Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10421/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:11/07/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL, TRIBUNAL TERRITORIALMENTE COMPETENTE PARA A EXECUÇÃO
Sumário:I. O Título IX do CPTA, epigrafado “Tribunal arbitral e centros de arbitragem”, sob o artº 180º e segs., nada refere sobre a execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Arbitrais.
II. No Título VIII, “Do processo executivo”, no artº 157º, nºs 1 e 2 do CPTA, o legislador procedeu a uma distinção do regime processual, consoante esteja em causa uma execução de sentença proferida pelos Tribunais Administrativos, contra entidades públicas ou contra particulares, assentando em ambos os casos no pressuposto de a sentença ter sido proferida “pelos tribunais administrativos” e também no artº 3º, nº 3 do CPTA, se prevê que os Tribunais Administrativos “asseguram ainda a execução das suas sentenças”, o que não se verifica no presente caso, por a sentença que constitui título executivo ter sido proferida por um Tribunal Arbitral.
III. Significa isto que o CPTA não regula ou não regula de forma expressa, a matéria referente à execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Arbitrais.
IV. Estabelecem os artºs 26º, nº 2 e 30º da LAV, aprovada pela Lei nº 31/86, de 29/08, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 38/2003, de 08/03, aqui aplicável, que “a decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1ª instância” e que “a execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1ª instância, nos termos da lei de processo civil”, pelo que, sempre se reconhece a competência dos Tribunais Administrativos para conhecer e julgar os processos de execução de sentenças arbitrais, cujos litígios se inscrevam na esfera da jurisdição dos tribunais administrativos.
V. Considerando que a LAV, que determina a aplicação da lei processual civil, é totalmente omissa em relação aos Tribunais Administrativos, pelo que, consequentemente, não foi considerado, quer a sua competência, quer o seu respectivo regime de processo, sendo inequívoco que são os tribunais materialmente competentes para conhecer dos processos cujos litígios se circunscrevam na sua esfera de competência, deve proceder-se a uma interpretação, com as devidas adaptações, do disposto do seu artº 30º, de modo a considerar que onde se lê “nos termos da lei de processo civil”, se queira dizer “nos termos da lei de processo aplicável”.
VI. Essa é também a solução que resulta da nova LAV.
VII. À presente execução de sentença, enquanto processo judicial, instaurado num tribunal estatal, aplicam-se as normas que regulam essa respectiva forma processual, in casu, o regime da execução de sentença contra entidade pública (artº 157º, nº 1 do CPTA), para pagamento de quantia certa (artº 170º e segs.).
VIII. Não prevendo o legislador do CPTA, para a execução para pagamento de quantia certa, norma equivalente ao disposto nos nºs 1 e 2 do artº 164º do CPTA, para a execução para prestação de factos ou de coisas e ao disposto nos nºs 1 e 2 do artº 176º, para a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, os quais estabelecem que a petição de execução deve ser apresentada no “tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição” e que “a petição de execução, (…) é autuada por apenso aos autos em que foi proferida” a decisão exequenda ou a sentença de anulação, consoante o caso, deve aplicar-se, por analogia, o estabelecido nos nºs 1 e 2 do artº 164º do CPTA.
IX. Em consequência, vigora nos Tribunais Administrativos a regra de que a execução de decisão arbitral é apresentada no tribunal do lugar em que foi proferida a decisão em primeiro grau de jurisdição.
X. Sendo Lisboa o lugar da arbitragem e tendo a decisão arbitral sido depositada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, é este o tribunal territorialmente competente para a respectiva execução.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

... – Construções ... & ... , SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 04/03/2013, que no âmbito do processo de execução, para pagamento de quantia certa, instaurado contra o Estado portuguêsMinistério da Agricultura e Pescas, julgou procedente a excepção de incompetência territorial do Tribunal, julgando competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Formula a aqui Recorrente, nas respectivas alegações (cfr. fls. 861 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

a) A competência territorial para execução de uma sentença judicial de um tribunal administrativo que condena a Administração no pagamento de uma quantia certa não é determinada pelo disposto no art. 16º do CPTA, mas sim pelo disposto no respectivo nº 2 do artº 164º, aplicável por analogia ao disposto no nº 2 do art. 170º do CPTA.

