Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1114/22.1 BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/19/2023 |
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Relator: | VITAL LOPES |
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Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL GARANTIA HIPOTECA VOLUNTÁRIA ACEITAÇÃO CONDICIONADA |
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Sumário: | I - Com o pedido de pagamento em prestações deve o executado oferecer garantia idónea – art.º 199/1 do CPPT; II - Essa garantia poderá efectuar-se por qualquer meio susceptível de assegurar o crédito do exequente. III - Se em requerimento dirigido á execução é oferecida em garantia hipoteca voluntária sobre um imóvel, que a AT vem a apurar estar onerado com usufruto, a AT não está em condições de ajuizar da sua suficiência e idoneidade sem que antes se inteire do objecto e extensão da garantia (nua propriedade ou usufruto, ou ambos os direitos), para que depois possa aplicar as formulas legalmente previstas de determinação do seu valor (art.º 199.º-A/1, do CPPT). |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | 1 – RELATÓRIO O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação apresentada por V… contra o despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, de 12/04/2022, “que recaiu sobre o pedido de pagamento em prestações e sobre o deferimento da garantia que consiste na hipoteca voluntária sobre o imóvel sito na Rua das P…., Lote 1….-A, em Famões…, no segmento que deu concordância à constituição da garantia, mas sem prejuízo de ser aferida a sua idoneidade e suficiência, após efectivação”. Com o requerimento de recurso, o Recorrente juntou alegações, que culmina com as seguintes e doutas Conclusões: « I – Com a ressalva da devida vénia, visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou a presente reclamação procedente, determinando, em conformidade, pela anulação do despacho proferido pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto da DF de Lisboa, datado de 12.04.2022, nos termos do qual foi assentido na aceitação da hipoteca voluntária enquanto garantia proposta pela Reclamante em vista à suspensão do processo executivo nº 4227202201046870, após deferimento de um plano de pagamento prestacional das dívidas, sem prejuízo de, posteriormente, após tal efetivação, aferir da sua idoneidade e suficiência, dado desconhecer a real incidência da hipoteca (a Reclamante não detinha a propriedade plena sobre o imóvel). II – Quanto ao erro de julgamento sobre a matéria de fato, identifica-o esta RFP com o fato de não poder ser imputado ao despacho reclamado o erro em considerar a garantia proposta como insuficiente, com fundamento na redução da dívida decorrente dos pagamentos parciais da mesma e da compensação a que se referem os pontos 6 a 9 do probatório. III – Como evidencia o probatório, o despacho reclamado foi proferido em 12.04.2022 sendo que os anteditos pagamentos parciais da dívida exequenda e compensação são posteriores (datas de 17.05.2022; 17.06.2022; 24.06.2022 e 05.07.2022). IV – Destarte, não podia o órgão administrativo decisor ter em consideração a referida redução do valor da dívida para efeitos de apuramento do valor da garantia a prestar, dado que semelhante redução é posterior à data em que aquele despacho foi proferido. V – Deste modo nenhum vício pode ser imputado ao despacho sindicado quando este sinaliza que o valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel se cifra em € 151.457,48 e que o valor da garantia a prestar legalmente fixado ascende a € 171.400,09. VI – Conclui-se assim que a garantia proposta, na data do despacho reclamado, era insuficiente quanto ao seu valor e não poderia ser imputado a este mesmo despacho a circunstância de não ter considerado factos traduzidos em pagamentos parciais da dívida que lhe foram posteriores no tempo. VII – Quanto ao segundo vício imputado ao despacho reclamado - o de a aceitação da garantia apresentada ficar condicionada à aferição da sua idoneidade e suficiência, após efetivação – entende-se que a douta Sentença a quo lavra em erro de julgamento quanto á determinação do direito aplicável. VIII – Dispõe a este respeito o n.º 3 do art.º 198º do CPPT que: “Caso o pedido de pagamento em prestações obedeça a todos os pressupostos legais, deve o mesmo ser objeto de imediata autorização pelo órgão considerado competente nos termos do artigo anterior, notificando-se o requerente desse facto e de que, caso pretenda a suspensão da execução e a regularização da sua situação tributária, deve ser constituída ou prestada garantia idónea nos termos do artigo 199.