Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:590/21.4 BESNT-S1
Secção:CA
Data do Acordão:03/17/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:LEVANTAMENTO DE EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO
PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:I – O levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
b) ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade, não bastando à entidade demandada e aos contrainteressados alegarem – e ficar provada – a existência de prejuízos para o interesse público e para os outros interesses envolvidos, sendo necessária a alegação e a aquisição processual de factos constitutivos da existência de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
II – Assim, o deferimento pelo tribunal de pedido de levantamento do efeito suspensivo automático se concluir da comparação do peso relativo dos interesses em presença, que os danos dele decorrentes para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seriam consideravelmente superiores àqueles que podem advir para o impugnante da celebração e execução do contrato.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Município de Sintra, devidamente identificado nos autos, no âmbito do Processo de Contencioso Pré-contratual intentado pela R......, LDA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24 de agosto de 2021, nos termos da qual foi indeferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo do ato impugnado, i.e., da decisão de adjudicação da proposta à Contrainteressada C......, Lda. quanto ao Lote 1 compreendido no procedimento concursal com a referência interna CT 21/00149.
Concluiu-se no referido Recurso:
1ª –O Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento ao concluir pela não verificação de prejuízos para o interesse público que justificassem o levantamento do efeito suspensivo da decisão de adjudicação.
2ª –O Lote 1, no âmbito do qual a Contrainteressada prestaria serviços de segurança e vigilância, nos termos do contrato que lhe foi adjudicado, compreende, pelo menos, 133 instalações municipais –que ficarão, por conseguinte, sem qualquer segurança ou vigilância, em virtude do efeito suspensivo da presente ação.
3ª –Os prejuízos que daí poderão resultar, sendo notórios e resultando do senso comum, não têm de ser objeto de uma particular demonstração –até porque ainda não ocorreram, sendo essa parte da razão pela qual a presente discussão ainda é útil e porque não podem ser caracterizados como frequentes, em outras situações, visto que a garantia de colocação de segurança e vigilância nos edifícios municipais sempre foi assegurada pelo Município.
4.ª –O recorrente invocou no seu requerimento os danos concretos que fundamentam o preenchimento dos requisitos de levantamento do efeito suspensivo, os quais consistem no evidente e inevitável aumento de risco para os funcionários, utentes e bens que integram e estão afetos aos serviços públicos enunciando-se não, como parece entender o Tribunal a quo, futuras ocorrências que, por não se terem verificado e se pretenderem evitar, não são passíveis de ser invocadas e, muito menos, provadas.
5ª –O Município não integra, na sua estrutura, funcionários que possam assumir os serviços de segurança e vigilância em causa, atentas a quantidade de recursos necessária e as particulares competências associadas ao exercício da função –sendo essa a razão pela qual tem de recorrer a serviços externos, mediante o lançamento dos devidos procedimentos concursais.
6ª –As instalações municipais, atento o respetivo caráter público, apresentam uma especial vulnerabilidade, por força da maior probabilidade de serem alvo da frustração e animosidade de terceiros –não podendo os funcionários do Município ficar sujeitos, a título pessoal, a quaisquer atos que possam ser dirigidos ao Município.
7.ª –O Município, enquanto entidade empregadora, tem o dever de garantir a segurança dos seus funcionários, para efeito do que carece do recurso a serviços externos.
8ª –28 dos 133 edifícios que integram o Lote 1 são escolas –sendo a garantia de segurança das crianças que as frequentam uma necessidade imperiosa.
9ª –Outras das instalações são tribunais e centros de acolhimento, que, pelo especial clima de hostilidade a que estão sujeitos, não podem funcionar sem a devida garantia da segurança de funcionários, juízes e visitantes.
10ª –Outros dos edifícios são utilizados como centros de vacinação, cuja carência de segurança e vigilância permite o extravio de vacinas e a respetiva contaminação, em termos aptos a determinar as evidentes consequências nefastas, associadas aos danos sofridos por particulares e à afetação da confiança do público nas entidades responsáveis pelo acesso à vacina.
11ª –Outros dos edifícios são cemitérios, museus e bibliotecas –que estão sujeitos a roubos e, por essa razão, não podem funcionar sem seguranças e vigilantes.
12ª –As lojas do cidadão tornar-se-iam caóticas sem seguranças e vigilantes, em termos que impossibilitam ou dificultam seriamente a própria prestação do serviço.
13ª –Os prejuízos descritos são evidentemente superiores a quaisquer danos que a Autora pudesse sofrer com o levantamento do efeito suspensivo, uma vez que são todos eles de cariz financeiro e, por essa razão, seriam compensados nos mesmos termos, quer o efeito suspensivo fosse levantado, quer não fosse.
14ª –Pelo que, impõe-se o levantamento do efeito suspensivo, em virtude das graves consequências que advirão do funcionamento de 133 instalações municipais, muitas delas utilizadas para a prestação de serviços particularmente sensíveis, sem seguranças –ou, alternativamente, a insusceptibilidade de abertura dessas mesmas instalações e da prestação dos serviços em questão.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, sendo revogada a sentença recorrida e deferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo da decisão de adjudicação da proposta da Contrainteressada.”