Consequentemente,

b) O “tribunal competente” a que se refere o nº 2 do artº 170º é o tribunal que proferiu a decisão exequenda devendo a petição de execução ser autuada por apenso aos autos em que foi proferida a decisão exequenda (nº 2 do artº 164º do CPTA).

c) Idêntico regime é fixado pelo nº 1 do artº 90º do Código de processo Civil, para a determinação da competência territorial para a execução de sentenças cíveis.

d) Estas disposições legais definem, assim, em matéria de competência territorial, o princípio de que é territorialmente competente para accionar a execução de uma sentença judicial, tribunal que a tenha proferido, devendo a execução ser autuada, por apenso, aos autos em que foi proferida a sentença exequenda.

e) As sentenças arbitrais, conforme disposto no nº 2 do artº 47º do CPC, são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns, determinando o nº 2 do respectivo artº 90º que, para a execução de uma decisão arbitral que tenha sido proferida em arbitragem que tenha tido lugar em território português, é competente para a respectiva execução o Tribunal da comarca do lugar de arbitragem.

f) O CPTA prevê a constituição de tribunais arbitrais para o julgamento, entre outras, de questões respeitantes a contratos, incluindo a apreciação de actos administrativos relativos à respectiva execução (artº 180º nº 1 a)) e considera aplicável à respectiva competência e funcionamento a “lei sobre arbitragem voluntária”, “com as devias adaptações” (art. 181º nº 1).

g) Esta lei (LAV) era, à data da decisão arbitral exequenda, a Lei 31/86 de 29 de agosto (artº 4º da lei 63/2011 de 14 de Dezembro – NLAV).

h) Conforme disposto no artº 30º da LAV, a execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1ª instância, nos termos da lei de processo civil.

i) E pelo seu artº 36º, a LAV, aplicável, nos termos do disposto no nº 1 do artº 181º do CPTA, às decisões arbitrais referentes a um contrato administrativo de empreitada de obra pública, como é a exequenda, alterou o nº 2 do artº 90º do CPC – acima citado – atribuindo competência territorial para a execução das sentenças arbitrais ao tribunal da comarca do lugar da arbitragem.

j) Todavia, o nº 1 do artº 181º do CPTA ao considerar aplicável a LAV às arbitragens, referentes, nomeadamente, a litígios emergentes de questões respeitantes a contratos administrativos de empreitadas de obra pública (al. a) do nº 1 do artº 180º do CPC) determina, expressa e inequivocamente, que essa aplicação terá de ser efectuada “com as devidas adaptações”.

k) Pelo que onde a LAV (artº 30º e 36º) determina que a execução da decisão arbitral corre no Tribunal Judicial de 1ª Instância, nos termos da lei do processo civil e o artº 36º, dá uma nova redacção ao nº 2 do artº 90º segundo a qual é atribuída a competência territorial para a execução de uma decisão arbitral proferida por árbitros numa arbitragem, efectuada em Portugal, é territorialmente competente, o tribunal de comarca do lugar da arbitragem, dever-se-á, nos termos do disposto no nº 1 do citado artº 181º do CPTA, ler-se que a competência territorial para a execução de decisões arbitrais sobre questões respeitantes, nomeadamente, a um contrato de empreitada de obra pública (al. a) nº 1 do artº 186º do CPTA) é do Tribunal Administrativo de Círculo em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem.

l) A igual conclusão se chegará, admitindo a existência de uma lacuna no regime jurídico administrativo de execução de decisões arbitrais, em questões respeitantes a um contrato de empreitada de obra pública, porque para a integrar se deverá recorrer à analogia com o regime do disposto no nº 2 do artº 90º do CPC, dada a inexistência, de qualquer razão impeditiva da sua aplicação, no âmbito do CPTA, à determinação da competência territorial dos tribunais administrativos de círculo para a execução de sentença arbitral de uma arbitragem que tenha tido lugar na área da respectiva circunscrição.

