Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06903/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/03/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:RECURSO JUDICIAL.
MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA.
SUPRIMENTOS.
PROVA.
DOCUMENTOS.
Sumário:1. Pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (OE para 2005), pela redacção introduzida no n.º4 do art.º 89.º-A da LGT, foi tipificado mais uma manifestação de fortuna, consistente em, suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.000, em que o rendimento padrão foi fixado em 50% do valor anual;

2. Perante uma manifestação de fortuna subsumível no citado n.º4 do art.º 89.º-A, cabe ao sujeito passivo o ónus de provar de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, designadamente de rendimentos não sujeitos a declaração ou já declarados em anos anteriores, beneficiando a AT de uma presunção legal (juris tantum) a seu favor;

3. A lei não exige nenhum específico meio de prova para o efeito, mas carece o sujeito passivo de fazer a demonstração com um nexo directo ou ligação, entre o concreto meio financeiro utilizado proveniente de rendimentos não sujeitos a declaração ou já declarados e a sua aplicação nessa concreta manifestação de fortuna, de forma que se possa concluir ajuizar, que um provém directamente do outro;

4. O mero lançamento de meios financeiros provenientes de venda de participações sociais em conta bancária do sujeito passivo, não sujeita a declaração, é insuficiente para justificar a posterior constituição de suprimentos por débito de tal conta bancária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Pedro ………………………., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 4.ª Unidade Orgânica – na parte que negou provimento ao recurso judicial interposto, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1.ª Está provado que o Recorrente recebeu, na sua conta bancária, provenientes da venda de participações sociais em duas sociedades de que era titular, um total de Euros 11.601.886,00.
2.ª A este valor acresce ainda o que o Recorrente recebeu, entre os anos de 2001 e 2005 (Euros 1.305.000,00 também referentes à venda daquelas participações).
3.ª Está assente que, só no ano de 2008, entrou na referida conta o valor de Euros 5.231.225,00, que teve origem na venda das referidas participações sociais.
4.ª Os valores recebidos nessa conta, apenas em 2008, seriam, seriam, só por si (sem contar com os de 2005 a 2007), suficientes para justificar praticamente todas as saídas dessa conta a que correspondem suprimentos na M……………...
5.ª Os valores que, efetivamente, correspondem a suprimentos feitos pelo Recorrente na M………., no ano de 2008, totalizam Euros 6.240.975,55.
6.ª Este valor de Euros 6.240.975,55 (correspondente aos suprimentos efetivamente prestados), saiu efetivamente das contas bancárias do Recorrente onde deram entrada todos os recebimentos provenientes das vendas de participações sociais.
7.ª Esta matéria foi alegada nos artºs 26º a 33º da p.i. e consta detalhadamente dos documentos aí juntos (cfr. docs. nºs 25 a 47 da p.i., de fls 124 a 213) e ainda dos documentos nºs 26-A, 29-A, 30-A, 32-A, 33-A, 36-A e 37-A, de fls 308 a 314.
8.ª Trata-se de documentos que não foram impugnados (conforme se refere na sentença, a fls. 342).
9.ª Esses documentos bancários são essenciais para se fazer a prova da existência do nexo causal entre a fonte dos rendimentos e a sua aplicação em suprimentos.
10.ª Pelo que, à matéria assente, deverá ser aditada a factualidade que consta dos documentos juntos ao processo, a saber:
Q. -No dia 2.1.2008 saiu da conta bancária n° ………………, através de cheque, a quantia de Euros 928.800,00, sendo que 50% desta quantia (equivalente a Euros 464.400,00) está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na M…….. - cfr. docs. nºs 26 (fls. 125 a 127) e 26-A (fls. 308) e doc. nº 5 (fls. 48).
R. -No dia 25.1.2008 saiu da conta bancária n° ………………, através de cheque, a quantia de Euros 32.500,00, sendo que parte desta quantia, correspondente a Euros 25.000,00, está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na M……….. - cfr. doc. n° 27 (fls. 128 e 129) e doc. nº 5 (fls 48).
S. -No dia 26.2.2008 saiu da conta bancária n° ………………, através de cheque, a quantia de Euros 65.000,00 que está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na MGS - cfr. docs. nºs 29 (fls. 131) e 29-A (fls. 309) e doc. nº 5 (fls. 48).
T. -No dia 25.3.2008 saiu da conta bancária n° …………….., através de cheque, a quantia de Euros 10.000,00 que está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na M……… - cfr. doc. n° 30-A (Fls. 310) e doc. n° 5 (fls. 48).
U.-No dia 26.3.2008 saiu da conta bancária n° ………………., através de cheque, a quantia de Euros 105.000,00 que está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na MGS - cfr. docs. nºs 32 (fls. 136) e 32-A (fls. 311) e doc. nº 5 (fls. 48).
V. -No dia 20.6.2008 saiu da conta bancária n° ……………….. (também titulada pelo Recorrente), através de cheque, a quantia de Euros 57.839,00 que está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na M……. - cfr. docs. nºs 33 (fls. 137 e 138) e 33-A (fls. 312) e doc. n° 5 (fls. 48).
X. -No dia 11.7.2008 saiu da conta bancária n° …………………., através de cheque, a quantia de Euros 75.000,00, sendo que 50% desta quantia (equivalente a Euros 37.500.00) está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na MGS - cfr. docs. nºs 36 (fls. 145) e 36-A (fls. 313) e doc. n° 5 (fls. 48).
Z. -No dia 19.9.2008 saiu da conta bancária n° ………………….., através de transferência bancária, a quantia de Euros 100.000,00 que está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na M…….. - cfr. docs. nºs 37 (fls. 146) e 37-A (fls. 314) e doc. n° 5 (fls.48).
AA. - No dia 7.10.2008 deu entrada na conta bancária da MGS, proveniente de transferência bancária do Recorrente, a quantia de Euros 400.000,00 que está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na M………. - cfr. doc. nº 39 (fls. 150) e doc. n° 5 (fls. 48).
AB. - No dia 19.12.2008 deu entrada na conta bancária da MGS, proveniente de transferência bancária do Recorrente, a quantia de Euros 44.555,20 que está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na M……….. - cfr. doc. nº 40 (fls. 151) e doc. nº 5 (fls. 48).
AC. - No dia 19.12.2008 deu entrada na conta bancária da MGS, proveniente de transferência bancária do Recorrente, a quantia de Euros 50.000,00 que está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na M……- cfr. doc. nº41 (fls. 152) e doc. nº5 (fls. 48).
AD. -No dia 10.1.2008 foi paga pelo Recorrente, pela aquisição de duas frações autónomas, a quantia Euros 427.000,00 (correspondentes a Euros 224.000,00+ Euros 203.000,00), quantia essa que está contabilizada na conta de suprimentos da MGS - cfr. doc. n° 45 (fls. 156 a 162) e incluído, no doc. n° 5 (fls. 48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
AE.- No dia 14.1.2008 foi entregue, para depósito, um cheque no montante de Euros 87.000,00 sacado de conta bancária do Recorrente que está contabilizado na conta de suprimentos da M……… - cfr. doc. n° 45 (fls. 156, 163 e 164) e incluído, no doc. n° 5 (fls. 48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
AF. - No dia 26.2.2008 foi entregue, para depósito, um cheque no montante de Euros 106.988,00 sacado da conta bancária n.º …………….., que está contabilizado na conta de suprimentos da MGS - cfr. doc. n° 45 (fls. 156, 165 e 166) e incluído, no doc. n° 5 (fls. 48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
AG.- Nos dias 28.3.2008 e 30.11.2007 foram emitidos dois cheques no valor de Euros 3.150.000,00 e de Euros 1.000.000,00, sacados da conta bancária nº ……………………., no montante total de Euros 4.150.000,00, valor este que está contabilizado na conta de suprimentos da sociedade M……… - cfr. doc. nº 45 (fls. 156, 170 e 171) e incluído, no doc. n° 5 (fls. 48), no valor agregado de 5.618.111,69.
AH. - No dia 8.1.2008 foi emitido cheque no valor de Euros 3.327,50, sacado da conta bancária n° ……………….., que está contabilizado na conta de suprimentos da M……. - cfr. doc. n° 45 (fls. 156 e 174) e incluído, no doc. n° 5 (fls. 48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