A R......, LDA, veio a apresentar as suas Contra-alegações, nas quais concluiu:
“a) O Recorrente Município de Sintra interpôs recurso da douta sentença que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo do ato impugnado;
b) Entende a Recorrida que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que se reputa de exemplar, se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito, não devendo ser passível de qualquer censura ou reparo;
c) Alega a Recorrente que a decisão a quo “teve por base um manifesto erro de julgamento quanto aos prejuízos que a suspensão da decisão de adjudicação determina para o interesse público, porquanto ignora flagrantemente, as consequências nefastas que a desproteção dos edifícios envolvidos poderá implicar”;
d). No entanto, e não sendo esta a sede própria para completar o requerimento inicial (reputado de genérico e conclusivo), ensaia uma tentativa de o fazer, alegação essa que ainda assim e a admitir-se a oportunidade da sua dedução nesta sede, no que não se concede, se encontra eivada dos mesmos vícios e generalidades, não servindo o propósito pretendido;
e) A menos que o Recorrente se demita da utilização dos mecanismos legais que tem à sua disposição para o efeito - designadamente o recurso ao ajuste direto ou mesmo o prolongamento dos contratos atualmente em vigor -, não resulta do exercício de um direito conferido por lei, qualquer desproteção dos edifícios envolvidos no presente procedimento;
f) A sentença aqui em crise segue de modo muito próximo o entendimento, maioritariamente sufragado a este respeito por este Venerando Tribunal em inúmeras decisões, que cita;
g) O que a Recorrente defende é a concreta neutralização do efeito suspensivo do recurso;
h) Situação que atenta ao tê-los da própria norma em causa;
i) Recorda-se que a consagração do efeito suspensivo automático no artigo 103º-A do CPTA, decorre da necessidade de transpor de forma efetiva para o ordenamento jurídico português a Diretiva 2007/66/CE, que veio alterar a Diretiva 89/665/CE, vulgarmente designada por Diretiva Recursos, concretamente do seu artigo 2.º, n.º 3, que determina “Caso seja interposto recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso. A suspensão não pode cessar antes do termo do prazo suspensivo a que se referem o n.º 2 do artigo 2.º-A e os n.ºs 4 e 5 do artigo 2.º-D.”;
j) O fim do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA é o de «evitar a situação de facto consumado (resultante da “corrida ao contrato”)»4 e possibilitar a reconstituição natural da situação jurídico-procedimental existente antes de serem praticadas infrações ao direito da contratação pública;
k) É à luz deste enquadramento e tendo bem presente a excecionalidade do levantamento do efeito suspensivo e a imperatividade de assegurar a tutela primária do concorrente preterido e a correção atempada e eficaz da violação das regras de contratação pública, que deve ser apreciado o pedido de levantamento do efeito suspensivo, como aliás o fez de forma exemplar a sentença aqui em crise;
l) A Recorrente não logrou alegar e provar tais prejuízos ou danos em concreto, uma vez que do seu extenso requerimento e mesmo agora das alegações em que, de forma inadmissível, tenta corrigir a alegação inicial, resulta apenas a nota de uma hipotética perturbação à prossecução do interesse público, o que, por si só, não é bastante para assegurar o preenchimento do primeiro pressuposto de que o n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA faz depender o levantamento do efeito suspensivo automático da eficácia do ato de adjudicação;
m) Tal seria necessário, de acordo com a jurisprudência, para que o tribunal pudesse e avaliar nessa situação particular e concreta, a existência de um eventual prejuízo;
n) Mais se tornaria ainda necessário – no modesto entendimento da Recorrida – que demonstrasse a Recorrente não possuir outros mecanismos legais para obviar a uma situação pretendida pelo legislador comunitário e nacional, num processo que é necessariamente urgente e célere;
o) Ora, aceitando as afirmações genéricas, conclusivas e abstratas -, que a Recorrente muito pomposamente faz nas suas alegações como suficientes para o decretamento do levantamento do efeito suspensivo do ato de adjudicação, constituiria um atestado de óbito ao disposto no artº 103º A, do CPTA, e dos objetivos pretendidos com tal norma;
p) Em caso algum resulta provado e demonstrado que em resultado da suspensão do procedimento em causa se verifica a impossibilidade da prestação dos serviços essenciais em causa, sendo que o apontado poderá constituir quando muito meras perturbações que não põem em causa a aplicação da norma, que as comporta, aliás;
q) O Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, não comporta qualquer tipo de analogia com o caso presente, por se referir a situação diversa;
r) No sentido do decidido na sentença recorrida, citam-se, entre outros, os seguintes arestos desse Douto Tribunal: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 9-10-2020, Proc. n.º 2476/19.3BELSB-S1 (disponível em www.dgsi.pt); Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24-05-2018, Proc. n.º 78/17.8BEPDL-A (disponível em www.dgsi.pt); Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 5-4-2018, Proc. n.º 1595/17.5BELRA-S1
s) Ainda o Acórdão do TCA Norte de 2-03-2018, Proc. n.º 00240/17.3BEVIS-S1
t) Também, neste sentido, o Acórdão de 7-11-2019, Proc. n.º 0601/18.0BELRA-S1 do Supremo Tribunal Administrativo;
u) Por força de tudo o exposto, forçoso será concluir que a sentença em crise se encontra isenta de qualquer vício, no seguimento aliás do que tem vindo a ser acolhido pela jurisprudência desse Douto Tribunal, não se verificando a existência de qualquer erro de julgamento que pudesse conduzir à sua alteração, devendo ser mantida nos seus precisos termos.
Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o douto suprimento dos Venerandos Desembargadores do Tribunal Administrativo Central Administrativo do Sul, deve o presente recurso improceder totalmente, confirmando-se a sentença nos seus exatos termos proferidos pelo Tribunal a Quo, com o que será feita a costumeira Justiça!”
Já neste Tribunal, foi o Ministério Público notificado em 19 de janeiro de 2022, nada tendo vindo dizer, requerer ou Promover.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/Município, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, predominantemente, que a decisão recorrida “teve por base um manifesto erro de julgamento quanto aos prejuízos que a suspensão da decisão de adjudicação determina para o interesse público, porquanto ignora flagrantemente, as consequências nefastas que a desproteção dos edifícios envolvidos poderá implicar”.
III – Dos Factos
Foi em 1ª instância, na decisão aqui Recorrida, fixada a seguinte factualidade provada:
A) Mediante anúncio de procedimento n.º 2929/2021, publicada na II Série do Diário da República de 8 de março de 2021, n.º 46, foi dada publicidade ao concurso público para a Aquisição de serviços de Vigilância e Segurança das Instalações Municipais, dos SMAS - Serviços Municipalizados de Águas de Sintra e da Fundação Cultursintra, FP por um período de 24 meses – cfr. anúncio junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) No âmbito do concurso referido em A), foi aprovado o Programa do Concurso, do qual se extrai o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(…)” - cfr. programa do concurso junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C) No âmbito do concurso referido em A), foi aprovado o Caderno de Encargos, do qual se extrai o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(…)” – cfr. caderno de encargos junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D) A Autora e a Contrainteressada apresentaram proposta ao concurso referido em A), tendo a Contrainteressada sido a adjudicatária no procedimento – facto não controvertido. “
IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) Peticiona a Autora nos presentes autos, a anulação da decisão de adjudicação em relação ao lote 1 proferida pela Entidade Demandada no âmbito do procedimento adjudicatório a que se reporta o Item A) do probatório, e que também determinou a exclusão da proposta apresentada por si ao mesmo lote. Mais peticiona a condenação da Entidade Demandada a substituir a decisão de adjudicação ao concorrente C......, LDA, por outra que determine a adjudicação ao concorrente R......; e, ainda, a anulação do subsequente contrato, prevenindo a hipótese de ter sido, entretanto, celebrado.
(…)
Do cotejo das disposições legais supra referidas constata-se que, o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático assenta, portanto, na ponderação de todos os interesses em presença, ou seja, os interesses da Entidade Demandada, da Autora, dos próprios Contrainteressados e, até, de terceiros que possam de alguma forma ser prejudicados pela manutenção ou pelo levantamento do efeito suspensivo. Exige-se, portanto, um juízo de prognose relativamente ao tempo previsível da duração da ação de contencioso pré-contratual, procurando-se a avaliação e ponderação dos danos ou prejuízos reais que advierem da manutenção do efeito suspensivo ou do seu levantamento e, nessa medida sopesar tais danos e prejuízos.
(…)
Este instituto tem por base o regime instituído na Diretiva 2007/66/CE, de 11-12-2007 [Diretiva Recursos], que nos considerandos 22 e 24 refere o seguinte: “No entanto, para assegurar a proporcionalidade das sanções aplicadas, os Estados-Membros podem permitir que a instância responsável pela decisão do recurso não ponha em causa o contrato ou lhe reconheça determinados efeitos, ou todos eles, caso as circunstâncias excecionais do caso em apreço exijam o respeito de certas razões imperiosas de interesse geral. Nesses casos deverão, em vez disso, ser aplicadas sanções alternativas. A instância de recurso independente da entidade adjudicante deverá analisar todos os aspetos relevantes a fim de estabelecer se existem razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos efeitos do contrato (…)
O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excecionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. No entanto, não deverá constituir razão imperiosa o interesse económico diretamente relacionado com o contrato em causa”.
(…)
Em concreto quanto à natureza dos danos e prejuízos provocados pelo diferimento da execução contratual, decorrente do efeito suspensivo, tem sido entendimento unânime da jurisprudência dos tribunais superiores, o de que nem todo e qualquer dano ou prejuízo é relevante neste juízo que o Tribunal é chamado a fazer. Com efeito, a menos que se trate de um dano ou prejuízo de tal modo grave ou prejudicial – o designado dano ou prejuízo qualificado – o Tribunal nem sequer chega a fazer aquele juízo ponderativo.
(…)
Sobre o critério da decisão judicial em sede deste incidente de levantamento do efeito suspensivo, a doutrina não tem deixado de apontar algumas dúvidas, designadamente sobre as orientações que constam do anterior n.º 2, atual n.º 4, com algumas alterações.
(…)
No entanto, a ideia do legislador pode também ter sido a de replicar aqui uma solução próxima daquela que existe no art. 128.º do CPTA – em que também só se admite o levantamento administrativo da proibição provisória de executar o ato administrativo, mediante resolução fundamentada, quando o "diferimento da execução [seja] gravemente prejudicial para o interesse público" -, fazendo, portanto, com que apenas fossem considerados "candidatos positivos" à ponderação do n.º 4 do art. 103.º-A os danos que se subsumissem no seu n.º 2." – obra supra referida a pp. 24-25
Neste mesmo sentido, e já à luz da nova redação conferida ao Artigo 103.ºA, em Acórdão de 8 de abril de 2021, p. 1946/20.5BELSB-S1, o qual confirmou decisão incidental proferida pela signatária em incidente como o dos presentes autos, o TCAS esclarece que,
“(…) Como decorre do disposto do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados, o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, o que in casu a matéria de facto assente não permite sustentar.
Desde que verificadas as condições previstas no artigo 103.º-A, n.º 1 do CPTA, o legislador erigiu o efeito suspensivo automático como efeito jurídico regra, dependendo o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático da verificação de pressupostos exigentes, a saber:
(i) o grave prejuízo para o interesse público ou
(ii) existir uma clara desproporção das consequências lesivas para outros interesses envolvidos, ou seja, a desproporcionalidade entre os interesses em presença. (…)”
Sendo que, do seu sumário resulta que, “I. O interesse público colocado na satisfação do contrato, ainda que relevante, não constitui um critério determinante para, só por si, alicerçar a decisão de levantamento do efeito suspensivo automático.”
Ora, entende este Tribunal, no seguimento da jurisprudência e doutrina que antecedem, que a norma ínsita no n.º 4 do Artigo 103.º-A do CPTA, aponta no sentido de uma intenção legislativa inequívoca: o levantamento do efeito suspensivo vai depender da demonstração – alegação e prova – de que o “os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”. No entanto, tal como aponta a jurisprudência e a doutrina, como primeiro pressuposto, sem o qual não se passará ao passo seguinte [isto é, ao juízo de ponderação de interesses], terá de estar em causa uma situação de grave prejuízo (para o interesse público) ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas (relativamente a outros interesses envolvidos).
Com efeito, a leitura do n.º 4 não poderá então fazer-se sem levar em linha de conta a qualificação dos danos elegíveis e relevantes para esta ponderação, sendo estes que se vão sujeitar ao juízo de ponderação que aí se consagra.
(…)
É, pois, esse o regime que resulta da leitura do n.º 4 do Artigo 103.º-A do CPTA e que determina que o juízo de ponderação a efetuar e que envolve os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade, incida sobre os danos suscetíveis de serem caracterizados de “danos qualificados” ou “prejuízo qualificado”. Não basta, portanto, a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas. Isto sob pena de se afastar da previsão da lei elementos normativos, que exigem uma especial modalidade aplicativa [de particular gravidade ou de clara desproporcionalidade, que firam os que o legislador quis acautelar.
De notar também que, ainda que se admita que o risco de produção de dano ou prejuízo qualificado, não tenha a si acoplada uma certeza absoluta quanto à sua inevitável verificação, a verdade é que terá de ser uma probabilidade séria e realista – cfr. Acórdão do TCAN de 12/07/2019, p. 02842/18.1BEPRT-S1
