código de Processo das Contribuições e Impostos de 1963, que vigorou em Portugal até 1991. Ele foi instituído, pela primeira vez, pelo Código de Processo Tributário (C.P.T.) de 1991 (cfr. artº.24, nº.1). A criação do direito a juros indemnizatórios ocorre na sequência das reformas fiscais da democracia, que se sucederam na década de 1980, e que adequaram o sistema tributário português à Constituição de 1976.
A Constituição de 1976 e a ordem jurídico-tributária que se lhe seguiu colocam o contribuinte como um sujeito de direitos e deveres, ao mesmo nível do credorn tributário (A. Fiscal). Mais do que isso, fazem assentar o funcionamento do sistema tributário, em primeiro lugar na acção dos contribuintes, remetendo-se a acção da Fazenda Pública para os casos de incumprimento e para a observação e controlo do funcionamento do sistema. É neste contexto que o direito a juros indemnizatórios nasce como uma das mais importantes expressões dos direitos dos sujeitos passivos na relação jurídica tributária, a qual visualiza o contribuinte como um sujeito de direitos e já não apenas como um destinatário de estatuições autoritárias da A. Fiscal (cfr.José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.357).
O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, mas não esgota as causas da sua constituição. Na verdade, outras normas da ordem jurídica tributária prevêem o pagamento de juros indemnizatórios pelo credor tributário. São os casos, por exemplo, do atraso no pagamento de reembolsos do I.V.A. (cfr.artº.22, nº.8, do C.I.V.A.), do atraso no pagamento dos reembolsos do I.R.S. (cfr.artº.102-B, nº.2, do C.I.R.S.) e do I.R.C. (cfr.artº.104, nº.6, do C.I.R.C.).
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes, de acordo com a doutrina e jurisprudência:
1-Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
2-Que o erro seja imputável aos serviços;
3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/11/2017, proc. 1388/15.4BELRS; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/05/2019, proc.7491/14; Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.158; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.530; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.358).
No caso de pagamento de tributo superior ao legalmente devido, o direito a juros indemnizatórios depende do reconhecimento, em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, de que houve erro imputável à A. Fiscal, como resulta do artº.43, nº.1, da L.G.T., normativo aplicável ao caso “sub judice”.
A doutrina e jurisprudência dominantes têm entendido que o conceito de "erro" deve ser preenchido por contraposição ao conceito de "vício". A noção de "vício" abrangerá quaisquer ilegalidades formais e substanciais na acção da administração, que sejam susceptíveis de conduzir à anulação do acto. Pelo contrário a expressão "erro" apenas abrange os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão "erro" têm um âmbito mais restrito do que a expressão "vício". Por último, esta imputabilidade dos erros à A. Fiscal é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços. Trata-se de uma responsabilidade objectiva (cfr.artº.173, nº.1, do C.P.T.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/09/2015, proc.8862/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/11/2017, proc.138/17.5BCLSB; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/05/2019, proc.7491/14; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.68 e seg.).
Continuando, ainda, a seguir a doutrina e jurisprudência dominantes, especificamente, quando a anulação de um acto de liquidação se baseia na caducidade do direito de liquidar o tributo (como no caso “sub judice”), defendem estas que tal situação não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não se verifica o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele artº.43, nº.1, da L.G.T., sem prejuízo de o contribuinte poder estruturar pedido de indemnização a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado, não só pela Constituição (cfr.artº.22, da C.R.P.), como pela lei ordinária (cfr.Lei 67/2007, de 31/12), embora em processo próprio. Por outras palavras, a caducidade do direito de liquidar o tributo reconduz-se a fundamento de anulabilidade do acto tributário que não envolve a apreciação da legalidade substantiva do mesmo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/05/2012, rec.410/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/02/2015, rec.1610/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/07/2012, proc.4076/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/03/2015, proc.8283/14; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.232 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, 6ª. edição, 2011, pág.531 e seg.).
Apesar de tudo o acabado de mencionar, entendemos que no âmbito do direito tributário, a citada exegese, de distinguir "erro" de "vício", como defende a doutrina e jurisprudência dominantes, e só relevar aquele, para efeitos de exame do direito a juros indemnizatórios, não é a que melhor garante a aplicação da teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário (cfr.artº.100, da L.G.T.).
Ademais, recorde-se que existem casos em que o acto de liquidação não poderá ser novamente praticado, por já estar decorrido o prazo de caducidade. E assim sendo, eventualmente, poderá nunca ser efectuada uma apreciação sobre a validade substancial do mesmo acto. Não se efectua no momento em que se conclui que há um vício procedimental, pois tal decisão prejudica a apreciação de eventuais vícios substanciais. Também não se fará posteriormente, pois não haverá a prática de outro acto com igual conteúdo, nomeadamente, quando já ocorreu o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação que a tal obvia (cfr.artº.45, da L.G.T.), situação que se aplica ao caso dos autos (cfr.al.D) do probatório).
