Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:752/11.2BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:07/02/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:REDUÇÃO DE 10% AOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS;
ARTIGO 22.º DA LEI 55-A/2010, 31/12(LOE PARA 2011).
Sumário:I. O regime previsto no artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2011) interpretado conjugadamente com o disposto nos artigos 69.º do DL n.º 29-A/2011, de 01/03 e 2.º e 3.º da Portaria n.º 4-A/2011, de 03/01, bem como, com o regime decorrente do CCP, não deriva para o contraente público poderes para a uma imposição automática e unilateral da redução de 10%, com efeitos a 01/01/2011, do preço aposto em contrato anteriormente celebrado e em execução, que foi objeto de renovação no decurso do ano de 2011.

II. Do mesmo modo, tal regime não autoriza a redução unilateral do preço que veio a ser aposto em contrato celebrado em 2010 e renovado em 2011, em execução em 2011, na sequência de procedimento pré-contratual iniciado antes de 01/01/2011, se a entidade adjudicante não diligenciou pela conformação do preço contratual fixado, considerando o disposto nos citados preceitos da LOE/2011.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

C........., SA, depois designada de F........., SA, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 30/04/2017, que no âmbito da ação administrativa, instaurada contra o Município de Lagos, julgou a ação improcedente, no âmbito da qual é pedido o reconhecimento do direito à não aplicação da redução de 10%, prevista no artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, nos valores devidos pela contrapartida da prestação de serviços de manutenção de espaços verdes urbanos e a condenação ao pagamento das quantias retidas a esse título em todas as faturas emitidas.


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Formula a Autora, aqui Recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1ª) A sentença em crise padece de erro de julgamento, alinhando a R.te com o douto Acordão de 07/06/2016, proferido no processo nº 01373/15, 1ª Secção, do Supremo Tribunal Administrativo, em que é Relator o Conselheiro Carlos Carvalho.

2ª) A exigência de ' redução remuneratória de 10% em cada factura a emitir pela R.te surge em plena execução do contrato celebrado em 2010 e renovado em 2011, dois meses após a renovação, o que, nos termos do dito douto acórdão não é permitido, pois tal colide frontalmente contra os princípios da boa fé, da confiança e da segurança jurídica e do direito patrimonial da R.te ao recebimento dos seus créditos, legal e constitucionalmente reconhecidos.

3ª) Mas não é só por essa razão que a redução remuneratória não se pode aplicar ao caso dos autos, também entende a R.te, contra a sentença em crise, que o contrato sub judice se encontra excepcionado da sua aplicação, por força da aplicação ao caso da al. a) do nº 2 do artº 69º do DL 29-A/2011, por a R.te considerar estarmos perante "serviço público essencial", nomeadamente um “serviço de gestão de resíduos sólidos urbanos” (alínea g) do nº 2 do artº 1º da Lei 23/96).

4ª) Tal entendimento não tem nada de "temerário", como refere a sentença em crise, é o corolário lógico que se extrai do objecto do contrato em apreço e do regime jurídico da gestão de resíduos.

5ª) O contrato dos autos é um contrato de manutenção de jardins, recolha de resíduos verdes e transporte a destino final, basta atentar nas seguintes cláusulas do Caderno de Encargos:

Artº 1.º - O contrato a celebrar tem como objectivo a manutenção de espaços verdes urbanos...

Artº 2.º- De uma maneira geral compreende todos os trabalhos necessários... Inclui também a limpeza das áreas verdes intervencionadas, dos resíduos provenientes das acções necessárias à boa conservação e outros que porventura ocasionalmente se verifiquem, resultantes do uso ou frequência das pessoas ...

Artº 5.º- 5.1.1 - Entidade Adjudicatária ...5.1.1.1- Obrigações...c) A execução dos trabalhos de manutenção de acordo com as normas descritas no nº 2 e 3 do Caderno ·de Encargos; k) Remover os resíduos verdes provenientes dos trabalhos. É sancionatório a não execução da limpeza e transporte dos resíduos no dia da sua produção ...o) Proceder à deposição dos resíduos provenientes da actividade no depósito da A........, responsabilizando-se o adjudicatário pelos encargos provenientes ...”.

6ª) Refere incompreensivelmente o tribunal a quo “o contrato não tinha por objecto-tipo quaisquer operações de gestão de resíduos, ou seja, de recolha (enquanto «colecta de resíduos», incluindo a triagem e o armazenamento preliminares dos resíduos, para fins de transporte para uma instalação de tratamento de resfduos»), transporte, valorização e eliminação dos mesmos (cfr. por exemplo, artigos 2º, nº 1, e 3º, alínea cc), mm), oo), qq), do Decreto-Lei nº 178/2006, de 5 de Setembro), mas sim, e tão só, a manutenção das espaços verdes, o que naturalmente pressupunha a sua limpeza e conservação, e consequentemente a remoção dos resíduos verdes e detritos de origem animal e humana que neles se encontrassem…” ora este entendimento do tribunal a quo subverte os conceitos da lei, já que não é o “nomen” do contrato que qualifica o mesmo, mas sim os actos intrínsecos que o mesmo encerra, como bem se sabe.

7ª) Ora, se no âmbito do referido contrato, o adjudicatário está obrigado a remover, transportar e depositar os resíduos verdes gerados na execução do mesmo contrato, não se percebe como não estamos perante um contrato de gestão de resíduos urbanos.

8ª) Aliás, toda a actividade que gera resíduos está abrangida pelo princípio da responsabilidade pela gestão, ínsito no artº 5º do dito DL 178/2006, de 5/9 “n.º 1 - a responsabilidade pela gestão dos resíduos, incluindo os respectivos custos, cabe ao produtor inicial das resíduos...”, podendo o produtor transferir tal responsabilidade para operador de resíduos, nos termos da alínea a) do nº 5 do mesmo artº 5º, como foi o caso.