Acontece que, a alegação da Entidade Demandada se mostra amplamente genérica e conclusiva, a qual gravita maioritariamente em torno do próprio objeto contratual, quase que se limitando a uma mera descrição dos serviços que integram o objeto do lote 1, para concluir que os mesmos são essenciais e que a sua interrupção comporta um risco para a segurança de pessoas e bens. Ao que acrescem alegações, como as que constam dos Itens 28.º e seguintes, cuja probabilidade de ocorrerem não se afigura séria, considerando a ausência de factualidade alegada que conduza uma demonstração da seriedade dessa probabilidade [v.g. por referência a episódios idênticos ou similares, ou a factos que revelassem circunstâncias como as que aí vem relatadas; isto é, de tentativa de entrada de materiais suspeitos, armamento, equipamentos similares ou explosivos].
Ora, tais alegações [feitas nestes termos] para além de lacónicas e de reduzida probabilidade, são manifestamente insuficientes para que este Tribunal conclua, sequer, pela ocorrência de um prejuízo. Um incómodo sim, mas não um efetivo prejuízo.
Certamente da alegação da Entidade Demandada, não vêm alegados ou evidenciados quaisquer factos, que demonstrem a possibilidade de, com a suspensão dos efeitos do ato de adjudicação, se vir a verificar um grave prejuízo para o interesse público.
Note-se que, não se coloca em causa, nem tal vem questionado pela Autora, que os serviços contratados são relevantes e necessários à boa prossecução dos fins para que a Entidade Demandada foi criada. É, aliás, de conhecimento público que, os serviços de segurança prestados a entidades públicas são uma mais-valia na garantia de que não ocorre nenhuma perturbação na atividade que lhes competes prosseguir – a qual tem, acima de tudo, a satisfação de interesses públicos relevantes. No entanto, a sua ausência, por norma, não impede que tais entidades prossigam com os fins para que foram criadas, ou que fiquem altamente comprometidas na sua execução.
Só em casos excecionais é que tal sucede. E só nesses casos é que se poderá ponderar o levantamento do efeito suspensivo automático; isto porque, sem esses serviços seria uma certeza, a de que a entidade pública em causa ficaria impossibilitada de prosseguir os fins para o que foi criada, resultando daí a conclusão de que, ocorreria um grave prejuízo para o interesse público.
Para que tal juízo seja possível, a parte interessada, neste caso a Entidade Demandada, é que tem o ónus de alegar e provar factos demonstrativos dessa realidade. O que, claramente não é o caso.
Na verdade, dos argumentos tecidos pela Entidade Demandada não resulta, pelo menos com a seriedade que é exigível, que existe uma grande probabilidade de a segurança das pessoas que frequentem as instalações que integram o objeto do lote 1 fiquem comprometido [ou a segurança dos próprios bens], assim como, não resulta que haja uma probabilidade séria de virem a entrar nessas instalações materiais, produtos e volumes suspeitos transportados por visitantes, bem como entrada de armamento, equipamentos similares ou explosivos.
Certamente que, o diferimento da execução do contrato comportará alguns constrangimentos; mas, desse facto não resulta, por si só, que a qualidade dos serviços prestados pela Entidade Demandada fique altamente comprometida, ou que os mesmos deixem, até, de ser prestados.
Ora, conforme resulta do sobredito, com os efeitos suspensivos do ato de adjudicação – ou da execução do contrato, quando este já tenha sido celebrado - pretende-se a garantia da legislação nacional e comunitária em sede de contratação pública, que o legislador – comunitário e nacional – quis eleger como um interesse preponderante, a salvaguardar em 1.º linha, que só deve ser beliscado em situações limite ou excecionais, a saber, porque ocorra um prejuízo gravemente prejudicial para o interesse público, ou quando existam consequências lesivas claramente desproporcionais para outros interesses envolvidos.
No caso em apreço, não se afigura que se verifiquem tais circunstâncias, desde logo, porque da maior parte da alegação da Entidade apenas resulta uma descrição dos serviços que integram o objeto lote 1, para daí concluir, sem mais, que os mesmos são essenciais e imprescindíveis.
Visa-se que, o propósito do levantamento do efeito suspensivo automático, não é o de evitar a ocorrência de todo e qualquer dano – em concreto para o interessa público – mas sim um dano que implique a ocorrência de um grave prejuízo para o interesse público. O que implica dizer que, o dano que se pretende evitar, além de ter de ser inequívoco ou altamente provável, terá de ser um dano tal modo grave e prejudicial, que seria impensável manter a suspensão de efeitos do ato de adjudicação.
O que, manifestamente não é o caso, considerando, desde logo e sobretudo, a alegação da Entidade Demandada.
E nesta medida, a conclusão é a de que falha o requisito da ocorrência de um grave prejuízo para o interessa público, o qual terá de ser, tal como se disse, um prejuízo ou dano qualificado [o que não é o caso]; sendo que, a mera circunstância de se estar perante a prestação de serviços que se pretendem sejam efetuados de forma tendencialmente permanente e contínua, não é, só por si, uma razão para se concluir pelo preenchimento do conceito de grave prejuízo para o interesse público.
Acresce que, a presente ação tramita como um processo urgente, com prazos abreviados, que seguindo o seu rito processual normal, terminará com a decisão de 1.ª instância, ou, eventualmente, após recurso para o TCA. Também, eventualmente, pode ocorrer um recurso de revista para o STA, mas aqui, apenas se verificados os requisitos apertados para esta 3.ª via de recurso. Por conseguinte, atendendo à forma processual utilizada, esta ação terá uma tramitação célere, se as partes para isso também contribuírem.
De notar, ainda, quanto à contratação alternativa que, para decidir o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, não há que atender às medidas cautelares ou de reação adotadas pela entidade adjudicante na sequência da interposição da ação de impugnação do ato de adjudicação – nesse sentido vide, Acórdãos do STA datado de 05/04/2017, p. 031/17 e do TCAS de 04/10/2018, p. 722/2018.
Por fim, mostra-se relevante referir que, em matéria de prestação de serviços de vigilância, em casos em tudo idênticos ao dos presentes autos, a jurisprudência tem seguido entendimento segundo o qual o efeito suspensivo é de manter, considerando a não excecionalidade dos prejuízos alegados e os quais gravitam em torno da mera interrupção da prestação de serviços desta natureza – cfr., entre outros, Acórdãos do TCAS de 21-03-2019, p. 69/18.1BELSB-S1 e de 10-09-2020, p. 2476/19.3BELSB-S1.
Decorre, assim, de todo o exposto, que a situação factual trazida a estes autos não evidencia a produção de danos gravemente prejudiciais para o interesse público prosseguido pela Entidade Demandada, com a manutenção do efeito suspensivo automático. E assim sendo, ocorrendo a falência dos pressupostos dos quais depende o seu levantamento, este Tribunal só pode concluir pela manutenção do efeito suspensivo automático.

