Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1851/10.3 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REVERSÃO.
AUDIÇÃO PRÉVIA.
Sumário:A falta de apreciação do requerimento de inquirição de testemunhas, deduzido em sede de exercício do direito de audição, por parte do órgão autor do despacho de reversão consubstancia preterição de formalidade, a qual assume, no caso, eficácia invalidante do mesmo, sem possibilidade de afastamento dos respetivos efeitos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, contra a sentença proferida em 30/05/2020, inserta a fls. 254 e ss. (numeração em formato digital – sitaf) que julgou procedente a oposição judicial deduzida por J …………………., enquanto revertido, ao processo de execução fiscal nº…………….535 e apensos, instaurado e pendente no Serviço de Finanças de Cascais -1, para cobrança de dívidas relativas a IVA e IRS (retenção na fonte) dos anos de 2002 a 2008, bem como Imposto de Selo de 2006 e 2007, juros de mora e custas, no valor total de €330.234,05, em que a devedora originária é a sociedade “M..... S.....- Actividades .................., Lda.”.
Nas alegações de fls. 278 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formula as conclusões seguintes:
“4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pelo ora recorrido contra execução fiscal com o processo n.º …………………….535, instaurados pelo Serviço de Finanças de Cascais 1, por dívidas de IVA, IRS – Retenções na fonte, e Imposto de Selo contra a sociedade comercial “M..... S..... – Actividades ..................s, Lda.”, referentes aos anos de 2003 a 2008, dívidas essas posteriormente revertidas na ora oponente, no montante total de 330.234,05 €.
4.2. Como fundamentos da oposição invocou a oponente no seu petitório inicial, em suma, a falta de fundamentação do despacho de reversão, a preterição do direito de audição prévia em sede do procedimento de reversão, por falta de inquirição das testemunhas por si indicadas, bem como a inexistência de culpa sua pela insuficiência patrimonial da sociedade executada principal, e ainda a violação dos princípios constitucionais da separação de poderes, da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva por parte da Administração Tributária. Concluiu o seu articulado inicial peticionando a procedência da oposição, através do reconhecimento da sua ilegitimidade para a execução fiscal em questão e, caso assim se não entendesse, que se reconhecesse a inconstitucionalidade da reversão por violação dos mencionados princípios constitucionais
4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou a procedente a presente oposição, considerando, para o efeito, que o despacho de reversão em questão padecia de vício invalidante do mesmo, gerador de anulabilidade do mesmo, por não ter o órgão de execução fiscal, em sede de procedimento de reversão, procedido à inquirição das testemunhas indicadas pelo oponente em audiência prévia à reversão, nem se ter pronunciado acerca dos motivos da não inquirição das referidas testemunhas.
No entanto,
4.4. é entendimento da Fazenda Pública que a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.
Senão vejamos:
4.5. Entendeu o Ilustre Tribunal a quo, na decisão ora em crise, ter-se verificado a preterição da formalidade essencial de falta de realização de diligências instrutórias requeridas pelo oponente, ora recorrido, em sede de audiência prévia à reversão em questão, concretamente, a falta da inquirição das testemunhas indicadas pelo oponente.
Ora,
4.6. conforme melhor se pode colher da fundamentação da decisão pela qual o órgão de execução fiscal decidiu reverter as dívidas tributárias da sociedade executada no oponente, ora recorrido, este foi revertido por ter o órgão de execução fiscal considerado que seria responsável por tais dívidas nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
4.7. Assim, e nos termos do disposto na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, pressuposto para a estabelecimento da responsabilidade subsidiária do oponente pelas dívidas tributária em execução é a culpa presumida que neste legalmente se fixa pelo não pagamento dos impostos em questão por parte da sociedade executada, responsável principal, e não a culpa do oponente pela insuficiência patrimonial da executada principal para solver as dívidas tributárias em cobrança coerciva, conforme entendeu o Ilustre Tribunal recorrido.
4.8. Assim, era ao oponente que competia demonstrar essa ausência de culpa na não entrega atempada dessas quantias pecuniária ao Estado por parte da sociedade a isso legalmente obrigada, e enquanto legal representante desta.
No entanto,
4.9. no que a esta culpa pelo não pagamento dos impostos em questão, por parte da sociedade executada, colhe-se que o oponente, no seu requerimento apresentado em sede de audiência prévia, nenhum facto alegou que fosse tendente ao afastamento da sua presumida culpa, legalmente estabelecida na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 24.º da LGT.
Pelo que,
4.10. o depoimento das testemunhas indicadas pelo oponente no seu requerimento de audiência prévia nenhum contributo iria carrear para o procedimento de reversão em questão no que respeita à ausência de culpa do oponente pelo não pagamento atempado dos impostos em questão por parte da sociedade executada.
