Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1830/15.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL
ATRASO NO APARELHO DE JUSTIÇA
DEMORA CAUSADA POR OUTRO PAÍS
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário:I - Há responsabilidade civil extracontratual subjetiva quando se esteja perante (1) um dano (2) causado, naturalística e juridicamente, por (3) uma conduta ativa ou omissiva de um agente, conduta essa que, segundo o Direito, seja de imputar ao seu agente (4) a título de ilicitude (violação de um direito subjetivo alheio ou de um interesse alheio normativamente protegido) e (5) de censurabilidade da respetiva conduta (cf. artigo 483º/1 do CC; e o RRCEEP/2007).
II - Os preceitos legais que estabelecem os prazos para a prática, no processo, dos atos de magistrados e funcionários são normas disciplinadoras da atividade processual, cuja violação, por si só, não constitui facto ilícito. Todavia, a não efetivação desses atos processuais num prazo razoável contraria o preceituado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e viola também o artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, e aplicável, por isso, na ordem jurídica interna.
III - A determinação do que seja o prazo razoável previsto no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e, depois, no artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem depende de todas as circunstâncias concretas do caso;
IV - E chama à colação todas as autoridades portuguesas que atuem na formulação do aparelho de justiça português, bem como todas as entidades que tenham de colaborar com o poder judiciário português como delineado pela lei e financiado pelo poder executivo.
V - A CEDH e o TEDH não eliminaram do Direito português, como é evidente, o princípio dispositivo e a regra da substanciação da causa de pedir como resultam do nosso atual CPC; o significado jurídico do artigo 20º-4 da CRP é igual ao do artigo 6º §1 da CEDH, o que implica igual método de interpretação-aplicação e a não autonomia de tal artigo 6º; o atual e democrático Direito (legislado) português não admite automatismos jurídicos em sede de efetivação da responsabilidade civil extracontratual; o Direito (legislado) português, tal como em toda a Europa, não estabelece um prazo fixo ou pré-fixado a partir do qual existe violação do prazo razoável previsto no artigo 20º-4 da CRP; o Direito (legislado) português não permite o afastamento das regras previstas no CC, no CPC e no RRCEEP sobre a responsabilidade civil, nomeadamente quanto àquilo que o juiz dos factos deva considerar e quanto aos montantes indemnizatórios; o Direito (legislado) português não tolera que o juiz ignore, no computo do cit. prazo razoável e das indemnizações, as condutas objetivamente alheias ao Estado português no seu todo; o Direito (legislado) português não autoriza que o juiz nacional, nesta sede, ignore as diferentes situações económico-financeiras de cada Estado vinculado à CEDH, estando o juiz vinculado a um rigoroso destrinçar daquilo que constitui diferentes matérias complexas e sempre diferentes caso a caso, país a país; a CRP e o nosso CC não permitem ao juiz nacional que impute ao Estado português e aos cofres portugueses as condutas de organizações judiciárias ou Estados estrangeiros no âmbito da cooperação judiciária internacional, nomeadamente para efeitos do computo do prazo razoável previsto no artigo 20º-4 da CRP e na igual norma extraída do artigo 6º §1 da CEDH.
VI - No caso presente, o dano (a supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito) moral invocado e provado nos autos tem nexo causal normativo adequado com a conduta da mãe da lesada e não com a conduta do Estado português. Pelo que este não ficou constituído na obrigação de indemnizar.


Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

L…………, menor e representada pela mãe A……….., com os sinais dos autos, intentou ação administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS.

A pretensão formulada ao T.A.C. foi a seguinte:

- Condenação do Réu no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que alegou ter sofrido em consequência da duração da ação para investigação da paternidade intentada pelo Ministério Público em representação da menor.

Após a discussão da causa, o T.A.C. decidiu julgar a presente ação parcialmente procedente e condenar o Réu a pagar à Autora uma indemnização no montante total de € 20 000,00 pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes da violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.

*

Inconformado, o réu interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes longas conclusões:

(i) O Estado Português, Réu na presente Ação Administrativa, representado pelo Ministério Público, vem interpor recurso da sentença proferida nos presentes autos, por o tribunal a quo ter julgado a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenado o Réu Estado Português a pagar à Autora uma indemnização no montante total de € 20 000,00 pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes da violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.

(ii) A nossa discordância centra-se nos erros de julgamento de direito que originaram tal decisão, relativamente à verificação dos pressupostos “ilicitude” e “nexo de causalidade” da responsabilidade civil extracontratual, com consequente violação das normas legais infra referidas.

(iii) A nossa discordância centra-se, ainda, na decisão sobre a matéria de facto, uma vez que, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, deveriam ter sido dados como provados factos complementares e concretizadores dos factos essenciais alegados, que são relevantes para a decisão do mérito da causa, nomeadamente no que se refere à existência do referido pressuposto “nexo de causalidade”.

(iv) Por uma questão de objetividade na identificação do âmbito do presente recurso, desde já se identificam as questões a decidir, na sua sequência lógica de apreciação, de acordo com as presentes alegações:

• Erro de direito na apreciação da existência de facto ilícito por parte do R. Estado Português, inexistindo tal pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, o que deverá originar a absolvição do pedido;

• Subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que não se admite:

i. Erro na decisão da matéria de facto;

ii. Erro de direito na apreciação da existência dos danos morais alegados e de nexo de causalidade entre o facto ilícito e esses danos morais alegados, inexistindo tal pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, o que deverá originar a alteração da sentença no sentido de reduzir o montante indemnizatório para € 12.500,00 (apenas relativo aos danos patrimoniais).

(v) Contrariamente ao sustentado na sentença ora recorrida, entende o R. Estado Português, representado pelo Ministério Público, que, face aos factos dados como provados, não é possível concluir-se pela verificação do pressuposto “facto ilícito” da responsabilidade civil extracontratual, existindo, com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, erro de julgamento sobre matéria de direito.

(vi) O tribunal a quo considerou que pelo facto de o processo em causa ter durado 12 anos entre a sua instauração e a respetiva decisão final mostra-se verificada, sem mais, a ilicitude do R. Estado Português.

(vii) Para se verificar responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, terão que se verificar cumulativamente, e ser demonstrados, os pressupostos facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

(viii) Ou seja, simplificando – residindo aqui, desde logo, a discordância com a douta decisão recorrida – o Réu Estado Português apenas poderia ser responsabilizado pelo pagamento da peticionada indemnização se da factualidade apurada resultasse que o processo que fundamenta aquele pedido foi julgado para além do «prazo razoável», que esse atraso se ficou a dever a culpa dos serviços do Estado na administração da justiça, que daí decorreram danos para a A. e que existe uma relação direta entre essa demora e os prejuízos cujo ressarcimento se peticiona.

(ix) Não basta, para atestar a ilicitude do Estado num atraso da justiça, balizar os marcos temporais de início e fim de um processo, pois a morosidade de um processo judicial nem sempre é imputável apenas ao sistema judiciário, havendo vários fatores que a determinam, uns de natureza objetiva, outros de natureza subjetiva.

(x) Como já assinalou o TEDH (no acórdão Buchholz v. Alemanha, de 06.05.1981), apenas a morosidade imputável ao Estado pode levar à sua condenação pela inobservância da exigência do “prazo razoável”.

(xi) No caso dos autos, a demora na resolução do processo resultou essencialmente de circunstâncias alheias aos magistrados ou ao funcionamento dos serviços, pois esteve diretamente relacionada, por um lado, com a necessidade de assegurar o princípio do contraditório e de realizar diligências necessárias à descoberta da verdade material, e, por outro lado, com o comportamento processual do R. nesse processo, do qual se destaca as inquirições através de carta rogatória que foram requeridas pelo R. nesse processo, que originou uma tramitação com incidências extraordinárias, não provocadas pelo funcionamento da “máquina judicial”.

(xii) Ou seja, o atraso na decisão ficou a dever-se, em grande medida, a fatores externos, incontroláveis, ao funcionamento dos tribunais, sem qualquer ligação a qualquer atraso ou desleixo injustificado na promoção da sua normal tramitação por parte do tribunal ou seus agentes.

(xiii) Por outro lado, verifica-se que não consta da matéria de facto dada como provada a identificação de qualquer atraso concreto injustificado, fazendo apenas alusão à duração e tramitação do processo.

(xiv) Finalmente, é a própria ora A. quem, no recurso da decisão que regulou provisoriamente as responsabilidades parentais, cuja certidão foi, entretanto, junta aos autos e, como tal, está documentalmente demonstrada, afirma expressamente “que o processo de investigação de paternidade prolongou-se por mais de 12 anos mercê da atuação do pai com incidentes, recursos e manobras dilatórias totalmente injustificados”.

(xv) Ou seja, não obstante a A. ter interposto a presente ação, reconhece posteriormente noutro processo que a omissão de decisão em prazo razoável se deveu exclusivamente ao Réu dessa ação, e não ao Estado Português.

(xvi) Tal facto, consubstanciado nessa afirmação da própria A., é um facto instrumental, e, como tal, não necessita de constar da matéria de facto dada como provada (motivo pelo qual não se impugna, nesta parte, a decisão sobre a matéria de facto), bastando constar da fundamentação da respetiva decisão (nos termos do art.º 607º, n.º 4 do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA), o que não sucedeu na sentença ora recorrida, que omitiu por completo na respetiva fundamentação tal relevante circunstância.

(xvii) Tendo em conta a factualidade dada como provada e os critérios supra referidos a ter em conta, não é possível concluir, in casu, pela ocorrência de violação do direito da A. à justiça em prazo razoável da responsabilidade do Estado, tal como vem previsto no art.º 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 6º, nº 1 da Convenção dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13.10, aplicável, nos termos do art.º 8º da Constituição da República Portuguesa, na nossa ordem jurídica interna, e concretizado na Lei n.º 67/2007, de 31.12.

(xviii) Foram violadas as seguintes normas jurídicas, que deverão ser interpretadas e aplicadas no sentido suprarreferido pelo R. Estado Português:

• Art.º 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa;

• Art.º 6º, nº 1 da Convenção dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13.10, aplicável, nos termos do art.º 8º da Constituição da República Portuguesa, na nossa ordem jurídica interna;

• Art.º 9º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

(xix) Acresce, ainda, que, no que concerne à existência de nexo de causalidade entre o facto e os danos morais alegados, verifica-se que o tribunal a quo, na sentença recorrida, omitiu a pronúncia, em termos de factos provados, relativamente a factos complementares e concretizadores que resultaram inequivocamente da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e que são determinantes para a decisão da causa neste segmento.

(xx) Ocorre erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto se determinados factos, por omitidos, tiverem utilidade para a apreciação do mérito da causa segundo as soluções plausíveis da questão de direito.

(xxi) Na decisão dos factos que se julgam provados e daqueles que se consideram não provados, o juiz não deve orientar-se por uma eventual preconcebida solução jurídica do caso, mas sim assegurar que sejam assentes todos os factos que se mostrem relevantes em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito, de modo a, desde logo, salvaguardar a possibilidade dos tribunais superiores adotarem outra solução jurídica, sem necessidade de ampliação da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 662º, n.º 1 do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA, ou de renovação ou produção de novos meios de prova (art.º 149º, n.º 4 do CPTA e art.º 662º, n.º 3 e 4 do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA).