9ª) O DL nº 73/2011, de 17/6 veio alterar o DL 178/2006, de 5/9 (regime geral da gestão de resíduos e transposição da Directiva nº 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19/11, relativa aos resíduos) e introduziu uma nova estrutura de definição de resíduos, nomeadamente e no que ao caso interessa, definiu “resíduo urbano” na alínea mm) do seguinte modo: “resíduo proveniente de habitações bem como outro resíduo que, pela sua natureza ou composição, seja semelhante ao resíduo proveniente de habitações.”.

10ª) Nessa estrutura de resíduos não aparecem, com autonomia, os resíduos verdes, por isso, teremos sempre que "ir beber à fonte", isto é à Portaria nº 209/2004, de 3/3, que aprovou a Lista Europeia de Resíduos e, segundo a qual, o Código LER 20.02 (Resíduos de jardins e parques (incluindo cemitérios)), faz parte do Código 20. (Resíduos urbanos e equiparados (resíduos domésticos, do comércio, indústria e serviços), incluindo as frações recolhidas selectivamente.

11ª) Isto é, os resíduos verdes são resíduos urbanos para efeito do estabelecido na alínea g) do nº 2 do artigo 1º da Lei nº 23/96 e, por isso, por força do estabelecido na alínea a) do nº 2 do artº 69º do DL 69-A/2011, não é aplicável a redução remuneratória.

12ª) Resta referir que a inaplicabilidade da redução remuneratória ao contrato em apreço abrange todas as facturas emitidas pela R.te ao seu abrigo, pelo que deve o R.do ser condenado a pagar à R.te a totalidade das reduções aplicadas.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso.


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O Município de Lagos, inconformado, veio igualmente interpor recurso, apresentando alegações, no âmbito das quais formulou as seguintes conclusões:

“I – A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, não padecendo de erro de julgamento.

II – Com ela não se mostram violados quaisquer princípios.

III – O contrato sub judice não se encontra excepcionado da sua aplicação, por força da aplicação ao caso da al. a) do n.º 2 do artigo 69.º do DL n.º 29-A/2011, ao contrário do que alega a Autora, ora Recorrente.

IV – O contrato em causa não tinha por objeto-tipo quaisquer operaçõe de gestão de resíduos, ou seja, de recolha (enquanto «colecta de resíduos, incluindo a triagem e o armazenamento preliminares dos resíduos, para fins de transporte para uma instalação de tratamento de resíduos”), transporte, valorização e eliminação dos mesmos (cfr., por exemplo, artigo 2.º, n.º 1 e 3.º, alíneas cc), mm), oo), qq) do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, mas sim, e tão só, a manutenção e, consequentemente a remoção dos resíduos verdes e detritos de origem animal e humana que neles se encontrassem.

V – Não se trata de um contrato de gestão de resíduos urbanos.

VI – Deste modo, o valor devido à ora Recorrente como contrapartida a pagar pelo contrato de aquisição de serviços estava sujeito, ex lege, à redução remuneratória de 10%, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º, por força do nº 1 do artigo 22º da Lei n.º 55-A/2010, uma vez que foi celebrado por um órgão de uma entidade pública prevista no nº 2 do artigo 3º da Lei n.º 12-A/2008, renovou-se em 2011, nos termos contratualmente estabelecidos, com o acordo das partes, sem que a Autora, ora Recorrente – apesar de saber (ou dever saber) das condições mais onerosas a que estava sujeita – tenha, exercido o direito de recusar a prorrogação do seu prazo de vigência, com idêntico objecto e a mesma contraparte.

VII – O contrato de prestação de serviços designado por “Serviço de manutenção de espaços verdes urbanos na área do Município de Lagos” é obviamente abrangido – como aquisição de serviços que é, de acordo com o Código dos Contratos Públicos (CCP), designadamente no artigo 6.º, n.º 1, alínea e) – pelo disposto no artigo 22º, n.º 1, da referida Lei n.º 55-A/2010, uma vez que foi renovado em 2011, e tem a mesma contraparte e o mesmo objecto.

VIII – O mesmo artigo 22º, nº 1, dispõe claramente que o disposto no artigo 19º da LOE é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte, não limitando ou restringindo os contratos de aquisição de serviços aos de tarefa ou de avença, ao contrário do que defende a Autora/Recorrente.

IX – O nº 2 do artigo 22º, ao elencar as celebrações ou renovações de contratos de aquisição de serviços que carecem de parecer prévio vinculativo, dá como exemplos, na alínea a), “Contratos de prestação de serviços nas modalidades de tarefa e de avença”, e, na alínea b), “Contratos de aquisição de serviços cujo objecto seja a consultadoria técnica”.

X – Até por aí se vê que não são só os contratos de prestação de serviços nas modalidades de tarefa e de avença que se encontram abrangidos pelo teor do artigo 22.º.

XI – Mas o seu n.º 2 diz mais, estipula que o parecer prévio vinculativo é imperativo “independentemente da natureza da contraparte”.

XII – Analisado por outro lado, o nº 1 do artigo 22º não diz que o disposto no artigo 19º é aplicável aos valores pagos só por contratos de aquisição de serviços neste artigo previstos, diz antes que é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, ou seja, a qualquer contrato de aquisição de serviços.

XIII – Isto é, mesmo pela via da interpretação baseada no (bom) Português, só se pode concluir estar errada a leitura da Autora/Recorrente e perfeitamente correcta a interpretação do Município de Lagos.

XIV – Isto mesmo é defendido na Informação nº 365 (2ª folha), junta à p.i. integrada no Doc. 4, em “Enquadramento jurídico/Análise”, a qual também traz à colação parte de um parecer da B…………….., R.L., o qual igualmente opina que se devem considerar abrangidos pelo nº 1 do artigo 22º da LOE todos os contratos de aquisição de serviços que dêem origem a despesa contabilística qualificada como aquisições de serviços.

