Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05110/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO. ARTº.100, DA L. G. TRIBUTÁRIA.
TEORIA DA RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS. ARTº.43, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
DÚVIDA FUNDADA SOBRE A QUANTIFICAÇÃO DO FACTO TRIBUTÁRIO (CFR.ARTº.121, Nº.1, DO C.P.T.; ARTº.100, Nº.1, DO C.P.P.T.).
Sumário:1. Nos termos do artº.100, da L. G. Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).
3. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
4. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.).
5. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
a)Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b)Que o erro seja imputável aos serviços;
c)Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d)Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
6. A dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário (cfr.artº.121, nº.1, do C.P.T.; artº.100, nº.1, do C.P.P.T.) deve reconduzir-se à existência de um erro sobre os pressupostos de facto, requisito da existência de juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo de imposto (cfr.artº.43, da L.G.T.), isto apesar de estarmos no campo de actuação de uma presunção legal que, neste caso, onera a Fazenda Pública.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.59 a 68 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a execução de julgado de sentença exarada em processo de impugnação que decidiu anular parcialmente liquidações de I.V.A. e juros compensatórios relativas aos anos de 1996, 1997 e 1998, mais tendo condenando a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios computados desde a data do pagamento do imposto liquidado adicionalmente.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.80 a 83 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença sob recurso condenou a Administração Fiscal ao pagamento dos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto liquidado adicionalmente;
2-Mas, no caso vertente, entende a Fazenda Pública não serem devidos juros indemnizatórios, porquanto a decisão que justifique a sua atribuição depende da verificação de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal e esse não é o caso dos autos;
3-Entendimento em que nos julgamos apoiados pela ampla jurisprudência do S.T.A., por todos, com a devida vénia, o acórdão de 5/5/1999, proc.05557-A, e pela doutrina, designadamente, pelo Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa;
4-Entendendo verificar-se uma fundada dúvida sobre a qualificação do facto tributário, a reverter a favor do impugnante, a douta sentença proferida no processo de Impugnação Judicial nº.56/2000 decidiu julgá-la parcialmente procedente e declarar a “anulação das liquidações impugnadas, na parte em que não admitiu a dedução de parte do I.V.A. suportado na ampliação do armazém”;
5-Contudo, o direito a juros indemnizatórios resulta da anulação de um acto de liquidação e depende da verificação, quanto a este, de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal - artºs.43, da L.G.T., e 61, do C.P.P.T.;
6-Não sendo indiferente a opção do legislador fiscal pela expressão “erro” para integrar os requisitos do direito a juros indemnizatórios, uma vez que “erro” tem um carácter mais restrito do que “vício”, importa concluir que o legislador fiscal pretendeu restringir o tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatório;
7-A decisão judicial aceitou que da prova produzida tivesse resultado a existência de uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários, revertendo-a a favor do contribuinte (art.100, do C.P.P.T.) e, por tal razão, justificou a anulação parcial do acto de liquidação, mas não declarou a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária;
8-Donde que, no caso em apreço, a anulação do acto não implique a existência de uma lesão da situação jurídica substantiva, nem da anulação determinada se pode concluir “tout court” a verificação de um prejuízo que mereça reparação;
9-Assim, apenas se deve restituir aquilo que haja sido recebido;
10-Com todo o respeito, a douta sentença sob recurso fez errada interpretação e aplicação dos artºs.43, da L.G.T., e 61, do C.P.P.T., pelo que não deverá, nesta parte, manter-se;
11-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.ªs, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, com o que se fará como sempre JUSTIÇA.
X
Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.90 dos autos), sustentando, nas Conclusões, o seguinte:
1-A matéria de facto está fixada de modo inalterável;
2-O Direito foi aplicado correctamente;
3-Deve, assim, “in tottum”, confirmar-se a sentença recorrida;
4-Assim decidindo, mais uma vez será feito, Venerandos Desembargadores, a costumada e verdadeira JUSTIÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, dado que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são imputados (cfr.fls.98 e 99 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.101 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.61 a 63 dos autos):
1-Em 29/11/1999 a sociedade “A...& Filhos, L.da.”, vem deduzir impugnação judicial das correcções técnicas que lhe haviam sido efectuadas em sede de I.V.A. e dos juros compensatórios daí resultantes, para os anos de 1996, 1997 e 1998 (cfr.documentos juntos a fls.2 e seguintes dos autos de impugnação em apenso ao presente processo);
2-A impugnante expressa, na respectiva p.i., que as liquidações de I.V.A. impugnadas são as seguintes e com os valores que se discriminam:
Liquidações I.V.A.