(xxii) Foi o que, com o devido respeito, não sucedeu na douta sentença ora recorrida, com a fixação da matéria de facto efetuada apenas de acordo com a decisão proferida no que respeita ao nexo de causalidade, sem correspondência com a prova produzida e com a consequente omissão de factos relevantes para a apreciação do mérito da causa segundo outras soluções plausíveis da questão de direito.

(xxiii) Com efeito, se atentarmos na prova produzida em audiência de discussão e julgamento (testemunha C……….. (6’:13’’, entre os 6’:42’’ e os 6’:50’’ e entre os 9’:58’’ e os 10’:07’’ da gravação), testemunha R………… (entre os 53’:50’’ e os 55’:00’’ da gravação), testemunha A……….. (entre os 23’:20’’ e os 23’:50’’ da gravação), testemunha S……… (30’:29’’ da gravação) e testemunha Mário J………. (30’:29’’ e 43’:40’’ da gravação)), resultou claramente demonstrado, com relevância para a decisão, que:

Não foi apenas durante o período de tempo em que durou a ação de investigação da paternidade que o pai da Autora não a contactou, uma vez que tal ainda sucede atualmente, não tendo o pai da Autora qualquer contacto com esta, por total desinteresse deste;

Durante muitos anos, inclusive na pendência da ação de investigação de paternidade, a mãe da Autora ocultou-lhe a verdade acerca do seu progenitor;

A Autora sofreu desgosto por o seu pai não querer ter contacto consigo, e não por a paternidade não ter sido fixada mais cedo na ação em causa.

(xxiv) Desta forma, por ser relevante para a apreciação do mérito da causa segundo as diversas soluções plausíveis da questão de direito, deverá constar dos FACTOS PROVADOS, ao invés da factualidade dada como assente nas alíneas JJ e MM:

O pai da Autora nunca quis ter contacto com esta, nem durante o período de tempo em que durou a ação de investigação da paternidade, nem depois desta ação ter findado;

A Autora, durante a infância, perguntava pelo pai e, por vezes, pedia ao tio que fingisse ser seu pai;

Durante muitos anos, inclusive na pendência da ação de investigação de paternidade, a mãe da A., que bem sabia a identidade do progenitor desta, ocultou-lhe a verdade acerca do mesmo;

A Autora sofreu desgosto por o seu pai não querer ter contacto consigo.

(xxv) Dito isto, cumpre referir que, contrariamente ao sustentado na sentença ora recorrida, entende o R. Estado Português, representado pelo Ministério Público, que não é possível concluir-se pela verificação do pressuposto “nexo de causalidade” da responsabilidade civil extracontratual entre o pretenso facto ilícito e os danos morais alegados.

(xxvi) A tal decisão já era de chegar com a matéria de facto que foi dada como assente na sentença recorrida, de acordo com as regras de experiência comum, mas indubitavelmente é de alcançar tal solução jurídica face à matéria de facto que deverá ser aditada aos factos dados como provados, de acordo com o supra referido, existindo, com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, de erro de julgamento sobre matéria de direito.

(xxvii) Conforme se decidiu no acórdão do TEDH Arvanitaki-Roboti v. Grécia, de 15.02.2008, que a indemnização por danos morais decorrente da violação do direito de decisão em prazo razoável não é automática , dependendo sempre da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se considerem provados, pois não há lugar a essa indemnização quando o prejuízo invocado tenha outra causa.

(xxviii) Ora, é precisamente isso – o dano invocado ter outra causa – que, de forma clara e inequívoca, sucede na presente ação.

(xxix) Com efeito, no caso dos autos, e com o devido respeito, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo na sentença recorrida:

Através da alínea MM) do probatório não é possível concluir, muito menos com recurso às regras de experiência comum, que a ausência de determinação da paternidade da menor, durante toda a infância e parte da adolescência determinou perturbações ao nível emocional. Com efeito, se perturbações ao nível emocional foram produzidas, o que nem sequer foi demonstrado (pois apenas se deverá dar como assente que a menor sofreu desgosto, o que é substancialmente diferente), foi com o facto da verdade e identidade do seu pai lhe ter sido ocultada pela sua mãe e familiares (o que manifestamente não é responsabilidade do R. Estado Português) e de, após saber quem é o seu pai, este não ter querido, o que ainda se mantém, ter quaisquer contactos consigo (o que, igualmente, não é imputável ao R. Estado Português);

Não corresponde às regras de experiência comum concluir, como facto que não necessitaria sequer de alegação e prova, que a ausência de determinação da paternidade numa criança, desde o seu nascimento até aos 13 anos de idade, causa sofrimento e incompreensão na criança. Com efeito, refira-se, desde logo, que a referência feita pelo tribunal a quo, neste contexto, é à “determinação judicial”, e não ao seu conhecimento de facto dessa paternidade. Ora, de acordo com essas mesmas regras de experiência comum invocadas, o que causará desgosto a uma criança é não saber de facto quem é o seu pai. E tal sucedeu, refira-se, não porque a mãe da A. não soubesse quem era o progenitor ou por qualquer conduta que pudesse ser imputada ao R. Estado Português, mas sim porque a mãe da A., numa opção legítima no âmbito das suas responsabilidades parentais, entendeu ocultar a identidade deste à sua filha. Com efeito, o que corresponde às regras de experiência comum, isso sim, é que uma criança queira saber de facto quem é o seu pai, independentemente de qualquer processo judicial;

É errada a conclusão de que a demora na decisão da ação impediu a Autora de conhecer a identidade do pai e que esse desconhecimento determinou os danos acima enunciados. Tal desconhecimento não foi devido à demora na ação judicial em causa, mas sim porque a mãe da A. e respetiva família alargada optou por ocultar à A. a identidade do pai desta, identidade essa que era bem conhecida daquela. Se a mãe da A. não tinha dúvidas de quem era o progenitor desta – e nunca nos autos se suscitou tal dúvida – nada impedia a A. de conhecer a identidade do pai, só não tendo dela tomado conhecimento mais cedo por conduta imputável à sua mãe, que a ocultou, conduta essa à qual o R. Estado Português é absolutamente alheio.

(xxx) Cumpre recordar que as regras de experiência comum são regras da experiência da vida, daquilo que constitui o princípio da normalidade, sendo que em face de tais regras pode e deve o julgador inferir determinados comportamentos como sendo a sequência lógica e o desenvolvimento normal e coerente de determinadas situações, de acordo com as regras vivenciais.

(xxxi) Ora, do acervo probatório constante dos autos resulta claro que o desgosto da A. não foi com a falta de “certeza jurídica” da sua paternidade, mas sim com o facto de não conhecer o pai, sendo certo que durante muitos anos, inclusive na pendência deste processo, lhe foi ocultada a verdade relativamente à identidade deste , e do facto do pai não querer saber dela e de não querer ter nenhum contacto.

(xxxii) Assim, os factos alegados como fundamento dos danos morais são claramente apenas e exclusivamente responsabilidade do pai da A., que não quer contactos com esta, e da sua mãe, que durante muito tempo lhe ocultou a identidade do pai, não podendo manifestamente ser imputados a qualquer delonga processual. De qualquer forma, sempre se dirá que o desgosto que a A. teria sofrido não se mostra sequer objetivamente concretizado, pois a sua amplitude, intensidade e duração não foi alegada nem demonstrada, para que o julgador pudesse levar a cabo a tarefa em que foi investido pelo legislador face ao disposto no art.º 496º, nº 1 do Código Civil (vide, neste sentido, Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.3.2006, processo nº 5/04).

(xxxiii) Independentemente deste aspeto, cumpre concluir não existir, nem estar demonstrado nos autos – sendo certo que era a A. quem tinha o respetivo ónus probatório – nexo de causalidade entre a delonga na tramitação do processo e os danos morais alegados, uma vez que estes, a existirem, nunca resultariam, seguramente, de qualquer atraso na tramitação do processo em causa, mas apenas e tão só da conduta dos progenitores da A..

(xxxiv) Foram violadas as seguintes normas jurídicas, que deverão ser interpretadas e aplicadas no sentido suprarreferido pelo R. Estado Português:

• Art.º 496º, nº 1 do Código Civil;

• Art.º 563º do Código Civil;

• Art.º 3º, 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

Sem prescindir, e para a hipótese de assim se não entender, a sentença recorrida deverá ser alterada no sentido de fixar a matéria de facto provada nos precisos termos atrás referidos, e, conhecendo do pedido, julgar improcedente a presente ação no que respeita aos danos morais alegados, absolvendo-se o R. Estado Português do pedido em causa, com a consequente redução do montante indemnizatório.

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A autora recorrida contra-alegou, concluindo assim:

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal recorrido decidiu estar provada a seguinte factualidade:

A) A Autora nasceu a 15.09.2001 e foi registada como filha de A……….. (fls. 27 verso);

B) O assento de nascimento de fls. 27 verso é omisso quanto à paternidade da Autora;

C) A 17.06.2002 foi proposta pelo Ministério Público, em representação da Autora, ação declarativa ordinária de investigação oficiosa da paternidade, contra L……….. (fls. 24-27);

D) A ação foi contestada a 29.10.2002 (fls. 32 verso-37 dos autos)

E) A 23.09.2003 foi proferido despacho saneador, com enunciação dos factos assentes e elaboração de base instrutória (fls. 42-45);

F) As partes apresentaram os requerimentos probatórios a 15.10.2003 e 25.11.2003 (fls. 46 verso e 48);

G) os quais foram admitidos por despacho de 26.02.2004 (fls. 70 verso);

H) A 27.09.2005 foram remetidos ao Ministério da Justiça os pedidos de expedição de cartas rogatórias para inquirição das testemunhas residentes no estrangeiro (fls. 72-74);

I) A 11.10.2005 foi devolvido o pedido para instrução, designadamente com tradução dos documentos que acompanham os formulários dos pedidos (fls. 75 verso-76);

J) A 31.03.2006 foram novamente remetidos ao Ministério de Justiça os pedidos de expedição de cartas rogatórias para inquirição das testemunhas residentes no estrangeiro (fls. 87 verso-91);

K) Os pedidos mencionados nas alíneas anteriores foram novamente devolvidos, a 17.04.2006, 10.05.2006 e 29.05.2006 (fls. 92 verso, 96 e 97 verso);

L) A 14.02.2007 veio o Requerido indicar a morada de uma das testemunhas a inquirir através de carta rogatória (fls. 124 verso);

M) A 3.11.2008 foi proferido despacho que designou a data da Audiência de Discussão e Julgamento, para o dia 26.01.2009 (fls. 159);

N) Dá-se por reproduzido o teor da ata de Audiência de Discussão e Julgamento de fls. 169 da qual consta, designadamente que: «(…)

“Texto integral com imagem”

O) Por despacho de 22.09.2009 foi determinado que se solicitasse à DGAJ o envio do depoimento integral da testemunha Pietro Brenni e determinada a realização de prova pericial pelo IML, fixando como objeto da perícia a averiguação da paternidade da menor L…….. (fls. 187);

P) Por requerimento apresentado a 12.10.2009, o Requerido veio opor- se à realização do exame de paternidade (fls. 188);

Q) Por requerimento de 7.06.2010 veio o Requerido requerer prazo de 30 dias para a junção de tradução da carta rogatória (fls. 203);

R) O requerimento mencionado na alínea anterior foi deferido por despacho de 17.06.2010 (fls. 204);