XV – E lembra que essa é também a posição do Dr. J…………… (Advogado e Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa), em “A Lei do Orçamento de Estado para 2011 e os Contratos de Aquisição de Serviços: Reduções Remuneratórias e Limitação da Contratação”, artigo publicado na Revista de Contratos Públicos, n.º 1, (Janeiro-Abril 2011), CEDIPRE – Centro de Estudos de Direito Público e Regulação.

XVI – É esse igualmente o entendimento manifestado em reunião de coordenação jurídica (DGAL/CCDR`s), realizada em 18 de Janeiro de 2011, o qual, debruçando-se sobre o âmbito de aplicação objectivo do nº 1 do artigo 22º, concluiu que “A redução remuneratória deve ser aplicada a todas as aquisições de serviço que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntica contraparte e ou objeto, com excepção das aquisições de serviço previstas no n.º 2 do artigo 69.º do Decreto de Execução orçamental para 2011, aprovado pelo Decreto-Lei nº 29-A/2011, de 1 de Março.” (disponível em www.bd.atam.pt).”.

Pede que seja negado provimento ao recurso.


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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada resume-se, em suma, em apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito no tocante à aplicação ao contrato de prestação de serviços da redução remuneratória de 10% em cada fatura emitida, com fundamento em tal não ser permitido no caso da renovação do contrato e por o contrato ser excecionado pelo artigo 69.º, n.º 2, a) do D.L. n.º 29-A/2011, por estar em causa um serviço público essencial.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

a) Em 5 de Abril de 2010, a autora e o município demandado celebraram e reduziram a escrito o contrato intitulado de “prestação de serviços”, mediante o qual a primeira se obrigou perante a segunda a prestar-lhe serviços para a manutenção de espaços verdes urbanos na área do município de Lagos, a executar na área definida no Lote 1, Zona Nascente (cfr. documento n.º 1 da petição inicial);

b) A celebração deste contrato foi precedida de um procedimento de concurso público, em que foi adoptado o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa (cfr. artigo 12.º do programa do procedimento junto como documento n.º 1 junto pela entidade demandada com o requerimento registado no SITAF com o n.º 107519, de 16.06.2014);

c) De acordo com o caderno de encargos, o contrato a celebrar tinha como “objectivo a manutenção de espaços verdes urbanos na área do Município de Lagos” e as “tarefas a executar” compreendiam “todos os trabalhos necessários, executados nos períodos mais adequados resultantes da exigência normal da vegetação ou do exercício da actividade” e incluíam “a limpeza das áreas verdes intervencionadas, dos resíduos provenientes das acções necessárias à boa conservação e outros que porventura ocasionalmente se verifiquem, resultantes do uso ou frequência das pessoas”, entre os quais, expressamente, os seguintes: rega, limpeza de zonas verdes (“remoção diária dos resíduos verdes e semanal de todos os detritos de origem humana e animal, nas zonas verdes jardinadas, e outros não definidos que colidam com a salubridade pública e valorização dos espaços”), controlo de infestantes, tratamento fitossanitário, recuperação de áreas degradadas (replantações) e fertilizações (cfr. caderno de encargos junto como documento n.º 2 pela entidade demandada com o requerimento registado no SITAF com o n.º 107519, de 16.06.2014);

d) As partes fixaram, na cláusula 2.ª, que o contrato tinha a duração de 12 meses e que se renovava automaticamente e nas mesmas condições por mais um ou dois anos seguintes, excepto se fosse denunciado por qualquer dos outorgantes com a antecedência mínima de trinta dias relativamente à data do termo do contrato;

e) As partes fixaram, na cláusula 3.ª, que o preço contratual global da prestação de serviços era de € 423.938,52, acrescido de IVA, e que o preço anual era de € 141.312,84, acrescido de IVA;

f) Por ofício recebido pela autora em 3 de Junho de 2011, o município demandado devolveu a factura n.º 10/21100650, datada de 9 de Maio de 2011, que a autora lhe havia remetido, «a fim da mesma ser anulada e emitida após renovação do contrato, contemplando (…) uma redução de 10% de acordo com o art. 22 da Lei n.º 55-A/2010 de 31.12.2010» (cfr. documento n.º 2 da petição inicial);

g) Por carta datada de 6 de Junho de 2011, a autora manifestou a sua discordância em relação à aplicação da referida redução ao valor estabelecido no contrato (cfr. documento n.º 3 da petição inicial);

h) Por ofício de 7 de Julho de 2011, o município demandado devolveu as facturas n.ºs 10/21100807 e 10/21100808, datadas de 6 de Junho de 2011, «a fim das mesmas serem anuladas e emitidas contemplando a redução de 10% de acordo com o art.º 22 da Lei n.º 55-A/2010» (cfr. documento n.º 3 da petição inicial);

i) Por carta de 7 de Novembro de 2011, a autora remeteu ao município demandado facturas correspondentes aos serviços prestados entre 6 de Abril e 5 de Novembro de 2011, fazendo nelas constar o seguinte: «ao montante da presente factura é deduzido o valor de 10%, redução remuneratória prevista na alínea c) do nº 1 do artº 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12. A C........., SA, não concorda com tal redução remuneratória, relegando-se para futura decisão judicial a questão que suscita divergência de opiniões entre as partes» (cfr. documento n.º 5 da petição inicial).

Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, provados pelos documentos juntos aos autos, os quais foram, em relação a cada um deles, especificadamente discriminados.

Não existem, de resto, factos que, tendo sido alegados e relevando para a decisão a proferir, não tenham ficado provados.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do recurso.