Razão pela qual,
4.11.o órgão de execução fiscal não procedeu à inquirição das testemunhas indicadas pelo oponente no seu requerimento apresentado em sede de audição prévia à reversão.
4.12. Assim, é entendimento da Fazenda Pública que, apesar do órgão de execução fiscal ter preterido a inquirição das testemunhas arroladas pelo oponente em sede de audição prévia à reversão, tal omissão não configura a preterição de uma formalidade essencial, pois os depoimentos que eventualmente fossem prestados pelas testemunhas indicadas pelo oponente não lograriam ilidir a presunção de culpa neste legalmente estabelecida, uma vez que o oponente, no seu requerimento de pronúncia prévia, não alegou qualquer facto que tivesse a virtude de almejar tal desiderato.
Pelo que,
4.13. no modesto entendimento da Fazenda Pública, e salvo sempre melhor entendimento, por o vício de que padeceu o despacho de reversão em questão não se consubstanciar na preterição de uma formalidade essencial, não deveria levar à anulação do acto de reversão oponido e, por razão de segurança jurídica, de economia processual e em respeito do princípio geral de direito administrativo do aproveitamento do acto, deveria o mesmo manter-se na ordem jurídica.
4.14. Ao assim não entender, o Ilustre Tribunal recorrido, no entendimento da Fazenda Pública e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento, no que à aplicação do direito diz respeito, violando o princípio geral de direito administrativo do aproveitamento do acto inválido, plasmado no artigo 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo, in casu aplicável nos termos do disposto no na alínea c) do artigo 2.º da LGT.
Razão pela qual,
4.15. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.
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Na pendência da oposição judicial foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros, e após o decurso dos trâmites processuais legalmente previstos, por despacho de 10/01/2022 , inserto a fls.392 e ss (numeração em formato digital – sitaf), o incidente foi julgado procedente e na sequência as Recorridas, M………………. e A ………………… foram declaradas habilitadas a prosseguir os termos da demanda na qualidade de herdeiras do oponente, J……………………..
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Não foram produzidas contra-alegações
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Por despacho datado de 26/04/2022, inserto a fls.443 (numeração em formato digital – sitaf), o recurso interposto pela Fazenda Pública foi admitido para este Tribunal Central Administrativo.
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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no qual levantou a questão do presente recurso ter sido dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, pronunciando-se no sentido de ser esse tribunal competente caso se entenda que o recurso versa apenas sobre matéria de direito, mas, se for decidido que o presente recurso deve ser apreciado neste TCAS, então, o mesmo não deve ser provido.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação
1.De Facto.
Com relevo para a decisão do presente recurso, o Tribunal considera provada a seguinte matéria de facto:
“A) A sociedade M..... S..... – ACTIVIDADES ..................S, LDA., teve início de atividade em 07.02.1992 e cessação da mesma em 11.03.2009, e tinha por atividade “Outras Actividades ..................s”, sendo o ora Oponente gerente desde a respetiva constituição até à cessação da atividade – cf. fls. 11 do PEF incorporado no suporte físico dos autos após fls. 34 deste.
B) Em 16.03.2009 foi instaurado, no Serviço de Finanças de Cascais 1, contra a sociedade M..... S..... – ACTIVIDADES ..................S, LDA., o processo de execução fiscal (PEF) n.º ……………………535, para cobrança coerciva de dívidas de coimas, eleito processo principal, ao qual vieram a ser apensados outros relativos a dívidas de IVA, IRS (retenções na fonte) e IS, dos anos de 2002 a 2008 – cf. fls. 32 e o quadro de síntese a fls. 75 a 78 do suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
C) Em 01.07.2010 foi elaborada informação no PEF referido em B) sobre as pesquisas efetuadas para identificação de bens da sociedade executada constatando respetiva a inexistência – cf. fls. 9 do PEF incorporado no suporte físico dos autos após fls. 34 deste.
D) Em 01.07.2010, foi proferido despacho para efeitos de audição prévia do ora Oponente com vista à reversão no PEF identificado em B), com fundamento na inexistência de património da sociedade e no exercício da função de gerente no período a que respeita o vencimento das dívidas exequendas, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pelo valor total de € 473.275,97, que incluía diversas dívidas de coimas – cf. fls. 15 a 27 do PEF incorporado no suporte físico dos autos após fls. 34 deste.
E) Em 11.03.2009 foi declarada a extinção dos processos de execução fiscal relativos a coimas por dissolução da sociedade M..... S..... – ACTIVIDADES ..................S, LDA., na sequência de declaração da respetiva insolvência requerida pela própria e que correu termos sob processo n.º 198/09.2TYLSB, do 4.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa – cf. fls. 37 do PEF incorporado no suporte físico dos autos após fls. 34 deste e doc. 14 junto à p.i.