Neste sentido alinhamos alguns argumentos que passamos a expor.
Desde logo, a L.G.T. não distingue os conceitos de "erro" e de "vício" e, relativamente a este último, nem o chega a utilizar. Pelo contrário, o legislador neste diploma utiliza o conceito de "erro", quer para se referir aos erros de subsunção dos factos à lei, ou seja, na relação jurídica material, quer quando se refere ao erro proferido pelos serviços no procedimento (cfr.v.g.artºs.53, nº.2, e 78, nº.1, da L.G.T.).
Também o C.P.P.T. não distingue os conceitos de "erro" e de "vício" no procedimento. Pelo contrário, utiliza ambos os conceitos de forma indiscriminada e indiferenciada, quer quando se refere à relação jurídica substantiva, quer quando fala do procedimento (cfr.v.g.artºs.95-A, nº.1, 99, al.c), 101, 124, nº.1, todos do C.P.P.T.).
A questão está, pois, em perceber se o direito a juros indemnizatórios deve ser apenas reconhecido ao contribuinte cuja situação jurídica foi definida (com erros de facto ou direito derivados da violação de normas de incidência), embora sem vícios de cariz procedimental. Ou se, pelo contrário, o contribuinte que teve a sua situação jurídica tributária também mal definida (com erros de facto ou direito) e, além disso, baseada num procedimento que viola regras reguladoras da actividade administrativa, não terá, igualmente, direito aos juros indemnizatórios.
É nosso entendimento que, para efeitos do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a atribuir ao contribuinte, não haverá que distinguir as situações de "erro" das de "vício". É que tal distinção pode conduzir a um tratamento diferenciado dos contribuintes, de forma injustificada.
Assim, pressupondo que estejam reunidos os restantes requisitos, não haverá que distinguir se o erro praticado pela administração respeita aos pressupostos de facto ou direito que inquinam a própria determinação da relação jurídica tributária, ou se tal conduta ilegal é referente a violações de normas procedimentais, que se reconduzem a vícios não substanciais. Em qualquer dos casos, poderá haver lugar à atribuição de juros indemnizatórios ao contribuinte.
Cremos que é esta a interpretação da expressão "erro imputável aos serviços" que melhor se estriba na letra da lei, considerando que a L.G.T., conforme vincado supra, não distingue os conceitos de "erro" e de "vício". Nesse sentido vai, de resto, o estipulado no artº.100, da L.G.T., norma que deve ser concatenada com a do artº.43, nº.1, do mesmo diploma, a qual consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário, na mesma utilizando o legislador a expressão "ilegalidade" como fundamento da dita reconstituição. Ora, a expressão "ilegalidade" aqui utilizada comporta, também, a violação de normas de procedimento que, embora não contendam com a própria definição da relação jurídica tributária substantiva, viciam o acto de liquidação. Tal expressão, a "ilegalidade", é igualmente utilizada pelo legislador, e com a mesma amplitude, no corpo do artº.99, do C.P.P.T., quando define os fundamentos do processo de impugnação, espécie processual por excelência do contencioso tributário.
E se o contribuinte procede ao pagamento de uma quantia apurada numa liquidação que está inquinada por violação de disposições legais referentes à actividade administrativa, haverá uma ilegalidade cometida pela A. Fiscal, que resulta num prejuízo objectivo para o sujeito passivo, pressupondo o pagamento do mesmo acto tributário. Este prejuízo consubstancia-se na privação de determinada quantia, desde o seu pagamento até à sua devolução pela Fazenda Pública. Pagamento esse respeitante a uma liquidação ilegal, ainda que por vícios meramente formais ou procedimentais (cfr.José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.363 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve concluir-se que o artº.43, nº.1, da L.G.T., no entendimento expresso supra, abarcará qualquer "ilegalidade" geradora da anulação, total ou parcial de actos tributários, como é o caso da caducidade do direito à liquidação, assim se devendo subsumir no dito "erro imputável aos serviços", enquanto pressuposto do direito a juros indemnizatórios.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 22 de Maio de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)



(Vital Lopes - 1º. Adjunto)



(Anabela Russo - 2º. Adjunto) (com Declaração de voto)


DECLARAÇÃO DE VOTO:

Em sintonia com o sentido decisório acolhido no acórdão, confirmaria a sentença recorrida. Porém, essa confirmação, em meu entender, deveria assentar nos fundamentos de facto e de direito exarados na sentença recorrida, em conformidade com a posição uniforme da jurisprudência constante dos Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, desde 2012, nesta matéria. Em especial, a jurisprudência vertida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-2-2015, proferido no processo n.º 1610/13 (integralmente disponível em www.dgsi.pt), que directamente se debruçou sobre a questão de direito suscitada nestes autos.

Em suma, estando provado que a anulação do acto resultou do facto de a liquidação ter sido emitida após o decurso do prazo de caducidade, há que concluir que a Administração Tributária incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, erro que que lhe é imputável, e, em conformidade, estão verificados os pressupostos de condenação nos juros indemnizatórios peticionados ao abrigo do preceituado no artigo 43.º, n.º 1 da LGT.

Lisboa, 22 de Maio de 2019

Anabela Russo