S) A 15.07.2010 o Requerido requereu prazo adicional de 15 dias (fls. 205 verso),

T) A 14.09.2010 o Requerido requereu prazo adicional de 10 dias (fls. 207);

U) Por despacho datado de 29.09.2010 foi deferida a prorrogação (fls. 208);

V) A 30.09.2010 foi junta a tradução da carta rogatória (fls. 209);

X) A 8.10.2010 foi remetido ao Ministério da Justiça pedido de expedição de carta de rogatória para inquirição da testemunha P………. (fls. 211 verso);

Y) A 6.12.2010 foi junta aos autos a comunicação das justiças da Suíça quanto à carta rogatória para inquirição da testemunha P…… (fls. 212);

Z) A 2.05.2011 foi junta, pelo Requerido, tradução do depoimento da testemunha P…… (fls. 233);

AA) Por despacho de 21.06.2011 foi determinado que se solicitasse ao IML a realização do exame pericial (fls. 238);

BB) A 12.09.2011 o Requerido interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa, do despacho que determinou a sua sujeição a exame pericial (fls. 242);

CC) O recurso foi admitido por despacho datado de 20.09.2011, com subida diferida e efeito devolutivo (fls. 243 dos autos);

DD) Por ofício datado de 17.11.2011 o IML informou os autos da não realização das colheitas para realização do exame pericial por não ter comparecido o pretenso pai (fls. 258);

EE) A fls. 265-266 foi prolatado despacho a determinar a inversão do ónus da prova da paternidade, em face da recusa do Requerido em submeter-se à realização da perícia médico-legal;

FF) Por decisão datada de 28.05.2012 foi concedido provimento ao agravo interposto pelo Recorrido e determinado o prosseguimento dos autos sem sujeição do requerido ao exame pericial (fls.303-305);

FF) A 5.03.2013 e 7.03.2013 foi realizada Audiência de Discussão e Julgamento (cfr. atas de fls. 321-333);

GG) A 22.04.2013 foi proferida sentença que reconheceu judicialmente a menor L……. como filha do mencionado e investigado L………… (fls. 337-341 dos s autos);

HH) A 22.05.2013 o Requerido interpôs recurso da sentença mencionada na alínea anterior (fls. 343);

II) Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 9.07.2014 foi negado provimento ao recurso e confirmada a sentença mencionada em GG) (fls. 397-402);

JJ) Durante o período de tempo em que durou a ação de investigação da paternidade, o pai da Autora nunca a contactou;

KK) Nem contribuiu para as despesas com o seu sustento, educação e saúde;

LL) Dá-se por reproduzido o teor do inquérito às despesas das famílias 2010/2011 realizado pelo INE, de fls. 403-432, do qual consta, designadamente que a despesa média anual de um agregado familiar composto por um adulto e uma criança dependente é de cerca de € 8 720,00;

MM) A Autora, durante a infância, perguntava pelo pai e, por vezes, pedia ao tio, que fingisse ser seu pai;

NN) A mãe da Autora apresentou, junto do Conselho Superior da Magistratura, a 20.09.2011, o requerimento de fls. 482-483 dos autos, com o teor seguinte: «----------------

“Texto integral com imagem”

OO) Na sequência do requerimento mencionado na alínea anterior pelo CSM foi determinado o seguinte: «---------------------------------------

PP) Dá-se por reproduzido o teor da decisão proferida nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais nº 11635/15.7T8LSB, de fls. 666-669 dos autos na qual se fixou que o progenitor contribuirá, a título de pensão de alimentos para a filha, com a quantia de € 100,00 mensais;

QQ) Mais se fixou, nessa decisão, que os alimentos são devidos desde a propositura da ação – 28.04.2015;

RR) A mãe da Autora interpôs recurso da decisão mencionada em PP);

SS) A petição inicial da presente ação foi apresentada em juízo a 26.08.2015 (fls. 2 e 3 dos autos);

TT) O Réu Estado Português foi citado a 6.10.2015 (fls. 453).

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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Delimitação do objeto do recurso:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso - cf. artigos 144º-2 e 146º-4 do CPTA, artigos 5º, 608º-2, 635º-4-5 e 639º do CPC-2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA -, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo - cf. artigos 73º-4, 141º-2-3, 143º e 146º-1-3 do CPTA. Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC - deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e as condições legalmente exigidos para o efeito.

Ora, tudo visto, as questões a resolver contra a decisão ora recorrida são as seguintes:

- Erros de direito quanto aos seguintes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual delitual:

-Ilicitude (isto é, juízo de inobservância do direito objetivo por violação de um direito subjetivo alheio ou de normas de proteção de interesses alheios, sem que haja causa de justificação),

-Existência de dano moral (isto é, aferido a partir da ilicitude objetiva, é a supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito),

-Nexo de causalidade adequada (isto é, causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser uma condição adequada do dano em termos de normalidade social).

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Temos presente tudo o que já expusemos, bem como: (1º) que a ordem jurídica posta através de atos humanos – o jurídico real e social - se refere a um conjunto de regras e princípios jurídicos ordenado em função de um ou mais pontos de vista [sistema], sendo o ordenamento jurídico um sistema social - no sentido do jurista e sociólogo N. Luhmann: um sistema da sociedade moderna, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação - mas sistema aberto e alterável, nomeadamente em consequência de novos objetivos e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais; (2º) que o Direito administrativo é Direito constitucional democrático concretizado; (3º) que existe uma correta, objetiva e racional metodologia jurídica para conhecer o direito objetivo e uma correta, objetiva e racional metodologia jurídica para decidir processos jurisdicionais [cf. os essenciais artigos 8º a 11º do CC quanto à interpretação dos enunciados normativos infraconstitucionais: o elemento filológico ou gramatical, o elemento lógico-sistemático, o elemento pragmático-teleológico-objetivo e o elemento genético-histórico; vd. Miguel Nogueira de Brito, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., AAFDL Edit., Lisboa, 2018, capítulo I, nº 3, e capítulo III], no âmbito de um Estado democrático e social de Direito Constitucional - cf. os artigos 1º a 3º, 9º, 110º-1, 112º, 202º-1-2, 203º e 204º da CRP e os artigos 1º a 11º, 335º, 342º e 343º do CC; (4º) que, para compreender objetivamente o direito objetivo [por contraposição: a direito subjetivo, a “right” na língua inglesa] aplicado, é mister assumir (i) que o direito objetivo vigente não é a opção político-jurídica ou valorativa que está a montante das fontes, (ii) que metódica da dogmática jurídica, metódica jurisdicional e metódica filosófica são três coisas distintas, (iii) que o direito objetivo tem na sua natureza o princípio estrutural da segurança jurídica [cf. artigos 1º e 2º da CRP], e (iv) que as máximas metódicas ou postulados aplicativos da igualdade e da proporcionalidade administrativas, fora das vinculações jurídicas estritas, implicam um específico dever de fundamentação expressa - cf. artigos 1º e 2º da CRP e 7º do CPA; (v) destaca-se ainda, nesta Jurisdição, o princípio jurídico geral da prossecução do interesse coletivo por parte de todas as atividades de administração pública - cf. artigos 266º e 268º-3-4 da CRP.

Passemos, pois, à análise do recurso de apelação.

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A)

Há responsabilidade civil subjetiva (extracontratual ou contratual) quando se esteja perante (1) um dano (2) causado, naturalística e juridicamente, por (3) uma conduta ativa ou omissiva de um agente, conduta essa que, segundo o Direito, seja de imputar ao seu agente (4) a título de ilicitude (= violação de um direito subjetivo alheio ou de um interesse alheio normativamente protegido) e (5) de censurabilidade da respetiva conduta (cf. artigo 483º/1 do CC; e o RRCEEP/2007).

São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual delitual, aquiliana ou por facto ilícito:

1º-o dano (aferido a partir da ilicitude objetiva, trata-se da supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito);

2º-o comportamento ativo ou omissivo do agente humano;

3º-a ilicitude desse comportamento (juízo de inobservância do direito objetivo, por violação de um direito subjetivo alheio ou de normas de proteção de interesses alheios, sem que haja causa de justificação) – vd. o artigo 9º do RRCEEP;

4º-o nexo de causalidade entre o comportamento ativo ou omissivo ilícito e o dano (além de “conditio sine qua non”, exige-se uma causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser desde logo uma condição adequada do dano em termos de normalidade social; artigo 563º do CC; e o RRCEEP);

5º-a culpa (juízo de censura formulado pelo Direito relativamente à conduta ilícita do agente do facto danoso, que é a base da imputação delitual ou aquiliana), ou seja, (i) o dolo ou (ii) a negligencia do agente, culpa que é de avaliar em abstrato (artigo 487º do CC), isto é, (iii) considerando como modelo avaliativo uma pessoa comum ou razoável incluída no mesmo meio social, cultural e económico do agente, perante as circunstâncias do caso concreto.

Haverá responsabilidade civil objetiva quando se esteja perante um dano juridicamente causado por uma conduta ativa ou omissiva de um agente contra um direito subjetivo alheio ou um interesse alheio normativamente protegido, dano esse que, segundo o Direito, seja de imputar a esse agente (1) com base no risco envolvido na situação (r. c. pelo risco) ou (2) por via de um mero facto lícito desse agente, nomeadamente num contexto de compensação de uma desigualdade de tratamento (r. c. por facto lícito: ver, por ex., os artigos 15º e 16º do RRCEEP).

B)

A propósito da responsabilidade civil extracontratual delitual, aquiliana ou por facto ilícito, por causa de morosidade excessiva do aparelho judiciário, podemos sintetizar a atualidade jurisprudencial portuguesa, transcrevendo alguns recentes arestos do nosso STA, mas tendo sempre presente que a CEDH não se sobrepõe, logico-normativamente, à CRP:

- I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4 da CRP, em sintonia com o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, gera uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;

II - Para efeitos de integração do conceito de "prazo razoável", ínsito nas disposições legais citadas, haverá que considerar todas as coordenadas do caso, designadamente, a complexidade, incidentes suscitados, ocorrências especiais, tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à atuação da parte que pede a indemnização. Ac. do STA de 08-07-2009, P. nº 0122/09;

- I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto.

II - Os preceitos legais que estabelecem os prazos para a prática, no processo, dos atos de magistrados e funcionários são normas disciplinadoras da atividade processual, cuja violação, por si só, não constitui facto ilícito.

III - Todavia, a não efetivação desses atos processuais num prazo razoável contraria o preceituado no art. 20/1 da Constituição da República Portuguesa e viola também o artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, e aplicável, por isso, na ordem jurídica interna.

IV - A determinação do que seja, para esse efeito, um prazo razoável não pode fazer-se em abstrato, antes havendo que ter em consideração as circunstâncias concretas do caso.

V - Não constitui, em concreto, violação do direito à administração da justiça em prazo razoável o atraso, relativamente aos prazos legalmente estabelecidos, da instrução de um processo em que se investigavam ilícitos criminais de grande complexidade e dificuldade, como o branqueamento de capitais e o tráfico de droga, os quais se suspeitava terem sido praticados não só em Portugal como no estrangeiro e em que, por isso, teve de haver relacionamento com as polícias desses países. Ac. do STA de 10-09-2009, P. nº 083/09;

- I - Num processo para efetivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de atraso na administração da justiça, se se considerar globalmente excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato processual, porque, mesmo que se concluísse pelo respetivo cumprimento, não se infirmaria a conclusão obtida sobre o excesso do prazo razoável, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e não estão estruturados de forma eficiente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização.