Valor
ANOS
Liquidações
Juros Compensatórios
Valor
99123978
851.039$00
1996
99123975
314.925$00
99123987
281.640$00
1997
99123977
66.903$00
99123974
635.366$00
1998
99123988 a 99123991
19.404$00
TOTAIS
1.768.045$00
401.232$00
(cfr.documentos juntos a fls.2 e seg. da impugnação em apenso ao presente processo);
3-Em causa nestas liquidações, conforme fundamentação do relatório da inspecção tributária, estiveram correcções à conta 441 “Imobilizado em Curso”, nos anos de 1996, 1997 e 1998, que se encontram assim justificadas: “(...) No cruzamento da citada conta 441 “imobilizações em curso”, com a conta 243222 “IVA Dedutível-Imobilizado 17%”, através do número de registo contabilístico e nº. do próprio documento constata-se cfr. evidenciado nos anexos daquelas c/c, que constituem o anexo 4, de que deduziu indevidamente I.V.A., face à redacção do nº.1, do artº.20, do C.I.V.A., nos montantes globais de: 851.039$00, de 281.640$00 e de 635.366$00, respectivamente no ano de 1996, 1997 e 1998 (…)” (cfr.cópia de relatório da inspecção junto a fls.44 a 56 dos autos de impugnação juntos em apenso ao presente processo);
4-Em 25/9/2009, foi proferida sentença nos autos de impugnação que ora se encontra em causa com a seguinte fundamentação, ora relevante: “(…) tais despesas emergem de um negócio que não é claro, pois sendo o imóvel propriedade do sócio gerente da impugnante, é esta que suporta os custos da sua ampliação. Pode, portanto, dizer-se que o património é incrementado à custa da impugnante. Por esta razão, os custos e o I.V.A. deduzido não podem ser aceites na sua totalidade. Mas é inegável que a impugnante utilizava o armazém em causa. A contrapartida por essa utilização foi o encargo de suportar os custos com a sua ampliação. Ora, não sendo aceites os custos da ampliação, deve ainda assim ser fixada uma prestação devida pela utilização do armazém. Com efeito, se é verdade que a impugnante não tem de suportar na totalidade os custos da ampliação do armazém, também é verdade que o sócio gerente não tem de suportar os custos que seriam devidos pela utilização normal do espaço. Como tal não se aceitando na totalidade, os custos com a ampliação do armazém, nem a dedução do respectivo I.V.A., a justiça da tributação impõe que se fixe uma quantia a título de renda a suportar pela impugnante, segundo a área e os valores normais para situações idênticas. Nestas condições, a não consideração do direito à dedução de uma parte do I.V.A. suportado configura fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário que impõe a sua anulação (artº.121, do C.P.T.)(…)” (cfr.sentença exarada a fls.175 a 181 dos autos de impugnação juntos em apenso a este processo);
5-Em 23/11/2009, os autos de impugnação foram remetidos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para o 2º. Serviço de Finanças de Leiria que os recebeu em 24/11/2009 (cfr.data de entrada aposta a fls.187 dos autos de impugnação juntos em apenso a este processo);
6-Em 4/12/2009, foi enviado o ofício nº.7281/1ª. Sec., endereçado ao Director de Finanças de Leiria, para efeitos de anulação das liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios (cfr.documento junto a fls.188 dos autos de impugnação juntos em apenso a este processo);
7-Em 9/9/2010, foi deduzida a petição de execução de julgado que originou o presente processo (cfr.data de entrada aposta a fls.3 dos presentes autos);
8-Até ao presente, a impugnante, ora requerente, não foi reembolsada das quantias de imposto pagas e juros compensatórios, reclamadas no processo de impugnação nº.56/00, conforme é reconhecido na contestação e demais peças processuais entregues nos presentes autos pela Fazenda Pública.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
9-A sociedade impugnante efectuou o pagamento das liquidações identificadas nos nºs.1 e 2 supra em 6/10/1999 (cfr.informação exarada a fls.41 e verso do processo de impugnação apenso aos presentes autos);
10-O dispositivo da sentença identificada no nº.4 supra tem o seguinte teor: “Termos em que, com os fundamentos expostos, determino a anulação das liquidação impugnadas, na parte em que não admitiu a dedução de parte do I.V.A. suportado na ampliação do armazém.