Erro de julgamento de direito no tocante à aplicação ao contrato de prestação de serviços da redução remuneratória de 10% em cada fatura emitida, com fundamento em tal não ser permitido no caso da renovação do contrato e por o contrato ser excecionado pelo artigo 69.º, n.º 2, a) do D.L. n.º 29-A/2011, por estar em causa um serviço público essencial

No presente recurso vem a Recorrente dirigir o erro de julgamento de direito contra a sentença recorrida com o duplo fundamento de a aplicação da redução de 10% não poder ocorrer no caso do contrato em causa, por a mesma ter ocorrido dois meses após a renovação, sob pena de violação dos princípios da boa-fé, confiança e da segurança jurídica e do direito patrimonial da Recorrente ao recebimento dos seus créditos e ainda de o contrato em causa se encontrar excecionado da aplicação da referida redução, por força do disposto do artigo 69.º, n.º 2, a) do D.L. n.º 29-A/2011, por estar em causa um serviço público essencial, de gestão de resíduos sólidos urbanos.

Sustenta que estando obrigada a remover, transportar e depositar os resíduos verdes gerados na execução do contrato, está em causa um contrato de gestão de resíduos urbanos.

Defende que toda a atividade que gera resíduos está abrangida pelo princípio da responsabilidade pela gestão, segundo o artigo 5.º do D.L. n.º 178/2006, de 05/09, tendo este diploma sido alterado pelo D.L. n.º 73/2011, de 17/06, introduzindo a definição de resíduo na sua alínea mm), como o resíduo proveniente de habitações e outro resíduo que, pela sua natureza ou composição seja semelhante ao resíduo proveniente de habitações.

Não sendo autonomizado o resíduo verde, defende a Recorrente que ele integra o Código 20 da Portaria n.º 209/2004, de 03/03, que aprova a Lista Europeia de Resíduos e o artigo 1.º, n.º 2, g) da Lei n.º 23/96.

Daí que entenda a inaplicabilidade da redução remuneratória ao contrato, segundo o artigo 69.º, n.º 2, a) do D.L. n.º 69-A/2011.

Vejamos.

Tendo presente os factos constantes da sentença recorrida deles decorre ter sido celebrado em 05/04/2010 entre a Autora e a Entidade Demandada um contrato intitulado de prestação de serviços, para a manutenção de espaços verdes urbanos na área do Município de Lagos.

Tal contrato foi antecedido de um procedimento pré-contratual que adotou o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa.

De acordo com o clausulado do caderno de encargos do procedimento pré-contratual, o contrato a celebrar tem como objeto a manutenção dos espaços verdes e como tarefas a executar, todos os trabalhos necessários, executados nos períodos mais adequados resultantes da exigência da vegetação ou do exercício da atividade, incluindo a limpeza das áreas verdes intervencionadas, dos resíduos provenientes das ações necessárias à boa conservação, nos termos melhor descritos na alínea c) do julgamento da matéria de facto.

Tendo o contrato a duração de 12 meses, foi acordada a sua renovação automática e nas mesmas condições, por mais um ou dois anos seguintes.

Por ofício datado de 03/06/2011 a Entidade Demandada devolveu certa fatura à Autora, para a mesma ser anulada e ser emitida outra que contenha a redução de 10%, ao abrigo do artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12/2010, tendo adotado o mesmo procedimento nas faturas seguintes.

Considerados os factos pertinentes da causa importa agora atender aos normativos de direito aplicáveis.

Considerando o fundamento do recurso, quanto a saber do invocado erro de julgamento de direito da aplicação da redução prevista no artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que aprova o Orçamento de Estado para 2011, ao contrato celebrado entre as partes, em momento anterior a 01/01/2011, releva a interpretação a expender em relação ao citado artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010 e ainda do artigo 69.º do D.L. n.º 29-A/2011, de 01/03, que estabelece as disposições necessárias à execução daquele Orçamento do Estado.

A Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, entrada em vigor no dia 01/012011 (artigo 187.º), veio impor medidas “de austeridade” (“excepcionais” e “transitórias”) de redução remuneratória, que, justificadas pelo legislador parlamentar nas “condições excepcionais e extremamente adversas para a manutenção e sustentabilidade do Estado Social”, que tinham como finalidade anunciada, através da contenção das despesas com pessoal e com a aquisição de serviços ligados aos diversos sectores da Administração Pública, a redução da despesa pública e, consequentemente, do défice orçamental (Relatório do Orçamento de Estado para 2011, pp. 45).

O artigo 19.º, inserido no Capítulo III («Disposições relativas a trabalhadores do sector público»), na Secção I («Disposições remuneratórias»), estabelecia o seguinte:

Artigo 19.º

Redução remuneratória

1 - A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a (euro) 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:

a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a (euro) 1500 e inferiores a (euro) 2000;

b) 3,5 % sobre o valor de (euro) 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os (euro) 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a (euro) 2000 até (euro) 4165;

c) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a (euro) 4165.

2 - Excepto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual a (euro) 4165, caso em que se aplica o disposto no número anterior, são reduzidas em 10 % as diversas remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos:

a) Pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9, nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços previstas no artigo 22.º;

b) Pessoas referidas no n.º 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.

(…)

11 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.”.