F) Em 20.07.2010 deu entrada no órgão de execução fiscal o requerimento do ora oponente com vista ao exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de reversão da execução referida em B), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde invoca, em síntese, a caducidade do direito à liquidação e prescrição de parte das dívidas de IVA do exercício de 2002; a prescrição das dívidas de coimas e a inexistência de culpa na situação de insuficiência patrimonial da sociedade devedora original, requerendo a inquirição de duas testemunhas – cf. fls. 54 a 61 do PEF incorporado no suporte físico dos autos após fls. 34 deste.
G) Em 31.08.2010 foi elaborada no PEF informação sobre o requerimento que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e da qual resulta, no essencial, que “não ocorreu a caducidade” suscitada pelo ora oponente; quanto à alegação de inexistência de culpa é referido que “cabia a este o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento das referidas dívidas. E não nos parece que essa prova tenha sido feita” e, por fim, no que respeita à prescrição das dívidas de coimas foi referido que “o problema da prescrição das coimas já não se põe em virtude de a Sociedade ter sido dissolvida em 11/03/2009, facto esse verificado por este serviço a 7/07/2010, data em que foram extintas todas as coimas por dissolução da empresa”, concluindo “que se deve prosseguir com a reversão apenas contra o Sr. J …………” – cf. fls. 62/63 do PEF incorporado no suporte físico dos autos após fls. 34 deste.
H) Por despacho de 07.09.2010, do Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi determinada a reversão da execução contra o ora Oponente pelo valor de € 330.234,05 – cf. fls. 71/72 do PEF incorporado no suporte físico dos autos após fls. 34 deste.
I) Em 18.10.2010 o ora Oponente foi citado para a execução fiscal identificada em B), para pagamento da quantia de € 330.234,05, relativa a dívidas de IVA, IRS (retenções na fonte) e IS, dos anos de 2002 a 2008 – cf. fls. 86 a 90 do PEF incorporado no suporte físico dos autos após fls. 34 deste.
J) A sociedade devedora originária tinha sérias dificuldades financeiras, pelo menos desde o ano de 2002, não gerando resultados positivos entre 2002 e 2008 – depoimentos das 1.ª e 2.ª testemunhas e docs. 1 a 13 juntos à p.i.
K) A sociedade devedora originária efetuou pagamentos de impostos ao abrigo do regime especial de regularização das dívidas fiscais previsto no Decreto-Lei n.º 124/96, de 10/08 (“Plano Mateus”) – facto não controvertido.
L) A oposição deu entrada no Serviço de Finanças em 17.11.2010 – cf. fls. 1 do suporte físico dos autos.
*
Factos não provados: // Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar como não provados. // Motivação da decisão de facto: // Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e do PEF neles incorporados, conforme referido em cada uma das alíneas, os quais não foram impugnados pelas partes, e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade e ainda do depoimento das testemunhas que, nos aspectos em que relevou, se mostrou objetivo, decorrente do conhecimento direto dos factos.”
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
M) No requerimento elaborado pelo recorrido, com vista ao exercício da audição prévia, referido na alínea F), o mesmo arrolou duas testemunhas e alegou, entre o mais, o seguinte:
«Ora, a verdade é que o administrador tudo fez para acautelar os melhores interesses dos sócios e dos trabalhadores. // Ora, o gerente em questão não delapidou o património da empresa em seu proveito, o mesmo tudo fez para que a empresa saldasse as suas dívidas, dando sempre prevalência no pagamento das dívidas fiscais e dos salários dos trabalhadores em detrimento de outros pagamentos de outras dívidas, só que o referido pagamento nem sempre foi possível dado os constantes prejuízos que a empresa apresentava, o que originou a sua insolvência. // A culpa do gerente é entendida como uma culpa funcional, isto é, a existência de culpa no exercício técnico ou profissional da actividade de gerente, que não aconteceu no caso presente. // Com efeito o gerente deu sempre provas de que exercia a gerência da empresa de forma exemplar. // Assim, não lhe é imputável o facto da situação económica da sociedade ser insuficiente para a satisfação das dívidas, objecto da execução fiscal. // Por outro lado, não foram apresentadas pela Administração Fiscal quaisquer provas de que foi por culpa do gerente que a empresa se tomou insolvente e portanto sem património para satisfazer as dívidas fiscais».
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Compulsados os autos, impõe-se rectificar as datas, quer da informação referida na alínea G), quer do despacho referido na alínea H), as quais correspondem a 03/12/2010.
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa em que terá incorrido a sentença sob recurso.
