Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:149/17.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/13/2020
Relator:CELESTINA CASTANHEIRA
Descritores:TAD;
CUSTAS ARBITRAIS.
Sumário:O montante das custas arbitrais determinado através da aplicação das normas que constam do artigo 2.º, n.ºs 1 e 5 e respetiva tabela (Anexo I, 2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, de 22 de Setembro, conjugadas com as normas dos artigos 76.º, n.ºs 1, 2, 3 e 77.º, n.ºs 4, 5 e 6 da Lei do TAD, não ofende os princípios da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP) e da proporcionalidade (artigo 2.º da CRP)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

Por este Tribunal Central Administrativo Sul, foi proferido acórdão que decidiu em conceder parcial provimento ao recurso, confirmando o acórdão arbitral recorrido na parte em que julgou improcedente a impugnação do ato eleitoral e revogando-o na parte em que fixou as custas devidas no processo arbitral.
Sendo que, este TCAS recusou a aplicação das normas do artigo 2.º, números 1, 4 e 5 da Portaria n.º 301/2015 e da segunda linha a tabela do seu Anexo I, que estabelecem o procedimento e critérios de determinação da taxa de arbitragem no âmbito da arbitragem necessária, com fundamento em inconstitucionalidade decorrente da violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e acesso à justiça.
A este propósito defendeu o seguinte:
“ 2.3.12 No Regulamento das Custas Judiciais (aprovado pelo DL. n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), aplicável aos Tribunais Administrativos, a taxa de justiça se encontra fixada para os processos de contencioso eleitoral em 1 UC (unidade de conta), a que atualmente correspondem 102,00€, conforme resulta do artigo 7.º nº 1 e Tabela I a ele anexa. Significando assim que a taxa de justiça em tais casos não é reflexo, em qualquer medida, do valor da causa.
2.3.13 Já a taxa de arbitragem devida no Tribunal Arbitrai do Desporto, a que se refere o artigo 76.º n.º 2 da Lei do TAD, é de 900,00 € por cada sujeito processual, nos termos do artigo 2.º n.º 1 da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro e do Anexo I, 2.ª linha.
A que hão-de acrescer, em custas finais do processo arbitral, os encargos do processo arbitrai, onde se incluem as despesas resultantes da condução do mesmo, designadamente os honorários dos árbitros e outras despesas (cfr. artigo 76.º n.ºs 1 e 3 da Lei do TAD), a que correspondem no Anexo I à Portaria n.º 301/2015 o valor de 3.000,00€ de honorários ao coletivo de árbitros e de 90,00 € de encargos administrativos.
2.3.14 Na situação presente, da aplicação destes normativos resultou para os autores, ora recorrentes, um total de custas do processo arbitrai de 6.014,70 €.
2.3.15 Ora, tem que reconhecer-se que não se mostrar justificada e ser claramente desproporcional a exigência, decorrente da aplicação da tabela prevista no Anexo I da Portaria n2 301/2015, em processo arbitrai de natureza necessária dos valores de custas processuais daquela dimensão a processo que ser de valor indeterminável corresponda, forçosamente, a valor superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo (ou seja 30.000,01 €).
2.3.16 Nesta medida assiste razão aos recorrentes, permitindo o concreto circunstancialismo dos autos concluir que as disposições dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do artigo 2.º da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro e da 2.ª linha da tabela do seu Anexo 1, conjugadas com a imposição do recurso à arbitragem necessária, são violadores da proporcionalidade exigida pelo 18.º n.º 2 da CRP, dificultando e restringindo injustificada e desproporcionalmente o acesso à justiça que deve ser assegurado aos cidadãos nos termos do artigo 202 da CRP, incorrendo assim em inconstitucionalidade material por violação de tais princípios, ali acolhidos.
E reconhecendo-a (cfr. artigo 204º da CRP) não pode manter-se a decisão do acórdão arbitral que em aplicação daqueles normativos fixou as custas do processo arbitral, impondo-se, por conseguinte, a sua revogação.

Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, por Acórdão datado de 19 de dezembro de 2019, não foram julgadas inconstitucionais tais normas e, em consequência foi dado provimento ao recurso interposto e determinada a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade.

Nesta conformidade, cumpre reformar a decisão então proferida, nessa parte, atendendo ao determinado no Acórdão do Tribunal Constitucional.
Pelo que, no que respeita ao invocado erro de direito na fixação das custas processuais, improcede o recurso por o artigo 2.º, n.º 1 e 4 da Portaria n.º 301/2015, conjugado com a segunda linha da Tabela do Anexo I daquela Portaria não violar os princípios da constitucionalidade e do acesso à justiça, tal como foi decidido pelo Tribunal Constitucional.

Para fundamentar esta nova decisão, remete-se para o teor do indicado Acórdão do TC, que se transcreve em parte:
“… No Acórdão n.º 543/2019 do TC, além de se fazer o adequado enquadramento normativo do Tribunal Arbitral do Desporto e do seu regime de custas, que nos dispensamos aqui de reproduzir, decidiu-se não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 2.º, n.ºs 1 e 4, da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, em conjugação com a primeira linha da tabela do seu Anexo I, invocando-se, nomeadamente, que:
«(…) Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, no contexto de apreciação das custas judiciais, a Constituição não garante uma justiça gratuita mas uma justiça economicamente acessível à generalidade dos cidadãos, sem necessidade de recurso ao sistema de apoio judiciário (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 1182/96 e 70/98). Ora, se o Estado pode exigir aos cidadãos que recorrem aos tribunais públicos o pagamento de taxas de justiça em contrapartida do serviço público de justiça que lhes é individualmente prestado nos processos judiciais, por maioria de razão poderá exigir aos operadores desportivos o pagamento do serviço especializado de justiça desportiva que lhes é especificamente prestado pelo TAD, que é um centro de arbitragem de natureza privada criado para responder às necessidades de uniformização, celeridade e especialização impostas pela especificidade do litígio desportivo (Acórdão n.º 230/13).
Sublinhe-se ainda que, nem mesmo relativamente ao direito à saúde (artigo 64.º da Constituição), o princípio da gratuitidade é absoluto, admitindo a previsão de taxas moderadoras para acesso ao Serviço Nacional de Saúde. Como resulta do Acórdão n.º 330/88, «(…) o conceito de gratuitidade (…) será compatível [com] a exigência (ou a exigência em certos casos) aos utentes do SNS de “taxas moderadoras” (…). Tais taxas visam tão-só “racionalizar a utilização das prestações” facultadas pelo serviço em causa: o seu objectivo (…) é unicamente o de “moderar a procura de cuidados de saúdes, evitando assim a sua utilização para além do razoável”».
O mesmo raciocínio será transponível para as custas judiciais – e para as custas cobradas no TAD -, dado que também nesta área, onde nem sequer impera idêntico princípio, se procura a racionalização na utilização da justiça, uma vez que os recursos são limitados e se pretende reservá-los para aqueles que mais deles careçam.
Independentemente de outras ponderações, trata-se aqui de aplicar um princípio geral de cobertura e imputação de custos, sendo legítima a adoção de medidas aptas a assegurar a sustentabilidade económica de um serviço público prestado por entidades privadas e a imputação do respetivo custo sobre quem, concluindo pela necessidade da utilização desse serviço público, especialmente dele beneficia.(…) ».
Partindo dessas premissas, o Acórdão n.º 543/2019 avaliou se o montante das custas cobradas no TAD por processos arbitrais necessários de valor até €30.000,00 constitui um condicionamento excessivo e injustificado do acesso aos tribunais por via tributária ou paratributária, por ser demasiado elevado, em si mesmo e por comparação com os montantes cobrados nos tribunais estaduais, tendo concluído que:
«(…) há razões constitucionalmente aceitáveis para essa diferença de valores, que se prendem com a natureza privada do TAD - que tem nas custas processuais a sua principal fonte de financiamento (artigo 1.º, n.º 3, da Lei do TAD) -, o nível médio de rendimentos das entidades desportivas envolvidas nos litígios que integram a competência necessária desse tribunal arbitral, sensivelmente superior ao nível médio de rendimentos dos cidadãos em geral, e as próprias características do serviço de justiça prestado pelo TAD.
Note-se, quanto ao primeiro ponto, que a capacidade de auto-financiamento do TAD é essencial para assegurar a sua independência e imparcialidade, quer em relação à administração pública do desporto, quer em relação aos organismos que integram o sistema desportivo – cfr. artigo 1.º, n.º 1, da referida lei. A redução do preço do serviço especializado de justiça prestado pelo TAD para níveis equivalentes aos que vigoram na justiça estadual comportaria o risco de comprometer, ou a subsistência do TAD, considerando os custos tendencialmente mais elevados da atividade de arbitragem, ou a sua independência e imparcialidade, que necessariamente passam pela garantia de um estatuto de efetiva autonomia económico-financeira em relação a todas as partes potencialmente envolvidas nos litígios que compete àquele tribunal decidir.
Por outro lado, se é certo que tanto pode recorrer para o TAD um praticante desportivo como uma sociedade anónima desportiva, como é o caso do Sporting Clube de Portugal, Futebol, SAD (artigo 52.º da Lei n.º 74/2013), com diferenciados níveis de rendimentos, é razoável que o nivelamento do valor das custas processuais se faça de modo a permitir a viabilização, em condições de independência, de uma entidade jurisdicional que tem por função prestar um serviço de justiça compatível com as necessidades próprias do sistema desportivo, assegurado que esteja, como está, que ninguém será impedido de aceder à justiça desportiva por insuficiência de meios económicos (cfr. artigo 4.º da Portaria n.º 301/2015, na redação da Portaria n.º 314/2017).