Vejamos:
Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 240/17.3BEVIS-S1 de 02.03.2018, com idêntico relator:
1 – Dispõe o artigo 103º-A do CPTA, sob a epígrafe “Efeito suspensivo automático”, que “(…) A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. (…)” [cfr. nº.1].
Em qualquer caso, “(…) a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º (…)” [cfr. nº.2], sendo que “(…) o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”
2 - Não está em causa ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, possam emergir ou não, do levantamento do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado.
3 - A ponderação a efetuar deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença, sendo que a lei não consagra qualquer prevalência do interesse público face aos demais interesses em conflito, tanto mais que não se trata de ponderar o interesse público com o interesse privado, visto o que está em conflito são as consequências que podem resultar da concessão ou da sua recusa para todos os interesses envolvidos, independentemente da sua natureza.
4 – Em concreto, não tendo o Município logrado demonstrar que o adiamento da execução do ato concursado seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, não restará ao Tribunal outra alternativa que não a de conservar eficaz a regra da manutenção do efeito suspensivo automático. (…)”

Importa assim, aferir e ponderar, designadamente, o interesse público entendido como “(...) manifestação direta ou instrumental das necessidades fundamentais de uma comunidade política e cuja realização é atribuída, ainda que não em exclusivo, a entidades públicas.”, [cfr. José Carlos Vieira de Andrade, Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol V, Lisboa/1993, págs. 275/282], fazendo-se um juízo de prognose no tocante às consequências para o interesse público das alternativas em presença.