m) Este entendimento é, aliás, expressamente validado pelo posteriormente disposto nos nºs 2, 4 e 9 do artº 59º da Lei 63/2011 de 14 de Dezembro (Nova Lei da Arbitragem – NLAV).

n) No caso concreto e porque a sentença arbitral exequenda foi proferida por um tribunal arbitral “ad hoc” que escolheu como sede a cidade de Lisboa (Docs. nºs 1 e 2) o tribunal administrativo territorialmente competente para a respectiva execução é o TAC de Lisboa e não o TAF de Sintra.

o) Sendo, aliás, no TAC de Lisboa que, em cumprimento do disposto no nº 2 do artº 24º da citada LAV foi depositado o original da decisão arbitral, ora exequenda (Doc. nº 3).

Pelo que,

p) A Mma. Juíza, “a quo”, ao declarar a incompetência territorial do TAC de Lisboa, para a execução da sentença arbitral exequenda e imputar essa competência territorial ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra:

1. Fez uma errada aplicação, no caso concreto, do disposto no artº 16º do CPTA.

2. Violou entre outras, as seguintes disposições legais:

- CPTA: nº 1 do artº 157º, nº 2 do artº 164º, conjugados com o disposto no nº 2 do artº 170º, al. a) do nº 1 do artº 180º e nº 1 do artº 181º.

- Lei 31/86 de 29 de Agosto (LAV): artº 30º e artº 36º.

- CP Civil: nº 2 do artº 48º e nº 2 do artº 90º.

- Código Civil: artº 9º e 10º.”.

Pede que o recurso seja julgado procedente e revogada a sentença recorrida.


*

O ora recorrido, Estado português, notificado, apresentou contra-alegações, tendo assim concluído (cfr. fls. 934 e segs.):

1. A competência territorial para execução de uma sentença judicial de um tribunal administrativo que condena a Administração no pagamento de uma quantia é determinada pelo disposto no art. 16º do CPTA, e não pelo disposto no respectivo nº 2 do art. 164º, aplicável por analogia ao disposto no nº 2 do art. 170º do CPTA.

2. O art. 30º, da Lei 31/86, de 29/8, em vigor à data da decisão arbitral exequenda, que dispõe “A execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1ª instância, nos termos da lei de processo civil.”.

3. Esta norma, e conforme decorre do art. 181º nº 2, parte final, do CPTA, tem de ser aplicada com as devidas adaptações, ou seja, onde se lê “nos termos da lei de processo civil”, deve ler-se “nos termos da lei de processo aplicável” (conforme, aliás, já prescreve o nº 9 do art. 59º, da nova Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14.12, actualmente em vigor desde 15.3.2012.

4. Daqui resulta, que as execuções das decisões proferidas por tribunais arbitrais constituídos no âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos correm, pois, perante os tribunais administrativos, segundo as regras que disciplinam o processo executivo no contencioso administrativo.

5. Para a determinação do tribunal territorialmente para conhecer de uma execução de sentença arbitral, é aplicável a regra geral contida no art. 16º, do CPTA, uma vez que esta norma legal insere-se no Capítulo III, o qual por sua vez se integra no Título I, do VPTA, título este que contém normas aplicáveis a todas as formas processuais, incluindo os processos executivos.

6. No regime regra para todas as acções e execuções estabelecido no art. 16º do CPTA, o factor de conexão com a circunscrição territorial é o fórum actoris, a residência habitual ou a sede do autor ou da maioria dos autores.

7. Tendo a Recorrente/exequente a sua sede no concelho de Aflfargide – Amadora, por força do disposto no art. 16º CPTA, e atento o prescrito no art. 3º, nºs 1 e 2, do DL 325/2003, de 29/12, e respectivo mapa anexo, andou bem o tribunal a quo ao decidir que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa era territorialmente incompetente, e de acordo com tal mapa, considerou competente para conhecer desta execução, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ordenado a remessa àquele nos termos do art. 14º do CPTA.

8. Deste modo, a decisão recorrida ao considerar procedente a excepção incompetência territorial deste TAC de Lisboa e ao ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra nos termos dos artigos 16º, 181º e 14º do CPTA, fez a correcta aplicação daquelas disposições legais.”.

Pede que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão sob recurso.


*

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

A questão suscitada resume-se em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, quanto à decisão de procedência da excepção de incompetência territorial do Tribunal Administrativo de Lisboa, onde foi apresentada a presente execução de decisão arbitral, por violação do artº 16º do CPTA, dos artºs 157º, nº 2, 164º, nº 2, conjugados com os artºs. 170º, nº 2, 180º, nº 1, al. a) e 181º, nº 1, do CPTA, dos artºs 30º e 36º da LAV, aprovada pela Lei 31/86, de 29 de Agosto, dos artºs 48º, nº 2 e 90º, nº 2 do CPC e dos artºs 9º e 10º do CC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo não fixou quaisquer factos.


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Com relevância para a decisão a proferir, dão-se por assentes os seguintes factos:
A) A Exequente veio, em 23/03/2011, instaurar no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente execução para pagamento de quantia certa, contra o Estado português – Ministério da Agricultura e Pescas – cfr. fls. 3 e segs. dos autos;
B) A presente execução funda-se na decisão arbitral, proferida pelo Tribunal Arbitral, em 17/08/2010, que dirimiu o litígio relativo a um contrato administrativo de empreitada de obra pública e que condenou o Estado português ao pagamento de uma quantia certa – cfr. doc. 1, de fls. 819 e segs.;
C) A arbitragem teve lugar em Lisboa – docs. 1, 2 e 3, a fls. 819 e segs.;
D) O original da decisão foi depositado no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 21/03/2011 – doc. 3, a fls. 929;
E) A Exequente tem a sua sede em Alfragide, Amadora – Acordo.

DO DIREITO

Nos presentes autos de execução de sentença constitui questão controvertida a de saber qual o Tribunal Administrativo territorialmente competente para conhecer e decidir a presente execução de decisão arbitral, pois, para tanto, discorda a Recorrente da decisão recorrida, que julgou territorialmente incompetente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, julgando competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Considerando a factualidade relevante que foi fixada por este Tribunal ad quem extrai-se que a preceder a presente execução foi proferido acórdão arbitral por um Tribunal Arbitral “ad hoc”, constituído para o efeito, que dirimiu um litígio relativo a um contrato de empreitada de obra pública.

Esse Tribunal funcionou em Lisboa, sendo esse o lugar da arbitragem, tendo o original da decisão sido depositado no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Mais se apurou que a Exequente tem a sua sede na Amadora, o que motivou a decisão recorrida, que julgou procedente a excepção de incompetência territorial do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, julgando competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Tendo presente esta factualidade, vejamos o quadro legal aplicável.

A presente execução para pagamento de quantia certa, instaurada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, tem como título executivo um acórdão arbitral.

O Título IX do CPTA, epigrafado “Tribunal arbitral e centros de arbitragem”, sob artigos 180º e segs., nada refere sobre a execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Arbitrais.

No Título VIII, “Do processo executivo”, nos nºs 1 e 2 do artº 157º do CPTA, o legislador procedeu a uma distinção do regime processual, consoante esteja em causa uma execução de sentença proferida pelos Tribunais Administrativos contra entidades públicas ou contra particulares, assentando quer uma, quer outra norma legal no pressuposto de a sentença ter sido proferida “pelos tribunais administrativos”.

Tal não se verifica no presente caso, já que a decisão que constitui título executivo foi proferida por Tribunal Arbitral.

Significa isto que o CPTA não regula ou, pelo menos, não regula de forma expressa, a matéria referente à execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Arbitrais, por no Título IX apenas regular as matérias que podem ser submetidas a tribunal arbitral, a sua constituição e funcionamento, as regras relativas à outorga do compromisso arbitral e os centros de arbitragem, assim como, à data da decisão arbitral ora impugnada, os termos da impugnação da decisão arbitral juntos dos Tribunais Administrativos, visto que o preceito do artº 186º do CPTA só foi revogado posteriormente, pelo artº 5º, nº 2 da Lei nº 63/2011, de 14/12, que aprova a nova Lei de Arbitragem Voluntária.

O Título VIII, “Do processo executivo” também não prevê a execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Arbitrais, por se referir sempre às sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos.

De resto, também o disposto no nº 3 do artº 3º do CPTA prevê que os Tribunais Administrativos “asseguram ainda a execução das suas sentenças”.

Porém, estabelecem os artºs 26º, nº 2 e 30º, da LAV, aprovada pela Lei nº 31/86, de 29/08, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 38/2003, de 08/03, que “a decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1ª instância” e que “a execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1ª instância, nos termos da lei de processo civil”, pelo que, sempre se reconhece a competência dos Tribunais Administrativos para conhecer e julgar os processos de execução de sentenças arbitrais, cujos litígios se inscrevam na sua esfera da jurisdição.

Tendo a presente execução dado entrada em juízo em 23/03/2011 [cfr. alínea A) dos factos assentes], não vigorava ainda na ordem jurídica a nova LAV, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14/12, cuja entrada em vigor ocorreu três meses após a sua publicação (cfr. artº 6º), pelo que, tem aplicação à presente execução de sentença arbitral o regime da LAV, aprovado pela Lei nº 31/86, de 29/08.

Considerando o disposto no artº 30º da LAV, a presente execução da decisão arbitral “corre no tribunal de 1ª instância, nos termos da lei de processo civil”.

Com interesse, regula a nova LAV, no Capítulo XI, sob o artº 59º, a competência dos tribunais estaduais, prevendo já, de forma expressa, quer os tribunais judiciais e o Tribunal da Relação, quer os tribunais administrativos e o Tribunal Central Administrativo.

Explanado o quadro legal aplicável, é necessário interpretá-lo, de forma a extrair dele a solução jurídica do caso concreto, que reflicta aquela que foi a opção legislativa.

Confrontando a opção do novo regime da LAV, é possível extrair que o legislador previu um regime para a impugnação da decisão arbitral e outro para a execução da decisão arbitral.

Senão vejamos.

Para a impugnação, estabelece o artº 59º da nova LAV, a competência do tribunal do lugar da arbitragem para conhecer e decidir os litígios previstos nas alíneas a) a g), do seu nº 1.

Apenas atribui competência ao tribunal do domicílio da pessoa contra quem se pretenda fazer valer a sentença, no caso a que se refere a alínea h), do nº 1, que consiste no reconhecimento de sentença arbitral proferida em arbitragem localizada no estrangeiro, o que se compreende, atento o facto de a sentença arbitral ter sido proferida em local diferente do território nacional.

Tal regime vale, de resto, para os litígios compreendidos na esfera da jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos do nº 2, do artº 59º, da LAV.

Para além disso, estabelece o nº 4, do artº 59º, da citada LAV que para quaisquer questões ou matérias não abrangidas nos números anteriores, relativamente às quais a presente lei confira competência a um tribunal estadual, “são competentes o tribunal judicial de 1.ª instância ou o tribunal administrativo de círculo em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem, consoante se trate, respectivamente, de litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais ou na dos tribunais administrativos” (sublinhado nosso).

Em especial, sobre a competência para a execução da sentença arbitral proferida em Portugal, prevê o nº 9, do artº 59º, da nova LAV, que a mesma “corre no tribunal estadual de 1.ª instância competente, nos termos da lei de processo aplicável”.

Em sede de execução da decisão arbitral o legislador da nova LAV regulou o regime da competência mediante remissão para os “termos da lei de processo aplicável”.

Ora, considerando que o artº 30º da LAV aplicável, aprovada pela Lei nº 31/86, de 29/08, definiu que a “a execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1ª instância, nos termos da lei de processo civil” e que os tribunais administrativos, por nenhuma vez, foram mencionados nessa lei, pelo que, consequentemente, não foi considerado, quer a sua competência, quer o seu respectivo regime de processo, sendo inequívoco que são os tribunais materialmente competentes para conhecer dos processos cujos litígios se circunscrevam na sua esfera de competência, deve proceder-se a uma interpretação desse preceito legal, com as devidas adaptações, de modo a considerar que onde se lê “nos termos da lei de processo civil”, se queira dizer “nos termos da lei de processo aplicável”.