II - É violado o direito a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se num processo de recuperação de empresa seguido de falência decorrem mais de sete anos e meio entre a data em que foi apresentada uma reclamação de créditos e aquela em que ficou definido que não havia verba suficiente para o pagar. Ac. do STA de 05-05-2010, P. nº 0122/10;

- I - A duração global de um processo judicial, por mais de 8 anos, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos art.º 6º §1º e art.º 20º, n. º4 da CRP.

II - O facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei lhes permite para defesa dos seus interesses não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo.

III - É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna. Ac. do STA de 27-11-20213, P. nº 0144/13;

- I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.

II – Quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável.

III – Tratando-se de um meio processual de tramitação simplificada e não revestindo a matéria nele em causa especial complexidade ou dificuldade, não pode deixar de se concluir que ultrapassou o prazo razoável a alteração da regulação do exercício do poder paternal que, até à obtenção de uma decisão transitada em julgado, durou cerca de 7 anos. – Ac. do STA de 10-09-2014, P. nº 090/12, com o seguinte voto de vencido:

“Discordo da ideia de que o Estado deva responder civilmente pelos danos advindos do facto de um processo ter durado para além dum certo limiar de tempo, independentemente da análise casuística das vicissitudes processuais; pois essa ideia — que relaciona de forma automática e tabular o tempo e a responsabilidade — briga com o art. 570º do Código Civil, norma que, embora falando em «culpas», trata deveras de um problema de imputabilidade no estabelecimento do nexo causal. Devo referir que essa norma consagra um princípio geral de equilíbrio e de justiça. E repudio, por absurda, a tese de que o Estado responda por não ter instituído um quadro de regras jurídicas que disciplinariam a conduta processual do lesado e impediriam que ele, excedendo-se em tal atividade, atrasasse o processo e infligisse danos a si mesmo. «In casu», constata-se que a autora não obteve, «in fine» — ou seja, em dezembro de 2013 — sensivelmente mais do que lhe fora concedido na sentença de setembro de 1999. E esta sentença fora proferida cerca de dois anos e meio depois da propositura da ação. Assim, a situação jurídica favorável que a autora poderia obter — e que efetivamente obteve — ficara definida logo em setembro de 1999. E foi ela quem, através dos recursos que subsequentemente interpôs, impediu que essa definição se estabelecesse e vigorasse desde então. Quando é certo que tal vigência evitaria os danos cuja indemnização a autora agora reclama. É certo que a autora assinala que tinha razão ao recorrer da sentença de setembro de 1999, já que a Relação revogou esse julgado. Mas o desfecho favorável deste recurso da autora constituiu um êxito intercalar sem reflexos no resultado final e que, portanto, não ilude o que «supra» referi: que, no fim do processo, tudo essencialmente se manteve como a sentença de setembro de 1999 estabelecera. Ora, este dado mostra que o recurso deduzido pela autora dessa sentença prolongou artificialmente a vida do processo sem contribuir para uma decisão diferente e melhor. Aliás, a matéria de facto denota que a principal causa do atraso do processo está no aresto de setembro de 2001, revogatório daquela sentença — e proferido sob impulso processual da autora. Tal acórdão é surpreendente a dois títulos: porque impôs uma perícia para se averiguar o que já se conhecia razoavelmente bem; e porque quis indagar da causa de uma rejeição quando já dispunha do facto que juridicamente importava — e que era a própria existência dessa mesma rejeição. Contudo, é de notar que a autora não localizou nesse acórdão — inevitavelmente fautor de demoras, já que impôs a realização de uma perícia psicológica a menores residentes no estrangeiro — a causa do atraso processual de que se queixa; pois inclusivamente admite que tal aresto, prolatado na sequência duma iniciativa sua, decidiu bem. Tudo isto significa que o processo dos autos fundamentalmente se atrasou — entre setembro de 1999 e dezembro de 2003 — por causa da atividade processual que a autora, afinal em vão, decidiu desencadear. Daí que tal atraso lhe seja imputável, nos termos gerais do art. 570° do Código Civil. E, na medida em que as inúmeras solicitações processuais da autora foram recebendo resposta atempada do Tribunal Judicial de Vila do Conde, afigura-se-me que se deveria excluir a indemnização pedida pela autora, confirmando-se a pronúncia absolutória do Estado, proferida pelas instâncias”;

I - Convivendo no tempo uma «ação interna de responsabilização do Estado» por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e uma petição no TEDH exatamente sobre o mesmo caso, as duas decisões, nelas a proferir, não se neutralizam, nem têm uma vocação de indemnização cumulativa, mas antes de indemnização complementar.

II - Deverá existir, assim, uma metodologia dialogante entre o «juiz europeu» e o «juiz nacional» no que respeita à determinação do quantum da reparação, nomeadamente do dano moral.

III - A doutrina da «margem nacional de apreciação» pode auxiliar este diálogo entre a justiça nacional e internacional. Ela diferencia aquilo que é «próprio de cada comunidade» daquilo que, em virtude da sua fundamentalidade, terá de ser imposto a cada Estado signatário da Convenção, independentemente da sua cultura específica. – Ac. do STA de 30-03-2017, P. nº 0488/16, com o seguinte voto de vencido:

“Entendo que não resulta dos acórdãos citados, Ac. do STA 01152/15 de 07-01-2016 e do Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem 2ª Secção (Caso Mora do Vale e Outros contra Portugal Queixa n° 53468/99 de 18 de Abril de 2006), que o tribunal nacional possa majorar - no sentido de complementar para mais ou para menos - a «reparação razoável» fixada pelo TEDH atendendo aos mesmos factos e aos mesmos danos invocados. O referido acórdão do STA apenas diz que é inútil o prosseguimento da ação administrativa relativa a indemnização por atraso na justiça a lesados que também o foram no âmbito de uma ação que correu no TEDH por esses mesmos danos, salientando que tal inutilidade não se estende a outros pedidos, formulados na ação, alheios àquela pronúncia do TEDH. Por outro lado, o supra referido acórdão do Tribunal Europeu (Caso Mora do Vale) a que se alude no acórdão a que subjaz este voto de vencido, tem por base uma situação em que o processo no tribunal nacional tem uma amplitude fáctica mais abrangente do que a que está presente no TEDH, que este refere e pressupõe claramente. O que significa que não podemos deixar de interpretar o que vem dito nesse contexto. E, por isso, quando se diz que o tribunal nacional deve “se necessário, tomar em consideração as quantias recebidas a esse título no âmbito do processo apresentado perante o Tribunal” não está a querer dizer-se que o tribunal nacional pode sindicar o critério de equidade fixado pelo TEDH. Caso contrário estar-se-ia a dizer que o juiz nacional poderia dar pelos mesmos factos uma indemnização superior à fixada pelo TEDH, mas já não poderia baixar a indemnização fixada. Ora, tal não resulta minimamente, a nosso ver, da jurisprudência do TEDH. Ou seja, não pode o tribunal nacional aferir da bondade do critério de razoabilidade e equidade fixado no TEDH, que é o que o tribunal de 1ª instância e o acórdão aqui em causa fazem. Daí que, entendamos que o juiz nacional não pode atribuir uma diferente indemnização quando estejam em causa precisamente os mesmos factos e os mesmos danos invocados que estiveram na base de uma decisão do TEDH que atribui à parte lesada uma reparação razoável, pela violação da Convenção. Contudo, no caso sub judice, a factualidade não era a mesma já que no tribunal nacional estava em causa um período de atraso que se prolongou até à data da prolação da decisão de 1ª instância e que a mesma ponderou na atribuição da indemnização que entendeu ser a razoável atendendo a critérios de equidade. E, a partir do momento em que o tribunal nacional estava condicionado à razoabilidade de critérios de equidade fixados pelo TEDH quanto ao tempo de atraso a que o mesmo atendeu, tal significa que não podia pô-lo em causa da forma como o fez, e se refere na acórdão que diz respeito a este voto de vencido, e pelo mesmo acolhida, ou seja: “A 1ª instância, com base na factualidade provada [pontos U) e V)] considerou que a «reparação razoável» atribuída pelo TEDH resultava no «quantum» de 5.200,00€ para cada um deles. Raciocinou assim: se o tribunal atribuiu a quantia total de 15.600,00€ a 3 peticionantes, por 5 queixas relativas a 2 processos, sem outras especificações, isso significa que cabe 5.200,00€ a cada um deles. E, partindo de uma interpretação e aplicação da lei muito próxima daquela que aqui adotamos, fez o seu próprio juízo de equidade, enquanto «juiz nacional», e acabou por considerar que a cada um dos autores deveria caber a reparação de 4.800,00€, isto é, 400,00€ por cada um dos 12 anos de pendência dos autos em causa no Tribunal Judicial de Barcelos, ou seja, desde o ano de 2003 «até à presente data» [sic]. Nesta base, e porque a «reparação razoável», atribuída pelo TEDH, supera este quantum resultante do juízo de equidade formulado pelo «juiz nacional», este, em sede de 1ª instância, concluiu «…não dever haver lugar à fixação de qualquer outra quantia, a título de danos morais, para além da já fixada pelo TEDH. […]” Na verdade, a partir do momento em que estava condicionado ao critério de equidade fixado pelo TEDH relativamente aos factos e danos aí invocados, o tribunal nacional tinha de considerar autonomamente o período não considerado naquele Tribunal Europeu de forma a, ou torná-lo irrelevante, e justificar porque, segundo o seu critério o mesmo não justificava qualquer indemnização ou, atribuir uma indemnização segundo o seu critério relativamente aos factos não considerados no TEDH, ou seja, o período de atraso na justiça aí não atendido. O que não podia era fixar um critério de razoabilidade diverso do seguido pelo TEDH e, relativamente a um período de atraso da justiça maior, conduzir a uma indemnização menor do que a fixada pelo TEDH e depois, relativamente a um período substancialmente diverso, ater-se à mesma apenas porque tinha sido fixada pelo TEDH. Daí que, a meu ver, o processo devesse regressar à 1ª instância para que se procedesse a uma ponderação da indemnização a atribuir ao período de atraso na justiça que não constava da matéria considerada no TEDH, sem pôr em causa os critérios de razoabilidade fixados por esse TEDH.”;

- I - Para aferição do concreto prazo que se deve entender por “razoável” não se pode adicionar o tempo de duração do processo penal ao da ação cível sem se demonstrar que a possibilidade legal de decidir o pedido cível em separado determinada pelo juiz criminal carece de sentido.

II - A demora excessiva de um processo, que resulta de dificuldades encontradas na ação executiva, nomeadamente na efetivação das penhoras ordenadas pelo tribunal - bens móveis, contas bancárias, quota social - e na venda dos bens penhorados, com recurso à negociação particular não deriva de insatisfatória regulamentação legal imputável ao Estado nem da falta de andamento dos referidos processos em moldes normais e aceitáveis. Ac. do STA de 08-03-2018, P. nº 0350/17, com voto de vencido:

“Discordo da decisão que fez vencimento porque entendo que a versão que foi por mim apresentada, enquanto Relator da proposta de acórdão neste recurso de revista, é a que estará mais de acordo com a jurisprudência proveniente do TEDH, sendo verdade que tendo a CEDH um Tribunal próprio para zelar pela sua aplicação é a jurisprudência deste que deverá, em primeira linha, ser adotada pelos tribunais nacionais, até porque de pouco valerá na prática estar a decidir, a meu ver, ao arrepio dessa jurisprudência internacional.

1. A autora da AAC, e agora recorrente, formulou, ao tribunal administrativo, os seguintes «pedidos»: a) Que condenasse o réu, Estado Português, a pagar-lhe uma indemnização por danos morais, nunca inferior a 24.000,00€; b) Que condenasse o réu, Estado Português, a pagar-lhes todas as despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça, despesas com certidões, despesas de tradução de documentos, honorários ao advogado neste processo, despesas de execução de sentença e/ou liquidação de honorários; c) Que condenasse o réu, Estado Português, a pagar juros de mora, à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento, sobre todas as quantias peticionadas, bem como as quantias que sejam devidas a título de imposto ao Estado sobre as quantias a receber; d) Que condenasse o réu, Estado Português, nas custas e demais encargos legais. Como «causa de pedir», alega que o réu - Estado Português - violou o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [CEDH] e o artigo 20º, nº 1 e nº 4, da CRP, no segmento «direito a uma decisão em prazo razoável», relativamente à decisão da sua «causa», constituída por sete processos judiciais - processo-crime nº1569/94.2BMTS [correspondente ao processo de inquérito nº1760/92]; ação declarativa nº88/96, e seus apensos [ação executiva nº88-A/96; ação executiva por multa nº88-B/96; embargos de terceiro nº88-C/96; reclamação de créditos nº88-D/96; e embargos de terceiro nº88-E/96] - todos tramitados no «Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos», e que essa violação lhe causou os «danos morais» e as «despesas peticionadas» e por cuja indemnização responsabiliza o Estado Português [artigos 2° do DL nº48051, de 21.11.1967, e 22º da CRP]. A primeira instância [TAF do Porto] julgou a ação totalmente improcedente, e, em conformidade, absolveu o réu Estado Português do pedido [pedidos]. Baseou esse julgamento na conclusão, resultante da ponderação do tempo total de pendência de cada um dos ditos processos judiciais e sua tramitação, de que a autora não logrou demonstrar a ocorrência, desde logo, de conduta ilícita por parte da «máquina judiciária» do réu, isto é, «não logrou demonstrar a violação do seu direito a obter decisão judicial definitiva em prazo razoável». A segunda instância [TCAN] negou provimento ao recurso de apelação, interposto pela autora, e confirmou a sentença recorrida. Esta negação de provimento à apelação, decorre essencialmente do julgamento de improcedência realizado pelo TCAN quanto a duas questões: - se deveria ser avaliada «unitariamente» a duração de todos os processos em causa; - e se, no caso da sua consideração individualizada, foi desrespeitado o prazo razoável em algum deles. E foi dada resposta negativa a estas duas questões. Deste acórdão do TCAN vem interposto, e novamente pela «autora», o presente «recurso de revista». Imputa-lhe nulidade por «omissão de pronúncia» [conclusões 42ª e 43ª], e errado julgamento de direito na apreciação, e na decisão negativa da primeira [conclusões 2ª a 9ª] e da segunda [conclusões 10ª a 21ª] questão enunciadas no parágrafo anterior. Defende, por isso, que este tribunal de revista deve revogar o acórdão recorrido e proferir outro que o substitua e que «julgue procedente a ação» arbitrando indemnização pelos danos provados [conclusões 22ª a 41ª, 44ª e 45ª]. Apreciemos.

2. A recorrente alega que o acórdão recorrido é «nulo», por imposição do artigo 615°, nº 1 alínea d), do CPC [ex vi artigo 1º do CPTA], dado que omitiu pronúncia sobre «os juros de mora peticionados», e sobre «todas as quantias a que a recorrente tenha direito nesta ação». Obviamente que não tem razão. De facto, as instâncias, não obstante dissertarem sobre todos os pressupostos da «responsabilidade civil extracontratual» reclamada do Estado Português pela autora, ficaram-se pelo julgamento de improcedência do pressuposto «ilicitude» indispensável ao deferimento do seu pedido, e não avançando, nomeadamente, para a apreciação dos «danos». Isto está claríssimo na sentença do TAF, que o acórdão recorrido manteve, e na qual se escreve que «Em primeiro lugar, importa saber se no caso se deve considerar existir atraso excessivo, isto é, se foi ultrapassado o prazo razoável para determinar se está ou não verificado o ilícito. Em segundo lugar, caso se responda positivamente ao número que antecede, deverá determinar-se o montante a indemnizar» [ver página 45 da sentença]. A apreciação e decisão «sobre a indemnização de danos, e sobre os respetivos juros de mora» ficou, pois, ostensivamente «prejudicada» pela decisão tomada acerca do pressuposto «ilicitude». O artigo 615º, nº1 alínea d), do CPC, sanciona com a «nulidade» a sentença, ou o acórdão, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questão «que devesse apreciar», o que não é o caso daquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras - ver artigo 608°, nº2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA. Deverá, portanto, ser julgada improcedente a nulidade imputada pela recorrente ao acórdão recorrido.

3. A sentença do TAF, para efeitos de aferir da razoabilidade, ou não, do tempo de pendência dos processos invocados na ação, e depois de sumariar os vários «critérios» utilizados pela jurisprudência nacional e internacional para tal juízo, diz assim: [...] «Munidos dos considerandos de cariz doutrinário e jurisprudencial, vejamos, agora, se, em concreto, ocorreu violação do direito de obtenção de decisão em prazo razoável. Importa que se comece por destacar que a autora, em bom rigor, não acomete a morosidade ocorrida num único processo judicial. Mas sim em sete processos judiciais, que se sucederam cronologicamente e que tiveram em vista a obtenção e satisfação das suas pretensões. Com efeito, conforme dimana claramente do probatório, a autora lançou mão, num primeiro momento, do processo-crime nº1569/94.2BMTS [correspondente ao processo de inquérito nº1760/92], seguido da correlacionada ação declarativa sob forma ordinária [nº88/96] e respetivos apensos, ou seja, a ação executiva sob a forma sumária nº88-A/96; a ação executiva por multa/coima nº88-B/96; os embargos de terceiro nº88-C/96; a reclamação de créditos nº88-D/96, e por fim, os embargos de terceiro nº88-E/96. O que quer dizer que o atraso invocado nos autos não respeita apenas a um processo judicial, antes engloba sete processos judiciais distintos e autónomos, que se devem suceder no tempo, especialmente, os processos declarativo e executivo. Analisada e sopesada esta realidade factual, considerados os critérios atrás elencados, temos para nós que, desde logo, no que se refere aos sete processos judiciais visados nos autos, não ocorreu, no caso, violação do direito à justiça em prazo razoável.» [...] E de seguida passou a fundamentar este julgamento, através da análise feita à duração da tramitação de cada um desses processos judiciais à luz dos critérios que havia assinalado. Confrontado, na apelação, com o alegado «erro» de multiplicar artificialmente o que acaba sendo, para este fim de responsabilização por atraso na justiça, uma só causa, o TCAN disse o seguinte: [...] «A indagação nesta matéria tem em vista apurar se o TAF incorreu em erro de julgamento ao concluir estar indemonstrada a violação do direito da autora a obter uma decisão judicial definitiva em prazo razoável, considerando como autónomos, para esse efeito, cada um dos processos em causa. Sete processos autónomos ou um único processo? [...]. Ora, a recorrente labora manifestamente em erro, porque esta matéria não pode ser resolvida segundo critérios flutuantes ao sabor de interesses conjunturais, mas antes repousar numa noção juridicamente precisa. E tal precisão só pode advir do conceito de caso julgado, pois só por referência ao conceito de caso julgado é possível discernir se a causa foi decidida, está pendente ou se repete - artigo 580° do CPC. Ora constata-se em ttt) da matéria de facto provada que o processo-crime nº1569/94.2BMTS [correspondente ao processo de inquérito nº1760/92] foi definitivamente decidido por acórdão do STJ transitado em julgado em 22.07.1996. E em www) consta que a ação cível foi decidida por acórdão de 14.09.2000 [estando implícito que esta decisão transitou em julgado porque se seguiu o correspondente processo executivo]. É óbvio que não estamos perante uma única causa nem perante um único processo, e essa conclusão é gritante quando se interpõe a separação entre processos de natureza cível e criminal que correram em tribunais com competência específica perfeitamente separada e estanque. Por outro lado, também a natureza e a finalidade dos processos declaratório e executivo são muito diversos. [...]. De todo o modo a longevidade da execução é à partida incontrolável por assentar na álea da capacidade patrimonial do executado e no encarniçamento do exequente em aguardar que os ventos da fortuna rodem e venham bafejar esse património, e, reflexamente, o seu. Ora o Estado não pode ser responsável pelos infortúnios patrimoniais do executado [...] Quanto às multas e embargos de terceiro são processos igualmente diversos, destinados a garantir direitos de terceiros e que não foram causa determinante do insucesso do processo executivo. Confirma-se assim que improcede a tese da recorrente no sentido de ser avaliada unitariamente a duração de todos os processos em causa, que denomina impropriamente de apensos.» […] A recorrente da revista insiste que deve ser avaliada «unitariamente» a duração dos vários processos, pois que, na verdade, apenas de «um processo» se trata, e que essa avaliação resulta num clamoroso atraso na administração da justiça.

4. Antes de avançarmos, recapitulemos, em «síntese», o que consta da matéria de facto provada relativamente ao processo-crime [processo-crime nº1569/94, antecedido do processo de inquérito nº1760/92] em causa: - Em 30.03.92 foi apresentada queixa pela ora recorrente contra B………… por «dois crimes de sequestro e de violação» [ver a) do provado]; tal queixa deu origem a processo de inquérito, no Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, que originou processo-crime cuja decisão final [acórdão do STJ] transitou em julgado a 22.07.1996 [ver t3) do provado). - Entre um e outro destes marcos temporais, foram incorporadas, nos mesmos autos, 2 novas queixas-crime contra o dito arguido [ver i) e k) do provado], foi deduzida «acusação» pelo Ministério Público a 20.10.1993 [ver q) do provado], foi deduzido despacho de pronúncia a 26.05.1994 [ver g2) do provado], foi deduzido pedido cível [ver g) do provado], foram interpostos e tramitados 5 recursos judiciais [ver h2), a3), c3) do provado), e houve 3 adiamentos da audiência de julgamento [ver r2), t2), v2) do provado]. Ou seja, no tocante ao processo-crime, constatamos que o mesmo durou, entre a queixa-crime e a decisão final do processo, 4 anos e cerca de 4 meses. Note-se que a acusação foi proferida cerca de ano e meio após a queixa-crime, e o despacho de pronúncia cerca de 1/2 ano após o seu requerimento pelo arguido. Quanto ao processo cível, para o qual foi relegada a obtenção de indemnização de danos sofridos pela ora recorrente e causados pelo referido arguido, pode-se constatar o seguinte: - A ação cível, que levou o nº88/1996, foi intentada a 01.02.1996 pela ora recorrente contra o arguido-condenado [ver y3) do provado], e obteve decisão definitiva a 14.09.2000, tendo o aí réu sido condenado a pagar à autora a quantia de 4.230.000$00 a título de indemnização de danos patrimoniais e morais [ver v4) do provado]. - Houve 2 escusas formuladas por patronas oficiosas nomeadas ao réu [arguido], e 1 adiamento da audiência de julgamento [ver d4), e4) e t4) do provado]. Significa isto que a ação cível declarativa durou cerca de 4 anos e 7 meses. E passemos, agora, à súmula do provado quanto à fase executiva. Assim: - Em 18.10.2001 a ora recorrente instaurou processo executivo sob forma sumária [nº88-A/1996], para obter o pagamento da referida quantia de 4.230.000$00, acrescida de juros [ver x4) e y4) do provado], processo este que estava pendente à data da propositura da presente ação [26.02.2008] e veio a ser «declarado extinto» em Abril de 2013, ou seja, durante a pendência da mesma [ver apenso respetivo]. - Esta ação executiva, onde ocorreram sérias dificuldades em termos de «penhora e venda de bens» [ver z4), c5) a y5), b6), f6), k6) a z6), i7), k7) a z7), e b8) a u8) do provado], teve dois embargos de terceiro [nº88-C/1996; nº88-E/1996], da mãe [ver p9) e z9) do provado] e do filho do executado [k10) a 010) do provado], uma reclamação de créditos [nº88-D] por parte da Fazenda Pública [ver e10) a j10) do provado], e, ainda, uma execução por multa [nº88-B/1996] interposta pelo Ministério Público [ver g6) do provado]. Entrementes, houve escusa de patrono oficioso, e renúncias a mandatos [ver a7), w8), y8), x8), z8), c9) do provado]. Temos, pois, que a «ação executiva», com estes seus apensos, durou, entre a sua instauração e a sua extinção, cerca de 11 anos e meio. A tramitação de cada um dos ditos apensos, nas contas das instâncias, que não são postas em causa pela ora recorrente, não ultrapassa a duração de 3 anos. Tanto o processo declarativo como o executivo, com os seus referidos apensos, se encontram «apensados» ao processo-crime nº1569/94.

5. O «direito a uma decisão em prazo razoável» está previsto no ordenamento jurídico português, tanto numa fonte de direito internacional - Convenção Europeia dos Direitos Humanos [CEDH], em vigor na ordem jurídica interna desde 09.11.1978 [DR, I Série, nº89, de 16.06.1978] - como na CRP [artigo 20° nº4] e nas leis processuais, quer civil quer administrativas [artigos 2°, nº1, do CPC e do CPTA]. Diz o artigo 6º, nº1, da CEDH: «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. […].» E estipula o seu artigo 13º: «Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que atuaram no exercício das suas funções oficiais.» Diz o artigo 20º, nº4, da CRP: «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.» Diz o artigo 2º, nº1, do CPC: «A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.» E diz o artigo 2°, nº1, do CPTA: «O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.» A violação ilícita e culposa deste direito fundamental, causadora de danos para o cidadão prejudicado, responsabiliza o Estado-Juiz pelos mesmos [artigos 22º da CRP e 2° do DL nº48051, de 21.11.1967, aplicável ao tempo dos factos (artigo 12º do CC), e revogado pelo artigo 5º da Lei nº67/2007, de 31.12]. Diz o artigo 22° da CRP: «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.» E diz o artigo 2°, nº1, do referido DL nº48051: «O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes e das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.» E é o seguinte o texto do artigo 12º da atual Lei nº67/2007: «Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa».

6. Temos, assim, que o atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o «direito a uma decisão em prazo razoável», constitui um facto ilícito gerador de «responsabilidade civil extracontratual» do Estado Português. Esse direito surge no «plano internacional» - CEDH - como princípio fundamental da preeminência do Direito numa sociedade democrática, e no «plano nacional» como um direito fundamental dos cidadãos - CRP - e garantia inerente ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, sendo direito extensível a «qualquer tipo de processo judicial» [ver na jurisprudência do TEDH: AC «Delcourt», de 17.01.70; AC «Airey», de 09.10.79; AC «Deweer», de 27.02.80; AC «De Cubber», de 26.10.1984; e, na doutrina, entre nós, J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in «Constituição da República Portuguesa Anotada», 4ª edição revista, volume I, página 417]. E assegura às partes envolvidas numa causa judicial o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro de prazos legais pré-estabelecidos ou, no caso de esses prazos não decorrerem da lei, de um lapso temporal que se mostre proporcional e adequado à complexidade do processo [J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in «Constituição da República Portuguesa Anotada», 4ª edição revista, volume I, página 417; Isabel Fonseca, «Estudos em Comemoração do 10° Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho», página 360]. A jurisprudência - tanto nacional como internacional - vem entendendo que a «apreciação da razoabilidade» de duração de um processo judicial deverá ser realizada «em concreto», «casuisticamente», atendendo, nomeadamente, à natureza do litígio - seu «objeto, consequências da decisão do mesmo para as pessoas envolvidas» - à sua complexidade - o tipo de ação, os incidentes suscitados, número de recursos - ao comportamento das partes - sendo de excluir o tempo de atraso injustificado, e que seja imputável à parte interessada na indemnização - e atuação das entidades competentes no processo. E vem entendendo, também, que essa apreciação deverá ser feita mediante uma «análise global», ou de conjunto, da respetiva causa, e não - necessariamente - na verificação do efetivo cumprimento dos prazos dos diversos atos processuais, pois que, apesar deste eventual não cumprimento, se aquela análise global apontar para uma duração irrazoável da causa sempre o Estado será responsável pela não criação de diferentes meios, mecanismos, prazos, aptos a atingir o objetivo da administração da justiça em prazo razoável [ver, entre outros, AC STA de 28.11.2007, Rº308/07; AC do STA de 09.10.2008, Rº0319/08; AC STA de 26.03.2009, Rº0227/08; AC STA de 08.07.2009, Rº0122/09; AC do STA de 05.05.2010, Rº0122/10; AC do STA de 27.11.2013, Rº0144/13; AC do STA de 10.09.2014, Rº090/12; AC STA de 21.05.2015, Rº072/14; e, entre outros, do TEDH: AC «Frydlender/França» [Pº30979/96]; AC «Cavelli e Ciglio/Itália» [acórdão de 17.01.2002]; AC «Martins Castro e Alves Correia de Castro/Portugal» [acórdão 10.06.2008]; AC «Ferreira Alves/Portugal» [acórdão de 13.04.2010]; AC «Domingues Loureiro e outros/Portugal» [acórdão de 12.04.2011]; AC «Chyzyñski/Polónia» [acórdão de 24.07.2012]. Deste modo, se for de concluir, de forma clara e segura, que a respetiva causa ultrapassou o «prazo razoável», não se poderá infirmar tal conclusão com base no cumprimento do prazo respeitante a cada um dos atos processuais, porque o Estado sempre teria de «prover à criação de outros ou diferentes meios para atingir» aquela imposição internacional, e objetivo constitucional. Cabe-lhe, na verdade, organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem, nomeadamente através de sucessivos incidentes e recursos que a lei interna permita. Mas se for de concluir, sem margem de dúvida, que a «duração» da respetiva causa observou o «prazo razoável», também não importa que tenham ocorrido ligeiros e pontuais atrasos na observância de prazos processuais sem influência no resultado. Quando não for manifesta qualquer uma destas conclusões, antes se mostrando duvidosa a observância ou não do «prazo razoável» de duração do processo, o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais poderá, então, desempenhar um papel relevante para o efeito. Para a duração razoável standard de um processo judicial convém ter em conta a jurisprudência do TEDH, de acordo com a qual a duração média - que corresponde à «duração razoável» - de um processo em 1ª instância é de cerca de 3 anos, e a de todo o processo - incluindo recursos e eventual execução - deve corresponder, por regra, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais [ver Isabel Celeste Fonseca, in «CJA», nº72, páginas 45 e 46, e jurisprudência aludida]. No quadro de petições dirigidas ao Tribunal de Estrasburgo, este já condenou o Estado Português, por violação do «direito a uma decisão em prazo razoável», pelas seguintes durações processuais consideradas «excessivas»: - 4 anos 3 meses e 28 dias, em duas instâncias, ação cível [AC TEDH de 31.05.2012, caso «Sociedade C. Martins & Vieira nº4»]; - 4 anos e 9 meses, numa só instância, e envolvendo fase declarativa e executiva [AC TEDH de 27.10.2009, caso «Ferreira Araújo do Vale»]; - 7 anos e 11 meses, em duas instâncias, ação de «regulação de poder paternal» [AC TEDH de 13.04.2010, caso «Ferreira Alves nº6»]; - 8 anos, 8 meses e 12 dias, em três instâncias, ação para cobrança de dívida [AC TEDH de 20.09.2011, caso «Ferreira Alves nº7»]; - 9 anos e 14 dias, em quatro instâncias, ação cível [AC TEDH de 04.10.2011, caso «Ferreira Alves nº8»]; - 9 anos e 7 meses, em três instâncias, ação laboral [AC TEDH de 04.06.2015, caso «Liga Portuguesa de Futebol Profissional»]; - 9 anos 11 meses e 20 dias, numa só instância, ação de reconhecimento de direito [AC TEDH de 29.10.2015, caso «Valada Matos das Neves»]: _ 10 anos 6 meses e 28 dias, em duas instâncias, ação cível [AC TEDH de 04.10.2011, caso «Ferreira Alves nº8»]; - 12 anos 5 meses e 1 dia, em duas instâncias, ação cível [AC TEDH de 04.10.2011, caso «Ferreira Alves nº8»]; - 12 anos 6 meses e 19 dias numa só instância, ação por atraso na administração da justiça [AC TEDH de 12.04.2011, caso «Domingos Loureiro e outros»]; - 14 anos e 20 dias, em três instâncias, ação cível por acidente de viação [AC TEDH de 12.04.2011, caso «Domingos Loureiro e outros»]; - 14 anos 3 meses e 20 dias, em duas instâncias, ação cível [AC TEDH de 16.04.2013, «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros»]; - 14 anos 5 meses e 12 dias, numa só instância, ação cível [AC TEDH de 16.04.2013, «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros»]; - 14 anos e 9 meses, numa só instância, processo penal [AC TEDH de 30.10.2014, caso «Sociedade C. Martins &Vieira e outros»; - 15 anos 5 meses e 3 dias, em três instâncias, ação cível [AC TEDH de 31.05.2012, caso «Sociedade C. Martins &Vieira nº4»]; - 16 anos 1 mês e 1 dia, em três instâncias, ação cível [AC TEDH de 16.04.2013, «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros»]; - 18 anos 4 meses e 13 dias, em três instâncias, ação cível [AC TEDH de 16.04.2013, «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros»]. E, no plano interno, este Supremo Tribunal já condenou o Estado Português por considerar «excessivos» os seguintes prazos de duração de processos: - 3 anos e 8 meses, numa só instância, processos tributários [AC STA de 15.05.2013, Rº01229/12]; - 4 anos numa só instância, ação de regulação do poder paternal [AC do STA de 14.04.2016, Rº01635/15]; - cerca de 7 anos, em duas instâncias, ação executiva [AC STA de 09.10.2008, Rº0319/08]; - cerca de 8 anos, em duas instâncias, ação de despejo [AC STA de 28.11.2007, Rº0308/07]; - cerca de 12 anos numa só instância, processo penal [AC STA de 30.03.2017, Rº0488/16]; - mais de 20 anos numa só instância, ação cível por acidente de viação [AC STA de 09.07.2009, Rº0365/09]; - cerca de 26 anos, em duas instâncias, ação cível [AC STA de 09.10.2008, Rº0336/10.

7. Ressuma, assim, que a determinação da razoabilidade do prazo não pode ter um tratamento dogmático, requerendo o exame da situação concreta, onde se ponderem todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente. E que, em matéria cível como em matéria penal o «prazo razoável» cobre todo o processo, incluindo as instâncias de recurso [mesmo junto do Tribunal Constitucional], e a execução subsequente à ação declarativa, na qual o credor se dirige ao Estado para que este, por intermédio dos seus órgãos executivos, dê satisfação ao direito que se mostra violado. Na verdade, só quando este direito encontra realização efetiva é que haverá «determinação» para efeitos do citado artigo 6º, nº1, da CEDH. Daí que não se mostre correto aferir a duração da «causa» pela contabilização individualizada da duração dos seus processamentos judiciais autónomos, como se fez nas instâncias, sendo que o termo «causa» utilizado no nº1 do artigo 6º, da CEDH, e no nº4 do artigo 20°, da CRP, não deve ser tomado na sua aceção técnica, ou sob um aspeto formal, mas antes material, e em sentido conforme a este deverá ser interpretado o termo «processo» utilizado no nº1 do artigo 2º do CPTA. E, mesmo quando um processo cível é consequência de um processo penal que findou - como ocorre no presente caso - os dois processos devem ser considerados como uma só «causa», para controlo do prazo razoável, de modo que este não derive da mera soma aritmética de duração dos dois processos mas antes, e na sequência da jurisprudência internacional e nacional, de uma «avaliação global» do tempo que os tribunais levaram a resolver o «caso de vida». O que não significa, obviamente, que para aferir da razoabilidade dessa duração não se tenham na devida conta, em avaliação casuística, tal como dissemos, o objeto do litígio, sua importância para os envolvidos, tipo de ação, incidentes, recursos suscitados, comportamento das partes, e atuação das entidades que, de um modo ou de outro, intervieram nos processos.

8. Munidos das pertinentes normas legais, e da interpretação e aplicação que das mesmas vem fazendo a jurisprudência, voltemo-nos, e agora diretamente, para o caso que nos ocupa. A ora recorrente, A…………., foi vítima de crime de violação e sequestro. Quis ver o autor desses factos condenado pelos crimes cometidos, e ser indemnizada pelos danos para si resultantes. Daí a sua causa, envolvendo duas pretensões. Os momentos em que ela formalizou, perante o Estado-Juiz, tais pretensões, foi o da denúncia do crime, em 30.03.92, e, dois meses após a dedução de pedido cível, que iria dar lugar a ação cível, deduzida em 01.02.96, para cujos termos foi relegada, pelo tribunal criminal, a sua apreciação. O Estado-Juiz respondeu, definitivamente, à sua pretensão penal em 22.07.96, e à sua pretensão cível em abril de 2013, já durante a pendência da presente ação indemnizatória. Mas, se a resposta total à causa da autora só foi dada cerca de 21 anos após a denúncia - o que impressiona - vejamos, de acordo com os critérios assinalados, o ocorrido nos processos que tramitaram essa «causa». O processo penal nasceu - em termos amplos - com a denúncia em 30.03.92, teve acusação a 20.10.93, despacho de pronúncia a 26.05.94, acórdão de 1ª instância a 13.07.95, e acórdão do STJ que transitou em julgado a 22.07.1996. Ou seja, um total de cerca de 4 anos e 4 meses, em dois graus de jurisdição. Pelo caminho, houve uma contra-queixa do arguido, por denúncia caluniosa, que terminou em arquivamento, e duas novas denúncias - de ………. e ………. - Contra ele, que foram incorporadas, investigadas e julgadas no mesmo processo. Houve, ainda, três recursos interlocutórios, e exame psiquiátrico efetuado ao arguido, que concluiu pela sua imputabilidade. O processo criminal nunca esteve parado por ausência de decisões, ou por falta de movimentação por parte de magistrados ou de funcionários. Durante o processo penal foi deduzido pedido cível pela A………, o qual não veio a ser conhecido nessa sede, mas antes remetido para ação cível própria. Este processo cível, na sua fase declarativa, nasceu com a interposição da ação a 01.02.96, isto é, após o acórdão penal condenatório de 1ª instância, e findou com o acórdão de 14.09.2000 - transitado em julgado - que condenou o réu a pagar à autora a quantia de 4.320.000$00 [acrescida de juros e custas]. Ou seja, uma duração de cerca de 4 anos e 7 meses, numa só instância, sendo de relevar a ocorrência de «dois incidentes de escusa» por parte de patronas oficiosas nomeadas ao aí réu. Sendo necessário acionar a execução coerciva dessa quantia, a respetiva ação foi intentada no mês de outubro de 2001, e veio a ser declarada extinta, como já dissemos, em abril de 2013, na pendência desta ação de responsabilização do Estado-Juiz. Ou seja, cerca de 11 anos e meio numa só instância. Porém, importa sublinhar, esta ação executiva mostrou-se deveras complexa, tendo dado origem a dois embargos de terceiro - por parte da mãe e do filho do executado - a uma reclamação de créditos - pela Fazenda Pública - e a uma execução por multa - instaurada pelo Ministério Público. Houve ainda, a título de incidentes, escusa de patrono oficioso e renúncias a mandatos judiciais. Mas, a duração, claramente excessiva, da ação executiva, ficou a dever-se, sobretudo, a dificuldades encontradas na efetivação das penhoras ordenadas pelo tribunal - bens móveis, contas bancárias, quota social - e na venda dos bens penhorados, com recurso à negociação particular - ver pontos x4 e seguintes do provado]. Constata-se também aqui que, o processo cível, envolvendo a fase declarativa e fase executiva, nunca esteve parado por falta de decisões ou de movimentação por parte de magistrados ou de funcionários, arrastando-se ao longo dos anos, e sobretudo na fase executiva, por falta de eficácia dos mecanismos estaduais e legais para efetivar o direito da exequente. O diálogo entre tribunais, mediante cartas precatórias, mostrou-se moroso e carente da necessária clareza, já que se desperdiçaram diligências de penhora por ausência, na sua residência, de um executado que estava preso. Não se vislumbra, por sua vez, qualquer atuação da exequente que tenha claramente contribuído para essa demora inusitada. Ela exerceu os seus direitos processuais, enquanto autora e exequente, não recorreu a esquemas dilatórios, e limitou-se, sobretudo, a esperar que fosse feita justiça. Aferindo o presente caso pela jurisprudência a que aludimos no anterior ponto 6, cremos que a causa, na sua globalidade, não deveria ter ultrapassado a duração total de 9 anos. E, embora seja relativamente fácil, em face do «concretamente processado», encontrar justificação para tão longa duração verificada, o certo é que um Estado democrático, moderno, não pode tardar tanto na «realização da justiça». Foi violado, portanto, o direito da ora recorrente a obter uma decisão em prazo razoável, pois que o considerado razoável seria, no caso, o dito prazo global de 9 anos. Verifica-se, por conseguinte, e ao arrepio do decidido pelas instâncias, o pressuposto da ilicitude, indispensável à responsabilização do Estado-Juiz que foi acionada pela agora recorrente.

9. É certo que, para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que a conduta ilícita tenha gerado «danos», sendo que as regras insertas nos artigos 566° nº3, e 569°, do CC, pressupõem, pelo menos, a certeza sobre a existência dos mesmos [ver AC STA de 09-07-2009, Rº0365/09]. A questão de saber se a excessiva duração deste caso foi, em concreto, «causa» dos danos invocados pela autora da ação indemnizatória envolve já «juízos de facto» que este tribunal de revista não pode formular [AC STA de 10.09.2014, Rº090/12].”;

- I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Coletivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).

II - A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado, é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC.

III - Não tendo a A alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respetiva.

IV - O TCAS não podia conhecer do pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo anormal funcionamento dos serviços de administração da justiça, já que a aqui Recorrida, não o efetuou, como devia, na PI, tendo sido violado o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), visto que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, e, sobre o qual a sentença de primeira instância não se havia pronunciado ao não ter sido formulado pedido nesse sentido na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no qual veio o R. a ser condenado.

V - Assim, o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efetuado extemporaneamente.

VI - A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exato, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer. Ac. do STA de 13-03-2019, P. nº 0437/12…

- I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, constitui facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado.

II - A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio [assunto objeto de apreciação, tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes - l’ enjeu du litige].

III - Não tendo os AA., após prolação de sentença que decretou a falência duma sociedade, deduzido qualquer reclamação de créditos, cujo pagamento visassem vir a obter através da massa falida e em função da respetiva sentença de graduação, não lhes assiste o direito a indemnização por atraso ocorrido na tramitação do apenso de reclamação e graduação de créditos, visto não poderem invocar que tenha existido, in casu, atuação ilícita lesiva da sua esfera jurídica por falta de emissão de decisão judicial em prazo razoável.

IV - O pedido de proteção jurídica, formulado nos termos da Lei n.º 34/2004 junto dos serviços da Segurança Social, deve conter a identificação concreta da ação intentada ou que se irá intentar, indicando, mormente, em termos genéricos o litígio, a ação e tribunal onde virá a ser a mesma deduzida, não sendo, como tal, admissível a formulação dum pedido genérico de proteção jurídica que apenas se limite a referir que é feito para instaurar "várias ações". Ac. do STA de 21-05-2015, P. nº 072/14;

- I - Convivendo no tempo uma «ação interna de responsabilização do Estado» por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e uma petição no TEDH exatamente sobre o mesmo caso, as duas decisões, nelas a proferir, não se neutralizam, nem têm uma vocação de indemnização cumulativa, mas antes de indemnização complementar.

II - De harmonia com o princípio da subsidiariedade, nos termos interpretados e afirmados pelo «TEDH» e, bem assim, daquilo que é interpretação que aquele Tribunal faz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [«CEDH»], mormente, em matéria de aferição, fixação ou quantificação/computo do montante adequado à reparação do dano não patrimonial, impenderá sobre o juiz nacional um dever de conformação e de decisão que, na observância de tais interpretações, assegure e adeque no plano interno a efetividade dos mecanismos existentes e o quantum indemnizatório de modo a conferir proteção dos direitos e liberdades reconhecidos naquela Convenção.

III - À luz das exigências da «CEDH» a ação indemnizatória interna, destinada à efetivação daquela responsabilidade do Estado, deve ser decidida de forma célere e rápida. IV - Perante uma ausência do cumprimento garantístico de tal exigência, mercê da constatação de situação de atraso desrazoável naquela ação indemnizatória, e ainda que o lesado não haja feito uso dos meios e mecanismos adjetivos que o processo lhe faculta, caberá ao julgador, oficiosamente e uma vez assegurado o devido contraditório, aferir e considerar, até aquele concreto momento, do atraso e considerá-lo para efeitos do montante a fixar a título de danos não patrimoniais, arbitrando valor suplementar a esse título e que terá como limite sempre o valor que se mostre peticionado na ação. Ac. do STA de 11-05-2017, P. nº 01004/16;

- I – Constatada uma violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável. …

IV – O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova. … - Acórdão do STA de 5-7-2018, 1ª. Secção, Proc.º n.º 259/18.