Diga-se que o novel 103º-A do CPTA, resulta da transposição da Diretiva nº 2007/66/CE, de 11 de dezembro, que veio introduzir alterações à “Diretiva Recursos” (Diretiva nº 89/665/CEE, de 21 de dezembro), visando “(…) melhorar a eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, atento às deficiências que estas apresentavam, onde «figura, em especial, a inexistência de um prazo que permita interpor um recurso eficaz entre o momento da decisão de adjudicação e o de celebração do contrato em causa», o que «conduz a que as entidades adjudicantes, que pretendam tornar irreversíveis as consequências da decisão de adjudicação contestada, procedam rapidamente à assinatura do contrato” (Considerando nº 4 da aludida Diretiva).

A intenção dessa Diretiva foi, assim, e designadamente, a de evitar a constituição de situações de facto consumado na pendência dos processos judiciais resultante de uma «corrida à assinatura» dos contratos” (Acórdão do TCA Sul de 28/10/2010, proc. 06616/10).

Neste sentido, refere Carlos Cadilha que a “Diretiva 2007/66/CE teve por principal finalidade corrigir ou atenuar a situação (…) de défice de tutela jurisdicional dos participantes em procedimentos de contratação pública, em particular no que respeita à possibilidade de impugnação, em momento útil, do ato decisivo deste tipo de procedimentos (o ato de adjudicação).
Tal défice resultava de algumas deficiências que atingiam, em termos de configuração e eficácia, os sistemas de contencioso em matéria de contratação pública que vigoravam nos vários Estados-membros no início do processo de revisão da Diretiva “Recursos”. (…) A prática demonstrava que a «anulação de contratos públicos na sequência da anulação de atos pré-contratuais da entidade adjudicante era uma situação claramente excecional». A celebração e início de execução do contrato tendia a tornar material ou juridicamente irreversíveis as infrações ao direito da contratação pública - pelo menos no plano da reparação natural, por via da reconstituição da situação jurídico-procedimental existente antes de tais infrações” (Contencioso pré-contratual, in “Julgar”, 2014, pág. 208).

A regra consagrada no CPTA, após a revisão de 2015, é, pois, a de que a impugnação de ato de adjudicação faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado, reservando ao tribunal a faculdade de verificar o preenchimento dos pressupostos para a manutenção dessa suspensão.

Com efeito, assim não será, pois “Durante a pendência da ação, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo previsto no número anterior (…)” (artigo 103º-A, nº 2, do CPTA).

À luz do mencionado artigo 103º-A do CPTA, a regra geral é a da proibição de execução do ato, podendo tal efeito suspensivo automático ser afastado se se demonstrar que tal é gravemente prejudicial para o interesse público ou que os danos que resultariam da sua suspensão seriam claramente superiores àqueles que resultariam do seu levantamento.

Como se sumariou no Acórdão de 23/09/2016, no proc. 00166/16.8BEPRT-A, aqui aplicado mutatis mutandis, “Tendo presente que, nos termos do artigo 103º-A do CPTA, o efeito suspensivo automático só pode ser afastado se se demonstrar que tal é gravemente prejudicial para o interesse público ou que os danos que resultariam da sua suspensão seriam claramente superiores àqueles que resultariam do seu levantamento, a circunstância de não resultar provado nenhum dano decorrente da manutenção desse efeito suspensivo é suficiente para, sem necessidade de mais ponderação, se indeferir o pedido apresentado pela Recorrente.”

