Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2656/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC. CUSTOS COM PROCESSOS JUDICIAIS.
Sumário:1. Não decorre da lei a obrigatoriedade de constituição de provisão para acorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso. Uma tal obrigatoriedade, a ser admitida, colidiria com a liberdade de gestão e de conformação da actividade económica que assiste a cada sujeito passivo.

2. Os custos incorridos com processos judiciais conexos com a atividade da sociedade são custos dedutíveis em IRC.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I- Relatório

D.......... B.......... Portugal deduziu impugnação judicial contra o indeferimento de recurso hierárquico interposto contra a decisão negativa da reclamação graciosa, deduzida com base em erro na autoliquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2007, na qual peticionou que fosse reconhecido o custo fiscal de €92.059,12.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 237 e ss. (numeração do processo em SITAF), datada de 29 de Janeiro de 2021, julgou procedente a impugnação.
A Fazenda Pública interpôs o presente recurso jurisdicional contra a sentença. Nas alegações de fls. 259 e ss. (numeração do processo em SITAF), a recorrente formulou as conclusões seguintes:
«i. Salvo o devido respeito, não foram ponderados na sentença todos os argumentos explanados pela Fazenda Pública em sede de contestação.
ii. A impugnante alega que não constituiu provisão, contudo, não apresenta provas do mesmo, pois apesar de não ter sido constituída provisão no exercício de 2004, como alega ter ficado demonstrado no processo de recurso hierárquico, não significa que não o tenha feito nos anos seguintes.
iii. Pois, no pressuposto de que a impugnante poderia ter constituído provisão para processos judiciais em curso, ao se aceitar o custo com a indemnização no exercício de 2007 estaríamos a incorrer numa duplicação de custos.
iv. Assim, quanto à constituição de provisões, não ficou provado que ao longo dos anos de 2004 a 2007 a impugnante não tenha constituído provisão para o processo judicial em causa e o custo tenha entrado na determinação da matéria coletável de qualquer um dos exercícios.
v. Pelo que não poderia a douta sentença ter dado como provado que a impugnante não constituiu provisão.
vi. Por outro lado, caso a impugnante efetivamente não tenha constituído a devida provisão, estaríamos perante uma situação de especialização de exercícios e nesse caso teria que se observar o estatuído no nº 2 do art.º 18º do CIRC.
vii. Ora, no caso concreto a Impugnante tomou conhecimento da sentença em novembro de 2007, logo, até ao momento da entrega da declaração de rendimentos do exercício de 2007 (fim de maio de 2008) a impugnante teve conhecimento do custo, pelo que não se tratou de uma situação imprevisível ou desconhecida.
viii. Assim, será de referir que, por força do disposto no nº 2 do artigo 18º do CIRC, o valor pago não pode ser custo de 2007 (nem de 2008), pois, as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
ix. Ora, ao intentar a ação em 2004, os seus autores quantificaram os valores da indemnização, pelo que, não pode o impugnante alegar, nem a imprevisibilidade, nem o desconhecimento dos valores da indemnização.
x. Pelo que, ao decidir como decidiu violou na douta sentença o disposto nos arts.º 18º, 23º e 34º do CIRC.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.»

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O recorrido D.......... B.......... A……………. - SUCURSAL EM PORTUGAL, devidamente notificado para o efeito, contra-alega expendendo o seguinte:
«A. A AT não se conforma com a sentença do Tribunal a quo por considerar que (i) não ficou provado que a ora Recorrida não constituiu provisão ao longo dos anos de 2004 a 2007 e (ii) caso se confirme que não foi constituída provisão, em qualquer caso, o montante da indemnização apenas poderia ser deduzido se tivesse sido constituída provisão em 2004.
B. Relativamente ao recurso quanto à matéria de facto, deve o mesmo ser rejeitado por falta de especificação por parte da Recorrente, visto que não foi cumprido o ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT.
C. Efetivamente, a Recorrente limita-se a lançar a dúvida sobre se teria ou não ficado provado que a Recorrida não constituiu provisão ao longo dos anos de 2004 a 2007, sendo certo que a decisão de indeferimento impugnada foi proferida com base em outro fundamento, tendo a AT aceite, em sede de recurso hierárquico, a prova que a ora Recorrida não constituiu provisão ao longo dos anos de 2004 a 2007.
D. Insurge-se ainda a Recorrente quanto ao vício de violação de lei que foi imputado na Sentença, insistindo que o valor da indemnização paga apenas poderia ser fiscalmente dedutível caso a Recorrida tivesse constituído provisão no ano em que foi contra si instaurada a ação (leia-se, em 2004).
E. Ora, tal como amplamente demonstrado, o artigo 34.º, n.º 1, alínea c), do CIRC (na redação então em vigor) não impunha a constituição de provisões para processos judiciais em curso, prevendo tão-só a possibilidade da sua dedução fiscal.