AI. - No dia 30.12.2008 saiu da conta bancária n° ………………….., através de transferência bancária, a quantia de Euros 435.000,00 que está contabilizada na conta de suprimentos da M………. - cfr. doc. n° 45 (fls. 156 e 184) e incluído, no doc. n° 5 (fls. 48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
AJ. - No dia 3.1.2008 saiu da conta bancária n° …………………, titulada pelo Recorrente, a quantia de Euros 50.000,00, sendo que 50% desta quantia (equivalente a Euros 25.000.00) está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na sociedade M…… - cfr. doc. n° 46 (fls. 156 e 158) e incluído, no doc. nº5 (fls. 48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
AK. - No dia 22.1.2008 saiu da conta bancária n° …………….., titulada pelo Recorrente, a quantia de Euros 15.000,00, sendo que 50% desta quantia (equivalente a Euros 7.500.00) está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na sociedade M………. - cfr. doc. n° 46 (fls. 191 e 194) e incluído, no doc. nº5 (fls. 48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
AL. -No dia 19.2.2008 saiu da conta bancária n° …………………… titulada pelo Recorrente a quantia de Euros 5.000,00, sendo que 50% desta quantia (equivalente a Euros 2.500,00) está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na sociedade M….. - cfr. doc. n° 46 (fls. 191 e 201) e incluído, no doc. nº 5 (fls.48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
AM. - No dia 20.82008 saiu da conta bancária no ………………… a quantia de Euros 10.000,00, sendo que 50% desta quantia (equivalente a Euros 5.000,00) está contabilizada na conta de suprimentos do Recorrente na sociedade M…… - cfr. doc. n° 46 (fls. 191 e 206) e incluído, no doc. n° 5 (fls. 48), no valor agregado de Euros 5.618.111,69.
11.ª A sentença não deduziu, como deveria ter feito, os montantes constantes das als. O. e P. dos factos que o próprio tribunal considerou assentes.
12.ª Do valor de Euros 8.071.217,71 constante do extrato de conta de sócio (de suprimentos) do Recorrente na Sociedade M……….., o valor de Euros 1.529.382,92 corresponde à transferência de suprimentos feitos por outro sócio, aquando da cedência da sua posição acionista ao ora Recorrente, que ocorreu por contrato.
13ª A sentença não deduziu este valor. Mas devia tê-lo feito, porque estamos, não perante entradas em numerário por parte do Recorrente, mas antes perante valores que correspondem a transferência de suprimentos de outro sócio sendo que o facto de o Recorrente ter adquirido as ações do outro sócio em nada infirma este facto.
14.ª Assim sendo, ao valor total dos suprimentos de Euros 8.071.217,71 deve ser deduzido, para além do valor de Euros 300.858,24 (considerados na sentença), o valor de Euros 1.529.382,92, o que faz com que o valor a considerar seja de Euros 6.240.976,55.
15.ª Há pelo menos 6.608.609,70, correspondentes a suprimentos prestados pelo Recorrente, devidamente contabilizados no ano de 2008 na conta de suprimentos da M….., que provêm de conta bancária titulada pelo Recorrente.
16.ª Conta essa na qual, está provado deram entrada todos os valores resultantes da venda de participações sociais efetuada pelo Recorrente.
17.ª E donde, depois, saíram, para prestação dos suprimentos.
18.ª Não se desconhece que, para afastar a presunção do n° 3 do artº 89-A da LGT, é necessário que o contribuinte demonstre quais os concretos meios financeiros que afetou à realização da manifestação de fortuna (cfr. o recente Acórdão do STA de 8.05.2013).
19.ª Sucede que, no caso dos presentes autos, a prova do contribuinte foi muito mais além.
20.ª O Recorrente não só provou a origem dos rendimentos, com a entrada do valor das vendas das participações sociais (através de transferências bancárias para a sua conta) – ­nomeadamente nos anos de 2005 a 2008, como demonstrou que, dessa sua conta, saíram em 2008, pelo menos, cerca de Euros 6.608.609,70, valor bem superior ao dos suprimentos que haveria para justificar (Euros 6.240.976,55).
21.ª Como se sublinha no, também recente, Acórdão do TCAS, de 7/05/2013 “se o contribuinte provar que a fortuna foi obtida em anos anteriores, emerge a presunção de que a sua declaração de rendimentos do ano em causa corresponde à verdade”.
22.ª Ora, não se pode duvidar, mesmo face ao que (por defeito) se considerou assente na sentença recorrida, que a “fortuna” foi obtida, numa parte substancial, em anos anteriores – de 2005 a 2007 e também entre 2001 e 2005.
23.ª Só por estar razão, segundo a jurisprudência citada (mesmo que não fosse alterado o probatório, como a nós nos parece que terá de ser) já emergiria a presunção de que a declaração de rendimentos do Recorrente do ano em causa (2008) corresponde à verdade (cfr. acórdãos do STA de 5/7/2012 e de 7.11.2012).
24.ª No caso dos presentes autos o contribuinte Recorrente demonstrou totalmente a origem do rendimento que lhe era imputado, embora a fonte desse rendimento fosse, em parte, dos anos anteriores a 2008.
25.ª Note-se ainda que a relação causal que subjaz ao n° 3 do artº 89-A da LGT não tem que ser uma relação direta, sobretudo tendo em conta o carácter fungível do dinheiro depositado nas contas bancárias (cfr. Acórdão do STA de 15/02/2012).
26.ª In casu, tal relação causal resulta amplamente demonstrada e a exigência da prova de outro tipo de relação - a alegada relação direta referida a fls. 353 e 354 da sentença – seria, face à documentação existente nos autos, totalmente desproporcionada.
27.ª Manter a sentença recorrida traduzir-se-ia em subverter, em absoluto, o sentido e fins da norma em causa.
28.ª Uma tal interpretação do art.º 89º-A, n° 3 LGT que exigisse uma prova diferente daquela que foi feita, isto é, que exigisse a prova de uma relação direta entre as entradas e saídas do (mesmo) numerário de uma conta (prova que é virtualmente impossível, face à fungibilidade do dinheiro), conduziria à inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da proporcionalidade (consagrado no artº 18°, n° 2 da CRP), nas suas vertentes de (i) adequação, (ii) exigibilidade e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.
29.ª No caso dos autos, o que se passou está amplamente demonstrado e resume-se em poucas palavras:
a) o Recorrente, depois de ter 'erguido' duas empresas, vendeu a investidores estrangeiros as respetivas participações sociais que detinha nessas duas sociedades;
b) recebeu a contrapartida dessas vendas na sua conta bancária em Portugal, devidamente identificada, realizando importantes mais valias que declarou nas respetivas declarações anuais de IRS (mas que não eram tributadas, em virtude do regime legal então vigente);
c) depois, em lugar de 'desbaratar' essas mais valias em consumo, colocou o produto num grupo de empresas que criou, através da prestação de suprimentos na sociedade MGS SGPS (mãe do grupo);
d) demonstrou, no tribunal, a fonte dos rendimentos (venda das participações sociais) e os movimentos bancários que deram origem aos suprimentos e que provêm da conta bancária onde entrou o produto das vendas.
30.ª Tributar agora este contribuinte, em sede de IRS, considerando que existem suprimentos (de origem não justificada! ! !, por ausência de relação causal) no valor de Euros 7.716,359,47, o que determinaria um rendimento coletável para o ano de 2008 de Euros 3.858.179,74, seria de uma flagrante injustiça que, estamos certos, a Justiça superior não cometerá.
31.ª Ficaria aliás a pergunta: que outra prova seria exigível nestas circunstâncias?
32.ª Exigir mais do que se provou, e que consta dos documentos junto aos autos, seria exigir uma probatio diabólica que, nem o legislador quis, nem a jurisprudência superior aceita.
33.ª E, nem se diga, como se refere na sentença recorrida (que cita os acórdãos do TCAN de 6/12/2012 e de 28/10/2012) que, a não ser assim, bastaria ao contribuinte manter uma conta bancária provisionada com um montante avultado, para que sempre estivesse justificada toda e qualquer manifestação de fortuna evidenciada.
34.ª É que, nos presentes autos, está provado que este dinheiro saiu da conta do Recorrente. Só assim foi possível prestar os suprimentos em causa.
35.ª Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada na parte em que considerou improcedente o recurso judicial do contribuinte, anulando-se assim, na totalidade, a decisão de determinação de um rendimento coletável do Recorrente relativo ao ano de 2008.