O artigo 22.º, inserido no mesmo Capítulo e na mesma Secção, determinava o seguinte:

Artigo 22.º

Contratos de aquisição de serviços

1 - O disposto no artigo 19.º é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte, celebrados por:

a) Órgãos, serviços e entidades previstos nos n.ºs 1 a 4 do artigo 3.º da Lei n.º 12- A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3- B/2010, de 28 de Abril, incluindo institutos de regime especial e pessoas colectivas de direito público, ainda que dotadas de autonomia ou de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo;

b) Entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do sector empresarial local e regional;

c) Fundações públicas e outros estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;

d) Gabinetes previstos na alínea n) do n.º 9 do artigo 19.º

2 - Carece de parecer prévio vinculativo dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, nos termos e segundo a tramitação a regular por portaria dos referidos membros do Governo, a celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços por órgãos e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, independentemente da natureza da contraparte, designadamente no que respeita a:

a) Contratos de prestação de serviços nas modalidades de tarefa e de avença;

b) Contratos de aquisição de serviços cujo objecto seja a consultadoria técnica. 3 - O parecer previsto no número anterior depende da:

a) Verificação do disposto no n.º 4 do artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril;

b) Confirmação de declaração de cabimento orçamental emitida pela delegação da Direcção-Geral do Orçamento, ou pelo IGFSS, I. P., quando se trate de organismo que integre o âmbito da segurança social aquando do respectivo pedido de autorização;

c) Verificação do cumprimento do disposto no n.º 1.

4 - Nas autarquias locais, o parecer previsto no n.º 2 é da competência do órgão executivo e depende da verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) e c) do número anterior, bem como da alínea b) do mesmo número com as devidas adaptações, sendo os seus termos e tramitação regulados pela portaria referida no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto - Lei n.º 209/2009, de 3 de Setembro, alterado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

5 - O disposto no n.º 5 do artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, e no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de Setembro, alterado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, aplica-se aos contratos previstos no presente artigo.

6 - São nulos os contratos de aquisição de serviços celebrados ou renovados sem o parecer previsto nos n.ºs 2 a 4.

(…)”.

O D.L. n.º 29-A/2011, de 01/03 veio estabelecer as disposições necessárias à execução do Orçamento de Estado para 2011, prevendo no artigo 69.º, inserido na Capítulo V («Consolidação orçamental»), o seguinte:

Artigo 69.º

Contratos de aquisição de serviços

1 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, é considerado o valor total a pagar pelo contrato de aquisição de serviços, excepto no caso das avenças, previstas no n.º 7 do artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, 3-B/20010, de 24 de Abril, 34/2010, de 2 de Setembro, e 55-A/2010, de 31 de Dezembro, em que a redução incide sobre o valor a pagar mensalmente.

2 - Não estão sujeitas ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro:

a) A celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços essenciais previstos no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, alterada pelas Leis n.ºs 12/2008, de 26 de Fevereiro, e 24/2008, de 2 de Junho, ou de contratos mistos cujo tipo contratual preponderante não seja o da aquisição de serviços ou em que o serviço assuma um carácter acessório da disponibilização de um bem;

b) A celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços por órgãos ou serviços adjudicantes ao abrigo de acordo quadro;

c) A celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços por órgãos ou serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, 3-B/20010, de 24 de Abril, 34/2010, de 2 de Setembro, e 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com entidades públicas empresariais;

d) As renovações de contratos de aquisição de serviços, nos casos em que tal seja permitido, quando os contratos tenham sido celebrados ao abrigo de concurso público em que o critério de adjudicação tenha sido o mais baixo preço.

(…)”.

Embora inserido no capítulo intitulado «disposições relativas a trabalhadores do sector público», o artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, estipula que as reduções previstas no artigo 19.º - que incidem sobre as remunerações mensais dos trabalhadores - se estendem, também, às remunerações (ou retribuições) devidas como contraprestação pelos serviços prestados às entidades públicas elencadas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 22.º, ao abrigo de contratos de aquisição de serviços (para além das situações anómalas dos chamados “falsos tarefeiros”, que exerciam funções ao abrigo de “contratos de prestação de serviços” que tinham por objeto a execução de uma atividade profissional em regime de trabalho subordinado, as quais estão expressamente previstas na alínea a), do n.º 2, do artigo 19.º e que por ele estão excluídas do âmbito de aplicação do artigo 22.º).

É incontroverso, pois, que o legislador parlamentar pretendeu que estas medidas legislativas “excecionais” e “transitórias” de redução remuneratória abrangessem não só a remuneração mensal de trabalhadores, mas também, por força do artigo 22.º, o valor das retribuições pela execução dos serviços que as pessoas (singulares ou coletivas) se obrigaram a prestar a uma das indicadas entidades públicas, mediante contratos de aquisição de serviços celebrados ou renovados em 2011, com “idêntico objeto” e “a mesma contraparte”.

Expostos os factos e o direito aplicável, extrai-se quanto ao caso concreto que o procedimento pré-contratual foi lançado antes de 01/01/2011, assim como a respetiva celebração do contrato, a qual ocorreu em 05/04/2010, tendo sido automaticamente renovado decorridos 12 meses.

Assim, aquando a remessa do ofício da Entidade Demandada à ora Recorrente, em 03/06/2011, a devolver a fatura referente ao mês de maio de 2011, já o contrato de prestação de serviços havia renovado a sua vigência.

Encontra-se demonstrado que a ora Recorrente manifestou a sua discordância por carta datada de 06/06/2011 quanto à aplicação da referida redução de 10% ao valor estabelecido no contrato.

O que resulta que além de não ter existido uma prévia atuação da Entidade Demandada no sentido de conformar a renovação do contrato à aplicação da redução prevista no artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, antes tendo existido a renovação automática nos mesmos termos em que vigorava anteriormente, também não foi obtida a concordância da prestadora de serviços para a referida redução remuneratória.

Considerando a factualidade do presente caso, considera-se aplicável a doutrina emanada do Acórdão do STA, de 07/06/2016, Processo n.º 01373/15, o que determina que não se possa manter a sentença sob recurso, enfermando a mesma do erro de julgamento de direito quanto à aplicação do disposto no artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12.