Feito o enquadramento normativo e jurisprudencial da controvertida questão, analisemos então a mesma em concreto, em função do Recurso Jurisdicional apresentado.

Desde logo, há um conjunto de situações que não podem deixar de ser evidenciadas, qual sejam, estarmos em presença de um Processo Pré-contratual, por natureza, urgente.

Entende recursivamente o Município que a decisão do tribunal de 1ª Instância “teve por base um manifesto erro de julgamento quanto aos prejuízos que a suspensão da decisão de adjudicação determina para o interesse público, porquanto ignora flagrantemente, as consequências nefastas que a desproteção dos edifícios envolvidos poderá implicar”.

Ressalta desde logo do transcrito que a argumentação aduzida pelo Recorrente se mostra predominantemente conclusiva, tanto mais que o mesmo não está inibido de, transitoriamente, poder recorrer a mecanismos que a lei lhe faculta para minorar ou mesmo ultrapassar os transtornos que a situação suspensiva lhe poderá causar.
Refira-se, aliás, que o entendimento adotado em 1ª instância segue aquele que maioritariamente tem vindo a ser sufragado pelos tribunais de Recurso nesta instância.

Efetivamente, refere o tribunal a quo na sua decisão que “(…) conforme resulta do sobredito, com os efeitos suspensivos do ato de adjudicação – ou da execução do contrato, quando este já tenha sido celebrado – pretende-se a garantia da legislação nacional e comunitária em sede de contratação pública, que o legislador – comunitário e nacional – quis eleger como interesse preponderante, a salvaguardar em 1ª linha, que só deve ser beliscado em situações limite ou excecionais, a saber, porque ocorra um prejuízo gravemente prejudicial para o interesse público, ou quando existam consequências lesivas claramente desproporcionais para os outros interesses envolvidos.
No caso em apreço, não se afigura que se verifiquem tais circunstâncias, desde logo, porque da maior parte de alegação da Entidade apenas resulta uma descrição dos serviços que integram o Lote 1, para daí concluir, sem mais, que os mesmos são essenciais e imprescindíveis.”

Em conformidade com o descrito, é manifesto que a argumentação aduzida pelo Recorrente, como se afirmou já, se mostra conclusiva, vaga, genérica, e meramente descritiva dos serviços a prestar.

É incontornável o teor da Diretiva 2007/66/CE, que veio alterar a Diretiva 89/665/CE - Diretiva Recursos – quando no seu artigo 2.º, n.º 3, estabelece que “Caso seja interposto recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso. A suspensão não pode cessar antes do termo do prazo suspensivo a que se referem o n.º 2 do artigo 2.º-A e os n.ºs 4 e 5 do artigo 2.º-D.”

Em função do teor da referida Diretiva, e do Artº 103º-A do CPTA que a acolheu, é manifesto que a suspensão do referido automatismo legal, reveste natureza meramente excecional, perante a verificação de situações anómalas e atípicas, o que no caso em concreto se não vislumbra, sob pena de se estar a subverter o referido normativo.

Efetivamente, a mera enunciação exemplificativa de serviços que potencialmente poderão ficar afetados pela ausência da segurança concursada, não permite evidenciar a necessidade de recurso a uma situação de excecionalidade para contornar a situação descrita, pois que nem sequer se enunciam os prejuízos concretos de natureza insanável gerados pela manutenção do efeito suspensivo do ato.

Admite-se, ainda assim, a eventual verificação de eventuais perturbações funcionais as quais, ainda assim, não se mostram justificativas e suficientes para o recurso a uma situação excecional.

Aliás, em situações análogas em que estavam em causa Serviços de Segurança e Vigilância, já este TCAS se tem pronunciado reiteradamente no mesmo sentido, nomeadamente no Acórdão de 9-10-2020, proferido no Proc. n.º 2476/19.3BELSB-S1, em cujo sumário se pode ler:
“I. O levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação de contrato público, previsto no artigo 103.º-A, n.ºs 2 a 4, do CPTA, depende (i) da sua manutenção implicar um grave prejuízo para o interesse público ou a produção de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, (ii) e de serem superiores os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo para os interesses da entidade demandada ou dos contrainteressados por contraponto aos que venham a resultar do seu levantamento para o autor da ação de contencioso pré contratual, segundo um juízo de proporcionalidade.
II. Recai sobre a entidade demandada e a contrainteressada o ónus de alegar e provar a gravidade do prejuízo para o interesse público e a aludida lesão claramente desproporcionada para os demais interesses envolvidos, em conformidade com a regra decorrente do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
III. Se com a suspensão do ato de adjudicação impugnado é possível a continuação da prestação dos serviços em causa no contrato, no caso de segurança e vigilância, ainda que por valores superiores aos decorrentes daquele ato, tal não consubstancia a excecionalidade do grave prejuízo para o interesse público, a que alude o Considerando 24 da Diretiva 2007/66/CE e o n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA.”