Sem custas.” (cfr.sentença exarada a fls.175 a 181 do processo de impugnação apenso aos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida condenou a Fazenda Pública a dar integral execução ao decidido, mais a tendo sentenciado ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto liquidado adicionalmente e fixando o prazo de execução em trinta dias.
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Antes de mais, refere-se que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
A recorrente discorda do decidido sustentando em síntese, como supra se alude, que a sentença sob recurso condenou a Administração Fiscal ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto liquidado adicionalmente, embora, no caso vertente, se entenda não serem devidos juros indemnizatórios, porquanto a decisão que justifique a sua atribuição depende da verificação de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal e esse não é o caso dos autos. Assim sendo, a sentença sob recurso fez errada interpretação e aplicação dos artºs.43, da L.G.T., e 61, do C.P.P.T., pelo que não deverá, nesta parte, manter-se (cfr.conclusões 1 a 10 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Nos termos do artº.100, da L. G. Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª.edição, 2003, pág.519).
A A. Fiscal está, assim, obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados. Tal constitui uma simples explicitação do princípio geral de direito que nos diz que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes de um acto ilícito (cfr.artº.562, do C.Civil).
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/7/2006, proc.1258/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/1/2007, proc.205/04; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª.edição, 2003, pág.520).
Haverá, agora, que saber se no caso “sub judice” são, ou não, devidos juros indemnizatórios.
Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual.
Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.; Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.155 e seg.).
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
1-Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
2-Que o erro seja imputável aos serviços;
3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr.Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.158; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.472).
Embora não se refira expressamente, no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos de liquidação que se reporta esta disposição.
A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” têm um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”.
Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento judicial de um vício de forma ou incompetência não implica a existência de qualquer pecha na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária. Se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização).
Diz-nos igualmente a norma sob exame que o erro de facto ou de direito, terá de ser imputável aos serviços, assim se afastando os casos de autoliquidação (cfr.v.g.artºs.82, al.a), e 83, nº.1, al.a), do C.I.R.C.). Nestes casos, tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação são levados a cabo pelo próprio sujeito passivo, pelo que estará afastada, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/5/1999, rec.5557-A; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/9/2011, rec.433/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.472 e seg.).
“In casu”, haverá que saber se estão preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, e acabados de examinar.
Conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.nº.4 da matéria de facto provada) a anulação das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios objecto do processo de impugnação apenso ficou a dever-se a fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário ao abrigo do artº.121, nº.1, do C.P.T., norma equivalente ao actual artº.100, nº.1, do C.P.P.T.
A dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário consagrada nestas normas equivalerá à conclusão pela sua inexistência e consequente anulação (ou abstenção da prática) do consequente acto tributário que o tenha por base. Fora da previsão dos normativos citados ficam os vícios do acto tributário (liquidação do impostos), incluindo a sua ilegal quantificação, que não tenham a ver com a dita “existência e quantificação do facto tributário”, nomeadamente a caducidade do direito à liquidação em que já vigora a presunção genérica de legalidade do acto tributário e o consequente ónus da prova que onera o sujeito passivo (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.265 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.718 e seg.).
Será que a dita dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário consagrada nestas normas, a qual fundamentou a decisão do processo de impugnação apenso aos presentes autos, se poderá enquadrar no citado erro sobre os pressupostos de facto que funciona como requisito do direito a juros indemnizatórios consagrado no examinado artº.43, nº.1, da L.G.Tributária ?
Cremos que a resposta deve ser positiva.
Assim é, porquanto a dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário deve reconduzir-se à existência de um erro sobre os pressupostos de facto, requisito da existência de juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo de imposto, isto apesar de estarmos no campo de actuação de uma presunção legal que, neste caso, onera a Fazenda Pública, mais sendo esse erro imputável à A. Fiscal.
Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à sociedade impugnante, em virtude da anulação da liquidação que originou o presente procedimento de execução de julgado, dado estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, devidamente identificados supra.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 31 de Janeiro de 2012


(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)