Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2605/14.3BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:10/29/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:SUBVENÇÃO MENSAL VITALÍCIA;
TITULAR DE CARGO POLÍTICO;
LEI DO ORÇAMENTO DE ESTADO DE 2014
Sumário:I. O artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado de 2014) não tem por fito excluir do seu âmbito de aplicação os beneficiários da subvenção mensal vitalícia que, ao tempo, sejam titulares de cargos políticos no exercício de funções, já que a figura da subvenção mensal vitalícia é precisamente atribuível a ex-titulares de cargos políticos, por ser nessa exclusivamente qualidade que beneficiam mensalmente dessa subvenção.

II. Mesmo quando a subvenção mensal vitalícia é recebida por um atual titular de cargo político, porque, entretanto, reassumiu o cargo ou foi investido noutro cargo, tal subvenção continua a ser-lhe devida na qualidade de ex-titular de cargo político.

III. Não se alcança resultado interpretativo diferente do artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado de 2014, por este preceito apenas revelar a proteção conferida aos titulares de cargos políticos que previamente à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2014 optaram por receber a pensão de aposentação e a subvenção mensal, em detrimento da retribuição inerente ao cargo político que exercem, não permitindo afastar a aplicação do disposto no artigo 77.º e a sujeição da subvenção mensal vitalícia à condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas.

IV. Antes mesmo do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, o legislador, no uso da sua liberdade de conformação, veio a assumir que a subvenção mensal vitalícia dos titulares de cargos políticos não constitui um elemento fundamental ou necessário do seu respetivo estatuto, vindo a eliminá-la.

V. Embora se tenha previsto um regime transitório, do qual o Autor, ora Recorrente, beneficia, a subvenção mensal vitalícia não fica imune aos demais aspetos de regime que se colocam às prestações pecuniárias que não têm natureza contributiva, sujeitas à verificação da condição de recursos.

VI. A aplicação do regime previsto no artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado de 2014 ao Autor não fere as disposições dos artigos 2.º e 18.º, da CRP, porque além de não gozar da especial proteção jurídica que é própria dos direitos fundamentais, não se sobrepõe ao interesse público subjacente à submissão da referida prestação não contributiva ao regime da condição de recursos, não constituindo uma violação do princípio constitucional da proteção da confiança, atenta a natureza e finalidade de assegurar a sustentabilidade económico-financeira do Estado português no contexto do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro 2011/2014 (PAEF).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

H............, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 20/12/2016, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P., julgou a ação improcedente e absolveu a Entidade Demandada dos pedidos de anulação da decisão notificada por ofício de 26/08/2014, que lhe ordenou a devolução da quantia de € 6.147,15, referente a subvenções vitalícias e a condenação a pagar-lhe esse valor, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.


*

Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1. Por preencher as condições legalmente fixadas o recorrente, então no exercício do mandato de deputado na Assembleia da República, requereu, oportunamente, que lhe fosse reconhecido o direito à subvenção mensal vitalícia previsto no artº 24º da Lei nº 4/85, de 9 de Abril.

2. Tal direito foi-lhe reconhecido e devidamente quantificado (€ 1.229,43) pela entidade demandada, ora recorrida.

3. Conforme Aviso 7483/13, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 110, de 7 de Junho de 2013 (Doc. 1 junto com a p.i.), o A., recorrente, passou à situação de aposentado.

4. Em Agosto de 2013, através dos serviços da Assembleia da República, optou, em conformidade com a lei, pela pensão de aposentação (deixando de auferir a remuneração do exercício do cargo de deputado), cumulável com a subvenção vitalícia.

5. Ao cancelar o pagamento da subvenção devida, em Junho de 2014 (€ 1.229,43) e ao obrigar o A., recorrente, a repor a quantia de € 6.147,15 respeitante às subvenções pagas de Janeiro a Maio de 2014, a entidade demandada, por via do acto impugnado, fez incorrecta aplicação do artº 77º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014, que respeitava exclusivamente a “ex-titulares de cargos políticos”, preterindo as regras de interpretação da lei (nº 2., do artº 9º do CCivil), ao contrário do decidido na douta sentença recorrida.

6. Em qualquer caso, se dúvidas existissem a tal respeito elas eram sempre dissipadas pelo artº 78º da Lei nº 83-C/2013, de 21 de Dezembro, que introduziu alteração à Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro, mais precisamente, no nº 3., do seu artº 10º, que mandou aplicar aos titulares de cargos políticos em funções, o regime até então vigente, disposição que os actos impugnados violaram, e que, igualmente, a sentença recorrida, violou.

7. A não aplicação do artº 78º da Lei do Orçamento de Estado para 2014, apenas aos ex-titulares dos cargos políticos, tem a ver com a circunstância de que a atribuição da subvenção anual vitalícia aos titulares de cargos políticos, já aposentados, que optaram por receber a pensão de aposentação cumulativamente com a subvenção, em vez da remuneração pelo exercício do cargo, apresenta-se como sucedâneo do pagamento do trabalho efectivamente prestado.

8. Sucede ainda que, o artº 77º da Lei do Orçamento de Estado para 2014, que a entidade demandada aplicou, por via dos actos impugnados, enferma de inconstitucionalidade, uma vez que por via do excesso que importaria, na redução, e mesmo eliminação, da subvenção em causa, viola, manifestamente, o princípio da tutela da confiança (artº 2º da CRP) e ao alargar uma restrição de direito fundamental (remuneração por exercício de cargo político) viola, também, o artº 18º da Lei Fundamental, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, que violou aquelas disposições constitucionais.

9. A sentença recorrida ignorou, de todo, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 3/2016, que declarou inconstitucional o artº 80º da Lei do Orçamento do Estado de 2014 – condição de recursos – de todo equivalente ao artº 77º da Lei nº 83-C/2013, de 21 de Dezembro (Orçamento do Estado parar 2014), norma que, ao contrário do decidido no Tribunal “a quo”, deve ser declarada inconstitucional.

10. Deve, pois, a sentença recorrida, por todas estas razões, ser, pura e simplesmente revogada.

11. Em consequência disso, deverão, ser anulados, por enfermarem de erro nos pressupostos e do vício de violação de lei, e se fundamentarem em norma inconstitucional, os actos da entidade demandada identificados nos autos e, em consequência disso, ordenado o pagamento da prestação de € 1.229,43 respeitante à subvenção do mês de Junho de 2014 e ainda às subvenções dos meses de Janeiro a Maio de 2014 que o A. repôs, sob condição e reserva do direito de impugnação dos actos em causa, tudo acrescido dos respectivos juros legais.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, por provado, revogando-se a sentença recorrida, e julgada procedente a ação.


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Notificado o Recorrido, o mesmo apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. A Caixa Geral de Aposentações (CGA) considera que o recurso interposto não merece provimento, tendo a Sentença feito uma correta interpretação e aplicação da lei, assim como dos factos submetidos a juízo, não existindo fundamento legal que permita isentar o Recorrente, da aplicação do art.º 77.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE/2014).

B. A concessão da subvenção mensal vitalícia nunca pôde ser atribuída senão a quem tivesse sido, num momento anterior e durante o tempo exigido na Lei, titular de um cargo político. De facto, a subvenção mensal vitalícia é sempre atribuída a um ex-titular de cargo político, independentemente de este voltar ou não a desempenhar um cargo político.

C. Se assim não fosse entendido, cair-se-ia no absurdo de poder admitir-se a possibilidade de a norma prevista no art.º 77.º da LOE/2014 não poder aplicar-se a nenhum dos ex-titulares de cargos políticos titulares de subvenção mensal vitalícia caso todos eles reassumissem o desempenho de um cargo político.

D. Acresce dizer que o disposto no n.º 3 do art.º 10.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro – cuja redação decorre do art.º 78.º da LOE/2014 – limita-se a garantir aos titulares de cargos políticos em exercício de funções o direito de opção que decorria da anterior redação do art.º 9.º da Lei n.º 52-A/2010, isto é, a opção entre a remuneração e a subvenção e, bem assim, a opção entre a remuneração e a pensão, com a consequente possibilidade de estes manterem o direito a receber acumuladamente a pensão e a subvenção. Dado que, ao contrário do que até então sucedia, a atual redação do referido art.º 9.º determina a suspensão automática do pagamento da pensão e da subvenção mensal vitalícia durante o período em que durar o exercício de funções políticas remuneradas.

E. O regime de “Limites às cumulações” previsto no art.º 9.º da Lei n.º 52-A/2005 (ou o previsto no n.º 3 do art.º 10.º daquela Lei), não é suscetível de ser confundido com uma norma geral e abstratamente estabelecida fora daquele diploma legal, uma vez que o art.º 77.º da LOE/2014 é uma norma jurídica independente do regime previsto no art.º 9.º da Lei n.º 52-A/2005, que veio tornar o pagamento da subvenção mensal vitalícia dependente de um controlo de rendimentos, sendo a letra da Lei muito clara ao explicitar que abrange todas as subvenções “...em pagamento e a atribuir...” (n.º 1 do referido art.º 77.º)

F. Não se pode confundir a subvenção mensal vitalícia com uma pensão de aposentação ou de reforma, pois ao contrário das pensões de aposentação, que decorrem de contribuições previdenciais e da chamada solidariedade intergeracional, o acesso e abono das subvenções mensais vitalícias não tem natureza contributiva, visando antes a compensação pela reintegração de um titular de cargo político na vida ativa.

G. Não ocorre a alegada violação de princípios constitucionais, designadamente os da proporcionalidade e da confiança. Tal parece carecer totalmente de sentido, se comparada a situação do Recorrente com todos aqueles que, para além de não poderem hoje aceder a tais subvenções de origem não contributiva, têm de efetuar contribuições previdenciais de valor cada vez mais elevado para, no futuro, perceberem pensões de valor cada vez mais reduzido.

