Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07396/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/10/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA. FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
REGIME DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
ESPECIFICIDADE DO I.V.A.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
ARTº.35, Nº.5, DO C.I.V.A. FORMALIDADES “AD SUBSTANTIAM”.
DEC.LEI 256/2003, DE 21/10.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C.P.Civil (cfr.actual artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário.
2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
3. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
4. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
5. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
6. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
7. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Fazenda Pública. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
8. Atendendo à especificidade do I.V.A., não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa.
9. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
10. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
11. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
12. Contrariamente à dedutibilidade em sede de I.R.C., inexistindo factura ou documento equivalente com os requisitos do artº.35, nº.5, do C.I.V.A., fica logo afastada a dedutibilidade do I.V.A. E recorde-se que é posição unânime na jurisprudência dos Tribunais Superiores que tais requisitos consubstanciam verdadeiras formalidades “ad substantiam”.
13. O dec.lei 256/2003, de 21/10, operou a transposição para a ordem jurídica interna da Directiva 2001/115/CE, do Conselho, de 20/12/2001, a qual alterou o regime previsto na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977). Na esteira desta Directiva, o dec.lei 256/2003, de 21/10 (que entrou em vigor em 1/1/2004 - cfr.artº.8), veio dispor sobre as seguintes matérias:
a-Facturação electrónica;
b-Requisitos constantes das facturas (nomeadamente, introduzindo uma nova al.f), ao artº.35, nº.5, do C.I.V.A.);
c-Emissão de facturação pelos adquirentes dos bens ou serviços e por terceiros.
14. O dec.lei 256/2003, de 21/10, veio, igualmente, introduzir um nº.6, no artº.19, do C.I.V.A., no qual se consagra expressamente que o exercício do direito à dedução do I.V.A. está dependente da emissão de facturas ou documentos equivalentes com os requisitos previstos no artº.35, do mesmo diploma.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"... , ... & ... , L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.106 a 116 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelo recorrente tendo por objecto liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 2004 e no montante total de € 405.996,60.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.134 a 142 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Encontra-se incorrectamente julgado o seguinte ponto da matéria de facto: "Factos não provados" - Dos autos não resulta provado que as divergências enunciadas pela inspecção tributária, no relatório no âmbito da acção inspectiva e que deram origem ao apuramento dos valores constantes nas liquidações aqui em conflito (ponto 3., do probatório) se reportam aos valores das notas de crédito e de débito enunciadas no ponto 12 do probatório";
2-Em face da matéria de facto dada como provada, por via testemunhal, nos pontos do probatório 1. ( A ... ... & ... , tinha como objecto a compra e venda de viaturas novas da marca Fiat e Alfa Romeo, e outras usadas, reparação das mesmas e comercialização de combustíveis), 10. ( Todo o relacionamento comercial no exercício em causa (2004) no que se refere à aquisição de viaturas novas à Fiat Auto Portuguesa era feito através da empresa "... "), 11. (As compras de viaturas novas, que a ... ... & ... vendia, era feita apenas à ... ) e 12. (A ... ... & ... Lda (FLC) procedia à devolução à ... ou a outro concessionário das viaturas novas que adquiria à mesma ... , quando esses concessionários tenham angariado comprador para as viaturas novas em posse da FLC, sendo que essas operações davam lugar a nota de débito emitida pela impugnante ou a nota de crédito emitida pela entidade que facturou, sempre sem valor acrescido) impunha-se decisão diversa;
3-Assim, se cumprindo o ónus a cargo do recorrente nos termos do artº.640, do CPC, dando lugar a erro de julgamento, porque o juiz decidiu mal ou contra os factos apurados;
4-Não colhe a justificação do Tribunal de 1ª. instância sobre a matéria de facto não provada por ausência de prova documental que a ateste, pois se é suficiente a prova testemunhal para justificar as aquisições e devoluções de viaturas à ... e que davam origem à emissão das notas de crédito e de débito pertinentes, resulta incompreensível que já não seja prova suficiente para as mesmas notas de crédito e débito constantes dos pontos 12 e 3 do probatório, o que revela uma contradição nos termos, pois as notas de crédito e débito constantes do ponto 12 da matéria dada como provada são as mesmas notas de crédito e de débito referenciadas no ponto 3 do probatório e constantes do anexo l do relatório a fls.79 e 85 ("fundamentação das liquidações" no relatório inspectivo) e que a mesma inspecção considera como divergências;