Acolhendo a fundamentação do citado aresto do STA:

“(…) XVIII. Infere-se também dos termos do litígio sub specie que as entidades adjudicantes no momento da fixação do preço base no programa de concurso e caderno de encargos, por manifesta impossibilidade lógica e jurídica, não puderam dar cumprimento ao regime decorrente dos arts. 19.º e 22.º da Lei n.º 55-A/2010, porquanto ainda não vigentes na data de abertura do procedimento ocorrida em 26.11.2010 e publicitada em 03.12.2010, sendo que no desenvolvimento dos ulteriores termos do procedimento concursal e inclusive até à outorga do contrato em causa ocorrida, como vimos, já no fim do mês de março de 2011, também nada foi decidido/determinado e/ou acordado quanto à observância daquele regime quer em termos de alteração do preço base como na fixação do preço aposto no contrato, dado que apenas em 20.10.2011 os RR., após haverem liquidado integralmente os valores que haviam sido faturados e relativos aos meses de abril a agosto de 2011, solicitaram à A. a emissão de nota de crédito em decorrência do entendimento da necessidade de aplicação da redução remuneratória prevista no referido quadro normativo operando a redução remuneratória sobre o preço contratual [cfr. n.ºs XI), XII), XIII), XIV), XV) do acervo factual provado].

XIX. Considerada a situação jurídica em presença com os contornos factuais acabados de enunciar importa, então, aferir da bondade interpretação do quadro legal e do acerto da sua aplicação feita pelo acórdão recorrido ao julgar improcedente a pretensão deduzida pela A., porquanto não lhe assistiria o direito de que se arroga dado o preço fixado no contrato estar sujeito à redução prevista pelos arts. 19.º e 22.º da referida Lei.

XX. E avançando na resposta a dar às questões objeto do recurso cumpre, desde já, referir que o mesmo terá de ser julgado procedente já que o entendimento quanto a uma concreta sujeição do preço aposto no contrato celebrado entre A. e RR. à redução prevista no referido regime legal durante a execução do contrato sustentado pela decisão judicial recorrida afigura-se, no contexto apurado e quadro legal aplicável, como desacertado.

XXI. Explicitando e motivando este juízo temos que, uma vez celebrado o contrato entre as partes, não assistia, nem assiste aos RR. poderes que lhe permitissem, por ato unilateral, conformar ou alterar o clausulado, mormente, reduzir o preço aposto como valor da contraprestação devido pela prestação dos serviços de segurança e vigilância humana.

XXII. É certo que não se apresentam como suscetíveis de dúvida as preocupações e os propósitos do legislador orçamental, já atrás aludidos [não apenas no Orçamento de Estado para 2011 mas também nos outros orçamentos que se lhe seguiram], de prosseguir com a redução da despesa pública mediante a consagração de normas que impunham reduções remuneratórias ou sua contenção no âmbito dos contratos de aquisição de serviços celebrados por entidades públicas, de molde a que estas diminuíssem os custos ou encargos com as aquisições de serviços que, de modo recorrente e anualmente, vão celebrando ou renovando.

XXIII. Todavia, presente o regime inserto nos arts. 19.º e 22.º da referida Lei e lido o mesmo na sua articulação com o demais acervo legal atrás convocado bem como ainda com o regime decorrente do CCP, não derivam para os RR. poderes quer quanto a uma qualquer imposição automática e unilateral da redução com efeitos a 01.01.2011 do preço de contrato anteriormente celebrado que se encontrasse em execução e que ainda não houvesse sido objeto de renovação no decurso do ano de 2011, tal como não autoriza a redução unilateral do preço aposto no contrato em execução celebrado em 2011 na sequência de procedimento pré-contratual iniciado em 2010 se neste os mesmos enquanto entidades adjudicantes não hajam diligenciado pela conformação do preço contratual fixado considerando o supra citado quadro normativo.

XXIV. Na verdade, se é certo que a redução decorrente dos preceitos em referência se aplica às situações de celebração em 2011 de novos contratos de aquisição de serviços ou à renovação/prorrogação de contratos anteriores e apenas quanto àqueles contratos com idêntico objeto ou que envolvessem a mesma contraparte, já que se nenhum destes requisitos se verifique no caso não haverá lugar à aplicação daquela redução, temos, contudo, que tais comandos constituem prescrições ou imposições dirigidas à Administração para que a mesma adeque, por um lado, as peças procedimentais que venha a elaborar e os procedimentos lançados durante o ano de 2011, mas também os do ano anterior em que ainda não haja sido outorgado contrato, e, por outro, que na renovação/prorrogação dos contratos ajuste ex lege em conformidade o preço que irá ser pago pelos serviços prestados após a mesma ter tido lugar.

XXV. É que do quadro normativo em questão [cfr., nomeadamente, art. 22.º, n.ºs 2 e 3 da LOE/2011] e, mormente, daquilo que veio a ser a sua regulamentação e execução, através quer do DL n.º 29-A/2011 [cfr. art. 69.º, n.º 3] quer ainda da Portaria n.º 4-A/2011 [cfr. o seu art. 03.º], decorre quanto a este concreto tipo de contratação a enunciação dum princípio ou duma regra de clara afirmação do respeito ou da necessidade de preservação da autonomia decisória por parte do prestador de serviços.

XXVI. Com efeito, pese embora a imperatividade e força com que o legislador quis dotar as medidas legislativas de redução da despesa pública temos que, ainda assim, no contexto deste tipo de contratação e dos vínculos jurídicos dela emergentes não se mostram minimamente abandonados aquilo que são os princípios e as regras vigentes no quadro da contratação pública, em particular, a liberdade ou autonomia do concorrente e/ou do contraente [no caso do prestador de serviço], mediante, por um lado, o efetivo reconhecimento da possibilidade/poder, no âmbito do procedimento ou do contrato, de escolher entre submeter-se ou não à redução remuneratória imposta pelo regime legal em questão [nos momentos quer da celebração ex novo como da renovação do contrato] e, por outro, em ver mantida e tutelada a sua posição contratual contra atuações unilaterais por parte da entidade adjudicante/contraente público à margem daquilo que são os poderes conferidos no CCP e do que é valor detido das suas declarações [cfr., mormente, o previsto nos arts. 302.º, 303.º, n.ºs 1 e 2, 304.º, 307.º, 311.º, 312.º, 313.º do referido Código].

XXVII. De facto, o regime legal introduzido pela LOE/2011 opera no contexto da contratação pública que ali é alvo sempre no estrito respeito da vontade e autonomia dos concorrentes no procedimento ou dos contraentes, porquanto a redução ali determinada não poderá resultar ou operar por simples ato/declaração unilateral dos RR. ao arrepio daquilo que se consta do clausulado do contrato celebrado e sem que resulte demonstrado, no caso, que tal situação tinha guarida ou resultou fundada naquilo que são os poderes de modificação unilateral.

XXVIII. Ao invés do regime que se mostra definido pelo art. 19.º da LOE/2011 para as situações e vínculos ali enunciados temos que, no âmbito do tipo de contratação previsto no art. 22.º da mesma lei, o legislador orçamental consagrou ou afirmou a possibilidade de imposição duma redução remuneratória do preço contratual ao concorrente ou ao contraente prestador do serviço sempre e após a existência duma expressa manifestação livre de vontade destes, manifestação essa respeitadora da boa-fé, da confiança e da segurança jurídica, bem como, mesmo, dos próprios direitos patrimoniais daqueles legal e constitucionalmente reconhecidos.

XXIX. E isso quer seja no contexto da celebração de novo contrato como de renovação de anterior, já que tal redução, por um lado, nunca recai ou incide direta e automaticamente, com efeitos a 01.01.2011, sobre o preço aposto aos contratos em execução naquela data [redução do preço opera apenas na data da renovação/prorrogação e apenas se o contraente prestador do serviço concorde ou ela aceda na sequência de comunicação nesse sentido por parte do contraente público, sendo que a redução remuneratória operará então sobre o preço que estava a ser praticado] e, por outro lado, também não pode ser legitimada por efeito de simples e mera declaração não consensual quanto ao preço que foi aposto em contrato celebrado em 2011 enquanto decorrente dum ato unilateral e forçado do contraente público não enquadrado ou enquadrável naquilo que são os poderes contratuais emergentes e reconhecidos pelo CCP, tanto mais que para ser operante se exige a dedução ou o lançar mão, por parte daquele e junto dos tribunais, dos meios processuais contenciosos que lhe são facultados.

XXX. Note-se, ainda, que uma tal redução só poderia ter lugar se, num momento prévio ao da renovação/prorrogação do contrato, ao da abertura do procedimento no decurso do ano de 2011 ou ao da outorga do novo contrato também no ano de 2011 mas na sequência de procedimento aberto anteriormente, fosse facultada ou assegurada à A., efetivamente, a possibilidade de escolha enquanto “resposta” a uma decisão/comunicação do cocontratante público ou da entidade adjudicante nesse sentido ou com esse alcance [na qual se definisse aquilo que seria o preço base ou o futuro preço contratual após renovação/prorrogação em função da redução remuneratória legalmente imposta].

XXXI. Aliás, todos os atos e trâmites, que carecem de ser desenvolvidos no procedimento de aplicação da redução prevista no regime legal em questão, quer no âmbito de novas contratualizações quer das renovações/prorrogações de contratos celebrados antes de 2010, apontam no sentido de que a fixação do preço quanto aos contratos de aquisição/prestação de serviços opera não no decurso da sua execução, de forma unilateral e automática por decisão do cocontratante público, mas antes no momento prévio à abertura do procedimento de formação na sequência do qual venha de ter lugar a celebração dum novo contrato ou nas situações de renovação/prorrogação do contrato no momento que imediatamente antecede esta, considerando para tal os prazos contratualmente previstos para as comunicações entre as partes quanto à ocorrência de prorrogação ou não, tudo por forma a que o prestador de serviço possa tomar posição quanto se aceita ou não o preço [base ou contratual] proposto.

XXXII. Admitir como possível o operar duma redução unilateral do preço contratual em plena execução dum contrato de aquisição/prestação de serviço por efeito da aplicação imediata do quadro legal em questão para além de pôr em causa a boa-fé, a confiança e segurança jurídica na contratação pública, bem como os próprios direitos patrimoniais da A., poderá, também, ser suscetível de confrontar o cocontratante público com pedido de reequilíbrio financeiro do contrato por parte do prestador do serviço [cfr. arts. 97.º, 282.º e 314.º, do CCP], abrindo a porta a pretensão que terá o efeito inverso àquilo que se pretendia com a regra orçamental de restrição/contenção de despesa pública, na certeza de que não parece ter sido propósito do legislador com a LOE/2011 vir a revogar ou a suspender a vigência dos normativos do CCP acabados de convocar quanto a este tipo de contratação.

XXXIII. A falta de adequação às regras dos arts. 19.º e 22.º da LOE/2011 do valor do preço contratual aposto ao contrato de aquisição/prestação de serviços celebrado em 2011 na sequência de procedimento concursal aberto em 2010 e que teve como único critério de adjudicação o do mais baixo preço não pode, por conseguinte, vir a ser feita de modo unilateral pelo cocontratante público durante a execução do contrato e com efeitos automáticos já que tal contende ainda, para além do referido supra, com aquilo que são a natureza, outros princípios e regras dos procedimentos de contratação pública, mormente, em matéria de definição do preço base e do preço contratual [arts. 47.º e 97.º do CCP], da definição, valor e função das peças procedimentais e das propostas dos concorrentes, assim como dos atos de adjudicação e dos trâmites da celebração do contrato [arts. 40.º a 42.º, 52.º, 53.º, 56.º, 57.º, 60.º, 73.º a 77.º, 79.º, 80.º, 94.º e segs. do CCP].

XXXIV. Na linha da fundamentação e entendimento atrás sustentado Miguel Assis Raimundo defende que “ao contrário do que sucede com os contratos de pessoal em que o Estado, por via legislativa, operou diretamente a redução remuneratória, nos contratos de prestação de serviços a redução só opera em situações de renovação de relações contratuais anteriores, ou na celebração de novos contratos”, não permitindo o referido regime legal uma redução da remuneração unilateral “e com efeitos imediatos a contrato em curso”, porquanto em ambos os casos se impõe salvaguardar “a autonomia decisória do prestador de serviços: ele pode escolher não se submeter à redução remuneratória” visto “no caso da renovação, bastar-lhe-á opor-se à renovação do contrato, e no caso de novos contratos, bastar-lhe-á não apresentar proposta nos procedimentos pré-contratuais onde tal redução esteja refletida no preço base” já que “[n]as relações jurídicas administrativas contratuais onde existe autonomia do cocontratante, o Estado tem diversos poderes de intervenção no conteúdo e modo de execução das prestações do contratante, dirigidos a conformar essas prestações de forma mais adaptada às necessidades administrativas: através do poder de modificação unilateral com base em motivos de interesse público (artigo 302.º/c) CCP) ou mesmo através de alterações resultantes de ato alheio ao exercício dos poderes de conformação (por exemplo, um ato normativo, emanado do Estado-legislador), que não toma o contrato diretamente por objeto, mas tem efeitos particulares sobre ele (o chamado fait du prince)”, sem que esses poderes incluam “uma possibilidade de alterar a equação financeira em prejuízo do cocontratante” [em “Reduções remuneratórias nas prestações de serviços: há limites para a austeridade …” in: Revista de Contratos Públicos”, n.º 6 (2012), págs. 82/84].

XXXV. Estando, assim, em questão a celebração dum novo contrato de aquisição de serviços em 2011 temos que, por outro lado, a redução do preço, mesmo na ausência duma redução remuneratória efetuada no quadro prévio à outorga do contrato [mediante incorporação nas condições contratuais expressas nas peças procedimentais alvo de publicitação - cfr., nomeadamente, arts. 19.º, 22.º, n.ºs 1, 2, 3, al. c), da LOE/2011, 69.º do DL n.º 22-A/2011, 02.º e 03.º da Portaria n.º 4-A/2011], não poderá nunca, pelo simples operar de declaração unilateral dos RR., recair ou incidir, diretamente, sobre o preço contratual a pagar nele aposto ou que estava a ser pago como contraprestação daqueles serviços, tanto mais que a redução remuneratória incide ou opera tendo como valor de referência o preço aposto no anterior contrato.

XXXVI. Em suma, celebrado o contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância sem que os RR. tenham diligenciado ou feito uso dos meios e mecanismos procedimentais tendentes a suprir ou corrigir a inobservância da aplicação da redução remuneratória inserta nos preceitos da LOE/2011 em questão não poderão os mesmos, por mero ato/declaração unilateral, proceder à redução do preço contratual fixado já que tais preceitos na sua articulação com o demais quadro normativo, nomeadamente, o CCP [cfr. também e ainda os seus arts. 311.º, 312.º, 313.º e 314.º], não permitem uma tal modificação do contrato com esse conteúdo e alcance. (…)” (sublinhados nossos).

Assim, considerando o enquadramento fáctico do caso concreto e a doutrina emanada do citado acórdão do STA, não se pode manter a sentença recorrida, enfermando de erro de julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que aprova o Orçamento de Estado para 2011, porquanto não assiste o direito à Entidade Demandada de, por via unilateral, depois da renovação do contrato e durante a sua execução, sem a adoção de qualquer procedimento com vista a obter a aceitação da prestadora de serviços, proceder à aplicação da redução de 10% ao valor do contrato.

O que determina que se deva julgar procedente, por provado, o fundamento do recurso.


*

Em consequência, será de conceder provimento ao recurso, por provado o seu fundamento, determinando a revogação da sentença recorrida e, em substituição, a procedência da ação, por provada.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O regime previsto no artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2011) interpretado conjugadamente com o disposto nos artigos 69.º do DL n.º 29-A/2011, de 01/03 e 2.º e 3.º da Portaria n.º 4-A/2011, de 03/01, bem como, com o regime decorrente do CCP, não deriva para o contraente público poderes para a uma imposição automática e unilateral da redução de 10%, com efeitos a 01/01/2011, do preço aposto em contrato anteriormente celebrado e em execução, que foi objeto de renovação no decurso do ano de 2011.

II. Do mesmo modo, tal regime não autoriza a redução unilateral do preço que veio a ser aposto em contrato celebrado em 2010 e renovado em 2011, em execução em 2011, na sequência de procedimento pré-contratual iniciado antes de 01/01/2011, se a entidade adjudicante não diligenciou pela conformação do preço contratual fixado, considerando o disposto nos citados preceitos da LOE/2011.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a ação procedente, condenando o Município de Lagos no pedido, reconhecendo o direito da Autora à não aplicação da redução de 10% prevista no artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2011, de 31/12 e a condenação a pagar à Autora as quantias devidas, referentes às faturas emitidas desde a fatura n.º 10/21100807, de 06/06/2011, referentes à prestação de serviços de manutenção de espaços verdes urbanos na área do Município de Lagos – Lote 1, Zona Nascente.

Custas pela Entidade Demandada, ora Recorrida, em ambas as instâncias.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão Marques)


(Alda Nunes)