Por outras palavras, deve o disposto no artº 30º da LAV aplicável ser interpretado com as devidas adaptações, visto a lei ser totalmente omissa em relação aos Tribunais Administrativos.

Essa é também a solução que resulta da nova LAV.

Assim, à presente execução de sentença, enquanto processo judicial, instaurado num tribunal estatal, aplicam-se as normas que regulam essa respectiva forma processual, nos termos da lei processual administrativa, in casu, uma execução de sentença proferida contra entidade pública, regulada nos termos do Título VIII, do CPTA, “Do Processo Executivo”, cujo regime aplicável é o da execução para pagamento de quantia certa – cfr. artºs. 157º, nº 1 e 170º e segs. do CPTA.

Tem, por isso, aplicação à presente execução para pagamento de quantia certa, o regime estabelecido no disposto no nº 1 do artº 157º e no artº 170º e segs. do CPTA.

Contudo, ao contrário do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 164º do CPTA, para a execução para prestação de factos ou de coisas e do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 176º, para a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, os quais estabelecem que a petição de execução deve ser apresentada no “tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição” e que “a petição de execução, (…) é autuada por apenso aos autos em que foi proferida” a decisão exequenda ou a sentença de anulação, consoante o caso, nada previu o legislador no que respeita à forma de execução para pagamento de quantia certa.

Do mesmo modo, nas disposições gerais do Capítulo I, do Título VIII, do CPTA, nos artºs 157º e segs., não se encontra qualquer disposição que regule a matéria.

Significa isto que o legislador do CPTA regulou de forma expressa para as demais formas de execução, que não a de pagamento de quantia certa, que a petição de execução é apresentada no “tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição” e que “a petição de execução, (…) é autuada por apenso aos autos em que foi proferida” a decisão exequenda ou a sentença de anulação.

Remetendo para a doutrina, em anotação ao artº 170º do CPTA, extrai-se o seguinte:

É no nº 2 deste artigo que o CPTA começa a regular o novo processo de execução para pagamento de quantia certa, que se desencadeia mediante a apresentação, perante o tribunal, da petição de execução.

O nº 2 é a única disposição sobre a petição de execução para pagamento de quantia certa. O Código disciplina, portanto, esta petição, em termos bastantes mais sintéticos do que aqueles que, no artigo 164º, regula a petição de execução para prestação de factos ou de coisas. Afigura-se, no entanto, que nada justifica que os aspectos essenciais do regime do artigo 164º, não sejam também aplicados neste domínio, uma vez que existem vários pontos omissos e a analogia é evidente.

(…)

Ainda por aplicação analógica do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 164º, a execução deverá ser requerida ao tribunal que tenha proferido a sentença exequenda em primeiro grau de jurisdição, sendo a petição de execução autuada por apenso aos autos em que foi proferida aquela sentença. Quando não esteja em causa a execução de uma sentença (…), parecem dever ser subsidiariamente aplicadas as regras gerais de competência em matéria de execuções do artigo 94º do CPC.” – vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto ... Cadilha, inComentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, págs. 846-847.

Em face de todo o exposto, à luz do nº 1 do artº 9º, do CC, que prescreve que a interpretação não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, deve expender-se a interpretação de ser aplicável à presente execução de decisão arbitral, o regime previsto na lei processual administrativa e, de entre o mais, por recurso à analogia, nos termos do artº 10º do CC, o regime previsto nos nºs 1 e 2 do artº 164º do CPTA, que vigora para a execução para prestação de factos ou de coisas, relativo ao local onde a petição de execução é apresentada.

Estabelecendo o regime de execução previsto e regulado na lei processual administrativa que a execução deva ser apresentada no tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição e que a petição de execução é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a decisão exequenda, tratando-se no presente caso de uma execução de decisão arbitral, proferida por um Tribunal Arbitral ad hoc, que escolheu Lisboa como lugar da arbitragem e cuja decisão foi depositada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa o territorialmente competente para conhecer e decidir a execução e não como decidido na decisão recorrida, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Em consequência, vigora nos Tribunais Administrativos a regra de que a execução de decisão arbitral é apresentada no tribunal do lugar em que foi proferida a decisão em primeiro grau de jurisdição.