Termos em que se requer a V. Exas. que considerem o presente recurso como procedente, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que considerou improcedente o recurso judicial do contribuinte, fazendo deste modo a necessária, costumada e, neste caso, imprescindível JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


A) A realização de suprimentos no montante de € 7.716.359,47, naquele período de tributação, integra o conceito de manifestação de fortuna previsto no artigo 89.º­-A da LGT.
b) Assim sendo, e à luz dos critérios legais aplicáveis à situação em apreço, verifica-se uma divergência entre a capacidade contributiva do recorrente, evidenciada naquela manifestação de fortuna, sob a forma de realização de suprimentos e os rendimentos declarados no mesmo período de tributação.
c) Este desfasamento é considerado pelo legislador como indiciador da existência de rendimentos de origem desconhecida, que poderão corresponder a situações de evasão ou fraude fiscal naquele período de imposto, assim se justificando que a declaração de rendimentos entregue pelo contribuinte deixe de se presumir verdadeira e de boa fé, nos termos do n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, passando a recair sobre ele o ónus da prova quanto à veracidade do declarado, em conformidade com o n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, sob pena de se presumirem rendimentos tributáveis naquele exercício, em montante equivalente ao rendimento padrão previsto no n.º 4 deste preceito legal.
d) Sucede, porém, que os factos articulados, e a prova produzida não têm a virtualidade de elidir aquela presunção legal, uma vez que não demonstram, nem apresentam elementos comprovativos do momento e da origem dos meios financeiros mobilizados, nem demonstram que esses meios foram canalizados para aquela aquisição, demonstrando o nexo causal entre as alegadas fontes e as referidas manifestações de fortuna.
e) Com efeito, não obstante a inversão do ónus da prova, o recorrente não juntou ao seu recurso documentos que comprovassem a relação directa de afectação de certo rendimento a determinada manifestação de fortuna evidenciada, na caso a transferência dessas concretas quantias recebidas para a sociedade alegamente beneficiária dos suprimentos, não logrando, desta forma, comprovar, como era seu ónus legal, a origem dos capitais mobilizados e, consequentemente, que a importância aplicada tem subjacente a efectiva mobilização de tais valores para a realização dos suprimentos em causa.
f) Pelo contrário, o recorrente afirma que efectivamente nunca poderia ser feita a prova ...pela simples natureza fungível do dinheiro.
g) Assim, o recorrente não logrou elidir a presunção de que os mesmos possam corresponder a rendimentos susceptíveis de tributação em IRS no período em causa, e nos subsequentes, legitimando-se a sua avaliação por aplicação de métodos indirectos, devendo, para todos os efeitos, ser dado como provada não só a qualificação jurídica efectuada pela Administração Tributária, bem como a sua quantificação.
h) Deste modo falece a pretensão do recorrente de anulação da sentença recorrida e substituição por outra que determine a anulação da fixação de rendimento em causa, com fundamento em errada apreciação da prova produzida pois, efectuada a análise à prova carreada para os autos, verifica-se que a mesma não originou qualquer indício de que as aludidas manifestações de fortuna pudessem deixar de ser qualificadas como foram, logo, nos termos do artigo 89.º-A da LGT.

Nos termos supra expostos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, já que o ora recorrente não logrou provar a conexão entre os rendimentos provenientes da venda das participações sociais de tais empresas a seu favor, com os suprimentos que veio a fazer, faltando-lhe pois, essa ligação entre esses dois movimentos financeiros de sinais contrários.


Vêm os autos à Conferência sem a prévia recolha dos vistos dos Exmos Adjuntos face à sua classificação como de urgentes.


A. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se deve ser aditado ao probatório fixado na sentença recorrida, a matéria enumerada nas alíneas da conclusão 10.ª, das alegações recursivas; Se o suprimento constituído por outro sócio e que o ora recorrente veio a adquirir, deve ter um tratamento diferente daqueles outros por si directamente constituídos, no que a tal justificação da fonte dos meios financeiros utilizados diz respeito; E se norma do n.º3 do art.º 89.º-A da LGT, exige um específico meio de prova para demonstrar a origem da manifestação de fortuna evidenciada.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A. Pedro ,,,,,,,,,,,,,,,,,, (doravante recorrente) procedeu à entrega da declaração de rendimentos de IRS referente ao ano de 2008, com a referência ……………-05, com o seguinte teor:
...
(Doc. 4 da petição inicial).
B. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201204848, foi realizada ação inspetiva interna ao recorrente, por referência ao ano de 2008, na sequência de uma ação dirigida a sujeitos passivos, ou outro elemento do seu agregado familiar, que tivessem efetuado no exercício de 2008 suprimentos ou empréstimos à(s) sociedade (s) de que é sócio (Doc. 4 da PI).
C. Consta do respetivo relatório, datado de 13/11/2012, o seguinte:
"Da declaração de rendimentos de IRS Mod. 3 entregue pelo sujeito passivo, verificou-se que os rendimentos líquidos declarados nos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, foram de 81.000,00 €, 85.050,00€, 90.953,39€, 119.822,63€ e 2.5187,08€, respetivamente (vide quadro abaixo):
...
Salienta-se que em 2005 e 2006, O sujeito passivo era casado com a contribuinte Filipa ……………….. - NIF ………… (desde 2007 está separado de facto), cujos rendimentos brutos declarados, foram os seguintes:
...
Ainda, com referência aos anos de 2005 e 2006, foi declarado pelo agregado familiar mais/menos valias não tributadas relativo à alienação onerosa de ações detidas durante mais de 12 meses (in Anexo G1 das respetivas declarações de rendimentos), conforme descrito no seguinte quadro:
...
De acordo com informação recolhida através da declaração anual de Informação Empresarial Simplificada (IES), verificou-se que o sujeito passivo efetuou suprimentos (empréstimos), em 2008, à sociedade M………. - SGPS SA - NIPC ………….. de que é administrador, no montante de 8.071.217,71€ (in Anexo 2). Analisada a sua situação tributária, em concreto os rendimentos líquidos declarados (14.319,36€) no ano de 2008, conforme demonstrado nos quadros abaixo, verificou-se que estes revelam uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela constante do n.º4 do art.º 89.º-A da LGT.
...
Face ao exposto, de acordo com o previsto no n.º 3 do referenciado art.º 89.º-A da LGT, “(...) cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ( . . . )” evidenciadas. Assim, procedeu-se à notificação do sujeito passivo, através do N/ Of. n.º 52824, de 05/07/2012- RC377414611PT (vide Anexo 3), para no prazo de 10 (dez) dias, fazer prova da proveniência dos rendimentos que possibilitaram efetuar os suprimentos (empréstimos) supra mencionados, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, mediante apresentação de cópia dos extratos bancários que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros utilizados para o empréstimo efetuado. Junto a esta notificação seguia declaração elaborada nos termos do art.° 63.º-B da LGT para
Autorização da administração tributária à consulta dos elementos bancários que o sujeito passivo considerasse importantes para justificar a fonte de rendimentos dos fluxos financeiros identificados. Para além da referida notificação, o sujeito passivo foi contatado para o telefone móvel através do número constante da informação cadastral do sujeito passivo presente na base de dados informático da AT (937 224 203). No entanto, as chamadas não foram atendidas. Consequentemente, estabeleceu-se contato com a entidade MGS - SGPS SA - NIPC 504 712 888, através do número de telefone fixo 214 643 450. Deste contato, a senhora que se identificou ao telefone como D. …………… e secretária do sujeito passivo Pedro …………………, comprometeu-se inteirar o sujeito passivo do conteúdo constante da notificação. Todavia, esta ação foi infrutífera, pelo que se contatou o atual Técnico Oficial de Contas (TOC) da referida
entidade MGS - SGPS SA, Sr. Luís …………… - NIF …………. Do contato estabelecido com o TOC, por telemóvel, através do número 917 208 815, constante da respetiva informação cadastral na base de dados da AT, e via correio eletrónico (pelo endereço luís.filipe.costa@multiplicandum.pt, fornecido pelo TOC), foi feito o envio, em ficheiro pdf, da notificação em causa (vide Anexo 4). Em resposta ao e-mail o TOC informou que entregou cópia da notificação ao sujeito passivo Pedro ……………., tendo este lhe dito que iria proceder em conformidade e, também, lhe confirmou a existência dos suprimentos. Contudo, até à presente data não foi dado cumprimento à notificação. Por outro lado, não restringindo a nossa análise ao ano de 2008, atentos aos rendimentos líquidos declarados pelo sujeito passivo em anos anteriores (in ponto II.3.5. do presente relatório), concluímos ser evidente a discrepância entre os valores declarados e o montante dos suprimentos efetuados no ano em análise. Concluiu-se assim, que não tendo sido efetuada prova sobre a fonte dos rendimentos aplicados, estamos perante uma situação de manifestação de fortuna, que, nos termos do n.º 1 da al. d) do art.º 87.º e do n.º 1 do art.º 89.º-A, ambos da LGT, constitui fundamento para a determinação (fixação) do rendimento tributável em sede de IRS, de acordo com o critério determinado no n.º 4 do referido art.º 89.º-A.
V. CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
Assim, de acordo com os fundamentos referidos no capítulo anterior e com o determinado no n.º4 do artº 89.º-A da LGT, quando os sujeitos passivos não façam prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados, e de que não é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas (n.º 3 do art.° 89.º-A da LGT), considera-se rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G (norma de incidência - al. d) do n.º 1 do art.º 9.º do Código do IRS), o rendimento padrão apurado (...) Fixa-se, nos termos do n.º 2 do art° 65.º do Código do IRS, o rendimento tributável em IRS de 4.035.608,86€, para o ano de 2008, determinados a partir do rendimento padrão (...) Deste modo, considerando o rendimento líquido declarado pelo sujeito passivo no montante de 14.319,36€, propõe-se acrescer o montante de 4.021.289,50€ (4.035.608,86€-14.319,36€) (Doc. 4 da PI e PAT apenso).
D. Por decisão datada de 14/11/2012, o Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Lisboa determinou a fixação do rendimento líquido do recorrente, por referência ao ano de 2008, no montante de € 4.035.608,86 (quatro milhões, trinta e cinco mil, seiscentos e oito euros e oitenta e seis cêntimos) (Doc. 2 da Pi e PAT apenso).
E. Por contrato celebrado em 21/06/2001, o recorrente vendeu à sociedade "L…….. ………. Limited”, sociedade inglesa com sede em Londres, no Reino Unido, 21.000 (vinte e uma mil) ações de que era titular na S.P.L.A. - Sociedade Portuguesa de ………………, S.A, pessoa coletiva n° 503617326, pelo valor de Esc. 2.650.000.000, equivalente a € 13.218.144,27 (treze milhões duzentos e dezoito mil e cento e quarenta e quatro euros e vinte sete cêntimos) (Doc. 7 da PI).
F. As ações de que o recorrente era titular na referida S…….. haviam sido adquiridas, parte no ano de 1998 (aquando da constituição da sociedade) e outra parte no ano de 2000 (Doc. 8 da PI).
G. Por força do contrato referido, o recorrente recebeu nos anos de 2001 a 2005 o valor total de € 1.305.000,00, e nos anos de 2006, 2007 e 2008, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (a referida L……), efetuadas para a sua conta n° …………, domiciliada no Banco ………., a quantia total de € 6.526.101,00, segundo o seguinte desdobramento:
- no ano de 2006, a quantia de € 665.000,00;
- no ano de 2007 ,a quantia de € 2.219.876,00;
- no ano de 2008, a quantia de € 3.641.225,00 (Docs. 9 a 11 da PI).
H. Por contrato celebrado no dia 14/04/2005, o recorrente vendeu à sociedade “B……..- British Car Auctions Holdings B.V.”, sociedade de direito holandês, com sede na Holanda, 5.000 (cinco mil) ações de que era titular na G-Grupo Investimentos e Participações S.A., pessoa coletiva n° 503130265, pelo valor de € 2.747.785,00 (Doc. 12 da PI).
I. O recorrente recebeu o valor de Euros 2.747.785,00 por transferência bancária ordenada, nessa mesma data, pela sociedade compradora (a referida British Car Auctions), efetuada para a sua conta nº ………………. domiciliada no Banco …………….. (Doc. 13 de PI).
J. As ações de que o recorrente era titular na referida G-Grupo haviam sido adquiridas parte em 1994, aquando da constituição da sociedade, e a outra parte no ano 2000 (Docs.14 e 15 da PI).
K. O recorrente fez constar a referida transmissão da sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2005 (Doc. 14 da PI).
L. Por contrato celebrado na mesma data, 14/04/2005, o recorrente acordou com a referida “Sociedade B……….- British Car Auctions Holdings B.V.”, a opção de compra, por parte desta, de mais 5.000 (cinco mil) ações de que era titular na "G-Grupo Investimentos e Participações S.A”., por um valor a determinar em função dos resultados desta sociedade (Doc.16 da PI).
M. A opção de compra das restantes 5000 ações de que o recorrente era titular na G-Grupo foi exercida pela BCA em 2006, recebendo aquele, por esta venda, nos anos de 2007 e 2008, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (a referida BCA), efetuadas para a sua conta n.º ………….., domiciliada no Banco ………………….., a quantia total de € 2.328.000,00, segundo o seguinte desdobramento:
- no ano de 2007, a quantia de € 738.000,00;
- no ano de 2008 a quantia de € 1.590.000,00 correspondente a duas transferências nos valor de € 840.000,00 e € 750.000,00 (Docs. 18 a 20 da PI).
N. O recorrente fez constar a referida transmissão da sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2006 (ano em que ocorreu a alienação), embora por um valor diferente da soma constante do ponto antecedente (Doc. 16 da PI).
O. Do valor de € 8.071.217,71 constante como suprimentos do extrato de conta de sócio do recorrente na sociedade M………:
- o valor de € 173.047,16 resulta de saldo transitado dessa conta do ano anterior;
- o valor de € 1.193.240,42 corresponde à transferência de suprimentos feitos por outro sócio, aquando da cedência da sua posição acionista ao ora recorrente, que ocorreu por contrato;
- os valores de € 15.000,00 + € 14.070,00 + € 83.822,98 (num total de € 112.892,98) correspondem a uma cessão de quotas e de suprimentos do recorrente para a M…..;
- o valor de € 14.917,50 corresponde a remunerações não recebidas pelo recorrente por conta de suprimentos (Docs. 5 e 21 a 24 da PI).
P. Do restante valor registado em 2008, € 6.577.119,05:
- os valores de € 4.727.661,69 + € 554.307,50 correspondem a suprimentos efetuados pelo recorrente à sociedade “M……… - Investimentos …….., Lda.”, contabilizados na M….. (sociedade mãe), na conta de suprimentos do recorrente;
- o valor de € 336.142,50 corresponde a suprimentos prestados por acionista, que cedeu a sua posição ao recorrente na M……. (Docs. 5, 21, 22 e 26 a 47 da PI).

Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo corroborados e confirmados pela prova testemunhal, conforme infra descrito.
Da prova testemunhal produzida, relevou o depoimento da testemunha Irene Brazinha, que efetuou a contabilidade pessoal do recorrente nos anos de 2005 a 2008, revelando conhecimento direto das situações descritas nos documentos referentes às transmissões de posições contratuais, transferências para a conta do recorrente e origem dos suprimentos prestados à M….. (pontos E a P), tendo prestado depoimento de forma séria e a merecer credibilidade. Igualmente relevou o depoimento da testemunha Luís …………, acionista da M……., revelando conhecimento direto das situações descritas nos documentos referentes às transmissões de posições contratuais e aos suprimentos prestados à sociedade "M…. -…………………, Lda.” (pontos E, H, L, M e P), tendo prestado depoimento de forma séria e a merecer credibilidade.


4. Para julgar improcedente o presente recurso judicial na parte em que o foi e sobre que versa o recurso do recorrente, considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que se verificavam os pressupostos para o seu rendimento colectável do ano de 2008 ser apurado por avaliação indirecta, ainda que por valor inferior de suprimentos ao apurado pela AT (€ 7.716.359,47 em vez de € 8.071.217,71), tendo justificado aquela parte dos montantes com que fez face aos suprimentos prestados em 2008 (€ 300.858,24), por rendimentos auferidos em anos anteriores, designadamente os resultantes de vendas de participações sociais em outras empresas, cessão de quotas e remunerações não recebidas, os quais geraram os recursos que depois veio a aplicar em tais suprimentos, montante que assim ficou legitimado na sua fonte, sem necessidade de declaração, mas não no remanescente, cuja prova não foi efectuada, não existindo qualquer relação comprovada entre os montantes financeiros existentes nas suas contas bancárias donde foram debitados os montantes com que foram constituídos suprimentos e os créditos por rendimentos de anos anteriores de rendimentos não sujeitos a serem declarados, designadamente por venda de participações sociais em suas empresas, citando jurisprudência, quer do STA, quer deste TCAS, que no mesmo sentido têm vindo a decidir.

De acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra este entendimento que o ora recorrente vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o assim decidido em ordem à sua revogação, desde logo pugnando pelo errado julgamento da matéria de facto constante no probatório fixado na mesma e pretendendo que outra factualidade ao mesmo seja acrescida – cfr. matéria das alíneas Q. a AM. da sua conclusão 10.ª -, que a tal rendimento colectável apurado a sentença recorrida não deduziu os montantes que ela própria enunciou nas alíneas O. a P., como deveria, que no ano de 2008, a sua conta bancária acusa, pelo menos, um montante de € 6.608.609,70 relativo a suprimentos por si prestados, na qual foram depositados os montantes de todas as vendas de participações sociais por si efectuadas, desta forma tendo ilidido a presunção dos rendimentos que afectou à manifestação de fortuna, designadamente porque auferidos em anos anteriores, pelo que deve valer a presunção de que os rendimentos por si declarados, em 2008, correspondem à realidade, sendo inconstitucional a norma do art.º 89.º-A, n.º3 da LGT se se entender que a mesma exige a prova de uma relação directa entre os montantes depositados nessas contas bancárias, por venda das suas participações sociais em tais empresas, e a sua aplicação em tais suprimentos efectuados.

Vejamos então.
Tendo sido colocada em causa pelo ora recorrente, em grande parte da matéria das conclusões das suas alegações recursivas, o julgamento da matéria de facto tal como foi efectuado pelo Tribunal “a quo”, importa começar por apreciar tal questão a fim de se fixar o necessário probatório a que depois se possa aplicar o direito devido.

Tal probatório ou base instrutória fixado em tal peça processual, nos termos do disposto nos art.ºs 89.º-A, n.º7 da LGT e 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)(1), 123.º, n.º2 deste último e 511.º, n.º1 do CPC, deve conter a matéria relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito a aplicar e que deva considerar-se provada (na matéria provada) e a não provada (que como tal se deva considerar).

No caso, pretende o ora recorrente, que também a matéria que enumera nas citadas alíneas Q. a AM. da sua conclusão 10.ª se deva considerar provada e como tal inserida em tal probatório, por referência aos documentos que enumera e ao facto de os mesmos não terem sido impugnados pela parte contrária, como desde invoca na sua conclusão 8.ª (ainda que, de forma algo contraditória o faça, por referência à sentença recorrida que o afirma, mas tal afirmação apenas se reporta à matéria que ela própria dá como provada, onde esta se não inclui - cfr. fls 342 - tendo assim uma abrangência que, directamente, tal sentença não contempla).

Porém, lendo e analisando toda essa factualidade em causa e bem assim toda a relevante do presente recurso judicial, tal matéria não deve ser contemplada em tal probatório, não porque se não encontre provada, cuja análise, em si, nem carece de ser efectuada, mas sim porque a mesma nenhum relevo tem para a solução a atingir no pleito, por a AT jamais ter colocado em causa que tais montantes não tenham saído das suas contas bancárias e que se não destinassem a suprimentos pelo mesmo efectuados na citada M……. Pelo contrário. Como consta da matéria C) do probatório, apurada pela inspecção efectuada, tais suprimentos efectuados é que constituem a base para que essa manifestação de fortuna tenha sido considerada pela AT face aos (baixos) rendimentos declarados nesse ano, e daí o recurso a tal avaliação indirecta, que, em suma, funda-se na existência de tais suprimentos (2) pelo mesmo constituídos a seu favor.

O que o recorrente deveria pretender provar não era assim a constituição de tais suprimentos na referida M……, mas sim, que os montantes financeiros com que lhes fez face consistiram nos proventos da venda das participações sociais em empresas de que era titular, quer em anos anteriores, quer nesse próprio ano, como alegou – cfr. matéria das suas conclusões 1.ª a 6.ª e 20.ª - ou de quaisquer outras fontes, que não se encontrassem sujeitos a declaração, nos termos do n.º3 do mesmo art.º 89.º-A da LGT (só assim se prevenindo a fraude e evasão fiscais, fim para que tal norma foi criada), não se vendo aliás, da respectiva análise desses documentos, qual possa ser o seu contributo para provar o nexo causal entre a fonte dos rendimentos do ora recorrente e a sua aplicação nesses suprimentos – cfr. matéria da sua conclusão 9.ª - quando dos mesmos nada referem que se reportem aos montantes correspondentes a tais vendas de participações sociais pelo ora recorrente.

Assim, por desnecessária para a solução do pleito, não se adita ao probatório a matéria constante das citadas alíneas das suas conclusões recursivas.


Na matéria das suas conclusões 11.ª a 17.ª, pugna o recorrente que, mesmo no entendimento da sentença recorrida, ao montante de suprimentos considerado de € 8.071.217,71, depois de retirado o valor de € 300.858,24 considerado na sentença recorrida, deveria ainda ter sido retirado mais o montante de € 1.529.382,92, relativos à transferência para si de suprimentos feitos por um outro sócio, aquando da cedência da sua posição contratual para o ora recorrente, matéria em que a sentença recorrida fundamentou essa não inclusão, por tal aquisição ter sido efectuada em 2008, data em que o ora recorrente adquiriu as acções desse outro sócio, bem como todos os suprimentos por este realizados, não se vendo qualquer justificação para diferenciar os suprimentos directamente efectuados pelo mesmo junto da MGS, daqueles outros, adquiridos ao outro sócio, tratando-se exactamente da mesma situação: o seu beneficiário (o ora recorrente) ficou credor perante a sociedade devedora das importâncias correspondentes, como dimana da norma do art.º 243.º e segs do Código das Sociedades Comerciais (CSC), desta forma não podendo deixar de improceder esta pretendida dedução, e onde igualmente não provou a fonte do meio financeiro despendido em tal aquisição, nos termos supra.


Na restante matéria das suas restantes conclusões recursivas – 18.ª a 35.ª - pugna ainda o recorrente que logrou ilidir a presunção contida no art.º 89.º-A da LGT (tendo mesmo, ido mais além, como alega), tendo provado a origem dos rendimentos utilizados em tal manifestação de fortuna, consistente nos montantes das vendas de participações sociais, em anos anteriores, cujos montantes ingressaram nas suas contas bancárias, donde foram extraídos os montantes com que foram constituídos os suprimentos na MGS, o que mesmo a matéria já constante do probatório firmado na sentença recorrida não poderia conduzir a outra solução.

A este respeito a sentença recorrida, entendeu e decidiu, aliás, apoiada em jurisprudência (3), como deste TCAS (4), que não basta que o contribuinte prove que nesse ano ou em anos anteriores, obteve meios financeiros que lhe permitam alcançar a capacidade financeira demonstrada, mas sim tem de provar, um nexo ou ligação entre a fonte e a capacidade aquisitiva demonstrada, no caso, pela prova de que os suprimentos em causa foram realizados com o recurso aos rendimentos provenientes da venda de participações sociais, ou com outros rendimentos que não tinham que ser declarados ou do património do próprio contribuinte, o que no caso não fez, desta forma não sendo possível estabelecer qualquer relação directa ou próxima entre os rendimentos então recebidos (e não objecto de tributação) nos anos de 2001 a 2008 e a realização de suprimentos, no decurso do ano de 2008.

Como é bem de ver, bem pode o ora recorrente ter vendido as suas participações sociais nessas empresas e sido depositado o correspondente meio financeiro na sua conta bancária, quer nesse ano de 2008, quer nos anos anteriores, e de imediato, o mesmo lhe ter dado aplicação, em qualquer um investimento, e fazer creditar a mesma conta com montantes iguais ou superiores, de outras proveniências, no limite, até de natureza ilícita (sujeitos a tributação nos termos do art.º 10.º da LGT), para que tal conta se encontrasse municiada com montantes suficientes para fazer face à constituição de tais suprimentos que, contudo, não provinham desses rendimentos da venda dessas participações não sujeitos a declaração e a tributação, não servindo pois, só por si, a venda dessas participações sociais, para ilidir a presunção atinente, contida nesse n.º3, como não podem restar dúvidas, como igualmente bem se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer.

Nos termos do disposto no n.º3 (5) do art.º 89.º-A da LGT, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados, desta forma se tendo estabelecido a favor da AT a presunção legal iuris tantum (6), de que verificadas as condições referidas no n.º1 do mesmo artigo, havia lugar à avaliação indirecta da sua matéria colectável, pelo que nestes casos, é ao contribuinte que cabe fazer a prova do contrário, nos termos do n.º2 do art.º 350.º do Código Civil, por a AT ser beneficiária dessa presunção.

E tal comprovação, deverá ser efectuada por uma relação causal, um nexo ou ligação, entre os meios financeiros que possam suportar tais saídas de meios financeiros destinados no caso, à aquisição desses suprimentos em 2008, o que no caso, ao contrário do invocado pelo recorrente, se encontra longe de acontecer, já que das entradas dos meios financeiros nas suas bancárias provenientes da vendas das participações sociais em suas empresas, apenas consta provado o referido em E. a N. do probatório fixado na sentença recorrida, ou seja, que nos anos de 2001 a 2008, o ora recorrente vendeu as referidas participações sociais a essas duas empresas que lhe depositaram os correspondentes montantes na sua conta bancária de que era titular no BES – n.º …………….. – nada mais se provando a tal respeito, como bem se fundamenta na sentença recorrida, cujas palavras fazemos nossas, ...não está concretizada a relação entre os rendimentos recebidos (e não objecto de tributação) nos anos de 2001 a 2008, que se desconhece se ainda existem, se foram dissipados ou aumentados, e a realização de suprimentos no decurso do ano de 2008 ..., nem o ora recorrente colocou em causa, de forma válida, o julgamento de tal matéria de facto efectuada pelo Tribunal “a quo”, ao abrigo do disposto no art.º 685.º-B do CPC, tanto mais que houve lugar à produção de prova testemunhal e sobre tal matéria poderia também ser produzida tal prova, atendo o disposto no art.º 392.º do Código Civil.

Assim, tal não prova desta matéria não se deve à exigência da norma do n.º3 do art.º 89.º-A da LGT prever qualquer um meio específico de prova legal ou tarifada como invoca o recorrente – cfr. matéria da sua conclusão 28.ª - por aplicação de uma qualquer regra legal sobre provas – cfr. art.ºs 364.º deste mesmo Código e 655.º, n.º2 do CPC – mas sim porque a correspondente realidade se não mostra que tenha ocorrido, no âmbito geral das provas contido no art.º 341.º do Código Civil, cuja função consiste pois, na demonstração da realidade dos factos atinentes, não se vendo por isso que tal norma tenha sido aplicada na sentença recorrida com um sentido e alcance que ofenda o princípio da proporcionalidade, vazado na norma do art.º 18.º, n.º2 da CRP.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.


Lisboa,3 de Outubro de 2013
Eugénio Sequeira
Benjamim Barbosa
Anabela Russo

(1)Aditados pelo n.º2 do art.º 13.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
(2)Cujo montante, apurado na conta corrente da contabilidade da citada MGS, corresponde, exactamente, ao montante considerado pela AT – (8.071.217,71) – como de fls 48 dos autos se pode colher e que, nos termos da alínea d) do n.º1 do art.º 9.º do CIRS, constitui rendimento da categoria G.
(3)Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 8-7-2009 e de 12-4-20912, recurso n.ºs 579/09 e 298/12, respectivamente, igualmente citados no sentença recorrida.
(4)Cfr. quanto a esta matéria, com diversos pontos de contacto com a presente, os acórdãos deste TCAS n.ºs 2085/07, 3054/08 e 4221/10, os quais tiveram por Relator, igualmente, o do presente.
(5)Redacção introduzida pelo art.º 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2005), cujo quadro do seu n.º4 igualmente alterou, nele introduzindo um n.º5, relativa aos suprimentos.
(6)Natureza da qual comungam todas as presunções estabelecidas a favor da AT em normas de incidência – cfr. art.º 73.º da LGT.