H. Aliás, terão sido precisamente as preocupações relativas à sustentabilidade financeira dos sistemas de segurança social a longo prazo que levaram o legislador orçamental a condicionar o recebimento das subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos a um controlo de rendimentos.

I. Quanto ao alegado no ponto 9 das Conclusões do Recorrente, em que este invoca a jurisprudência constante no Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 3/2016, de 13 de Janeiro, importará precisar que o Acórdão n.º 139/2015, do TC, de 7 de abril, decidiu não declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 77.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e que o Acórdão n.º 3/2016, do TC, de 2016-01-13 declarou a inconstitucionalidade das normas do artigo 80.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, determinando – com efeitos a partir de 2015-01-01 –, que o valor das subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos e das respetivas subvenções de sobrevivência, em pagamento e a atribuir, deixa de estar dependente de condição de recursos nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas previsto no Decreto- Lei n.º 70/2010, de 16 de junho.

J. Sendo ainda de salientar que a aludida declaração de inconstitucionalidade do artigo 80.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro – com efeitos a partir de 2015-01-01 – não se traduz automaticamente na desaplicação dos pressupostos legais de acumulação de subvenções com outros proventos (limites, designadamente, decorrentes do art.º 9.º da Lei n.º 52- A/2005, de 10 de outubro).”.

Pede que seja negado provimento ao recurso e confirma a sentença recorrida.


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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento no tocante à interpretação e aplicação do artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2014 e por inconstitucionalidade deste preceito, por violação do princípio da confiança, previsto no artigo 2.º da CRP e violação do artigo 18.º da CRP.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A) O Autor exerceu o mandato de deputado na Assembleia da República na VII Legislatura, entre 27 de Outubro de 1995 e 24 de Outubro de 1999, na VIII Legislatura, entre 25 de Outubro de 1999 e 4 de Abril de 2002, na IX Legislatura, entre 5 de Abril de 2002 e 9 de Março de 2005, na X Legislatura, entre 10 de Março de 2005 e 14 de Outubro de 2009, na XI Legislatura, entre 15 de Outubro de 2009 e 19 de Junho de 2011, na XII Legislatura, entre 20 de Junho de 2011 e, pelo menos, 5 de Junho de 2014 – cfr. documento de fls. 53 do processo administrativo instrutor e, quanto ao período de exercício de funções na XII Legislatura, cfr. o documento de fls. 90 do processo administrativo instrutor, que se dão por reproduzidos;

B) Em 27 de Setembro de 2012, o Autor requereu à Presidente da Assembleia da República «que lhe seja atribuída a subvenção mensal vitalícia prevista no artigo 24.º da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 26/95, de 18 de Agosto, e 3/2001, de 23 de Fevereiro (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 9/2001, de 13 de Março), e Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro» – cfr. documento de fls. 51 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;

C) Em 26 de Novembro de 2012, a Assembleia da República enviou à Entidade demandada uma comunicação com o seguinte teor:

«Assunto: Subvenção mensal vitalícia

Tenho a honra de remeter a V. Exa., nos termos e para os efeitos consignados no n.º 3 do artigo 27.º da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, o requerimento firmado pelo Senhor Deputado H............, no sentido de que lhe seja atribuída a subvenção mensal vitalícia prevista no artigo 24.º da lei acima citada.

Informo ainda V. Exa. que o Senhor Deputado não se encontra abrangido pelas disposições contidas no n.º 4 do artigo 31.º do referido diploma legal.

Mais se informa que o Senhor Deputado está abrangido pelo n.º 4 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro, na redacção conferida pelo artigo 172.º do Decreto-Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, uma vez que se encontra, à presente data, no exercício de funções como Deputado, devendo por isso optar pela suspensão do pagamento da subvenção mensal vitalícia ou pela suspensão da remuneração correspondente à função política desempenhada» – cfr. documento de fls. 51 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;

D) Por ofício de 1 de Março de 2013, a Entidade demandada enviou uma comunicação ao Autor da qual resulta o seguinte:

«Informo V. Exa. de que foi fixada uma subvenção mensal vitalícia para o ano de 2013 de € 2372,05, com base nos seguintes elementos:

Vencimento do cargo de Deputado

9 anos de serviço prestado até 2013-02-28

(decisão proferida por dois directores da Caixa Geral de Aposentações em 2013- 03-01, ao abrigo da delegação de poderes do Conselho Directivo da CGA publicada no Diário da República, II Série, n.º 250 de 2011 -12-30).

Se exercer ou voltar a exercer quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas, nomeadamente em serviços da administração central, regional ou autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o sistema empresarial municipal ou regional e demais pessoas colectivas públicas, terá de optar pela suspensão do pagamento da subvenção mensal vitalícia ou pela suspensão do pagamento da remuneração correspondente à função política ou pública desempenhada e de informar a entidade processadora da prestação a suspender dessa opção (n.º 4 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro, com a redacção do artigo 172.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro)» – cfr. documento de fls. 58 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;

E) Em 5 de Abril de 2013, a Divisão de Gestão Financeira da Assembleia da República enviou uma comunicação à Entidade demandada com o seguinte teor:

«Nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro, na redacção conferida pelo artigo 172.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, cumpre- me transmitir a opção pela suspensão do pagamento da subvenção mensal vitalícia respeitante ao Senhor Deputado H............, (…) com efeitos à data da sua atribuição» – cfr. documento de fls. 68 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;

F) Em 14 de Maio de 2013, a Divisão de Gestão Financeira da Assembleia da República enviou uma comunicação à Entidade demandada com o seguinte teor:

«Nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro, na redacção conferida pelo artigo 172.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, cumpre-me transmitir a alteração da opção pela suspensão do pagamento da remuneração do cargo político desempenhado respeitante ao Senhor Deputado H............, (…) com efeitos a 2013-05-01» – cfr. documento de fls. 84 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;

G) Em 1 de Julho de 2013, o Autor passou à condição de aposentado, com uma pensão mensal de € 1978,60 (mil, novecentos e setenta e oito euros e sessenta cêntimos) – cfr. Aviso n.º 7483/13, publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 110, de 7 de Junho de 2013 (documento n.º 1 junto com a petição inicial), que se dá por reproduzido;

H) Em 8 de Fevereiro de 2014, a Entidade demandada emitiu uma declaração dirigida ao Autor, com o seguinte teor:

«Para os devidos efeitos, declaramos que V. Exa. aufere pela Caixa Geral de Aposentações a pensão mensal de € 4275,03 e que em 2013 lhe foi pago o total anual de € 31989,77» – cfr. documento de fls. 86 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;

I) Por ofício de 31 de Março de 2014, a Entidade demandada informou o Autor do seguinte:

«A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, determinou a aplicação às subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos e às respectivas subvenções de sobrevivência da condição de recursos prevista no regime de acesso a prestações sociais não contributivas, regulado no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho.

De acordo com o novo regime, a subvenção mensal vitalícia ou a subvenção de sobrevivência é suspensa se o rendimento mensal médio do beneficiário e do seu agregado familiar no ano imediatamente anterior àquele a que respeita a subvenção, excluindo esta prestação, for superior a € 2000,00, ficando limitada à diferença entre o valor de referência de € 2000,00 e aquele rendimento mensal médio, excluindo a subvenção, nas restantes situações.

Segundo estabelece o artigo 77.º da referida Lei, compete ao beneficiário da subvenção entregar à entidade processadora daquela prestação, até ao dia 31 de Maio de cada ano, a declaração do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares relativa ao ano anterior ou certidão comprovativa de que, nesse ano, não foram declarados rendimentos.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 77.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e tendo em vista a aplicação do novo regime de condição de recursos das subvenções mensais vitalícias e respectivas subvenções de sobrevivência com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2014, solicito a V. Exa. se digne enviar a esta Caixa, com a maior brevidade, a declaração do IRS relativa aos rendimentos de 2013.

Caso não disponha ainda daquela declaração, deverá remeter a do ano anterior, que será provisoriamente utilizada pela Caixa Geral de Aposentações até que a relativa aos rendimentos de 2013 seja recebida, assim se evitando a acumulação de valores a restituir à CGA posteriormente» − cfr. documento de fls. 8 (verso) dos autos (documento n.º 2 junto com a petição inicial), que se dá por reproduzido;

J) Em 5 de Junho de 2014, a Divisão de Gestão Financeira da Assembleia da República enviou uma comunicação à Entidade demandada da qual resulta o seguinte:

«Nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro, na redacção conferida pelo artigo 172.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, mantida em vigor pelo regime transitório constante do n.º 3 do artigo 78.º da Lei n.º 83 - C/2013, de 31 de Dezembro, cumpre-me transmitir a opção pela suspensão do pagamento da pensão de aposentação dos Senhores Deputados H............ (…), com efeitos a 2014-07-01» – cfr. documento de fls. 90 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;

K) Por ofício de 26 de Agosto de 2014, a Entidade demandada enviou ao Autor uma comunicação com o seguinte teor:

«Em face da declaração do imposto sobre o rendimento que V. Exa. apresentou

nesta Caixa, verificou-se que a subvenção mensal vitalícia de que é titular está abrangida pelo disposto no artigo 77.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014.

Tal preceito legal determina, relativamente à subvenção mensal vitalícia:

• A sua suspensão sempre que o rendimento mensal médio do beneficiário e do seu agregado familiar, excluindo a subvenção for superior a € 2.000,00;

• A sua limitação à diferença entre o valor de referência de € 2.000,00 e aquele rendimento mensal médio, excluindo a subvenção, nas restantes situações.

Por esse motivo, a CGA já suspendeu o pagamento da subvenção mensal vitalícia de que é titular, a partir de 1 de Junho último.

Porém, dado que a medida produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2014, terá

V. Exa. que repor o valor das subvenções a mais recebido nos meses de Janeiro a Maio de 2014, no valor de € 6.147,15, para o que se junta um documento, com o qual poderá regularizar a situação por uma das seguintes formas:

• Através de Sistema Multibanco, funcionalidade, Pagamentos e outros serviços;

• Junto de uma Agência da Caixa Geral de Depósitos» – cfr. documento de fls. 9 dos autos (documento n.º 3 junto com a petição inicial), que se dá por reproduzido;

L) Em 24 de Setembro de 2014, o Autor procedeu ao pagamento da quantia referida no parágrafo anterior, e fez acompanhar o envio à Entidade demandada do comprovativo desse pagamento de um requerimento no qual manifesta «de forma expressa, que o faz sob reserva, e que o aludido pagamento não constitui, sob forma alguma, aceitação do acto administrativo que ordenou a reposição, reservando-se o direito de recorrer aos meios legais à sua disposição para o impugnar contenciosamente» – cfr. documentos de fls. 99 e 100 do processo administrativo instrutor, que se dão por reproduzidos.


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A decisão sobre a matéria de facto foi formada com base no exame dos documentos constantes dos autos, do processo administrativo instrutor neles incorporado e da posição assumida pelas partes nos articulados, tudo conforme discriminado nos vários parágrafos do probatório.

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Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.

E não se vislumbram factos alegados que devam considerar-se como não provados e relevantes para a decisão da causa.”

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento no tocante à interpretação e aplicação do artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2014 e por inconstitucionalidade deste preceito, por violação do princípio da confiança, previsto no artigo 2.º da CRP e violação do artigo 18.º da CRP

Vem o Recorrente a juízo interpor recurso da sentença recorrida, que julgou a ação improcedente, negando a pretensão requerida pelo Autor.

Sustenta que por reunir os requisitos para beneficiar do regime transitório, de atribuição de subvenções aos titulares de cargos políticos, requereu a atribuição da subvenção mensal vitalícia prevista no artigo 24.º da Lei n.º 4/85, de 09/04 e a suspensão do seu pagamento, face à circunstância de auferir a remuneração pelo exercício de funções como deputado.

A partir de 07/07/2013 o Autor passou à condição de aposentado, passando a Entidade Demandada a processar ao Autor o valor da sua pensão de aposentação, acrescido da subvenção mensal vitalícia.

No entanto, em 31/03/2014 a Entidade Demandada remeteu um ofício ao Autor invocando que a Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014 determinou a aplicação às subvenções vitalícias da condição de recursos prevista no regime regulado pelo D.L. n.º 70/2010, de 16/06, vindo, posteriormente, em 26/08/2014, a ordenar a reposição das subvenções a mais recebidas, no valor de € 6.147,15.

O Autor procedeu a essa reposição, mas sob expressa declaração de não aceitação do ato.

Sustenta a errada interpretação do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, por tal norma ter o seu âmbito de aplicação previsto para os ex-titulares de cargos políticos, quando o Autor, não era, ao tempo, ex-titular de cargo político, mas sim titular de cargo político no ativo e em pleno exercício de funções, não estando abrangido pela previsão da norma.

Também no sentido de a Lei não pretender abranger os titulares de cargos políticos no ativo, invoca o artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que considera proteger as situações dos titulares de cargos políticos em funções que optaram por receber a pensão de aposentação e a subvenção mensal, ao invés da retribuição inerente ao cargo.

E mais defende o ora Recorrente que, atenta a sua natureza, as subvenções são equiparadas às prestações de segurança social.

Dessa equiparação sustenta o Recorrente a aplicação às subvenções do regime dos direitos fundamentais, pelo que, as normas que as diminuem, restringem ou eliminam não podem ser interpretadas analogicamente.

Além de que defende ainda o Recorrente que importa atender à consolidação das expectativas jurídicas dos beneficiários das subvenções que se mantinham no exercício das funções, em respeito do princípio da confiança, que emerge da consagração do Estado de Direito democrático, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Defende, por isso, ser inconstitucional a interpretação do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, de abranger na sua previsão os titulares de cargos políticos em exercício de funções, por violação do artigo 18.º da CRP e do princípio da confiança, previsto no artigo 2.º da CRP.

Vejamos.

O presente litígio assume natureza exclusivamente de direito, visto o Recorrente não impugnar o julgamento de facto constante da sentença recorrida, antes discordando da interpretação e aplicação das regras de direito.

Além disso, é manifesto que o Recorrente mais do que dirigir a sua censura contra a sentença recorrida que constitui o objeto do presente recurso jurisdicional, dirige a sua alegação recursiva contra o ato impugnado e a atuação da Entidade Demandada, reiterando no presente recurso o que já antes havia alegado na petição inicial.

Pelo que o Recorrente não dirige qualquer vício à sentença recorrida, antes reafirmando os vícios imputados ao ato impugnado.

Acresce que, além de não lhe dirigir expressamente qualquer erro de julgamento, é manifesto que o Recorrente também não procura no presente recurso pôr em crise os fundamentos de direito constantes da sentença recorrida e que sustentam o juízo de improcedência da pretensão formulada, por se limitar a reiterar a sua anterior alegação constante da petição inicial.

Assim, verifica-se que o Recorrente não ataca qualquer fundamento de direito invocado na sentença, não pondo em crise o decidido, antes se limitando a reafirmar o que invocara no articulado inicial.

Sem prejuízo, é percetível que o Recorrente considera existir um erro de interpretação e de aplicação do disposto no artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que aprova o Orçamento de Estado para 2014, invocando a sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, previsto no artigo 2.º da CRP e do artigo 18.º da CRP.

Configurando os termos da questão decidenda a mesma prende-se em saber se o disposto no artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que aprova o Orçamento de Estado para 2014, sujeitando o valor das subvenções mensais vitalícias a condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas, se aplica tão somente aos ex-titulares de cargos políticos, como defende o Autor, ora Recorrente, não podendo, em consequência, ser tal disposição aplicada aos titulares de cargos políticos, condição de que o Autor se arroga, assim como, a ocorrer essa aplicação, se a mesma se conforma com o princípio da confiança, previsto no artigo 2.º da CRP, emanado do princípio do Estado de Direito democrático e com o disposto artigo 18.º da CRP.

De imediato se toma posição no sentido da falta de razão que assiste ao ora Recorrente e pelo acerto da sentença sob recurso, nos termos decididos e segundo a fundamentação nela aduzida.

A sentença recorrida procede a uma ampla e rigorosa análise da questão de direito configurada no presente recurso, pelo que, por se afigurar correta, ora se acolhe a sua fundamentação de direito.

Nos termos do n.º 2 do artigo 117.º da CRP, “a lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades”, cabendo à Assembleia da República, por reserva absoluta de competência, legislar sobre o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania (cfr. alínea m) do artigo 164.º da CRP).

O estatuto dos titulares de cargos políticos integra, por isso, “direitos, regalias e imunidades”, como previsto nos artigos 117.º, n.º 2, 157.º e 158.º da CRP.

Este propósito constitucional foi executado pela Lei n.º 4/85, de 09/04, que veio regular o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos.

De acordo com o respetivo artigo 1.º, eram então considerados titulares de cargos políticos, para os efeitos previstos na referida lei: o Presidente da República, os membros do Governo, os deputados à Assembleia da República, os ministros da República para as regiões autónomas e os membros do Conselho de Estado, sendo equiparados a titulares de cargos políticos, para os efeitos naquela lei previstos, os juízes do Tribunal Constitucional.

O quadro remuneratório (lato sensu) ali instituído para os titulares dos cargos políticos compreendia então dois distintos segmentos:

(i) os vencimentos e remunerações, previstos no respetivo Título I (vencimento mensal, vencimento extraordinário, abono para despesas de representação, ajudas de custo e outros abonos complementares ou extraordinários previstos na lei);

(ii) as subvenções, reguladas no Título II da mencionada Lei, revestindo as mesmas, de acordo com tal regulação, a forma de subvenções vitalícias, mensal (artigos 24.º a 28.º), por incapacidade (artigo 29.º) e por morte (artigo 30.º), e subsídio de reintegração (artigo 31.º).

De acordo com o essencial do regime previsto na Lei n.º 4/85, a par das regras especiais de atribuição previstas para os ex-Presidentes da República, ex-Presidentes da Assembleia da República e ex-Primeiros-Ministros que tivessem exercido os respetivos cargos na vigência da Constituição da República (artigo 24.º, n.ºs 2 e 3, e Lei n.º 26/84, de 31/07, que estabeleceu o regime remuneratório do Presidente da República), o direito a uma subvenção mensal vitalícia era reconhecido aos titulares de cargos políticos referidos no n.º 1 do respetivo artigo 24.º − membros do Governo, deputados à Assembleia da República e juízes do Tribunal Constitucional que não fossem magistrados de carreira − que tivessem exercido tais cargos ou desempenhado as correspondentes funções após 25 de abril de 1974, durante 8 ou mais anos, consecutivos ou interpolados.

Como decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2016, datado de 13/01/2016, Processo n.º 74/15, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 22, de 02/02/2016, “A aprovação da lei na Assembleia da República, no dia 7 de dezembro de 1984, envolveu polémica, tendo a lei suportado o voto contrário de várias formações políticas representadas no parlamento. Seja como for, se a justificação da lei foi controversa, o seu propósito não encerrava mistério. Procurava enfrentar um problema real à época, qual fosse o de procurar captar os melhores cidadãos para o exercício de funções políticas. Na verdade, este exercício, na justa medida em que, por via de regra, interrompia a atividade e/ou a carreira profissional dos que a ele se dedicavam, não era atrativo. (…) Julgou-se necessário, para o atrair para a causa pública, acenar-lhe com uma garantia de estabilidade dos seus rendimentos, que lhe proporcionasse uma vida digna e sem sobressaltos.”.

Sem que o instrumento criado fosse o único possível para executar o imperativo constitucional de dignificar o estatuto dos titulares de cargos políticos, a criação da subvenção mensal vitalícia traduziu-se numa prestação pecuniária mensal, de caráter vitalício, a favor de todos quantos tivessem exercido determinadas funções ou cargos políticos durante um certo período de tempo.

As sucessivas alterações introduzidas ao citado regime, tendo sofrido seis versões distintas entre 1985 e 2005, foram sempre no sentido de tornar mais exigentes os seus respetivos requisitos, inserindo-se “numa trajetória crescentemente restritiva, impondo-se, a cada versão do texto legal, exigências adicionais para o reconhecimento do direito à subvenção e condições mais rigorosas para o seu recebimento efetivo” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2016, de 13/01/2016).

É precisamente o artigo 24.º desta Lei n.º 4/85, alterada pela Lei n.º 16/87, de 1 de junho, pela Lei n.º 102/88, de 25 de agosto, pela Lei n.º 26/95, de 18 de agosto, e pela Lei n.º 3/2001, de 23 de fevereiro (doravante, “Lei n.º 4/85”), que previu a subvenção mensal vitalícia em causa nos presentes autos, nos seguintes termos:

1 – Os membros do Governo, os Ministros da República, os Deputados à Assembleia da República, o Governador e secretários adjuntos de Macau e os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira têm direito a uma subvenção mensal vitalícia, desde que tenham exercido os cargos ou desempenhado as respectivas funções, após 25 de Abril de 1974, durante 12 ou mais anos, consecutivos ou interpolados.

(…)

3 – Para efeitos da contagem dos anos de efectivo exercício das funções referidas no n.º 1 não serão tidas em linha de conta as suspensões do mandato de deputado que na totalidade não somem em média mais de 15 dias por sessão legislativa.

4 – Para efeitos da contagem do tempo referido no n.º 1, é tido em conta o tempo de exercício, por deputados eleitos, das funções previstas na alínea o) do n.º 2 do artigo 26.º.

5 – Não deixará de ser reconhecido o direito referido no n.º 1 quando para efeitos da contagem do tempo de efectivo exercício de funções faltarem em média 2 dias por sessão legislativa.”.

Tal subvenção, quantificada com base nas regras de cálculo e nos limites estabelecidos no artigo 25.º da mencionada Lei, era imediatamente suspensa se o respetivo titular reassumisse a função ou o cargo que tivesse estado na base da sua atribuição (artigo 26.º, n.º 1), ou assumisse alguma das funções públicas constantes do elenco legalmente fixado (artigo 26.º, n.º 2), sendo, além do mais, cumulável com a pensão de aposentação ou de reforma a que o respetivo titular tivesse igualmente direito, com sujeição ao limite estabelecido para a remuneração base do cargo de ministro, nos termos do disposto do D.L. n.º 334/85, de 20/08 (cf. artigo 27.º, n.º 1).

Nos termos do artigo 27.º, n.º 5, da Lei n.º 4/85, salvo nos casos de incapacidade, a subvenção mensal vitalícia só podia ser processada quando o titular do cargo político perfizesse 55 anos de idade.

Esta prestação apresentava, por isso, quatro características principais:

(i) caráter vitalício, mantendo-se por toda a vida do beneficiário;

(ii) estava condicionada ao período mínimo de tempo de 8 anos no exercício da função, alterando-se com a Lei n.º 26/95, de 18 de agosto, para 12 anos de exercício de funções e acrescentou-se a exigência de que o titular do cargo tivesse 55 anos de idade;

(iii) tinha natureza não contributiva, não pressupondo qualquer prévia contribuição do beneficiário para o sistema de segurança social, e

(iv) o seu fundamento residia na atividade exercida pessoalmente pelo beneficiário, prescindindo de quaisquer condicionantes relativas à situação civil, familiar ou outra, daquele.

Segundo o referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2016, de 13/01/2016, a finalidade da subvenção mensal vitalícia era a de “simultaneamente, de (i) recompensar o empenhamento do beneficiário na coisa pública, (ii) compensá-lo pelo sacrifício decorrente da previsível perda futura de oportunidades profissionais e (iii) protegê-lo de incertezas futuras suscetíveis de comprometer as suas condições de vida.”.

O regime da Lei n.º 4/85, de 09 de abril, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 16/87, de 1 de junho, 102/88, de 25 de agosto, 26/95, de 18 de agosto, e 3/2001, de 23 de fevereiro, veio a ser profundamente alterado pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, que o reviu e republicou.

Por isso, as alterações aprovadas ao regime aprovado pela Lei n.º 4/85, de 09 de abril foram evoluindo no sentido da maior exigência dos requisitos para beneficiar da subvenção mensal vitalícia, assim como, reduzir o seu montante ou até mesmo de a eliminar, como efetivamente veio a ocorrer em 2005, por efeito da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, através da revogação dos artigos 24.º e 28.º da Lei n.º 4/85, de 9 de abril.

A referida norma do artigo 24.º da Lei n.º 4/85 foi revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, que assim pôs termo à atribuição de subvenções mensais vitalícias.

Porém, o artigo 8.º da referida Lei n.º 52-A/2005 ressalvou a situação dos titulares de cargos políticos que, até ao termo dos mandatos em curso, preenchessem os requisitos para beneficiar dos direitos conferidos pelas disposições alteradas ou revogadas pelo referido diploma, assegurando a aplicação do regime legal revogado.

Por força desse regime a subvenção mensal vitalícia manteve-se transitoriamente apenas para os titulares de cargos políticos que, até ao termo dos mandatos em curso, preenchessem os requisitos da respetiva atribuição (artigo 8.º).

Como decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/2015, Processo n.º 480/14, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 67, de 07/04/2015:

Tendo em vista o «reforço da justiça e da equidade», em particular «num contexto em que [eram] solicitados a todos os cidadãos importantes sacrifícios», a Lei n.º 52-A/2005 procedeu «à reforma dos regimes aplicáveis a titulares de cargos políticos, eliminando os direitos específicos de que beneficiavam em matéria de subvenções vitalícias e de aposentação», e, simultaneamente, à «revisão do estatuto remuneratório dos titulares dos órgãos executivos das autarquias locais com relação ao exercício de funções em órgãos sociais de empresas do setor público empresarial, nomeadamente do setor municipal, de forma a corrigir casos inaceitáveis de acumulação de vencimentos» então «verificáveis em diversas situações» (Proposta de Lei n.º 18/X).

Assim, a par da atualização do elenco dos titulares de cargos políticos constante do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4/85, de 9 de abril – e que consistiu na substituição da originária referência ao cargo de «Ministros da República para as regiões autónomas» pela de «Representantes da República nas Regiões Autónomas» [alínea d)] – (cf. artigo 1.º), a Lei n.º 52-A/2005 procedeu, no n.º 1 do respetivo artigo 6.º, à revogação da totalidade das disposições que integravam o Título II da Lei n.º 4/85 – dedicado, conforme se viu já, ao estabelecimento do regime de atribuição das subvenções –, com exceção apenas das respeitantes à subvenção em caso de incapacidade (artigo 29.º da Lei n.º 4/85).

Com esta ressalva, a componente subvencional do regime remuneratório dos titulares de cargos políticos instituído pela Lei n.º 4/85, de 9 de abril, foi, assim, totalmente eliminada, ainda que essa eliminação tenha sido acompanhada da previsão de um regime transitório de salvaguarda dos titulares de cargos políticos que, até ao termo dos mandatos então em curso, preenchessem os requisitos para a atribuição das subvenções previstas nas normas concomitantemente revogadas (cf. artigo 8.º).”.

Também como decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2016, de 13/01/2016, Processo n.º 74/15, “Estas mudanças sucessivas parecem refletir uma transformação gradual da perceção da comunidade relativamente à justificação das subvenções referidas, acompanhando a consolidação do processo de democratização do País e espelhando as mudanças de perspetiva dos titulares de cargos políticos quanto a estes e ao respetivo modo de exercício.”.

É justamente por força da aplicação deste regime transitório que o Autor, ora Recorrente, beneficiou do direito à subvenção mensal vitalícia prevista no artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 4/85, a qual veio a ser-lhe atribuída pela Entidade Demandada em 01/03/2013 (cfr. alínea D) do probatório).

Por força da entrada em vigor do artigo 77.º da Lei do Orçamento de Estado de 2014, passou a ser o seguinte o regime da subvenção mensal vitalícia:

1 - O valor das subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos e das respectivas subvenções de sobrevivência, em pagamento e a atribuir, fica dependente de condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas previsto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis n.ºs 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de Junho, com as especificidades previstas no presente artigo.

2 - Em função do valor do rendimento mensal médio do beneficiário e do seu agregado familiar no ano imediatamente anterior àquele a que respeita a subvenção, esta prestação, com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de cada ano:

a) É suspensa se o beneficiário tiver um rendimento mensal médio, excluindo a subvenção, superior a (euro) 2000;

b) Fica limitada à diferença entre o valor de referência de (euro) 2000 e o rendimento mensal médio, excluindo a subvenção, nas restantes situações.

3 - O beneficiário da subvenção deve entregar à entidade processadora daquela prestação, até ao dia 31 de maio de cada ano, a declaração do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares relativa ao ano anterior ou certidão comprovativa de que, nesse ano, não foram declarados rendimentos.

4 - O não cumprimento do disposto no número anterior determina a imediata suspensão do pagamento da subvenção, que apenas volta a ser devida a partir do dia 1 do mês seguinte ao da entrega dos documentos nele referidos.

5 - O recebimento de subvenções em violação do disposto nos números anteriores implica a obrigatoriedade de reposição das quantias indevidamente recebidas, as quais são deduzidas no quantitativo das subvenções a abonar posteriormente nesse ano, se às mesmas houver lugar.”.

É precisamente na interpretação desta norma legal que reside o cerne do litígio que opõe as partes nos presentes autos.

Segundo o Autor, ora Recorrente, a referida disposição legal é exclusivamente aplicável aos ex-titulares de cargos políticos e não já aos titulares de cargos políticos que, embora beneficiários da subvenção mensal vitalícia, se encontrem no exercício de funções políticas.

Entende que a interpretação que fundou o ato impugnado é contrária ao elemento literal e à vontade do legislador, e inconstitucional por violação do artigo 18.º da CRP e do princípio da confiança, previsto no artigo 2.º da CRP.

Cabe, pois, analisar se o regime constante do artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado de 2014 tem aplicação à situação jurídica do Autor, ora Recorrente e, no caso de se decidir por essa aplicação, se a mesma implica para o Autor, enquanto beneficiário da subvenção mensal vitalícia, uma violação constitucionalmente injustificada do princípio da proteção da confiança, corolário do princípio do Estado de Direito democrático, previsto no artigo 2.º da CRP e por violação do parâmetro de proteção dos direitos fundamentais, segundo o artigo 18.º da CRP.

a) Do âmbito de aplicação da norma do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 82-C/2013, de 31 de dezembro, que aprova a Lei de Orçamento de Estado de 2014

Como decidido na sentença sob recurso:

É indubitável que a letra do preceito em análise sujeita a condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas, o valor das subvenções mensais vitalícias «atribuídas a ex-titulares de cargos políticos». E é certo que o elemento gramatical é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe desde logo a função negativa de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou ressonância nas palavras da lei (cfr., neste sentido, J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1994, p. 182). Seguindo esta linha de raciocínio, o intérprete pode sentir-se tentado a, sem mais indagações, assentar na aparente clareza do texto legal e alinhar com a posição adoptada pelo Autor nos presentes autos, assumindo que, ao dizer «ex-titulares de cargos políticos», o legislador pretendeu a contrario excluir do âmbito de aplicação da norma os «titulares de cargos políticos», ou seja, aqueles que se encontrem no exercício de um cargo político.

Porém, mesmo quando o texto da lei se apresente de maneira aparentemente clara, não deve o intérprete quedar-se pela simples apreensão literal, já que o brocardo in claris non fit interpretatio se encontra hoje posto em crise. Como diz Francesco Ferrara: «mesmo quando o sentido é claro, não pode haver logo a segurança de que ele corresponda exactamente à vontade legislativa, pois é bem possível que as palavras sejam defeituosas ou imperfeitas, que não reproduzam em extensão o conteúdo do princípio ou, pelo contrário, sejam demasiado gerais e façam entender um princípio mais lato que o real, assim como, por último, não é excluído o emprego de termos erróneos que falseiem abertamente a vontade legislativa» (cfr. Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de Manuel de Andrade, 3.ª edição, Coimbra, 1978, p. 140).

Por isso mesmo, a interpretação não pode bastar-se à letra da lei, mas tem por objecto descobrir o sentido encerrado no texto legal; razão pela qual, deve o intérprete − usando os diversos recursos da hermenêutica, combinando e controlando reciprocamente diversos meios, numa tarefa de conjunto – reconstituir o pensamento legislativo subjacente à norma face ao todo do ordenamento jurídico e às circunstâncias em que aquela foi elaborada (a occasio legis).

Partindo desta introdução, importa enquadrar a norma do artigo 77.º da LOE de 2014 no regime jurídico previsto na Lei n.º 4/85, assegurando uma adequada contextualização dessa disposição legal face aos contornos da figura da subvenção mensal vitalícia.

A análise do preceito do artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 4/85 permite concluir que constituem pressupostos da atribuição aos titulares de cargos políticos da subvenção mensal vitalícia: (i) o desempenho daquelas funções depois de 25 de Abril de 1974; (ii) a duração do seu exercício por doze anos ou mais, consecutiva ou interpoladamente; e (iii) a cessação de tais funções (cfr., neste sentido, o Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 97/90, de 22 de Novembro de 1990, disponível em www.dgsi.pt).

A exigência deste último pressuposto é, aliás, confirmada pelo teor do, hoje revogado, artigo 26.º da Lei n.º 4/85, que previa a suspensão da subvenção mensal vitalícia sempre que o respectivo titular reassumisse a função ou o cargo que esteve na base da sua atribuição (cfr. n.º 1) ou fosse investido numa das funções políticas, diplomáticas, de gestão pública ou outras elencadas nos n.ºs 2 e 3 do preceito. Ou seja, a referida suspensão não ocorreria se o beneficiário da subvenção vitalícia regressasse ao exercício da sua anterior profissão ou outra não elencada no n.º 2 do artigo 26.º da Lei nº 4/85, sem prejuízo do disposto no seu n.º 3. O que permite extrair – como primeira conclusão – que a subvenção mensal vitalícia, na sua configuração típica, é necessariamente atribuída a um indivíduo na qualidade de ex-titular de cargo político.

A título de segunda conclusão, cabe referir que, de acordo com este regime de suspensão, a subvenção mensal vitalícia só seria devida quando o beneficiário houvesse prosseguido no exercício profissional anterior à investidura no cargo público. Donde, ressalta deste exercício hermenêutico − assente (ainda) exclusivamente no elemento gramatical − que o direito em apreço é de índole compensatória da desvantagem profissional presumivelmente atribuída à interrupção desse exercício profissional pela intercepção de uma carreira política. No pressuposto de que a interrupção de uma carreira profissional normal, determinada pela eleição ou nomeação para o desempenho de um cargo político, é susceptível de provocar prejuízos e incomodidades que se torna justo compensar.

Ambas as conclusões são confirmadas pela circunstância de a subvenção mensal vitalícia se encontrar regulada em relação de alternatividade com o designado «subsídio de reintegração» previsto no artigo 31.º da Lei n.º 4/85 para os titulares de cargos políticos que, por não terem completado doze anos de exercício de funções nos termos previstos no n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma, não reuniam os pressupostos para a atribuição da referida subvenção. Ora, a designação «subsídio de reintegração» não engana: trata-se de um abono atribuído com o propósito de assegurar uma integração condigna do titular de cargo político na vida profissional, necessariamente após o termo do exercício desse cargo político – razão que justifica a utilização do prefixo «re». Por isso mesmo e à semelhança do que o legislador prevê para a subvenção mensal vitalícia, esse subsídio de reintegração deixaria de ser devido – e teria inclusivamente de ser parcialmente devolvido – se, entretanto, o respectivo titular reassumisse a função ou cargo que justificou a respectiva atribuição ou fosse designado para qualquer um dos cargos elencados nos n.ºs 2 e 3 do artigo 26.º da mesma Lei. Justamente porque, volvendo o beneficiário à carreira política, não ocorre uma verdadeira e própria reintegração na sua profissão e, em consequência, não estão verificadas as razões que justificaram a consagração desta medida compensatória. No fundo, a diferentes períodos de duração de certas funções políticas corresponderiam medidas de compensação do afastamento da profissão normal, de consistência também diferenciada, mais ténue a do subsídio de reintegração, mais forte a da subvenção vitalícia.

Prosseguindo com o exercício hermenêutico e procurando reconstituir o pensamento legislativo subjacente à consagração da figura da subvenção mensal vitalícia, importa analisar o conteúdo dos trabalhos preparatórios e da discussão parlamentar havida aquando da apresentação das Propostas de Lei n.º 88/III e 400/III, das quais derivou a aprovação da Lei n.º 4/85, na sua redacção originária.

Referia-se o seguinte na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 88/III:

«A experiência do novo regime político-constitucional demonstrou já que o exercício de cargos políticos não pode, sem desprestígio, ser concebido como um part-time semi-remunerado, e como tal conciliável com o exercício da profissão normal dos que a isso se dedicam. A interrupção de uma carreira profissional exigida pela dedicação a tempo inteiro ao desempenho de um cargo político não é concebível em termos de penalização do agente. E para que a colectividade possa exigir do agente - como deve - dedicação, serenidade e empenhamento total, tem de remunerá-lo em consonância com a responsabilidade, a dignidade e a seriedade do seu cargo» (cfr. Diário da Assembleia da República, II Série, Suplemento ao n.º 9, de 27 de Outubro de 1984).

Concretamente a propósito da subvenção vitalícia e do subsídio de reintegração, é especialmente clarificadora a alocução do deputado social-democrata António Capucho, segundo a qual estas figuras «traduzem critérios mínimos de segurança social para os titulares de cargos políticos e asseguram uma certa cobertura dos riscos inerentes à opção pela carreira política, designadamente os que decorrem de uma reintegração após vários anos de afastamento da profissão de origem», ou seja para favorecer ou compensar a sua retoma (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 26, de 10 de Dezembro de 1984, referente à sessão plenária de 7 de Dezembro do mesmo ano, p. 968).

Como se deixa dito no Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 97/90, supracitado, citando, aliás, prévios pareceres da mesma fonte não homologados nem publicados:

«O estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos foi, pois, inspirado pelo desígnio de assegurar o desempenho responsável, digno e independente das funções políticas, bem como as condições mínimas de dignidade aos ex-titulares daqueles cargos na fase subsequente à cessação de funções.

Pretendeu-se, com efeito, valorizar a função política através da vertente remuneratória, estabelecendo um vencimento adequado, e assegurar as condições de dignidade aos ex-titulares de cargos políticos, neste último caso, através da concessão de uma subvenção vitalícia ou de um subsídio de reintegração, com natureza dita análoga a medidas de segurança social, tendentes a atenuar os efeitos prejudiciais da interrupção da actividade profissional em razão da dedicação ao exercício da função política, e garantir a exclusividade do exercício dos cargos» (realces não existentes no original).

Resta, por isso, concluir que as duas conclusões atrás extraídas são inteiramente confirmadas pela razão de ser da consagração da figura da subvenção mensal vitalícia.

O que se deixa dito já permite antever a conclusão que, em consequência, se extrai: a referência a ex-titulares de cargos políticos inserida na norma do artigo 77.º da LOE de 2014 não tem, contrariamente ao pretendido pelo Autor, a intenção ou o efeito de excluir do seu âmbito de aplicação os beneficiários da subvenção mensal vitalícia que, ao tempo, sejam titulares de cargos políticos no exercício de funções. Bem ao contrário, as palavras da lei são singelamente o resultado de, por natureza, a figura que o legislador decidiu sujeitar a condição de recursos nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas ser atribuível a ex-titulares de cargos políticos. E de ser exclusivamente nessa qualidade que estes beneficiam mensalmente dessa subvenção.

É certo que, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2011, aprovada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (doravante, “LOE de 2011”), que alterou o artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, o próprio legislador admitiu que os beneficiários dessa subvenção mensal vitalícia possam reassumir o mesmo ou distinto cargo político e, não obstante, receber mensalmente a dita subvenção. Mas esta possibilidade − que resulta do regime de cumulação previsto nas normas dos n.ºs 4 e 5 do artigo 9.º da Lei n.º 52- A/2005, na redacção introduzida pela LOE de 2011, mantida pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 (aprovada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro; doravante, “LOE de 2012”) − é o resultado da faculdade conferida aos titulares de cargos políticos em exercício de funções, que sejam simultaneamente beneficiários do direito a subvenção mensal vitalícia, de optar pela suspensão da remuneração correspondente à função política desempenhada, em prol do pagamento mensal da subvenção vitalícia.

Uma tal faculdade não tem a virtualidade de alterar a natureza da figura em causa nos autos, em termos capazes de provocar uma entorse àquela que é a razão de ser da subvenção mensal vitalícia: ela é uma medida compensatória da desvantagem profissional presumivelmente atribuída à interrupção do exercício profissional pela intercepção de uma carreira política, destinada a assegurar uma adequada e digna reintegração do titular de cargo político na vida profissional. E mesmo quando recebida mensalmente por um actual titular de cargo político (que reassumiu o mesmo cargo ou foi investido num novo), ao abrigo da faculdade de opção prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 9.º da Lei n.º 52- A/2005, na redacção introduzida pela LOE 2011, a subvenção vitalícia continua a ser-lhe devida na qualidade de ex-titular de cargo político.

Razões pelas quais não cabe proceder a qualquer delimitação negativa do âmbito de aplicação da norma do artigo 77.º, n.º 1, da LOE de 2014, excluindo os beneficiários da subvenção mensal vitalícia que tenham reassumido o mesmo cargo ou sido investidos em novo cargo político e que, por essa razão, estavam, à data da entrada em vigor desta norma, no exercício de um cargo político. Também estes são, nos termos e para os efeitos da atribuição dessa subvenção, ex-titulares de cargos políticos e, como tal, estão abarcados pelo escopo de aplicação da norma.

Aliás, é impossível ignorar que a adopção do processo interpretativo propugnado pelo Autor nos presentes autos produziria um resultado manifestamente nefasto e destituído de toda e qualquer racionalidade: os beneficiários da subvenção mensal vitalícia que não tenham reassumido um qualquer cargo político e que, portanto, carecem presumivelmente de um abono de reintegração na vida profissional, veriam a sua subvenção vitalícia sujeita à condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas; mas essa condição de recursos já não condicionaria o valor da subvenção recebida mensalmente ao abrigo do regime de opção previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, na redacção introduzida pela LOE 2011, pelos beneficiários que continuem no exercício da função política e que, por isso, não estão efectivamente a reintegrar-se na profissão de origem após a cessação da carreira política.

Contra o que agora se deixa dito, é insubsistente o argumento que o Autor pretende extrair da norma do n.º 3 do artigo 78.º da LOE de 2014. Após ter posto fim à faculdade de opção vertida nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005 − instituindo um regime de suspensão automática do pagamento da pensão e da subvenção mensal vitalícia durante o período em que durar o exercício de funções políticas remuneradas −, o n.º 3 do artigo 78.º da LOE de 2014 ressalva a situação dos beneficiários da subvenção que se encontrassem, ao tempo, no exercício de funções políticas e que estivessem abrangidos pelo regime de opção previsto no regime do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, na redacção anterior à introduzida pela LOE de 2014. Mas essa ressalva – que, na prática, lhes permite continuar a optar pela suspensão da remuneração correspondente à função política desempenhada, em prol do pagamento mensal da subvenção vitalícia – revela apenas a intenção legislativa de proteger a situação dos titulares de cargos políticos que, previamente à entrada em vigor da LOE de 2014, optaram por receber a pensão de aposentação e a subvenção mensal em detrimento da retribuição inerente ao cargo político que exercem. Já não afasta que, em cumprimento da norma do artigo 77.º, n.º 1, da LOE de 2014, essa subvenção mensal seja sujeita à condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas.”.

Pelo que, nos termos da fundamentação que antecede, não tem o Autor, ora Recorrente, razão ao defender que o artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado de 2014 não tem aplicação à sua situação, por tal preceito não excluir do seu âmbito de aplicação os beneficiários da subvenção mensal vitalícia que, ao tempo, sejam titulares de cargos políticos no exercício de funções, já que a figura da subvenção mensal vitalícia é precisamente atribuível a ex-titulares de cargos políticos, por ser nessa exclusivamente qualidade que beneficiam mensalmente dessa subvenção.

Mesmo quando a subvenção mensal vitalícia é recebida por um atual titular de cargo político, porque, entretanto, reassumiu o cargo ou foi investido noutro cargo, tal subvenção continua a ser-lhe devida na qualidade de ex-titular de cargo político.

Por isso se extrai do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2016, Processo n.º 74/15, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 22, de 02/02/2016 que “nos termos dos artigos 24.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Lei n.º 4/85, de 9 de abril, [a subvenção mensal vitalícia] só é atribuída a quem, tendo exercido durante um certo número de anos um ou mais dos cargos previstos no artigo 1.º da citada Lei, já não exerça a função ou o cargo que está na base da sua atribuição” (ponto 5 da Declaração de Voto do Conselheiro Pedro Machete).

Daí que o ora Recorrente se encontre abrangido pelo âmbito da factie species do artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado de 2014.

Nem a resultado interpretativo diferente se alcança do disposto no artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado de 2014, tal como sustenta o Recorrente, por tal preceito apenas revelar a proteção conferida aos titulares de cargos políticos que previamente à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2014 optaram por receber a pensão de aposentação e a subvenção mensal, em detrimento da retribuição inerente ao cargo político que exercem, não permitindo afastar a aplicação do disposto no artigo 77.º e a sujeição da subvenção mensal vitalícia à condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas.

Pelo que, em face de todo o exposto, não tem o Recorrente razão ao defender não se encontrar abrangido pela norma do artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado de 2014, para assim ficar subtraído à sua disciplina, não enfermando a sentença recorrida de erro de julgamento.

b) Da inconstitucionalidade da interpretação adotada da norma do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 82-C/2013, de 31 de dezembro, que aprova a Lei do Orçamento de Estado de 2014

Por último, vem o Recorrente sustentar a inconstitucionalidade da interpretação expendida no ato impugnado e mantida na sentença recorrida, por violação dos artigos 2.º e 18.º da CRP, sob a invocação de estar em causa um abono de natureza análoga a medidas de segurança social, pelo que a sujeição da subvenção mensal vitalícia recebida por titulares de cargos políticos a condição de recursos nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas implica a interpretação analógica de uma norma que diminui, restringe ou elimina um direito fundamental.

Razão que justifica, no seu entender, a desaplicação da citada norma, com fundamento em inconstitucionalidade.

Sem razão, nos termos decididos na sentença recorrida e segundo a fundamentação ora aduzida.

Foi decidido na sentença recorrida:

Desde logo, porque a inclusão dos beneficiários da subvenção mensal vitalícia que se encontrem no exercício de funções políticas no âmbito de aplicação da norma do artigo 77.º, n.º 1, da LOE de 2014 não implica qualquer aplicação analógica ou, sequer, interpretação extensiva do mencionado preceito. Mas tão-somente um correcto entendimento das palavras da lei, i.e., do termo «ex-titulares de cargos políticos» que resulta do teor literal desta disposição legal: o de que é – sempre − na qualidade de ex-titulares de cargos políticos que estes beneficiam dessa subvenção vitalícia.

Mais ainda porque o regime do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa – em que o Autor radica o primeiro fundamento da inconstitucionalidade imputada à norma do artigo 77.º da LOE de 2014 – aplica-se apenas aos direitos, liberdades e garantias e, bem assim, aos direitos fundamentais de natureza análoga (cfr. artigo 17.º da Constituição).

Ora, o direito à segurança social, prescrito no n.º 1 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, é integrável na categoria dos designados direitos económicos, sociais e culturais (cfr. Título III da Parte I da Constituição). Além disso, não pode ser qualificado como direito análogo a direitos, liberdades e garantias, já que, por um lado, não se apresenta como um direito fundamental a uma abstenção do Estado, mas antes consiste no direito a uma prestação ou acção genérica do Estado, e, por outro lado, não apresenta um nível de densificação constitucional que permita uma concretização minimamente adequada do seu núcleo fundamental a partir da própria Constituição, dependendo da lei ordinária para se tornar líquido e certo (cfr. sobre estes critérios de identificação dos direitos análogos, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 2007, Coimbra Editora, anotação ao artigo 17.º, pp. 373-374; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, anotação ao artigo 17.º, p. 304).

E tanto é o que basta para concluir, sem necessidade de mais indagações, pela improcedência da tese da inconstitucionalidade por violação da norma do artigo 18.º da Lei Fundamental, em que alegadamente incorreria a interpretação da norma do artigo 77.º da LOE de 2014 adoptada no acto impugnado – e professada nos presentes autos.

Em segundo lugar, o Autor alega que, atenta a consolidação das expectativas jurídicas dos beneficiários da subvenção mensal vitalícia que se mantêm no exercício de funções, a referida norma, se interpretada no sentido adoptado pela Entidade demandada, viola o princípio da confiança que emerge da consagração do Estado de Direito Democrático no artigo 2.º da Constituição.

Em resposta, a Entidade demandada defende que foram preocupações de sustentabilidade financeira dos sistemas de segurança social a longo prazo que levaram o legislador orçamental a condicionar o recebimento das subvenções mensais vitalícias a um controlo de rendimentos.

Apreciando.

O Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência constante e reiterada sobre o princípio da protecção da confiança, corolário do princípio do Estado de direito democrático, que constitui o lado subjectivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica (cfr., em especial, a posição adoptada no Acórdão n.º 128/2009, de 12 de Março de 2009, extraído no processo n.º 772/2007, da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, reiterada em numerosas decisões posteriores).

De acordo com essa jurisprudência, a violação do princípio da confiança depende, por um lado, da preexistência de uma situação de confiança digna de tutela jurídica, resultante da verificação de três requisitos cumulativos. Em primeiro lugar, as expectativas de estabilidade do regime jurídico que tutela a posição jurídica do cidadão e que é alvo de alteração ou revogação devem ter sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos. Em segundo lugar, elas devem ser legítimas, i.e., fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional. Em terceiro lugar, o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expectativas de manutenção do referido quadro jurídico.

Uma vez confirmada a verificação desses requisitos, cabe, por outro lado, proceder a uma ponderação de interesses: entre os interesses particulares desfavoravelmente afectados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Isto porque, para que a situação de confiança seja constitucionalmente protegida, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem a alteração do comportamento dos poderes públicos que gerou ou incentivou a construção da expectativa pelo cidadão.

Como se deixou exposto, o artigo 77.º da LOE de 2014 sujeita à condição de recursos nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas o valor das subvenções mensais vitalícias, «em pagamento e a atribuir», e, desse modo, atinge quer os direitos que se encontram já reconhecidos, quer os que podem sê-lo, por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais necessários de atribuição da subvenção. E não pode deixar de reconhecer-se que os destinatários das normas que são titulares de um direito à subvenção vitalícia já constituído e consolidado na sua esfera jurídica têm expectativas legítimas de receberem mensalmente o montante dessa subvenção nos termos do regime vigente à data da atribuição do direito.

Inicialmente, o legislador actuou de forma adequada a gerar expectativas de manutenção desse quadro jurídico, porque quando, em 2005, revogou o artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 4/85, ressalvou justamente a situação dos titulares de cargos políticos que, até ao termo dos mandatos então em curso, preenchessem os requisitos para beneficiar da subvenção mensal vitalícia (cfr. artigo 8.º da Lei n.º 52-A/2005). Mas não é possível escamotear que, na LOE de 2012, o legislador alterou o artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, sujeitando o recebimento de subvenções mensais vitalícias pelos beneficiários que exerçam actividades privadas a um controlo de rendimentos (cfr. n.ºs 7 e 8 do artigo 9.º) – o que configura um comportamento capaz de relativizar as expectativas de estabilidade do regime jurídico originário da subvenção mensal vitalícia.

Por outro lado, importa sublinhar que a tese do Autor é a de que a interpretação propugnada da norma do artigo 77.º da LOE de 2014 é inconstitucional porque viola – específica e concretamente – a situação de confiança gerada pelos beneficiários da subvenção mensal vitalícia que se encontrem no exercício de cargos políticos. Sucede que estes são justamente os destinatários da norma que dispõem de mecanismos de autotutela e de adaptação da sua própria conduta às novas circunstâncias, visto que não cessaram a carreira política e não estão, por isso, impossibilitados de obter, por outros meios, fontes de rendimentos complementares, podendo inclusivamente optar pela suspensão do pagamento da subvenção vitalícia em prol do recebimento mensal da remuneração própria do cargo político que exercem.

Por último, face a todo o condicionalismo que rodeou a aprovação da LOE de 2014 – e, em especial, a situação de emergência económica e financeira – não só as expectativas de estabilidade na ordem jurídica surgem agora mais atenuadas, como são sobretudo atendíveis relevantes razões de interesse público que justificam, em ponderação, a descontinuidade do comportamento estadual.

Com efeito, resulta do Relatório do Orçamento de Estado para 2014 que a sujeição da subvenção mensal vitalícia a condição de recursos é justificada por um objectivo de «equilíbrio no esforço exigido para a consolidação orçamental» (cfr. http://www.dgo.pt/politicaorcamental/OrcamentodeEstado/2014/Proposta%20do%20Or%C3%A7amento/Documentos%20do%20OE/Rel-2014.pdf, p. 54). E a este respeito, basta atentar no que referiu o Tribunal Constitucional em Plenário, no Acórdão n.º 413/2014, de 30 de Maio de 2014, extraído nos processos n.ºs 14/2014, 47/2014 e 137/2014, disponível em www.dgsi.pt, a respeito da fiscalização sucessiva da constitucionalidade da norma do artigo 117.º da LOE de 2014, que sujeitou as pensões de sobrevivência a condição de recursos:

«Como se fez já notar, segundo o proponente da norma, a introdução de uma condição de recursos nas pensões de sobrevivência inscreve-se no âmbito mais geral da concretização da estratégia de consolidação orçamental e é justificada mais concretamente como uma medida relativa ao sistema de pensões, tendo em vista a sustentabilidade do sistema de segurança social e a sustentabilidade do sistema de pensões, mas também a aplicação de um princípio de equidade intergeracional.

Para além de outras medidas já anteriormente adoptadas (introdução do factor de sustentabilidade e de mecanismos de convergência de pensões) que visam solucionar a sustentabilidade do sistema no longo prazo, pretende-se agora dar resposta no médio e curto prazo ao problema financeiro colocado pelo acentuado crescimento da despesa com as prestações sociais, especialmente as relacionadas com a atribuição de pensões (aqui se incluindo as pensões de velhice, doença ou sobrevivência), de modo a garantir a compatibilização do sistema de pensões com a própria sustentabilidade das finanças públicas.

Paralelamente, tendo em conta que o sistema de pensões assenta num princípio de repartição e não de capitalização, com a consequência de serem os actuais empregados a financiar com as suas quotizações as pensões em pagamento, tornou-se necessário, na perspectiva do legislador, repartir os custos pela geração de pensionistas e de trabalhadores, dando concretização prática a um princípio de equidade intergeracional (Relatório do OE de 2014, págs. 55-57).

Do exposto resulta que os interesses públicos a salvaguardar com a medida, não só se encontram perfeitamente identificados pelo legislador, como se revestem de grande relevo, por efeito do incremento da despesa com prestações sociais associado ao alargamento do universo de beneficiários, por razões demográficas e aumento do número de prestações, e à maior maturidade das pensões, por envelhecimento da população e maior longevidade das carreiras contributivas».

Pelas razões que antecedem, não é líquido que o Autor se encontre numa situação de confiança digna de tutela jurídico-constitucional. Mas em qualquer caso, é certo que − tal como entendeu o Tribunal Constitucional a respeito da sujeição das pensões de sobrevivência a condição de recursos −, ocorreram razões de interesse público que justificam a alteração do comportamento dos poderes públicos que gerou ou incentivou a construção da expectativa pelo cidadão.

Face ao exposto, não se encontram verificados os requisitos de que depende a alegada violação do princípio da confiança constitucionalmente ancorado e que, no entendimento do Autor, justificariam a desaplicação in casu da norma do artigo 77.º da LOE de 2014.”.

A fundamentação antecedente é de acolher.

Além de que constitui uma evidência que a norma do artigo 77.º, n.º 1 da Lei de Orçamento de Estado de 2014 tem natureza temporária, vigorando apenas durante o ano de 2014, como de entre o mais resulta da aprovação da norma equivalente no artigo 80.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprova a Lei de Orçamento de Estado de 2015, não visando, por isso, produzir efeitos definitivos no regime da subvenção mensal vitalícia.

Se essa natureza temporária já decorria da própria natureza das normas incluídas no Orçamento de Estado, com cariz de verdadeira natureza orçamental, tendo a sua vigência limitada ao dia 31 de dezembro de 2014, em resultado do princípio da anualidade aplicável às normas orçamentais, afigura-se impressivo que a lei do Orçamento de Estado para vigorar no ano seguinte, em 2015, tenha aprovado norma equivalente ao artigo 77.º da Lei do Orçamento de Estado de 2014, confirmando a natureza temporária da norma objeto da presente ação.

No que respeita ao juízo de conformidade constitucional, como se extrai do Acórdão n.º 188/09, do Tribunal Constitucional:

(…) não há, (…) como se afirmou no já citado Acórdão n.º 287/90, “um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados”. O legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal.”.