Assim, sendo Lisboa o lugar da arbitragem e tendo a decisão arbitral sido depositada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, é este o tribunal territorialmente competente para a respectiva execução.

Em consequência, incorre em erro de julgamento de Direito a decisão recorrida que decidiu de modo inverso, em violação dos preceitos legais aplicáveis.


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Em suma, pelo exposto, será de conceder provimento ao presente recurso, por a decisão recorrida incorrer em erro de julgamento de Direito, o que acarreta a sua revogação, declarando-se competente para a presente execução o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O Título IX do CPTA, epigrafado “Tribunal arbitral e centros de arbitragem”, sob o artº 180º e segs., nada refere sobre a execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Arbitrais.

II. No Título VIII, “Do processo executivo”, no artº 157º, nºs 1 e 2 do CPTA, o legislador procedeu a uma distinção do regime processual, consoante esteja em causa uma execução de sentença proferida pelos Tribunais Administrativos, contra entidades públicas ou contra particulares, assentando em ambos os casos no pressuposto de a sentença ter sido proferida “pelos tribunais administrativos” e também no artº 3º, nº 3 do CPTA, se prevê que os Tribunais Administrativos “asseguram ainda a execução das suas sentenças”, o que não se verifica no presente caso, por a sentença que constitui título executivo ter sido proferida por um Tribunal Arbitral.

III. Significa isto que o CPTA não regula ou não regula de forma expressa, a matéria referente à execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Arbitrais.

IV. Estabelecem os artºs 26º, nº 2 e 30º da LAV, aprovada pela Lei nº 31/86, de 29/08, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 38/2003, de 08/03, aqui aplicável, que “a decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1ª instância” e que “a execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1ª instância, nos termos da lei de processo civil”, pelo que, sempre se reconhece a competência dos Tribunais Administrativos para conhecer e julgar os processos de execução de sentenças arbitrais, cujos litígios se inscrevam na esfera da jurisdição dos tribunais administrativos.

V. Considerando que a LAV, que determina a aplicação da lei processual civil, é totalmente omissa em relação aos Tribunais Administrativos, pelo que, consequentemente, não foi considerado, quer a sua competência, quer o seu respectivo regime de processo, sendo inequívoco que são os tribunais materialmente competentes para conhecer dos processos cujos litígios se circunscrevam na sua esfera de competência, deve proceder-se a uma interpretação, com as devidas adaptações, do disposto do seu artº 30º, de modo a considerar que onde se lê “nos termos da lei de processo civil”, se queira dizer “nos termos da lei de processo aplicável”.

VI. Essa é também a solução que resulta da nova LAV.

VII. À presente execução de sentença, enquanto processo judicial, instaurado num tribunal estatal, aplicam-se as normas que regulam essa respectiva forma processual, in casu, o regime da execução de sentença contra entidade pública (artº 157º, nº 1 do CPTA), para pagamento de quantia certa (artº 170º e segs.).

VIII. Não prevendo o legislador do CPTA, para a execução para pagamento de quantia certa, norma equivalente ao disposto nos nºs 1 e 2 do artº 164º do CPTA, para a execução para prestação de factos ou de coisas e ao disposto nos nºs 1 e 2 do artº 176º, para a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, os quais estabelecem que a petição de execução deve ser apresentada no “tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição” e que “a petição de execução, (…) é autuada por apenso aos autos em que foi proferida” a decisão exequenda ou a sentença de anulação, consoante o caso, deve aplicar-se, por analogia, o estabelecido nos nºs 1 e 2 do artº 164º do CPTA.

IX. Em consequência, vigora nos Tribunais Administrativos a regra de que a execução de decisão arbitral é apresentada no tribunal do lugar em que foi proferida a decisão em primeiro grau de jurisdição.

X. Sendo Lisboa o lugar da arbitragem e tendo a decisão arbitral sido depositada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, é este o tribunal territorialmente competente para a respectiva execução.


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Por tudo quanto vem exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida, por erro de julgamento e em julgar o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa o territorialmente competente para a presente execução.

Sem custas, dada a isenção do Estado português.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)


(António Paulo Vasconcelos)