- I – A jurisprudência do TEDH não obstante afirmar a defesa de uma interpretação alargada do conceito de direitos e obrigações de carácter civil, também vem entendendo que quando estejam em casa matérias relativas ao contencioso fiscal, ainda que se verifiquem efeitos pecuniários ou patrimoniais na esfera do contribuinte, aquele conceito não abrangerá os indicados litígios, que ficarão de fora da aplicação do art.º 6.º da CEDH;

II - Assim sendo, quando se invoque um atraso na administração da justiça decorrente de um processo que envolva questões fiscais, o regime do art.º 6.º da CEDH não deverá ser aplicado, por se estar frente a matérias que extravasam o conceito de direitos e obrigações de carácter civil;

III - Nestes casos, a referida responsabilidade regula-se e tem de ser aferida com base na legislação nacional e por reporte para a jurisprudência que tem sido desenvolvida pelos nossos tribunais superiores em sede de ações de responsabilidade extracontratual do Estado;

IV - Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários atos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à atuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;

V - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;

VI – Ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a uma ação de impugnação de mediana complexidade, a referida lide demorou, no seu todo, que incluiu uma instância de recurso, cerca de 11 anos;

VII- Estando em causa uma ação de responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjetivada, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado;

VIII – Porque se está em causa um processo relativo a questões fiscais, excluído do âmbito de aplicação do art.º 6.º da CEDH, não há que seguir a jurisprudência do TEDH relativa ao citado art.º 6.º da CEDH, que presume a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, sem necessidade de alegação e prova por banda do A.;

IX - Os danos decorrentes do valor pago e a pagar a título de honorários de advogado, pela interposição da ação e do recurso para efetivar o direito indemnizatório do A. por atraso na administração da justiça, são danos patrimoniais indemnizáveis. – Ac. do TCA Sul de 20-09-2018, P. nº 1081/16…

Cf. ainda os elementos constantes das pp. 245 ss em: Carlos A. F. Cadilha, RRCEEDEP Anotado, 2ª ed.

C)

É este o quadro do entendimento geral da nossa jurisprudência sobre a matéria. Concordamos com ele, embora com as seguintes precisões:

1ª - a CEDH e o TEDH não eliminaram do Direito português, como é evidente, o princípio dispositivo e a regra da substanciação da causa de pedir como resultam do nosso atual CPC;

2ª - o significado jurídico do artigo 20º-4 da CRP é igual ao do artigo 6º §1 da CEDH, o que implica igual método de interpretação-aplicação e a não autonomia de tal artigo 6º;

3ª - o atual e democrático Direito (legislado) português não admite automatismos jurídicos em sede de efetivação da responsabilidade civil extracontratual;

4ª - o Direito (legislado) português, tal como em toda a Europa, não estabelece um prazo fixo a partir do qual existe violação do prazo razoável previsto no artigo 20º-4 da CRP, enunciado normativo, aliás, superior à CEDH;

5ª - o atual e democrático Direito (legislado) português não tolera o afastamento das regras previstas no CC, no CPC e no RRCEEP sobre a responsabilidade civil, nomeadamente quanto àquilo que o juiz dos factos deva considerar e quanto aos montantes indemnizatórios;

6ª - o Direito (legislado) português não tolera que o juiz ignore simplisticamente, no computo do cit. prazo razoável e das indemnizações, as condutas objetivamente alheias ao Estado-justiça português e ou ao Estado-legislador português da organização judiciária;

7ª - o atual e democrático Direito (legislado) português não autoriza que o juiz nacional, nesta sede, ignore as diferentes situações económico-financeiras de cada Estado vinculado à CEDH, estando o juiz vinculado a um rigoroso destrinçar não tecnocrático e ou automatizante em matérias tão complexas e sempre diferentes caso a caso, país a país;

8ª - a CRP e o nosso CC não permitem ao juiz nacional que impute ao Estado português e aos cofres portugueses as condutas de organizações judiciárias ou Estados estrangeiros no âmbito da cooperação judiciária internacional, nomeadamente para efeitos do computo do prazo razoável previsto no artigo 20º-4 da CRP e na igual norma extraída do artigo 6º §1 da CEDH.

D)

Vejamos agora o caso concreto.

D.1)

A autora nasceu em 2001.

Só em 2014 soube quem era o seu pai.

A – alegadamente morosa - ação de investigação de paternidade foi proposta pelo MP em 2002 e findou em 2014. Portanto, durou 12 anos. É o prazo ou período ou duração global.

O despacho saneador foi emitido em 2003, 1 ano após o início da instância. É um dos prazos ou períodos parciais.

O alegado pai, entretanto, estivera na origem de várias cartas rogatórias e necessidade de suas traduções, relativamente a várias testemunhas residentes no estrangeiro, o que demorou 6 anos. É um período parcial a reter, porque é imputável a outro país.

Em 2009, 6 anos depois, o tribunal determinou ao alegado pai a perícia médico-forense, a que este recusou sujeitar-se. E daí a importância dos outros meios de prova, dependentes durante 6 anos de ordens jurídicas não portuguesas.

O tribunal a quo, enfim, arbitrou as seguintes indemnizações: 12500 euros por danos patrimoniais e 7500 euros por danos morais.

D.2)

Os danos morais peticionados e em causa neste recurso respeitam – tao só - ao sentir da menor por não saber a identidade do seu pai, como se vê na p.i. e no probatório [v. facto MM]. Nada mais.

Portanto, o que está em causa é saber como e em que medida é que a eventual morosidade excessiva portuguesa – global e ou parcial - no processado judicial português contribuiu para aquele sentir negativo na pessoa da menor.

Ora, o Estado discorda de toda a decisão quanto aos cits. danos morais.

Segundo o recorrente Estado, faltaria ainda aditar factos relevantes provados.

Com efeito, o MP tem razão neste ponto; com base na prova testemunhal produzida e gravada – e identificada supra nas conclusões do recurso -, deve considerar-se ainda como factualidade relevante, provada aquando da instrução da causa [cf. artigo 5º-2-a) -b) do CPC], que:

UU) -O pai da Autora nunca quis ter contacto com esta, designadamente durante o período de tempo em que durou a ação de investigação da paternidade;

VV) -Durante a pendência da ação de investigação de paternidade, a mãe da A., que bem sabia a identidade do progenitor desta, ocultou-lhe a verdade acerca do mesmo;

São factos a aditar ao probatório, nos termos do artigo 662º-1 do CPC. O que aqui se faz.

Aliás, a ostensiva ausência consciente do pai consta referida na motivação probatória da sentença.

D.3)

Não haveria sequer, na opinião do Estado, uma atuação do Estado-Justiça com ilicitude [juízo de inobservância do direito objetivo, por violação de um direito subjetivo alheio ou de normas de proteção de interesses alheios, sem que haja causa de justificação], nem danos morais, nem nexo de causalidade [causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser uma condição adequada do dano em termos de normalidade social].

Isto é, o Estado português não teria violado, ele próprio, naquilo que dele dependia, o exercício da jurisdição dentro de um prazo razoável.

Finalmente, antes de prosseguirmos, cumpre não confundir algo que o TAC confundiu:

(i) dano moral - como eventualmente descrito no probatório - pelo facto de a menor desconhecer o seu pai por causa de o processo estar, segundo o TAC, em morosidade ilícita desde 2008 até 2014 com

(ii) o dano moral - como eventualmente descrito no probatório - pelo facto de a autora menor desconhecer o seu pai, por recusa deste e por conduta ativa da mãe.

Apreciemos.

Temos um processo que durou globalmente 12 anos. É muito, é exagerado abstratamente olhando.

Mas 6 desses anos são devidos essencialmente a outra ordem jurídica; portanto, o Estado português é alheio a tal período longo, relacionado com a obtenção de depoimentos testemunhais, com cartas rogatórias para outros países.

Restam-nos assim 6 anos objetiva e subjetivamente imputáveis a Portugal. Também é um período global longo demais, incluindo com um recurso para um tribunal superior.

A sentença da 1ª instância é de abril de 2013.

De 2002 a 2013 – 11 anos - devemos desconsiderar os 6 anos imputáveis essencialmente às demoradas cartas rogatórias por causa de testemunhas residentes no estrangeiro e suas traduções, estas em tempo normal.

Restam-nos assim 5 anos do processo na 1ª instância. É um prazo parcial exagerado, superior a 2 ou 3 anos, violador do artigo 20º-4 da CRP.

A decisão final, após recurso, do TRL, é de julho de 2014. Portanto, aqui – no recurso - nada de exagerado.

Temos, pois, um processo judicial que, naquilo que dependeu mesmo do Estado português, demorou no global um puco mais do razoável e que na 1ª instância demorou 2 anos a mais do que é em geral considerado aceitável, com base na experiência comum, isto é, um máximo de 3 anos, salvo casos de simplicidade ou complexidade superiores ao normal de um processo. Nestes últimos casos, 2 anos poderá ser ilícito e 4 anos pode ser lícito.

Portanto, temos ilicitude (juízo de inobservância do direito objetivo por violação de um direito subjetivo alheio ou de normas de proteção de interesses alheios, sem que haja causa de justificação) do Estado português a partir de 2008 ou 2009 – cf. artigos 7º e 9º do RRCEEP.

Ora, no contexto imperativo (i) do princípio dispositivo e (ii) da regra da substanciação da causa de pedir, (1º) o único dano moral invocado, (2º) o único dano moral a considerar pelo juiz e (3º) o único dano moral relacionado com o pedido (cf. artigos 3º e 5º do CPC) é o descrito nos factos sob MM), UU) e VV), estes dois últimos por nós aditados como factos complementares e concretizadores resultantes da instrução.

Mas de tal factualidade não é correto ou rigoroso concluir-se que o dano moral concreto descrito em MM) resulta da lentidão da 1ª instância imputável ao Estado português.

Basta ler o concreto facto sob VV).

A autora, no contexto do facto MM), não sabia quem era o seu pai, mas isso ocorria por motivos alheios à justiça portuguesa, pois a sua mãe lho poderia – e deveria – comunicar antes e durante o processo. Nesse contexto, a demora do processo na 1ª instância que seja imputável ao Estado português – 2 anos além dos 3 normais - nada teve a ver com o concreto sentir negativo descrito no facto MM).

Assim, conclui-se que houve a cit. conduta ilícita do Estado, mas que não há nexo de causalidade adequada (causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser uma condição adequada do dano em termos de normalidade social) entre essa ilicitude concreta e o cit. concreto dano moral.

Sem tal nexo de causalidade (causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser uma condição adequada do dano em termos de normalidade social) não há dever de indemnizar – cf. artigos 4º, 7º-1-3-4, 9º e 12º do RRCEEP e artigos 483º, 496º-1 e 563º do CC. Foram estas as disposições legais violadas pela decisão recorrida.

Finalmente, cumpre referir que, no contexto da factualidade provada, até VV), onde se inclui a idade da autora, não há lugar ao “dano-ilícito” ou dano moral presumido, cit., por razões naturais, porque tal não foi discutido na 1ª instância e porque também não foi discutido na alegação de recurso.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte impugnada, que respeita aos danos morais inscritos no facto provado sob MM).

Custas

-a cargo da autora-recorrida neste tribunal e

-a cargo das partes na 1ª instância na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 04-04-2019


Paulo H. Pereira Gouveia (Relator)

Catarina Jarmela

Alda Nunes