Transpondo a citada doutrina sobre a princípio da proteção da confiança do Tribunal Constitucional para o caso da subvenção mensal vitalícia dos titulares de cargos políticos, a evolução legislativa ocorrida, progressivamente limitativa do direito ao recebimento da referida subvenção, atestam que nunca foi considerada “um direito imune a mudanças legislativas, de sentido restritivo ou, mesmo, revogatório” (ponto 16 do Acórdão n.º 3/2016 do Tribunal Constitucional, de 13/01/2016).

Além de que, como já anteriormente decidido, as subvenções vitalícias, “não sendo um elemento constitucionalmente imposto ao estatuto dos titulares de cargos políticos, nem consubstanciando uma concretização necessária de um direito fundamental, não são imunes à possibilidade de uma reconfiguração legislativa com alcance redutor do círculo dos beneficiários e dos montantes das prestações.

(…) a subvenção vitalícia dos ex-titulares de cargos políticos não constitui uma dimensão concreta, nem do direito constitucional ao salário, nem do direito à segurança social. Por outras palavras: não é, na sua específica caracterização, nem remuneração, nem pensão, não gozando, por isso, da proteção constitucional conferida a estes dois tipos de rendimento. Representa antes um puro benefício, que, por razões específicas, válidas num certo contexto histórico, o legislador entendeu atribuir a uma categoria de sujeitos e cuja resistência às alterações legislativas são seguramente mais ténues. Nas ponderações a efetuar, à luz dos princípios constitucionais pertinentes, a afetação da posição resultante do percebimento dessa subvenção não pode, designadamente, ser tratada como se estivesse em causa uma lei restritiva de direitos fundamentais, com as exigências daí decorrentes.” (ponto 16 do Acórdão n.º 3/2016 do Tribunal Constitucional, de 13/01/2016).

Por isso, antes mesmo do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, o legislador, no uso da sua liberdade de conformação, veio a assumir que a subvenção mensal vitalícia dos titulares de cargos políticos não constitui um elemento fundamental ou necessário do seu respetivo estatuto, vindo a eliminá-la.

Embora se tenha previsto um regime transitório, do qual o Autor, ora Recorrente, beneficia, a subvenção mensal vitalícia não fica imune aos demais aspetos de regime que se colocam às prestações pecuniárias que não tem natureza contributiva, sujeitas à verificação da condição de recursos.

No âmbito do conjunto de medidas de consolidação orçamental definidas no Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013, com o objetivo fundamental de harmonizar as condições de acesso às prestações sociais não contributivas e de alcançar uma aplicação mais criteriosa destas prestações, o D.L. n.º 70/2010, de 16/06, procedeu a uma redefinição das condições de acesso às prestações sociais não contributivas, estendendo a aplicação da verificação da condição de recursos a todas as prestações sociais de natureza não contributiva atribuídas pelo Estado.

Neste sentido, acolhe-se o entendimento de que “Os traços típicos de apoio social que (também) caracterizam a subvenção mensal vitalícia desde a sua origem justificam que a sua atribuição seja submetida aos princípios materiais estruturantes do sistema de apoios sociais de caráter não contributivo a cargo dos contribuintes, nomeadamente ao princípio da condição de recursos, entendida como valor máximo dos rendimentos e dos bens de quem pretende um apoio social, bem como do seu agregado familiar, até ao qual a lei condiciona a possibilidade da sua atribuição (cf. o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho). Aliás, não o fazer implicaria sempre um rigoroso exame à luz do princípio da igualdade, em que se comparasse o regime de condicionamento dos apoios consubstanciados em prestações não contributivas pagas aos ex-políticos e seus descendentes ou ascendentes com o regime de condicionamento das prestações não contributivas devidas aos cidadãos em geral. Prima facie não há razões para um tratamento diferenciado. Recorde -se que a condição de recursos é aplicável a todos “os apoios sociais ou subsídios atribuídos [pelo] Estado, qualquer que seja a sua natureza, previstos em atos legislativos ou regulamentares” (artigo 1.º, n.º 2, alínea f), do Decreto-Lei n.º 70/2010).

Note-se, por outro lado, que o princípio da condição de recursos é de reconhecimento e formulação posterior à previsão originária da subvenção mensal vitalícia, correspondendo a um verdadeiro desenvolvimento das conceções em matéria de justiça social e a uma das respostas do sistema de proteção social aos desafios colocados pela garantia de sustentabilidade do Estado social.” (vide Declaração de Voto do Conselheiro Pedro Machete no Acórdão n.º 3/2016, do Tribunal Constitucional, de 13/01/2016).

O que permite afirmar que do regime instituído pelo artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado de 2014 decorrem razões de interesse público, decorrentes dos evidentes e intensos constrangimentos orçamentais vivenciados pelo Estado português em pleno período de vigência do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro 2011/2014 (PAEF), que justificam a medida adotada e a conformam com os parâmeros constitucionais decorrentes do princípio da confiança, sem que ao caso seja aplicável o regime emanado do artigo 18.º da CRP.

Num contexto em que se submeteu a generalidade dos cidadãos e, mais impressivamente, os titulares de cargos públicos, incluindo os trabalhadores em funções públicas, que, generalizadamente, auferem baixas remunerações, a sucessivos e pesados sacrifícios por força das medidas de contenção orçamental, não podem os titulares de cargos políticos escapar a estes sacrifícios.

Para mais no contexto de os titulares de cargos políticos auferirem remunerações que, não sendo elevadas, são superiores à maioria dos trabalhadores em funções públicas, assim como perante a circunstância de estar em causa uma subvenção de natureza não contributiva, para a qual financeiramente não contribuíram.

Além de que, como assumido pelo Tribunal Constitucional em diversa jurisprudência no contexto das medidas adotadas pelo Estado português com natureza orçamental e objetivos económico-financeiros, são justificadas medidas de redução de despesas, redutoras de rendimentos dos cidadãos (vide os Acórdãos n.ºs 187/2013 e 413/2014).

A norma do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, além de ter natureza temporária, destinando-se apenas a vigorar durante o ano de 2014, foi emanada em plena vigência do PAEF, no período temporal em que se colocavam as maiores exigências de contenção orçamental.

Tanto mais que a limitação introduzida, diferindo consoante o rendimento do agregado familiar e podendo ir até aos € 2.000,00 de prestação pecuniária mensal, não se afigura ser incompatível com as finalidades previstas para a subvenção mensal vitalícia, por permitir assegurar a autonomia patrimonial ou um nível de vida satisfatório.

Assim, mediante uma ponderação valorativa dos interesses subjacentes ao regime da norma do artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado de 2014 e do direito à perceção por parte de ex-titulares de cargos políticos de uma subvenção mensal vitalícia, nos termos que concretamente foram gizados pelo legislador no citado preceito, este direito subjetivo, que não goza da especial proteção jurídica que é própria dos direitos fundamentais, não se sobrepõe ao interesse público subjacente à submissão da referida prestação não contributiva ao regime da condição de recursos, pelo que ao mesmo fica submetida sem que tal constitua uma violação do princípio constitucional da proteção da confiança.

Donde, em suma, a aplicação do regime previsto no artigo 77.º da Lei do Orçamento de Estado de 2014 ao Autor, ora Recorrente, não fere as disposições dos artigos 2.º e 18.º, da CRP, considerando a natureza e finalidade da medida em causa, prevista para assegurar a sustentabilidade económico-financeira do Estado português.


*

Nestes termos, em face do que antecede, será de negar provimento ao presente recurso, por não provadas as suas conclusões, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica nos termos da fundamentação antecedente e, consequentemente, o ato impugnado.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado de 2014) não tem por fito excluir do seu âmbito de aplicação os beneficiários da subvenção mensal vitalícia que, ao tempo, sejam titulares de cargos políticos no exercício de funções, já que a figura da subvenção mensal vitalícia é precisamente atribuível a ex-titulares de cargos políticos, por ser nessa exclusivamente qualidade que beneficiam mensalmente dessa subvenção.

II. Mesmo quando a subvenção mensal vitalícia é recebida por um atual titular de cargo político, porque, entretanto, reassumiu o cargo ou foi investido noutro cargo, tal subvenção continua a ser-lhe devida na qualidade de ex-titular de cargo político.

III. Não se alcança resultado interpretativo diferente do artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado de 2014, por este preceito apenas revelar a proteção conferida aos titulares de cargos políticos que previamente à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2014 optaram por receber a pensão de aposentação e a subvenção mensal, em detrimento da retribuição inerente ao cargo político que exercem, não permitindo afastar a aplicação do disposto no artigo 77.º e a sujeição da subvenção mensal vitalícia à condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas.

IV. Antes mesmo do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, o legislador, no uso da sua liberdade de conformação, veio a assumir que a subvenção mensal vitalícia dos titulares de cargos políticos não constitui um elemento fundamental ou necessário do seu respetivo estatuto, vindo a eliminá-la.

V. Embora se tenha previsto um regime transitório, do qual o Autor, ora Recorrente, beneficia, a subvenção mensal vitalícia não fica imune aos demais aspetos de regime que se colocam às prestações pecuniárias que não têm natureza contributiva, sujeitas à verificação da condição de recursos.

VI. A aplicação do regime previsto no artigo 77.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado de 2014 ao Autor não fere as disposições dos artigos 2.º e 18.º, da CRP, porque além de não gozar da especial proteção jurídica que é própria dos direitos fundamentais, não se sobrepõe ao interesse público subjacente à submissão da referida prestação não contributiva ao regime da condição de recursos, não constituindo uma violação do princípio constitucional da proteção da confiança, atenta a natureza e finalidade de assegurar a sustentabilidade económico-financeira do Estado português no contexto do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro 2011/2014 (PAEF).


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)