A sentença julgou procedente a oposição.
Considerou, por um lado, que, ocorreu falta de fundamentação do despacho de reversão, dado que o mesmo omitiu a apreciação dos elementos novos aduzidos pelo recorrido, em sede de exercício do direito de audição. Por outro lado, ponderou que não há lugar no caso, à aplicação do princípio do aproveitamento do acto, porquanto «analisado o processado, designadamente a informação dos serviços que procede à análise do direito de audição, à qual o despacho de reversão em si mesmo nada acrescenta nesta matéria, resulta do mesmo, quanto à alegação de inexistência de culpa, que “cabia a este [ora oponente] o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento das referidas dívidas. E não nos parece que essa prova tenha sido feita”, resultando claro que o órgão de execução fiscal ignorou por completo a prova oferecida pelo potencial responsável subsidiário – a requerida inquirição de duas testemunhas – a qual visava, como se alcança do teor da defesa escrita, a demonstração da inexistência de culpa do visado na situação de insuficiência patrimonial a que a sociedade por si gerida chegou (…)».
Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso, cumpre referir que, atendendo ao teor das alegações de recurso, as mesmas incidem sobre matéria de direito e sobre matéria de facto, pelo que o Tribunal competente para dirimir o objecto do recurso é este TCAS (artigo 280.º, n.º 1, do CPPT). Impõe-se, pois, proceder à apreciação do mérito do mesmo.
2.2.2. A recorrente assaca à sentença sob escrutínio erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e quanto ao direito aplicável.
Apreciação. Está em causa a reversão do processo de execução fiscal referido na alínea B), do probatório.
Nos termos do artigo 23.º da LGT (“Responsabilidade tributária subsidiária”), «[a] responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal» (n.º 1); «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» (n.º 4).
Constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «De harmonia com o preceituado no artº.60, nº.7, da L.G.T., se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão. A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ter lugar, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (…). A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados. A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento». (1)
ii) «Se a administração tributária não dá adequado cumprimento ao direito de audição, tal facto determina a anulação, por vício de forma, do despacho de reversão.
O mesmo só não seria anulável se a respetiva irregularidade pudesse degradar-se em formalidade não essencial, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos atos. // Mas, essa degradação só poderia ocorrer se, por recurso a um juízo de prognose póstuma, fosse seguro concluir que a realização da diligência de inquirição das testemunhas indicadas pelo revertido, não seria passível de aportar elementos novos, relevantes para a fundamentação da decisão a proferir».
(2)
No caso em exame, do probatório resulta que o oponente alegou factos relativos à sua ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas exequendas, em sede de audição prévia, e arrolou testemunhas(3). O requerimento em apreço não foi objecto de apreciação por parte do órgão autor do despacho de reversão(4). Recai sobre o órgão de execução fiscal o dever de realizar todas as diligências instrutórias idóneas ao completo esclarecimento dos factos relevantes. «Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos» (artigo 101.º/3, do CPA(5)). «Após a audiência, podem ser efectuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes» (artigo 104.º do CPA(6)). Pelo que o acto em apreço incorreu na preterição do regime do trâmite da audição prévia do revertido.
A falta de apreciação do requerimento de inquirição de testemunhas, deduzido em sede de exercício de direito de audição, por parte do órgão autor do despacho de reversão consubstancia preterição do dever de fundamentação de tal despacho, a qual assume eficácia invalidante do mesmo, sem possibilidade de afastamento dos seus efeitos. A inquirição das testemunhas arroladas pelo revertido, se tivesse sido realizada, podia ter esclarecido os factos que o mesmo alegou com vista afastar a culpa pela falta de pagamento das dívidas exequendas(7). O cumprimento da formalidade mencionada podia ter conduzido à emissão de um juízo negativo por referência à culpa na falta de pagamento das dívidas exequendas do revertido, pelo que a preterição da referida formalidade não se degradou em mera irregularidade. As asserções de facto proferidas no âmbito da audição prévia, desde que suportadas na prova testemunhal ou outra, carreadas pelo revertido, podiam dar lugar a decisão diversa daquela que se encontra sob escrutínio. Pelo que não é possível emitir, no caso, um juízo de prognose póstuma sobre o carácter irremovível da decisão tomada.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julga improcedentes as presentes conclusões de recurso.
X
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta –Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto–Vital Lopes)

(1)Acórdão do STA, de 04-12-2019, P. 0299/08.4BECBR 01112/17
(2)Acórdão do STA, de 20-03-2019, P. 01437/14.3BELRS 0304/18
(3)Alíneas F) e M), do probatório.
(4)Alíneas G) e H), do probatório.
(5)Antigo.
(6)Antigo.
(7)Alínea M), do probatório.