Mais se discorreu no discurso fundamentador do referido Acórdão que “É uma evidência que a suspensão de um ato de adjudicação praticado no âmbito de procedimentos de formação de contratos públicos perturbará sempre a prossecução do interesse público, mas o que importa é aquilatar em que medida tal perturbação ocorre, a fim de saber se é de afastar o regime regra da suspensão automática dos efeitos da adjudicação, a levantar excecionalmente perante a verificação dos apontados requisitos.
Tratando-se, como se trata, de uma prestação de serviços continuada, que não se quer ver interrompida, a perturbação é clara.
Contudo, como se observou em aresto deste Tribunal datado de 09/05/2019 (proc. n.º 601/18.0BELRA-S1), “a mera circunstância de se estar frente a uma prestação de serviços que se pretende efetuada de forma tendencialmente permanente e contínua, não é, só por si, uma razão para se concluir pelo preenchimento do conceito de grave prejuízo para o interesse público. Se assim se entendesse estar-se-ia, nas mais das vezes, a permitir o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação para todos os fornecimentos que se pretendessem feitos de forma permanente e contínua.”
Por outro lado, no caso concreto, a autora dispunha e dispõe de alternativas para continuar a usufruir dos serviços de segurança e vigilância, que efetivamente continuaram a ser prestados.
Sendo certo que a necessidade de recorrer ao procedimento de ajuste direto para tal efeito, ainda que por valores superiores aos decorrentes do ato de adjudicação, claramente não consubstancia a excecionalidade do grave prejuízo para o interesse público, a que alude o citado Considerando 24 da Diretiva 2007/66/CE e o n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA.”

No mesmo sentido veja-se ainda o sumariado no Acórdão deste TCAS de 5.4.2018, proferido no Procº n.º 1595/17.5BELRA-S1:
“(…) II - Quando o legislador - europeu e nacional – impôs o regime da suspensão automática do ato de adjudicação e reduziu as possibilidades do seu levantamento aos casos excecionais, terá pressuposto que todas as consequências naturais, normais, coevas, ou imediatamente decorrentes da não execução imediata do contrato seriam prejuízos que se assumiam como necessários e que se tinham como não tão relevantes quanto os interesses que se queriam proteger por via da aplicação do referido instituto da suspensão automática do ato de adjudicação;
III - Para que se possa afastar o indicado regime é necessário, primeiro, que a Entidade Demandada ou os contrainteressados venham alegar e provar a existência de tais efeitos extraordinários – gravemente prejudiciais ou de lesividade claramente desproporcional – e, depois, terão os mesmos que alegar e provar que os danos que para si resultam da manutenção do efeito suspensivo do ato de adjudicação são superiores aos que podem resultar para o Autora da ação com a não suspensão desse ato.”

Alude-se, ainda, ao Acórdão deste TCAS de 24-05-2018, proferido no Proc. n.º 78/17.8BEPDL-A, no qual se referiu que “Deste normativo legal resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) Alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.
Quanto ao requisito ora enunciado sob a alínea a), cumpre esclarecer que, face ao estatuído no art.º 103º-A n.º 2, acima transcrito, conjugado com o art.º 342º n.º 1, do Cód. Civil, recai sobre a Entidade Demandada e os contrainteressados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.

Também no acórdão deste TCAS nº 953/21.5BELSB-S1, de 02-12-2021, se sumariou que “É a entidade demandada (e/ou os contrainteressados) que tem o ónus de alegar e de provar os factos que traduzam uma situação de grave prejuízo para o interesse público ou consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, com vista ao levantamento do efeito suspensivo automático que decorre do art.º 103ºA do CPTA.”

Para terminar a resenha jurisprudêncial relativamente à controvertida matéria, alude-se ainda ao Acórdão do STA de 7-11-2019, proferido no Proc. n.º 0601/18.0BELRA-S1, onde se sumariou, o seguinte:
“I - O levantamento pelo tribunal, nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, do efeito suspensivo automático só pode ser concedido se, no caso, o diferimento da execução do ato se mostre como «gravemente prejudicial para o interesse público» ou que seja «gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos», exigência que implica que não é suficiente a invocação abstrata pelos requerentes do incidente de prejuízos genéricos, ou que sejam os que decorrem em termos normais da suspensão do ato de adjudicação e do atraso na celebração do contrato ou na sua execução.
II - O deferimento pelo tribunal de tal pedido de levantamento só deve ocorrer quando, na comparação do peso relativo dos interesses em presença, conclua que os danos dele decorrentes para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seriam consideravelmente superiores àqueles que podem advir para o impugnante da celebração e execução do contrato”

Em face de tudo quanto supra se expendeu, e sem necessidade de acrescida argumentação, resulta que a decisão recorrida se não mostra censurável, devendo assim, ser confirmada, pois que se não reconhece a verificação de qualquer erro de julgamento que pudesse determinar a sua anulação ou revogação.

V - Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 17 de março de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa