Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2885/05.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REQUISITOS FATURAS/35.º CIVA;
EXTENSÃO SERVIÇOS;
DATA PRESTAÇÃO;
NEUTRALIDADE.
Sumário:I- A fatura é um elemento essencial do direito de um sujeito passivo à dedução do IVA pago a montante, competindo ao sujeito passivo solicita a dedução do IVA provar que preenche as condições para dela beneficiar.

II-Os requisitos legais das faturas têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre o exato serviço prestado, sendo que a mera designação nas faturas de “Trabalhos de Preparação de Estaleiro”, “Diversos trabalhos de Construção Civil”, ou de “Serviços de arrumação e carregamento de materiais”, não preenche os requisitos contemplados no artigo 35.º do CIVA, mormente, a alínea b), visto que não indica de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa, comprometendo o direito à dedução do IVA.

III-A menção da data da prestação dos serviços permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto, e nessa medida determinar as disposições fiscais que são aplicáveis à operação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “S.......-S........., SA” tendo por objeto liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A douta sentença recorrida não deve prevalecer, por manifestamente fazer incorreta apreciação dos factos e aplicação do direito, gerando uma grave e insustentável injustiça, porquanto:

I. Face aos factos provados não poderia o respeitoso tribunal a quo, decidir como fez, pois face aos factos dados como provados, a conclusão a retirar deveria ser outra.

II. Na verdade, resulta provado e decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo que a Impugnante ao efectuar a entrega da petição inicial fora do prazo substantivo, resultou na caducidade do direito a impugnar, concluindo que “Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo parcial provimento ao recurso, revogar a sentença, no segmento em que julgou caducado o direito à impugnação da liquidação n.º 05276..., devendo o processo prosseguir para apreciação desta impugnação, se a tanto nada mais obstar.”

III. Assim, deveria a douta sentença ter balizado devidamente a matéria em discussão nos presentes autos, delimitando-os apenas sobre o ato tributário da liquidação adicional de IVA n.º 52762..., relativa ao mês de Março, do ano de 2001, no montante de €4.025,10.

IV. O que destinando-se a circunscrever a única matéria susceptível de análise de mérito, seria essencial que fosse reflectido na douta sentença, no entanto consta apenas “Julgo a presente impugnação procedente e anulo os atos impugnados”, não identificando quer os atos, quer o valor do processo, o que permite que se desconheça o conteúdo conclusivo.

V. Não nos dando sequer uma referência sobre a questão prévia da caducidade já documentada nos autos, em todo o itinerário cognoscitivo da douta sentença. Neste sentido, caso a douta decisão se mantenha inalterada, deverá ser corrigida pelo tribunal ad quem, visto não ser permitido alterar o que já está estabelecido no ordenamento jurídico. Não obstante esta questão, cabe aferir ainda que o ato tributário em causa, nomeadamente a liquidação adicional de IVA, relativa ao período de Março de 2001, tendo com referencia o direito à dedução do artigo 19.º do CIVA e os requisitos exigidos pelo n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, mais precisamente com a alínea b) que prescreve: “A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;”

E atendendo à norma em causa, foi devidamente fundamentado no relatório de inspecção tributária que procedeu à correcção, que os documentos utilizados para a dedução, pela Impugnante não continham os elementos designados, facto que não só permitiu realizar a respetiva correcção do imposto, como se tornou exigível.

IX. Porquanto, consubstancia-se na materialidade das faturas em discussão nos presentes autos, nomeadamente de acordo com as regras e os princípios pelos quais se deve reger a dedução no IVA, sendo consabido que os documentos de suporte emitidos, devem obediência aos requisitos legais, do artigo 19.º e 35.º do Código do IVA (CIVA).

X. Deste modo, deverá o ato tributário em causa ser mantido, por as verbas contidas nas facturas carecerem de falta de requisitos essenciais para ser provindo a sua dedutibilidade.

XI. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, lavrou em erro de análise, interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.

XII. Com o devido respeito, que é muito, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou acertadamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais.

XIII. Não o entendendo assim, a douta sentença recorrida violou os preceitos legais invocados, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!


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A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental produzida, dão-se como provados, e com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1. A Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva face à ordem de serviço n° 89… emitida em 2004/02/17 e com base no despacho de 2004/03/15, que teve início em 2004/04/13 (fl. 94 do processo administrativo);

2. A ação inspectiva inseria-se no código 22… do Plano Nacional de Actividades da Inspeção Tributaria do exercício de 2004 (fl. 94 processo administrativo);

3. De acordo com a carta-aviso enviada ao sujeito passivo, tratou-se de uma ação de âmbito geral, e relativamente ao exercício de 2001, (fl. 94 processo administrativo);

4. A empresa S....... foi constituída em 1934, sob a forma de sociedade comercial por quotas, sendo alterada para sociedade anónima em 1963, (fl. 94 processo administrativo);

5. A S....... pertence ao grupo T......., ao qual pertencem, entre outras, as sociedades T....... – T……. de Portugal, S.A. (501 189), R. L. S........., S. A. (502 747 …), E…..- E……….. O……., S. A. (500 345 …) e E……- M……, S. A. (502 393 …)., (fl. 95 processo administrativo);

6. No âmbito da sua actividade a S....... tem como fornecedor principal de materiais a E........, e de serviços, nomeadamente aluguer de equipamento, a E......... (fl. 95 processo administrativo);

7. O objecto social da empresa enquadra-se no código 0452… da classificação das Atividades Económicas – C.E.C. (fl. 97 processo administrativo);

8. Desenvolve a sua actividade no território nacional na execução de empreitadas de obras públicas e privadas, tendo como principais clientes a EPUL, Câmaras Municipais, Institutos Públicos e algumas delegações da Santa Casa da Misericórdia, entre outros, (fl. 98 processo administrativo);

9. No âmbito do CIRC a empresa está sujeita à tributação pelo regime geral de imposto, pertencente à área geográfica do 10° Serviço de Finanças de Lisboa (cod 32…), (fl. 98 processo administrativo);

10. No âmbito do IVA a empresa encontra-se enquadrada no regime normal, de periodicidade mensal, com direito à dedução do imposto suportado para o exercício de actividade sujeita a tributação, atendendo às exclusões e limitações impostas no respetivo código, (fl. 98 processo administrativo);

11. Nas suas operações activas localizadas em território nacional o sujeito passivo liquidava imposto a taxa normal, excepto na facturação emitida directamente para Camaras Municipais em que liquidava imposto à taxa reduzida de 5%, (fl. 98 processo administrativo);

12. Parte da faturação do sujeito passivo (cerca de 33%) referia-se a obras executadas fora do território nacional, em países africanos de expressão portuguesa, (fl. 98 processo administrativo);

13. O sujeito passivo não efectuou transações intracomunitárias (aquisições e transmissões de bens) no exercício em análise, (fl. 98 processo administrativo);

14. Da análise do mapa resumo elaborado com base nas declarações periódicas que constam do sistema informático, verifica-se que a Impugnante apresenta, o conjunto das situações de apuramento mensal, um resultado anual de crédito de imposto de 65.439,91€, e solicitou um reembolso no montante de 109.828,14€, (fl. 98 processo administrativo);

15. No âmbito da ação inspetiva a temos vindo fazendo referência a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou existirem algumas irregularidades no âmbito do IVA, a nível de falta de liquidação e/ou

liquidação inferior à devida, quer a nível de deduções indevidas de imposto, (fl. 110 processo administrativo);

16. A Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou custos em sede de IRC por não estarem devidamente documentados e consequentemente não aceitou o IVA dedutível, razão pela qual o valor de 122.726,33€ foi alterado para 118.048,60€ (fl. 116 processo administrativo);

17. Tendo em conta a correcção referida no ponto anterior a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou a correção em sede de IVA desconsiderando o imposto dedutível com a seguinte fundamentação “O sujeito passivo exerceu o direito à dedução do imposto relativamente a documentos que não se encontravam emitidos de acordo com os requisitos mencionados no artº 35° do CIVA. Trata-se de facturas normalmente emitidas por subempreiteiros, sem especificação dos trabalhos efectuados e/ou quantificação dos mesmos, relativamente aos quais não pode ser exercido o direito à dedução tal como determina o n.º 2 do art.º 19° do mesmo diploma.”

18. Nas faturas não aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira que se dão por reproduzidas consta o nº de identificação fiscal do particular ou empresas que as emitem, devidamente identificado, o valor do trabalho a que a mesma se reporta o Iva correspondente o valor total das faturas, a taxa aplicável de IVA e a entidade a quem a mesma se destina, a Impugnante e o descritivo, nomeadamente as seguintes faturas;

a. Trabalhos de reparação de estaleiros (14);

b. Trabalhos de cofragem noa vossa obra da EPUL na G…… durante o mês de Janeiro (244)

c. Trabalhos de construção civil executado no vosso estaleiro sito no F….. M….., arrumação e carregamento de materiais diversos de Janeiro a 26 de Fevereiro de 2001 (0033);

d. Diversos trabalhos de construção civil (58…);

e. Trabalhos de preparação de estaleiro, obra de A….. (01…);

f. Trabalhos de construção civil executados na vossa obra da Epul, sito na G…. . Execução de alvenarias, enchimento de betão (003…);

g. Trabalhos de construção civil, executados na vossa obra da Epul na G…., enchimento de Betão, aplicação de ferro e lages (06…)

h. Trabalhos de preparação de soleiras de A…… (02…);

i. Abertura de roços, assentamento de caixas eléctricas na vossa obra da Epul no mês de Abril, (79); j. Abertura de roços de assentamento de caixas, colocação de pedras nas janelas e caixas de estores (80);

k. Mão-de-obra de serventes e pedreiros, incluindo canalizações, serviços de camiões, serviço de retroescavadora, material aplicado (298);

l. Abertura de roços, tratamentos, assentamentos de caixas eléctricas execução de betonilhas, assentamentos de caixas de estores, assentamentos de pedras em janelas (155);

m. Trabalhos de construção civil executados na vossa obra das piscinas de A……. durante o mês de Julho de 2001 (0267);

n. Execução de alvenarias e assentamento em esgotos, ( 066);

o. Assentamentos de alvenarias, execução de reboco de salpicos e reboco assentamento de peitoris (067);

p. Assentamento de alvenaria de edifício das piscinas do A….. S….., (0006);

q. Trabalho efectuado no vosso estaleiro de F........ M........ no período de 26, do 10 a 25 de 11 de 2001, (131)

r. Fornecimento de ferragens para a cobertura da obra das quatro capelas de C….. Verde (pendente), (1030)


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Na decisão recorrida consta como motivação: “no tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal sustentou-se na prova documental junta aos autos.”

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A sentença recorrida consignou como factualidade não provada que: “não se provaram outros factos que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados.”

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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

s. Em março de 2001, foram emitidas em nome da sociedade “S.......-S........., SA”, as faturas que infra se enumeram, perfazendo o IVA o valor global de €4.025,11:

“Texto Integral com Imagem”

(cfr. faturas junta a fls. 126 e 127 do PA apenso);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra atos de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios, por erro sobre os pressupostos de direito.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre, desde logo, apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por ter decretado a anulação dos atos de liquidação impugnados, sem a concreta identificação dos mesmos, visto que a lide, após julgamento por parte do STA, ficou circunscrita aos atos de liquidação referentes ao período de março de 2001, no valor global de € 4.025,11.

Aquilatada a competente delimitação objetiva da presente lide, importa aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito quanto à interpretação dos requisitos formais das faturas contemplados no artigo 35.º do CIVA e nessa medida legitimou o direito à dedução do IVA suportado.

Apreciando.

A Recorrente defende, ab initio, que o STA julgou caducado o direito de ação relativamente às liquidações de IVA impugnadas, ressalvando apenas a possibilidade de discussão contenciosa do ato de liquidação n.º 05276... .

Pelo que, a decisão recorrida deveria ter balizado devidamente a matéria em discussão nos presentes autos, delimitando-a, expressamente, ao ato tributário de liquidação adicional de IVA n.º 5276…, relativa ao mês de março, do ano de 2001, no montante de €4.025,10, e não a anular “os atos impugnados” sem a devida identificação concreta e individualizada dos atos.

Apreciando.

Atentemos, então, na delimitação do objeto da impugnação judicial convocando, para o efeito, o teor da p.i. e bem assim o decidido pelo STA.

Analisando o preâmbulo da petição inicial, verifica-se que a impugnação judicial visava a discussão da legalidade inerente aos atos de liquidação com os números 51618…, 51618…, 52762…, 5169…, 51619…, 51619…, 51612…, 51613…, 51613…, 51613…, 51613… e 51613…, e respetivos juros compensatórios, respeitantes aos períodos de janeiro a dezembro de 2001, no valor global de €187.932,53.

Constata-se, porém, que o STA proferiu Acórdão datado de 29 de novembro de 2006, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“ [a] pretensão impugnatória da recorrente, relativa aos actos de liquidação cujo prazo de pagamento dos respectivos impostos terminou em 31 de Agosto de 2005 (documentos de cobrança 29 a 52), não podia ser apreciada pelo Tribunal a quo, por estar caducado o direito à impugnação.
Mas já esse obstáculo se não levantava no que concerne à sobrante liquidação, relativamente à qual o prazo para impugnar só mais tarde-28 de Fevereiro de 2006, se viria a esgotar.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo parcial provimento ao recurso, revogar a sentença, no segmento em que julgou caducado o direito à impugnação da liquidação nº 05276..., devendo o processo prosseguir para apreciação desta impugnação, se a tanto nada mais obstar.”

Face ao supra expendido, dimana inequívoco que após a prolação do aludido Aresto o processo de impugnação judicial ficou circunscrito à apreciação da legalidade do ato de liquidação de IVA, com o nº 05276... e respetivos juros compensatórios, visto que quanto aos demais foi decretada a caducidade do direito de ação.

E por assim ser, o Tribunal a quo apenas poderia ter decretado a anulação expressa do aludido ato de liquidação e respetivos juros, estando-lhe vedada a anulação dos demais atos de liquidação impugnados.

Feito este introito, vejamos o que resulta da decisão recorrida.

Compulsado o seu teor verifica-se que no Relatório da sentença são evidenciados todos os atos de liquidação de IVA, indicando o seu valor global de €187.932,53, na fundamentação de direito não existe expressa delimitação do objeto da lide, inexistindo, outrossim, uma particularização de quais as faturas concretamente visadas nos autos, sendo que, in fine, no dispositivo da decisão consta a menção “anulo os atos impugnados”.

Ora, atentando no supra expendido não se pode dizer que a decisão recorrida tenha incorrido em expressa violação do caso julgado formal. É certo que deveria, em ordem à melhor e mais adequada técnica jurídica ter feito expressa alusão ao Acórdão do STA e, nessa medida, delimitado o competente objeto da lide, porém não se retira que o Tribunal a quo, se tenha pronunciado sobre a legalidade dos demais atos de liquidação e tenha, errada e ilegalmente, anulado todos os atos de liquidação.

Entende-se, assim, que não obstante o Tribunal a quo não ter feita expressa alusão ao Acórdão do STA e às consequências dimanantes da sua prolação não se retira que exista qualquer violação do caso julgado formal, aquiescendo-se que a mesma não desrespeitou, de forma expressa, o âmbito objetivo da lide. Note-se, inclusive, que atentando nas alegações da Recorrente a própria assume que não resulta claro, ou seja, que não é absolutamente inequívoco.

De resto, a própria Recorrida nas suas alegações escritas apresentadas ao abrigo do artigo 120.º do CPPT reconhece, expressamente, o âmbito da lide delimitando-o, de forma expressa, ao ato de liquidação de IVA reportado ao mês de março de 2001, no valor de €4.025,10 e respetivos juros compensatórios.

E por assim ser improcede a questão prévia arguida pela Recorrente.

Aqui chegados, dimanando perentório que a lide de impugnação judicial se circunscrevia, como visto, à apreciação da legalidade do ato de liquidação de IVA nº 05276... e respetivos juros compensatórios, então, na presente lide recursiva cumpre, tão-só, aquilatar do erro de julgamento relativamente às faturas emitidas em março de 2001, melhor identificadas, na factualidade, ora, aditada, e que perfazem o valor global de €4.025,11.

Vejamos, então.

Ab initio, entende-se curial estabelecer um introito relativamente aos vícios a atender em termos de erro de julgamento. In casu, atentando no teor da p.i. verifica-se que a Recorrida convocou o vício formal da falta de fundamentação e o vício de violação de lei por errada interpretação dos pressupostos de direito, por alegada violação do ónus probatório e bem assim do princípio da neutralidade fiscal que deve nortear o IVA.

Constata-se, outrossim, que em sede de alegações finais arguiu a violação do princípio do inquisitório e bem assim do princípio do in dúbio contra fiscum.

Ora, atentando no teor da sentença verifica-se que a mesma analisou o vício formal da falta de fundamentação entendendo que o mesmo não se verifica, o qual se consolidou por não ter sido interposto recurso subordinado, nem tão-pouco, apresentadas contra-alegações. Relativamente à arguida violação do princípio do inquisitório e do in dubio contra fiscum, os mesmos não podem ser objeto de discussão na presente lide visto que apenas foram convocados em sede de alegações escritas.

Com efeito, é na petição inicial que o Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do ato de liquidação, regra que só conhece as exceções previstas nos normativos 264.º, 265.º e 588.º todos do CPC, aplicáveis por força do preceituado na alínea e), do artigo 2º do CPPT, pelo que não consubstanciando as mesmas questões de natureza superveniente, ou de conhecimento oficioso, a invocação de novos factos suscetíveis de integrar fundamento de impugnação em sede das alegações previstas no artigo 120.º do CPPT, envolvendo alteração da causa de pedir, não pode ser objeto de conhecimento, sob pena de violação do princípio da estabilidade da instância.

Feito este introito, importa, então, analisar se existe erro de julgamento de direito por errónea interpretação do artigo 35.º do CIVA, por alegada violação do ónus probatório e bem assim por preterição do princípio da neutralidade fiscal.

Alega a Recorrente que o ato impugnado referente ao período de março de 2001, tendo como referência o direito à dedução do artigo 19.º do CIVA e os requisitos exigidos pelo n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, mais precisamente com a alínea b) que prescreve: “A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas deverão ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução”, não cumpre as aludidas exigências formais.

Sustenta, para o efeito, que os documentos utilizados para a dedução, pela Recorrida não continham os elementos designados, facto que não só permitiu realizar a respetiva correção do imposto, como se tornou exigível, atentas as regras e os princípios pelos quais se deve reger a dedução no IVA, sendo consabido que os documentos de suporte emitidos, devem obediência aos requisitos legais, do artigo 19.º e 35.º do Código do IVA (CIVA).

Conclui, assim, que o ato tributário em causa deve ser mantido, por as verbas contidas nas faturas carecerem de falta de requisitos essenciais inviabilizando, assim, a sua dedutibilidade.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Na verdade, o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

O IVA apresenta uma matriz comunitária, importando, in casu, atentar no teor da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, atualmente revogada pela Diretiva 2006/112/CE, de 26 de novembro de 2006, mas vigente à data da prática do facto tributário.

O direito à dedução do IVA é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (vide neste sentido, designadamente, Acórdãos TJUE Mahagében e Dávid, C 80/11 e C 142/11; Bonik, C 285/11; e Petroma Transports C 271/12, e demais jurisprudência aí citada, todos disponíveis em http://curia.europa.eu).

Com efeito, o regime das deduções visa libertar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (para o efeito, atente-se, designadamente, nos Acórdãos Dankowski, C 438/09; Tóth, C 324/11; Petroma, C-271/12, Senatex, C 518/14, Paper Consult, C 101/16, e jurisprudência aí referida disponíveis em http://curia.europa.eu).

O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal (Paper Consult, C 101/16).

No concernente aos requisitos substantivos, para usar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo, na aceção da diretiva, e, por outro lado, que os bens ou serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo ( artigo 17.º, nº2, alínea a) da Sexta Diretiva a que corresponde o artigo 168.º da Diretiva IVA; vide neste sentido, Senatex, C 518/14, e jurisprudência aí citada, Paper Consult, C 101/16).

Por seu turno, quanto às modalidades de exercício do direito à dedução do IVA, donde aos requisitos ou condições de natureza formal, o artigo 18.º, nº1, alínea a) da Sexta Diretiva (a que corresponde o artigo 178.º, alínea a), da Diretiva IVA) previa que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida nos termos do n º 3 do artigo 22 º

Em termo de Direito Nacional, preceituava, à data, o artigo 35.º, nº5 do CIVA que:

“5 - As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas deverão ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados em b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.

6 - As guias ou notas de devolução deverão conter, além da data, os elementos a que se referem as alíneas a) e b) do número anterior, bem como a referência à fatura a que respeitam.

- Os documentos emitidos pelas operações assimiladas a transmissões de bens pelas alíneas f) e g) do nº 3 do artigo 3º e a prestações de serviços pelas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 4º devem mencionar apenas a data, natureza da operação, valor tributável, taxa de imposto aplicável e montante do mesmo.

8 - Poderá o Ministro das Finanças e do Plano, relativamente a sujeitos passivos que transmitam bens ou prestem serviços que, pela sua natureza, impeçam o cumprimento do prazo previsto no nº 1, determinar prazos mais dilatados de faturação.

9 - No caso de sujeitos passivos que não disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio no território nacional, que tenham nomeado representante nos termos do artigo 29.º, as faturas ou documentos equivalentes emitidos, além dos elementos previstos no n.º 5, devem conter ainda o nome ou denominação social e a sede, estabelecimento estável ou domicílio do representante, bem como o respetivo número de identificação fiscal.

10 - As faturas ou documentos equivalentes podem, sob reserva de aceitação pelo destinatário, ser emitidos por via eletrónica, desde que seja garantida a autenticidade da sua origem e a integridade do seu conteúdo, mediante assinatura eletrónica avançada ou intercâmbio eletrónico de dados.

11 - A elaboração de faturas ou documentos equivalentes por parte do adquirente dos bens ou dos serviços fica sujeita às seguintes condições:

a) A existência de um acordo prévio, na forma escrita, entre o sujeito passivo transmitente dos bens ou prestador dos serviços e o adquirente ou destinatário dos mesmos;

b) O adquirente provar que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços tomou conhecimento da emissão da fatura e aceitou o seu conteúdo.

12 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a elaboração de faturas ou documentos equivalentes pelos próprios adquirentes dos bens ou dos serviços ou por terceiros, que não disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em qualquer Estado membro, é sujeita a autorização prévia da Direcção-Geral dos Impostos, a qual poderá fixar condições específicas para a sua efectivação.

Neste particular, importa, outrossim, chamar à colação os mecanismos de dedução do IVA, os quais se encontram contemplados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Porém, também de acordo com o artigo 19.º do CIVA, desta feita no seu n.º 2, dimana que “2 - Só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.”

Contemplando, igualmente, o nº 6 do citado normativo que:”- Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as faturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º”

Chegados aqui e resumindo, da leitura destas normas retira-se que só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, e que se encontre formalmente suportado, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis.

De sublinhar, ainda, que em termos de Jurisprudência Comunitária e no concernente aos requisitos formais das faturas, o TJUE tem vindo a ser chamado, por diversas vezes, a pronunciar-se sobre a temática, destacando-se, designadamente, os Acórdãos proferidos nos processos números 123 e 330/87, de 14 de julho de 1988, C-110/98 de 21 de março de 2000, C-90/02, de 1 de abril de 2004, C-392/09, de 30 de setembro de 2010, 385/09, de 21 de outubro de 2010, C-438/09, de 22 de dezembro de 2010, C-280/10, de 1 de março de 2012, C-271/12, de 8 de maio de 2013, C-78/12, de 18 de julho de 2013 e C-516/14, de 15 de setembro de 2016.

Feitos estes considerandos de direito importa, assim, aferir se o Tribunal a quo incorreu, efetivamente, em erro de julgamento de direito.

Vejamos, então, fazendo a competente análise casuística.

Comecemos pela fatura nº 015, emitida por Adilson Silva, que apresenta a seguinte descrição de serviços: “Trabalhos de Preparação de Estaleiro-Obra-A……”, cujos serviços ascenderam a €1.211,58 e a IVA no montante de €205,97.

Ora, como visto, a alínea b) do artigo 35.º do CIVA, exige que na fatura conste “A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”, não se afigurando que preenche tal requisito a mera indicação de “Trabalhos de Preparação de Estaleiro”, visto que não indica de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa.

Note-se que “[a] finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA.(…)”.

Tendo o TJUE já se pronunciado que “[s]erviços prestados de «serviços jurídicos», (…) conceito abrange um vasto acervo de prestações de serviços e, nomeadamente, prestações que não assumem necessariamente um âmbito empresarial. Daqui resulta que a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» ou «serviços jurídicos prestados até ao presente» não parece indicar, de forma suficientemente detalhada, a natureza dos serviços em causa. Além disso, esta menção é tão genérica que não permite pôr em evidência a extensão dos serviços prestados(…)[1]."

Acresce, outrossim, que a aludida fatura também não evidencia a data em que os serviços foram prestados em conformidade com o consignado no citado artigo 35.º, nº5, alínea f), do CIVA, o que se afigura fundamental para efeitos de legitimidade de dedução do IVA suportado.

Mais uma vez convocando o citado Aresto: “[o] artigo 226.°, n.° 7, da Diretiva 2006/112 exige que a fatura contenha a data em que foi efetuada, ou concluída, a prestação de serviços.

30 Esta exigência também deve ser interpretada à luz da finalidade prosseguida pela imposição de menções obrigatórias na fatura, conforme previstas no artigo 226.° da Diretiva 2006/112, que é, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. Para este efeito, a data da prestação dos serviços objeto da referida fatura permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto e, portanto, determinar as disposições fiscais que devem, de um ponto de vista temporal, aplicar-se à operação a que respeita o documento.

(…) há que considerar que uma fatura que contenha apenas a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente», sem especificar uma data de início do período de faturação, não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.°7, da Diretiva 2006/112.” (destaque e sublinhado nosso).

Resulta, assim, que do teor da aludida fatura não se descortinam que serviços foram, efetivamente, prestados e a data em que os mesmos foram prestados.

Atentemos, ora, na fatura nº 58..., emitida pela sociedade “F…….., Lda”, cujo descritivo é o seguinte:“Diversos trabalhos de construção civil”, e cujo IVA liquidado ascendia a €158,03.

Ora, transpondo os considerandos de direito supra expendidos, entende-se, efetivamente, que a menção “diversos trabalhos de construção civil”, é uma menção demasiado ampla não permitindo determinar a extensão dos serviços prestados.

Os requisitos legais das facturas têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre que exacto serviço foi prestado, quando, onde, em que quantidade, e a quem, também para aferir do cumprimento do contrato de prestação de serviços, por serem as mesmas susceptíveis de gerar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, não podendo haver duplicação de deduções de IVA[2].”

Quanto à data da prestação de serviços mais uma vez a fatura é completamente omissa, inexistindo qualquer menção à data em que os serviços de construção civil foram prestados, desconhecendo-se, desde logo, se os serviços deram origem a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos.

Analisemos, ora, a fatura nº 003…, emitida, em 15 de março de 2001, pela sociedade “A U……., Lda”, cujo descritivo “Trabalhos de construção civil, executados no vosso estaleiro sito no F.....- M....... Arrumação e Carregamento de materiais diversos de 26 de janeiro a 25 de fevereiro de 2001”.

Relativamente à aludida fatura, a mesma contempla per se, dois tipos de serviços, trabalhos de construção civil e serviços de arrumação e carregamento de materiais. Relativamente aos trabalhos de construção civil, mais uma vez não é realizada qualquer individualização, descrição, e consubstanciação a que tipo de serviços de construção civil se reportam, inexistindo a evidência da data em que os mesmos foram realizados. No concernente aos serviços de “arrumação e carregamento de diversos materiais” a aludida expressão, desacompanhada de qualquer elemento documental adicional, é insuficiente para o cumprimento dos desideratos formais contemplados na lei. É certo que é efetuada uma delimitação temporal dos mesmos, porém, como visto, os mesmos não indicam de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços.

Conforme doutrinado no Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00312/07.2BEPNF, “[r]eportando-se as faturas a Remoções, Decorações Picheleiro, Eletricista. Decoração de construção civil, Carpintaria, Tetos Falsos e Vidraceiro, não é possível saber se se trata de prestações de serviços de mão-de-obra dessas especialidade e nesse caso as quantidades (dias de trabalho, preço/hora/dia, etc) ou se trata de empreitada com mão de obra e ainda com a colocação de materiais, o que tem necessariamente reflexos nas taxas do IVA.”

Acresce, outrossim, que fazendo alusão expressa a dois tipos de prestações de serviços, seria imperioso que os mesmos estivessem perfeitamente individualizados, mormente, para se poder aquilatar da expressão proporcional do valor global da fatura e do correspondente IVA liquidado.

Subsiste apenas por analisar a fatura nº 0038, emitida pela “A U……., Lda”, em 28 de março de 2001, a qual apresenta a seguinte designação: “Trabalhos de construção civil executados na vossa obra da EPUL sita na G…..: Execução de Alvenarias, Enchimento de elementos de Betão”.

Atentando no aludido descritivo mais uma vez se faz alusão genérica a trabalhos de construção civil sendo os mesmos ulteriormente densificados como Execução de Alvenarias e enchimento de elementos de betão, porém, face a todo o exposto, não se afigura suficientemente densificado para efeitos de preenchimento da extensão dos serviços prestados, ainda que seja feita expressa menção à obra a que respeitam, ou seja, obra da EPUL, e ao local da sua prestação, especificamente, na . De todo o modo, sempre se dirá que, mais uma vez, inexiste qualquer alusão à data em que as prestações de serviços foram realizadas, o que, como visto, se afigura fundamental à luz do citado artigo 35.º, nº5, alínea f), do CIVA e bem assim da Sexta Diretiva.

Face ao supra aludido, assiste razão à Recorrente quando propugna que do teor das aludidas faturas não se retira uma suficiente identificação dos serviços prestados e bem assim da data em que os mesmos foram, efetivamente, realizados, não permitindo, assim, efetuar o cabal controlo do apuramento do imposto, sendo que, como visto, tais elementos se afiguram essenciais para efeitos da possibilidade de dedução do IVA suportado.

Com efeito, aquiesce-se que os elementos delas constantes são insuficientes para permitir uma fiscalização da exata cobrança do imposto, sendo que o cumprimento do disposto no citado artigo 35.º, nº5 do CIVA, mormente, das visadas alíneas b) e f), apenas seriam asseguradas com as descrições supra aludidas e em falta.

In fine, importa relevar que inexiste qualquer violação do ónus probatório, tendo a Administração Tributária pautado a sua atuação pelos ditames e princípios norteadores do procedimento tributário (artigo 55.º da LGT). Com efeito, competia à Recorrida demonstrar que se encontravam reunidos os pressupostos constantes na lei, visto que, in casu, a Administração Tributária cumpriu o ónus probatório a que se encontrava investida. Conforme doutrinado no Acórdão Evita-K, proferido no processo C-78-12, de 18 de julho de 2013, convocando anterior jurisprudência que reputa aplicável que é “[a] quem solicita a dedução do IVA que cabe provar que preenche as condições para dela beneficiar (v. acórdão de 26 de setembro de 1996, Enkler, C230/94, Colet., p. I4517, n.°24)”

Quanto à concreta violação do princípio da neutralidade fiscal face a todo o supra expendido, não se vislumbra qualquer preterição do aludido princípio. Note-se que o princípio fundamental da neutralidade fiscal exige, desde logo, que a Administração Fiscal disponha “(…) de dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos”, o que, in casu, face a todo o exposto não sucede. Ademais, in casu, inexistem quaisquer elementos específicos e complementares concatenados com as aludidas faturas, não tendo, inclusive, a Recorrida apresentado contra-alegações [3].

Com efeito, a fatura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transacionados ou prestados. Conforme evidencia Miguel Durham Agrellos & Paulo Pichel [4]“a fatura é uma espécie de “cheque” sobre o Estado”, esclarecendo, ulteriormente, que:“o direito à dedução enquanto trave mestra da mecânica deste imposto, está fundamentalmente assente numa ideia de “título de crédito”, isto é, o documento necessário para constituir, exercer e transferir o direito literal e autónomo nele incorporado”.

E por assim ser, conclui-se que as faturas supra analisadas não preenchem os requisitos contemplados no citado normativo, não permitindo, assim, a dedução do IVA suportado, devendo assim manter-se o ato de liquidação. Do mesmo modo, atenta a ligação intrínseca entre a liquidação de imposto e a de juros compensatórios, existindo retardamento do imposto e nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sem qualquer causa de exclusão da culpa, mormente, a alegada divergência de interpretação, verificam-se, assim, os pressupostos objetivos e subjetivos para a corresponde liquidação.

Face a todo o exposto, e sem necessidade de outras considerações, a decisão recorrida que decretou a anulação dos impugnados tem de ser revogada.


***


IV- Decisão

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul, em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, em consequência, julgar improcedente a impugnação judicial, com a consequente manutenção do ato de liquidação nº 52762... e respetivos juros compensatórios, com as demais consequências legais.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 28 de novembro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário rebelo)

(Anabela Russo)


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[1] Neste particular, atente-se na doutrina expendida pelo TJUE no processo C-516/14, Barlis, já citado.
[2] Ac. do STA, proferido no processo nº 00141/16, de 04 de outubro de 2017.
[3] Vide, neste sentido, acórdãos de 21 de Outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de Março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de Julho de 2015, Salomie e Oltean, C183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida)
[4] “Jurisprudência do TJUE sobre exigência de forma das faturas e direito à dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, pp.191 e 192.