Finalmente, não é possível ignorar que o serviço de justiça desportiva prestado pelo TAD, também no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária, está normativamente estruturado em termos que garantem a competência e qualificação especializada dos árbitros, por um lado, e a prolação de decisões em tempo compatível com a natureza específica do tipo de litígios abrangidos pela sua jurisdição, por outro.
Com efeito, o TAD integra na sua composição o Conselho de Arbitragem Desportiva (CAD), órgão que é composto por 11 membros, sendo 2 deles designados pelo Comité Olímpico de Portugal, 2 designados pela Confederação de Desporto de Portugal e 1 pelo Conselho Nacional do Desporto, de entre juristas de reconhecido mérito e idoneidade, com experiência na área do desporto (artigos 9.º e 10.º, n.º 1, alíneas a) a c), da Lei do TAD). Compete ao CAD, designadamente, estabelecer a lista de árbitros do TAD, com base em propostas apresentadas por entidades com responsabilidades institucionais no sistema desportivo (artigo 21.º), e promover o estudo e a difusão da arbitragem desportiva, bem como a formação específica de árbitros, nomeadamente estabelecendo relações com outras instituições de arbitragem nacionais ou com instituições similares estrangeiras ou internacionais (artigos 11.º, alíneas a) e g), da mesma lei). Essa lista de árbitros é integrada, no máximo, por 40 árbitros, designados de entre juristas de reconhecida idoneidade e competência e personalidades de comprovada qualificação científica, profissional ou técnica na área do desporto (artigo 20.º, n.º 2). Acresce que a competência arbitral necessária é sempre exercida por um colégio de três árbitros, podendo cada parte designar um árbitro, devendo os árbitros assim designados escolher o terceiro, que atuará como presidente do colégio (artigo 28.º, n.ºs 1 e 2).
Por outro lado, em atenção às exigências próprias do sistema desportivo, a tramitação do processo arbitral obedece a um padrão comum de simplicidade, celeridade e eficácia, que se manifesta, por exemplo, na regra da continuidade dos prazos processuais, que não se suspendem aos sábados, domingos e feriados, nem em férias judiciais (artigo 39.º, n.º 1), na possibilidade da redução dos prazos legalmente previstos (artigo 40.º), já por si muito curtos, sendo de 5 dias o prazo geral para a prática de atos processuais (artigo 39.º, n.º 3) e de 15 dias o prazo de prolação da decisão final, que se conta da data do encerramento do debate da causa (artigo 58.º, n.º 1), incorrendo os árbitros que obstem a que a decisão seja proferida dentro do prazo legal em responsabilidade pelos danos causados (artigo 45.º).
O serviço de justiça prestado pelo TAD revela, assim, um nível de especialização e rapidez que, sendo imposto por razões de interesse público com relevância constitucional (artigo 79.º da Constituição), beneficia diretamente os operadores do sistema desportivo. (…)
…Ora, estando em causa a prestação do serviço público de justiça, como é o caso, a utilidade do serviço não deve ser aferida tendo em consideração apenas o valor da causa, mas todos os benefícios com expressão económica que decorrem das características específicas do serviço prestado, designadamente quanto ao (menor) tempo de resposta e o (maior) grau de especialização.
Por todas essas razões, não se afigura que a apontada diversidade objetiva de valores vigentes para as custas dos processos arbitrais necessários e para as custas judiciais seja, só por si, passível de um qualquer juízo de censura constitucional. (…)».
A questão que se coloca, adicionalmente, é a de saber se os demais fundamentos do Acórdão n.º 543/2019 podem ser transpostos para a decisão do presente recurso, tendo em conta, nomeadamente, que o diferente valor da ação principal conduziu à aplicação de outro segmento normativo da citada Portaria.
Na verdade, naquele caso o Tribunal foi confrontado com o facto de que as custas globais fixadas na primeira linha do Anexo I da Portaria n.º 301/2015 para processos arbitrais de valor não superior a €30.000,00, não só são mais elevadas que as custas judiciais aplicáveis a processos de idêntico valor que correm termos nos tribunais administrativos, como podem atingir montantes muito superiores ao próprio valor da causa, o que, neste caso, estando em causa um valor superior a €30.000,00, que conduz à aplicação da segunda linha do mesmo Anexo, não sucede.
À presente ação foi atribuído o valor de € 30.001 e, no pertinente segmento decisório, o Tribunal Arbitral do Desporto determinou que «fixam-se as custas do processo, considerando o valor do mesmo (30.000,01) em € 4.890, nos termos do disposto nos artigos 76.º, n.ºs 1 e 3 e 77.º, n.º 4 do LTAD e do anexo I da Portaria n.º 301/2015, de 22 de Setembro. A este valor acresce Iva à taxa legal (€ 1.124,70) perfazendo um total de custas do processo de € 6.014,70». Ou seja, o valor das custas só marginalmente ultrapassa um quinto do valor da causa.
Mas se é assim, isso significa então que, no caso dos autos, a desproporção que poderia resultar da aplicação das normas sub judice é ainda menor do que aquela que poderia resultar da aplicação da primeira linha do Anexo I, pelo que, por maioria de razão, também aqui não se verifica a alegada violação dos os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça.
Donde, não se verificando uma desproporção manifesta entre o valor da causa e o valor das custas determinado, não se divisa a violação da Constituição.
Impõe-se, assim, a procedência do recurso e a revogação da decisão que, no pressuposto não verificado da violação do princípio constitucional da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais, recusou a aplicação das normas do artigo 2.º, n.ºs 1 e 4, da Portaria n.º 301/2015, conjugadas com a tabela do seu Anexo I.”