F. Ademais, também ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea j), do CIRC não é requisito da dedutibilidade do gasto referente ao pagamento de uma indemnização a constituição de provisão.
G. Nestes termos, e tal como decidiu o Tribunal a quo de forma irrepreensível, "o não aceitação como custo fiscal da indemnização paga decorrente de decisão judicial, com o fundamento de não ter constituído provisão sobre processo judicial em curso não encontra apoio legal".
H. Mas caso este Venerando Tribunal venha a considerar procedentes os argumentos da Recorrente - o que apenas por cautela de patrocínio se equaciona, sem conceder -, requer-se a ampliação do âmbito do recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636.º do CPC.
I. Com efeito, atendendo à manifesta impossibilidade de corrigir a matéria tributável de 2004 (incluindo a constituição da provisão, como pretendia a AT), sempre se deverá concluir que a dedução do montante em causa deve ser permitida no período de tributação de 2007, sob pena de frontal violação do princípio da justiça e da tributação pelo lucro real.
J. A interpretação da norma constante do artigo 23.º, n.º 1, alínea j), do CIRC, conjugada com o artigo 34.º, n.º 1, alínea c), do CIRC (na redação então em vigor), segundo a qual o custo efetivamente incorrido com o pagamento de uma indemnização decidida judicialmente não pode ser deduzido no exercício respetivo, porque o sujeito passivo não constituiu uma provisão em exercício anterior (por ter considerado que o risco de condenação era diminuto),viola o princípio da justiça e da tributação pelo lucro real.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso.»
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado.
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Com vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.
«A) Pelo ofício de 054064 de 10-07-2012 remetido por carta registada, com aviso de receção assinado com data de 11-07-2012, dirigido a D.......... B.......... PORTUGAL, SA, a Impugnante é notificada do despacho a negar provimento ao recurso hierárquico apresentado, da decisão de indeferimento de reclamação graciosa relativa à autoliquidação de IRC, do exercício de 2007 - cfr. procedimento de recurso hierárquico, a fls. 151 a 153.
B) Em 09-10-2012 foram remetidos os presentes autos de impugnação judicial, no qual consta como Impugnante D.......... B.......... PORTUGAL, SA - cfr. referência CTT: RD…………….PT com data de 09-10-2012 aposto no envelope a fls. 20 e petição inicial no sitaf.
C) D.......... B.......... A………………… - Sucursal em Portugal, NIF ……………..incorporou por fusão, a D.......... B.......... PORTUGAL, SA com efeitos a 01-08-2011 - cfr. certidão permanente em documento 4 junto aos autos em 03-03-2017, no Sitaf.
D) A Impugnante foi condenada, por sentença datada de 30-10-2007, no pagamento de indemnização no valor de € 71 085,58, acrescido de juros à taxa legal, desde o dia 9 de Junho de 2004, num total de € 92 059,13 - cfr. sentença, documento 4 junto com a petição inicial de impugnação.
E) O montante de € 92 059,13 corresponde ao montante que a Impugnante foi condenada a pagar, a título de indemnização, em consequência de uma ação judicial de responsabilidade pré-contratual contra si intentada, em 2004 - cfr. documento 4 junto com a petição inicial de impugnação.
F) Em 30-05-2008, a Impugnante entregou a Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2007, apurando um valor de imposto a pagar de € 692 079,64, sem incluir o total de € 92 059,13 - cfr. documento 1 junto com a petição inicial de impugnação.
G) Em 30-05-2008 a Impugnante pagou o imposto apurado referido na alínea precedente - cfr. documento 2 junto com a petição inicial de impugnação.
H) Em 29-05-2009, a Impugnante entregou Declaração de IRC, Modelo 22 relativa ao ano de 2008, na qual acresceu à matéria coletável do exercício de 2008, o montante de € 92 059,13 - cfr. documento 3 junto com a petição inicial de impugnação.
I) A Impugnante optou por não constituir provisão para processos judiciais em curso, com base na expectativa de sucesso, na ação judicial referida em A e B - cfr. documento 5 junto com a petição inicial de impugnação.
J) Em 31-05-2010, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º …………………….. por erro na autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º ………………………, respeitante ao exercício de 2007, na qual peticionou que fosse reconhecido o valor de € 92 059,13 como custo fiscal de 2007 - cfr. petição de reclamação graciosa.
K) Em 30-03-2011 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida na alínea precedente - cfr. documento 6 junto à petição inicial de impugnação.
L) Pelo Ofício n.º …………., de 31-03-2011, a Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. Documento 6 da petição inicial de impugnação.
M) A Impugnante apresentou recurso hierárquico, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, ao qual foi atribuído o n.º ………………….. - cfr. documento 7 da petição inicial de impugnação.
N) O recurso hierárquico foi objeto de despacho de negado provimento, por não ter sido constituída provisão para processos judiciais em curso, em 2004, não sendo possível considerar como custo de 2007, o valor de indemnização pago em 2008 - cfr. documento 8 junto com a petição inicial de impugnação.
O) A Impugnante foi notificada através do Ofício n.º ………….. de 10-07-2012, da Direção de Finanças de Lisboa, do despacho de negado provimento do recurso hierárquico n.º …………………… proferido em 26-06-2012, pela Exma. Sra. Diretora de Serviços do IRC, no uso de competências subdelegadas - cfr. documento 8 da petição inicial de impugnação.
P) O despacho a negar provimento ao recurso teve por base informação da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, informação n.º 912/12 de 16-05-2012, da qual destaco o seguinte teor:
"(...)Da não aceitação do custo
1. Está aqui em causa, o pedido de dedução, em 2007, de um valor pago a título de indemnização determinada por sentença judicial proferida no âmbito de acção intentada contra a recorrente, por terceiros, em 2004;
2. Na base da acção esteve o incumprimento da recorrente relativamente aos seus deveres pré-contratuais para com os autores da mesma (estava em causa a celebração de contrato para que os autores da acção pudessem actuar como representantes do Banco na comercialização dos seus produtos e serviços financeiros);
(…)
9. Pois, nos termos do artigo 23.º do CIRC, podem ser custo ou perda do exercício, apenas as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável;
10. No caso em apreço, não estamos perante evento cujo risco não fosse segurável, mas sim, perante um evento cujo desfecho podia ser desfavorável ao sujeito passivo, e que por isso, implicava a constituição de provisão conforme previsão dos artigos 23.º e 24.º do CIRC;
11. De facto, por força do disposto nestas normas, a indemnização determinada por sentença judicial, não pode ser considerada directamente como custo do exercício, podendo sim, ser custo por via da utilização da provisão a que estava obrigada a constituir;
(...) 14. Tendo a acção sido intentada em 2004, era nesse exercício que o sujeito passivo devia, ao abrigo do princípio contabilístico da prudência e das normas fiscais respectivas, ter constituído a provisão para fazer face ao eventual desfecho desfavorável da acção;
(...) 19. Ora, ao intentar a acção em 2004, os seus autores quantificaram os valores da indemnização, pelo que, não pode o recorrente alegar, nem a imprevisibilidade, nem o desconhecimento dos valores da indemnização.
20. Em suma, não tendo sido constituída provisão para processos judiciais em curso em 2004, não é possível considerar como custo de 2007 o valor de indemnização pago em 2008;
(...) 24. Todavia, caso o sujeito passivo tivesse constituído «Provisão para processos judiciais em curso», a dotação da provisão seria aceite fiscalmente por força do disposto na alínea c) do art. 34º do CIRC (...)" - cfr. informação 912/12 de 1606-2012, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, no procedimento de recurso hierárquico a fls. 141 a 149.
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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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Considero os factos provados, atendendo essencialmente, ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.»
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2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, porquanto «não ficou provado que ao longo dos anos de 2004 a 2007, a impugnante não tenha constituído provisão para o processo judicial em curso e o custo tenha entrado na determinação da matéria colectável de qualquer um dos exercícios» [conclusões i) a v)].
ii) Erro de julgamento quanto ao correcto enquadramento jurídico da causa, porquanto «por força do disposto no nº 2 do artigo 18º do CIRC, o valor pago não pode ser custo de 2007 (nem de 2008), pois, as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas» [demais conclusões do recurso].
2.2.2. A sentença julgou procedente a impugnação. Para assim proceder, estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«No caso sub judice, a Impugnante não constituiu a provisão, no ano da entrada em tribunal da ação de responsabilidade pré-contratual (2004), nem nos anos seguintes, com base na expectativa de sucesso na ação judicial, apoiada em opinião do departamento legal da Impugnante e no entendimento que a constituição da provisão para ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso é facultativa. E, entendendo não existir a probabilidade de perder a causa judicial, não constituiu a provisão. // Por outro lado, invoca a aceitação como custo da indemnização paga e que resulta de evento que não é segurável, sendo de aplicar o disposto no artigo 23.º, do n.º 1, alínea j) do CIRC. // O artigo 23.º do CIRC sob a epígrafe "Custos ou perdas", no n.º 1, alínea j) na redação vigente para o ano de 2007 estipulava: // "1- Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: // (...) j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável." // Sobre este preceito, a Autoridade Tributária não se manifestou, limitando-se a não aceitar a dedução fiscal da indemnização paga, por não ter sido constituída provisão para ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso, nos termos do artigo 34.º, n.º 1, alínea c) do CIRC. // Porém, não resulta da lei que a aceitação fiscal do custo com indemnização relativa a evento não segurável prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea j) do CIRC dependa da constituição de provisão. A indemnização paga pela empresa resultante de algum evento que não seja passível de seguro, como o caso da indemnização dos autos, desde que seja indispensável à realização dos proveitos ou ganhos do sujeito passivo consideram-se como custo fiscal, no exercício em que ocorrerem, por aplicação da alínea j), do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC».
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente argumenta que o deferimento da pretensão da impugnante implicaria a duplicação de custos, dado não ter sido demonstrado que a mesma não tenha constituído provisão para fazer face ao custo incorrido com a indemnização decretada por sentença judicial.
Apreciação.
A presente linha de argumentação não procede, dado que, perante a declaração fiscal da contribuinte cabe à Administração o ónus de demonstrar o bem fundado da correcção imposta àquela. No caso, a comprovação da alegada duplicação dos custos não foi feita por quem de direito, ou seja, pela recorrente. Pelo que se releva improfícua a invocação de que pode ter havido eventual constituição de provisão.
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a presente imputação.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente invoca a preterição do princípio da especialização dos exercícios, como impedimento à aceitação da dedutibilidade do custo fiscal em apreço.
Apreciação.
A fundamentação do indeferimento da pretensão da recorrida é a que consta da alínea P), do probatório. A mesma assenta na falta de constituição de provisão para encargos com processos judiciais em curso.
«Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões: // As que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício» (Artigo 34.º/1/c), do CIRC).
«As provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado, mas de montante incerto. // Entre as provisões constituídas pelo sujeito passivo de IRC a que a lei concede relevância, permitindo que sejam «deduzidas para efeitos fiscais» no apuramento do lucro tributável, contam-se «[a]s que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício» [art. 33.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, na redacção aplicável]» (1).
«A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade: // - o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido) // - o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível custo). A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta nua violação deste princípio, na medida em que terá por efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele» (2).
«A constituição de provisões envolve um elevado grau de subjetividade por parte da empresa, v.g., na apreciação dos factos que, no seu entender, poderão gerar, no futuro, perdas. Ou seja, uma empresa cautelosa tenderá – e bem – a efectivar provisões, decidindo quais os factos que as devem legitimar e respectivo montante. Por ser este um procedimento correcto, compreende-se a intencional flexibilidade das regras contabilísticas» (3).
Do regime jurídico delineado não decorre a obrigatoriedade de constituição da provisão para acorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso. Uma tal obrigatoriedade, a ser admitida, colidiria com liberdade de gestão e de conformação da actividade económica que assiste a cada sujeito passivo. Pelo que a presente fundamentação da decisão em apreço não tem arrimo legal.
No que respeita ao fundamento da decisão segundo o qual o relevamento do custo em apreço implicaria uma violação do princípio da especialização de exercícios, porquanto, na data da instauração da acção (2004), o recorrido tinha conhecimento do montante da indemnização peticionada na mesma, cabe referir o seguinte.
«Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios (n.º 1). // As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (n.º 2)» (Artigo 18.º do CIRC).
No caso, não é controvertida a efectividade do custo. Também não é posta em causa a data em que o mesmo se tornou certo e conhecido pelo impugnante, ou seja, 30.10.2007 (alínea D), do probatório). Pelo que não existem impedimentos ao seu relevamento no cômputo da matéria colectável do exercício de 2007. O custo em referência subsume-se no preceito do artigo 23.º/1/j), do CIRC, nos termos do qual, «[c]onsideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (…) // j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável».
No caso em apreço, o custo em presença corresponde a quantia paga pelo impugnante, a título de indemnização, fixada por sentença que lhe foi comunicada em 30.10.2007. Pelo que se trata de custo do exercício de 2007 e como tal deve ser contabilizado, tal como peticionado pelo impugnante. O facto de apenas ter sido declarado como custo de 2007, na petição de reclamação graciosa deduzida em 31.05.2010 (alínea J), não obsta à dedutibilidade fiscal do custo em apreço, no exercício correspondente. É que, perante o decurso dos prazos ordinários de rectificação da declaração fiscal, apenas restava ao contribuinte acionar os mecanismos graciosos, com vista à reposição da conformidade da declaração fiscal com a realidade da matéria colectável.
Recorde-se que “[o] princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram. // Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios».(4)
A presente orientação jurisprudencial significa que o princípio da especialização dos exercícios não pode valer de forma absoluta e rígida, obviando à atendibilidade de custos fiscais dedutíveis, mas cujo relevamento, por erro na autoliquidação, não ocorreu no momento próprio. Como sucede no caso em exame.
A sentença recorrida, ao julgar no sentido referido, não enferma de erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta - Ana Cristina Carvalho)

(1) Acórdão do STA, de 04.09.2013, P. 0164/12.
(2) Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 119/120.
(3) Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, p. 120.
(4) Acórdão do STA, 14-03-2018, P. 0716/13.