5-A contradição da fundamentação, equivale a falta de fundamentação, o que só pode conduzir à nulidade da sentença;
6-Caso assim se não entenda por se considerar uma insuficiência ou mediocridade da motivação deve dar lugar à revogação da sentença, com a consequente alteração do probatório impugnado;
7-Provada testemunhalmente em julgamento a justificação das notas de crédito e de débito e da sua inclusão contabilística nas regularizações não poderia haver lugar a liquidações de 347.312.19 euros mais juros compensatórios porquanto o mecanismo de notas de débito emitidas pela impugnante e de notas de crédito emitidas pela ... sua fornecedora corresponde a auto-facturação permitida pela alteração aos artigos 19, nº.5, 28, nº.13, 35 e 45, do CIVA, pelo DL 256/2003, de 21 de Outubro, que dá igualmente lugar à dedução de IVA, por serem documentos equivalentes a facturas;
8-Acham-se justificados, legalmente, os factos que integram as notas de crédito e de débito e a sua existência na contabilidade, designadamente, os documentos internos movimentados a débito e a crédito, caso dos OD 12004 e OD 22004 em face do mecanismo legal de auto-facturação que se evidenciou na conclusão anterior;
9-A fundamentação da AT para os actos tributários impugnados, fundando-se no nº.2, do artº.19, do CIVA, é exígua ou até inexistente, por ter olvidado todo o mecanismo da auto facturação que a alteração ao Código do IVA veio impor por via do DL 256/2003 e do disposto no artº.19, nº.5, do mesmo Código;
10-O que conduz à falta de fundamentação legal das liquidações impugnadas e à falta de fundamentação da sentença, determinando a anulação das mesma por vício dessas liquidações;
11-Termos em que perante os erros de apreciação de prova invocados e a falta de fundamentação da decisão e dos actos tributários deve esse Tribunal superior determinar a nulidade da decisão sob recurso ou determinar a sua revogação quer quanto à matéria de facto quer quanto ao direito em que se louvou, concluindo pela ilegalidade das liquidações impugnadas.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.157 a 159 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.107 a 111 dos autos):
1-A impugnante, "... , ... & ... , L.da.", dedicava-se, à data dos factos, à actividade de compra e venda de viaturas novas e usadas, reparação de viaturas, compra e venda de combustíveis e prestação de serviços relacionada com a recolha de viaturas (cfr.cópia de relatório da inspecção tributária junta a fls.57 a 73 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
2-A sociedade supra identificada, aqui impugnante, foi objeto de acção inspectiva de carácter geral, na sequência da ordem de serviço nº.OI200602857, de 3/05/2006, para o exercício de 2004, PNAIT 222,24, pelos Serviços de Inspeção Tributária - Divisão IV da Direção de Finanças de Lisboa, motivada na proposta de fiscalização por se ter verificado que até àquela data o sujeito passivo não teria entregue a declaração periódica de rendimentos para o exercício de 2004 (cfr.cópia de relatório da inspecção tributária junta a fls.57 a 73 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
3-No decurso da acção inspectiva supra os Serviços de Inspeção Tributária verificaram que:
"(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
(...)
2 - Imposto sobre o valor acrescentado (IVA)
2.1 - Divergências entre valores evidenciados na contabilidade e os valores declarados
Da análise comparativa entre os valores declarados pela FLC ("... , ... & ... , L.da."), nas respectivas declarações periódicas de IVA e os valores evidenciados na contabilidade, verificam-se divergências significativas.
Os valores declarados pelo sujeito passivo, encontram-se de fls.1 a 6 do Anexo l, sendo que os valores apurados encontram-se de fls.7 a 116, do mesmo anexo. Os valores apurados encontram-se evidenciados nos extractos de conta corrente da contabilidade nas respectivas contas de IVA dedutível, liquidado e regularizações, juntando-se em anexo, os extractos de conta corrente, correspondentes ao valor do apuramento mensal.
(...)
2.1.1 - IVA - Liquidado
Relativamente ao IVA liquidado, foram apuradas divergências a favor do Estado, conforme quadros abaixo.
(...)
Pelo exposto foi apurado o valor de IVA Liquidado em falta no montante de € 381.009,81.
2.1.2 - IVA - dedutível
Foi apurado o valor de IVA dedutível favorável à FLC, conforme quadro abaixo.
(...)
Pelo exposto o valor de IVA a favor do sujeito passivo, ascende a € 33.697,62.
Pelo que a correcção a efectuar a favor do Estado, ascende a € 347.312,19 (€ 381.009,81 - € 33.697,62).
(...)