Veja-se, ainda a jurisprudência adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo nos Processos n.ºs 0144/17.0BCLSB, de 18-10-2018, n.º 08/18.0BCLSB, de 20-12-2018 ou n.º 033/18.0BCLSB, de 21-02-2019.
A título de exemplo, o STA no âmbito do Processo n.º 0144/17.0BCLSB, de 18-10-2018, refere o seguinte:Finalmente, no que concerne à isenção das taxas de arbitragem e à violação dos artºs. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, que a recorrente, nas conclusões 30 a 33 da sua alegação, imputa ao acórdão recorrido, entendemos que não tem razão.
Efectivamente, resultando dos artºs. 76.º, n.º 2 e 77.º, n.º 3, da Lei do TAD (Lei n.º 74/2013, de 6/9, com as alterações resultantes da Lei n.º 33/2014, de 16/6) que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e que esta “é integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contra-interessados” e não se encontrando prevista neste diploma, nem na Portaria n.º 301/2015, de 22/9, nenhuma isenção de pagamento dessas taxas, não se pode verificar qualquer desigualdade entre os intervenientes processuais no que a esse pagamento respeita.
E também é insusceptível de infringir os citados preceitos constitucionais a circunstância de, eventualmente, a legislação que introduziu a arbitragem obrigatória se traduzir num agravamento da responsabilidade tributária da recorrente, quando nem sequer é alegado que o novo regime seja de tal modo gravoso que dificulte de forma considerável o acesso aos tribunais.”
Assim, atenta a decisão do TC e jurisprudência que vem sendo firmada pelo STA, improcede a alegação de recurso, relativa ao erro de direito na fixação das custas processuais.

Decisão:
Pelo exposto, acordam em reformar o Acórdão do TCAS proferido em 11 de julho de 2018 e negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida, na parte referente às custas do processo arbitral.

Sem custas.

Registe e notifique.
Lisboa, 13 de fevereiro de 2020

Celestina Caeiro Castanheira


Paulo Pereira Gouveia


Catarina Gonçalves Jarmela