Apesar da contabilidade evidenciar nas respectivas contas de IVA dedutível, IVA liquidado e IVA regularizações, os valores mencionados, verificou-se pela análise da respectiva conta 2435 - IVA apuramento, a contabilização em cada mês de um movimento a débito e a crédito desta conta, através de um mesmo documento, que originou o valor apurado no período de imposto, correspondente ao período do IVA declarado pelo sujeito passivo, referente às declarações periódicas de IVA do exercício de 2004, entregues dentro do prazo (...)
Tomando como exemplo o mês de Janeiro, verifica-se neste mês a contabilização de dois documentos:
a) Documento interno OD 12004 (...) em que pela análise do diário de movimentos, é movimentada a conta 2435 - IVA apuramento a débito e a crédito, pelo valor de € 88 765,25 a crédito da conta 2435 (...), e que corresponde, pela análise dos extractos da conta corrente, ao valor de IVA evidenciado nas contas de IVA liquidado e IVA regularizações a favor do Estado, sendo que o valor mencionado pelos sujeitos passivos a débito desta conta € 86.863,44, não corresponde, pela análise dos extractos da conta corrente, ao IVA dedutível nem ao valor das regularizações a favor da empresa evidenciado nas respectivas contas de IVA, sendo que este valor ascende a € 28.213,42. Pelo que o valor que deveria ter sido apurado pelo sujeito passivo, ascenda e € 60.551,83, e não o valor de € 1.901,81.
O movimento efectuado a débito e a crédito desta conta, na sequência da contabilização do documento OD12004, origina o valor de € 1.901,81.
b) Documento interno OD 22004, em que pela análise do diário de movimentos se verifica que foi debitada a conta 2435 - IVA a pagar, em contrapartida da conta 2436 - IVA a pagar, saldando a conta 2435 - IVA apuramento, no mês de Janeiro.
(...)
Pela análise do extracto de conta corrente 2435 - IVA apuramento (...), verifica-se que todos os movimentos efectuados a crédito desta conta, correspondem aos valores evidenciados nos extractos de conta corrente de IVA liquidado e IVA regularizações a favor do Estado, não se passando o mesmo com os valores lançados a débito da mesma conta.
(...)
2.2- Viaturas vendidas no exercício de 2003 e facturadas no exercício de 2004
Na sequência do procedimento de inspecção efectuado ao exercício de 2003, verificou-se, conforme ficou demonstrado, a venda de viaturas no exercício de 2003, que ainda se encontravam em inventário final naquele exercício.
Na sequência do exercício do direito de audição, àquele exercício, a FLC veio facultar as facturas de venda comprovativas de que as facturas apesar de terem sido vendidas no exercício de 2003, só foram facturadas no exercício de 2004 (...)
Veio ainda facultar notas de crédito referentes a determinadas viaturas que apesar de terem sido vendidas em 2003, passarem em existência final daquele exercício e foram devolvidas em 2004.
Na sequência da apresentação daqueles documentos a correcção proposta para o exercício de 2003, para efeitos de IVA, não foi efectuada.
No entanto e apesar da FLC ter apresentado aqueles documentos, não apresentou os extractos de conta corrente da conta de IVA liquidado (Vendas de viaturas) e de IVA regularizações (notas de crédito), de forma a se confirmar de que os valores de IVA mencionados nos mesmos, se encontravam relevados contabilisticamente.
Pelo que, no decorrer do procedimento de inspecção ao exercício de 2004, verificou-se a relevação contabilística do IVA evidenciado naqueles documentos.
(...)"
(cfr.cópia de relatório da inspecção tributária junta a fls.57 a 73 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
4-A correcção supra e as demais conclusões do relatório da inspeção, obteve concordância do Chefe de Divisão dos Serv. Insp. Tributária da DFL, por subdelegação, por despacho proferido em 21/07/2008 (cfr.documento junto a fls.57 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
5-A correcção supra mencionada deu origem às liquidações adicionais de I.V.A. e Juros compensatórios relativas ao ano de 2004, todas datadas de 6/09/2008, com data de cobrança em 30/11/2008, e no montante total de € 405.996,60 (cfr.documentos juntos a fls.17, 18, 31 e 32 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
6-Em 1/04/2009 a sociedade deduziu Reclamação Graciosa que foi indeferida por despacho da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa - Divisão da Justiça Administrativa, por delegação (cfr.documento junto a fls.83 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
7-E em 11/08/2011, interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi indeferido por despacho do Subdirector Geral da Direcção de Serviços do IVA - Divisão de Administração II, proferido em 17/02/2012 (cfr.documento junto a fls.27 do procedimento de recurso hierárquico apenso);
8-O sujeito passivo tomou conhecimento desta decisão por carta registada com aviso de recepção que foi assinado em 6/03/2012 (cfr.documentos juntos a fls.37 a 42 do procedimento de recurso hierárquico apenso);
9-A presente impugnação deu entrada neste Tribunal por correio remetido em 4/06/2012 - RC966586617PT (cfr.documento junto a fls.12 dos presentes autos);
10-A partir da reorganização operada pela empresa "FIAT Auto Portuguesa", na rede de distribuição de concessionários, no ano de 2000, todo o relacionamento comercial na zona passou a ser feito através da empresa "... , Lda." (cfr.prova testemunhal);
11-Todas as compras eram feitas à empresa "... , Lda." que emitia a respectiva factura (cfr.prova testemunhal);
12-A impugnante, "... , ... & ... , Lda.", comprava veículos, que por vezes tinha que devolver à "... , Lda.", ou remeter a outro concessionário que entretanto tinha angariado comprador para aquele(s) veículo(s), sendo que esta operação dava origem ou a nota de débito emitida pela impugnante ou nota de crédito emitida pela entidade que facturou (... Lda.), sempre sem valor acrescido (cfr.resulta da prova testemunhal).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos autos não resulta provado que as divergências enunciadas pela inspecção tributária, no relatório elaborado no âmbito da acção inspectiva e que deram origem ao apuramento dos valores constantes nas liquidações aqui em conflito (ponto 3. do probatório) se reportem aos valores das notas de crédito e débito enunciadas no ponto 12. do probatório.
Não se provaram outros factos que em face das possíveis soluções de direito importe registar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico fundou-se, na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra, com relevância para os elementos constantes do Relatório da Inspeção Tributária, não refutados.
Quanto aos factos dados por não provados, resultam, apenas da falta de prova documental que os ateste.
Na verdade resulta da prova testemunhal que no seu "modus operandi", a sociedade impugnante recorre com frequência à emissão de notas de débito e aceita notas de crédito da sociedade sua fornecedora, em resultado da facilidade como que os veículos circulam, ou podem circular, entre os concessionários da marca no processo de venda, nas situações em que determinado concessionário se depara com um cliente com interesse especifico numa determinada viatura, que não tem em stock, mas que outro concessionário tem e pode disponibilizar.
Porém a percepção da política de vendas da empresa não é suficiente para contrariar o apuramento levado a efeito pela inspecção tributária na medida em que não logra contrariar per si cada uma das correcções efectuadas não justificando nomeadamente a existência de documentos internos movimentados a débito e a crédito (caso dos OD 12004 e OD 22004 enunciados no ponto 2.1.2 do relatório - ponto 3. do probatório)…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
13-Do relatório de inspeção tributária identificado no nº.3 do probatório igualmente consta o seguinte (cfr.cópia de relatório da inspecção tributária junta a fls.57 a 73 do procedimento de reclamação graciosa apenso):
"(...)
2 - Imposto sobre o valor acrescentado (IVA)
2.1 - Divergências entre valores evidenciados na contabilidade e os valores declarados
(...)
2.1.2 - IVA - dedutível
(...)
Acresce ainda que não foi verificada qualquer justificação para a diferença apurada entre os valores evidenciados a débito da conta 2435 - IVA apuramento, e os valores evidenciados nos extractos de conta corrente, nas contas de IVA dedutível e IVA regularizações a favor do sujeito passivo.
Pelo disposto no artigo 19, nº.2, só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados na forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.
Pelo exposto, a FLC ("... , ... & ... , L.da.") infrigiu nomeadamente o disposto nos artigos 19, 26, 28 e 44, dado que, não efectuou a entrega da totalidade dos montantes de imposto que foram apurados na contabilidade, bem como não se verificou qualquer documento de suporte para a totalidade dos valores evidenciados a débito na conta 2435-IVA apuramento.
(...)".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelo recorrente, em virtude do decaimento dos respectivos fundamentos, mais mantendo na ordem jurídica os actos tributários objecto do presente processo (cfr.nº.5 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que não colhe a justificação do Tribunal de 1ª. instância sobre a matéria de facto não provada por ausência de prova documental que a ateste, pois se é suficiente a prova testemunhal para justificar as aquisições e devoluções de viaturas à "... " e que davam origem à emissão das notas de crédito e de débito pertinentes, resulta incompreensível que já não seja prova suficiente para as mesmas notas de crédito e débito constantes do pontos 12 e 3 do probatório, o que revela uma contradição nos termos, pois as notas de crédito e débito constantes do ponto 12 da matéria dada como provada são as mesmas notas de crédito e de débito referenciadas no ponto 3 do probatório e constantes do anexo l do relatório a fls.79 e 85 ("fundamentação das liquidações" no relatório inspectivo) e que a mesma inspecção considera como divergências. Que a contradição da fundamentação, equivale a falta de fundamentação, o que só pode conduzir à nulidade da sentença (cfr.conclusões 4 e 5 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, se bem percebemos, assacar à decisão recorrida o vício de nulidade devido a falta de especificação dos fundamentos de facto.
Deslindemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C.P.Civil (cfr.actual artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.106 a 116 do presente processo e do exarado supra quanto à fundamentação da matéria de facto da sentença do Tribunal “a quo”, é a mesma manifestamente improcedente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, improcede o presente esteio do recurso incidente sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
O recorrente dissente do julgado alegando, igualmente, que se encontra incorrectamente julgado o seguinte ponto da matéria de facto: "Factos não provados" - Dos autos não resulta provado que as divergências enunciadas pela inspecção tributária, no relatório no âmbito da acção inspectiva e que deram origem ao apuramento dos valores constantes nas liquidações aqui em conflito (ponto 3. do probatório) se reportam aos valores das notas de crédito e de débito enunciadas no ponto 12 do probatório". Que em face da matéria de facto dada como provada, por via testemunhal, nos pontos do probatório 1. ( A ... ... & ... , tinha como objecto a compra e venda de viaturas novas da marca Fiat e Alfa Romeo, e outras usadas, reparação das mesmas e comercialização de combustíveis), 10. ( Todo o relacionamento comercial no exercício em causa (2004) no que se refere à aquisição de viaturas novas à Fiat Auto Portuguesa era feito através da empresa "... "), 11. (As compras de viaturas novas, que a ... ... & ... vendia, era feita apenas à ... ) e 12. (A ... ... & ... Lda (FLC) procedia à devolução à ... ou a outro concessionário das viaturas novas que adquiria à mesma ... , quando esses concessionários tenham angariado comprador para as viaturas novas em posse da FLC, sendo que essas operações davam lugar a nota de débito emitida pela impugnante ou a nota de crédito emitida pela entidade que facturou, sempre sem valor acrescido). Que em face desta factualidade se impunha decisão diversa, assim, se cumprindo o ónus a cargo do recorrente nos termos do artº.640, do C.P.C., dando lugar a erro de julgamento, porque o juiz decidiu mal ou contra os factos apurados (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
No caso concreto, tem este Tribunal que confirmar a decisão recorrida, no trecho constante da matéria de facto não provada e posta em causa pelo apelante ("...Dos autos não resulta provado que as divergências enunciadas pela inspecção tributária, no relatório elaborado no âmbito da acção inspectiva e que deram origem ao apuramento dos valores constantes nas liquidações aqui em conflito (ponto 3. do probatório) se reportem aos valores das notas de crédito e débito enunciadas no ponto 12. do probatório..."). Nesse sentido, vai, de resto, a factualidade aditada ao probatório e igualmente constante do relatório da inspecção tributária junta a fls.57 a 73 do procedimento de reclamação graciosa apenso (cfr.nº.13 da factualidade provada). Mais se deve recordar que só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo que, "in casu", o recorrente não fez prova de possuir tais documentos contabilísticos, conforme se retira do exame da factualidade constante do probatório.
Arrematando, julga-se improcedente também este fundamento do recurso.
Defende, por último e em síntese, o apelante que foi provada testemunhalmente em julgamento a justificação das notas de crédito e de débito e da sua inclusão contabilística nas regularizações. Que não poderia haver lugar a liquidações de 347.312,19 euros mais juros compensatórios porquanto o mecanismo de notas de débito emitidas pela impugnante e de notas de crédito emitidas pela ... sua fornecedora corresponde a auto-facturação permitida pela alteração aos artigos 19, nº.5, 28, nº.13, 35 e 45, do CIVA, pelo DL 256/2003, de 21 de Outubro, que dá igualmente lugar à dedução de IVA, por serem documentos equivalentes a facturas. Que se acham justificados, legalmente, os factos que integram as notas de crédito e de débito e a sua existência na contabilidade, designadamente, os documentos internos movimentados a débito e a crédito, caso dos OD 12004 e OD 22004 em face do mecanismo legal de auto-facturação que se acaba de evidenciar. Que a fundamentação da AT para os actos tributários impugnados, fundando-se no nº.2, do artº.19, do CIVA, é exígua ou até inexistente, por ter olvidado todo o mecanismo da auto facturação que a alteração ao Código do IVA veio impor por via do DL 256/2003 e do disposto no artº.19, nº.5, do mesmo Código. O que conduz à falta de fundamentação legal das liquidações impugnadas e à falta de fundamentação da sentença, determinando a anulação das mesma por vício dessas liquidações (cfr.conclusões 7 a 10 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; artº.72, da L.G.T.).
No que diz respeito ao específico regime do I.V.A., o legislador socorre-se de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.v.g.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por outro lado, atendendo também à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12).
Voltando ao caso concreto, na inspecção realizada à sociedade impugnante/recorrente ao ano fiscal de 2004, a A. Fiscal detectou divergências contabilísticas tanto em sede de IVA liquidado, como de I.V.A. dedutível, tendo efectuada as respectivas correcções ao abrigo do regime previsto nos artºs.19, 26, 28 e 44, do C.I.V.A. (cfr.nºs.3 e 13 do probatório).
E atente-se que é ao contribuinte que incumbe o ónus da prova do direito que invoca, no caso, o direito à dedução do I.V.A. suportado com aquisições de bens e serviços a terceiros (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.). Sendo que, conforme mencionado supra, nos termos do artº.19, nº.2, do C.I.V.A., só confere direito à dedução, além do mais, o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal.
Não fazendo o impugnante/recorrente prova desses documentos de suporte não lhe assiste o direito à dedutibilidade do I.V.A. (cfr.artºs.19, nº.2, e 35, nº.5, do C.I.V.A.), não merecendo qualquer censura as decisões da Administração Tributária e da sentença recorrida que no mesmo sentido entenderam.
Portanto, contrariamente à dedutibilidade em sede de I.R.C., inexistindo factura ou documento equivalente com os requisitos do artº.35, nº.5, do C.I.V.A., fica logo afastada a dedutibilidade do I.V.A.
E recorde-se que é posição unânime na jurisprudência dos Tribunais Superiores que tais requisitos, em sede do regime de deudtibilidade do I.V.A., consubstanciam verdadeiras formalidades “ad substantiam” (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/10/2007, rec.487/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.951/08; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/3/2009, proc.2717/08; T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12).
Apesar disso, o recorrente chama à colação o mecanismo de auto facturação que a alteração ao Código do I.V.A. veio impor por via do dec.lei 256/2003, de 21/10, e do disposto no artº.19, nº.5, do mesmo Código.
Este diploma (dec.lei 256/2003, de 21/10), operou a transposição para a ordem jurídica interna da Directiva 2001/115/CE, do Conselho, de 20/12/2001, a qual alterou o regime previsto na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), já mencionada supra.
Na esteira desta Directiva, o dec.lei 256/2003, de 21/10 (que entrou em vigor em 1/1/2004 - cfr.artº.8), veio dispor sobre as seguintes matérias:
1-Facturação electrónica;
2-Requisitos constantes das facturas (nomeadamente, introduzindo uma nova al.f), ao artº.35, nº.5, do C.I.V.A.);
3-Emissão de facturação pelos adquirentes dos bens ou serviços e por terceiros (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.209 e seg.).
O diploma sob exegese veio, igualmente, introduzir um nº.6, no artº.19, do C.I.V.A., no qual se consagra expressamente que o exercício do direito à dedução do I.V.A. está dependente da emissão de facturas ou documentos equivalentes com os requisitos previstos no artº.35, do mesmo diploma (cfr.Clotilde Celorico Palma, ob.cit., pág.215).
Revertendo, mais uma vez, ao caso dos autos, não pode o recorrente socorrer-se das alterações introduzidas no regime do I.V.A. pelo citado dec.lei 256/2003, de 21/10, visto que este diploma até reforçou os requisitos a constar dos documentos que permitem o exercício do direito à dedução do imposto, sendo que, no caso concreto, o que estava em causa era, por um lado, a não entrega da totalidade dos montantes de imposto que foram apurados na contabilidade e, por outro, a falta de suporte documental para a totalidade dos valores evidenciados a débito na conta 2435-IVA apuramento (cfr.nº.13 do probatório), portanto, situações que nada têm a ver com o regime do mesmo dec.lei 256/2003, de 21/10.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 10 de Abril de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Jorge Cortês - 2º. Adjunto)