º ou, em alternativa, obter a autorização para a sua dispensa”. IX – Resulta assim do disposto no antedito preceito que no caso do pagamento em prestações e de o pedido reunir todos os pressupostos legais, deverá o mesmo ser objeto de imediata autorização, sendo disso notificado o requerente. X – E também que, caso o executado pretenda prestar garantia, deverá fazê-lo no prazo de quinze dias a contar da data da notificação que autorizou o pagamento da dívida em prestações (cfr. o disposto no art.º 199.º, n.º 7 CPPT). XI – Ora, do regime legal ante exposto resulta que o executado que pretenda a suspensão do processo de execução fiscal deverá constituir ou prestar garantia idónea. XII – E se o executado deve constituir ou prestar garantia idónea como nos diz a norma, significa que o órgão de execução fiscal quando avalia da idoneidade e suficiência dessa mesma garantia, fá-lo tendo presente uma garantia já constituída ou prestada. XIII – Só depois de prestada, ou, no caso concreto, constituída, é que o órgão de execução fiscal estará em condições de avaliar os termos concretos em que a hipoteca foi constituída, apurando assim da sua idoneidade e suficiência. XIV – In casu, desconhecendo o órgão de execução fiscal a real incidência da hipoteca, e, bem assim, qual o valor efetivo a atribuir à garantia, concordou com a constituição em abstrato da mesma, sem prejuízo de, posteriormente, após tal efetivação, aferir da sua idoneidade e suficiência. XV - Na verdade, não pode o órgão de execução fiscal assegurar, sem que a hipoteca esteja efetivada, se esta é, ou não, idónea e suficiente, posto que, no caso de uma aceitação prévia à constituição, o credor corre sempre o risco de sobre o imóvel ver inscritos/constituídos novos ónus e no período de tempo que medeia entre a data do seu assentimento e a data da constituição efetiva da hipoteca, podendo assim ver frustrada a capacidade da hipoteca em garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. XVI - Neste caso a Reclamante, não constituiu a hipoteca voluntária, desconhecendo-se os termos em que o fará – basta ver que nem detém a propriedade plena do imóvel - e, como tal, sobre a mesma não é possível incidir um juízo sobre se será idónea e suficiente. XXIII – Nestes termos, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e do direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos artigos 198.º e 199.º do CPPT e o art.º 52.º da LGT, motivo pelo qual não se pode manter na ordem jurídica. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que declare a Reclamação improcedente.». A Recorrida não apresentou contra-alegações. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal emitiu mui douto parecer no sentido da procedência do recurso, devendo a sentença sob recurso ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a reclamação. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 278.º, nº5, do CPPT e artigo 657.º, nº4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão. 2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central do recurso reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, na apreciação que fez da legalidade do despacho impugnado no que concerne à admissão da garantia hipotecária oferecida mas sem prejuízo de ser aferida a idoneidade e suficiência da mesma, após efectivação, tendo em conta o valor da garantia a constituir e o respectivo valor líquido à data. 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual: « Factos provados Com interesse para a decisão da reclamação, julgam-se provados os seguintes factos: 1. Em 28.01.2022 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 4227202201046870, referente a dívida de IRS do ano de 2017, no montante de € 135.105,90 [cf. Detalhe do Processo, a fls. 135 dos autos (suporte informático)]; 2. Em 28.02.2022 a ora Reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Odivelas, um requerimento no qual solicitava o pagamento em 60 prestações mensais da dívida em cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal identificado em 1., ao abrigo do n.º 5 do artigo 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [cf. Informação n.º 484/2022, de 07.04.2022, a fls. 23 e ss. dos autos (suporte informático)]; 3. No requerimento referido no ponto precedente, a ora Reclamante refere oferecer uma “hipoteca voluntária sobre o imóvel sito no Bairro do S…, em Famões, na Rua das P…, lote 1….A, freguesia de Famões, concelho de Odivelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas, sob o número quatro mil ….., inscrito na matriz predial da união das freguesias de Pontinha e Famões, sob o artigo 1….. (cfr. certidão permanente com o código de acesso PA-…..-……-111602-010087)” [cf. Informação n.º 484/2022, de 07.04.2022, a fls. 23 e ss. dos autos (suporte informático)]; 4. Por despacho de 12.04.2022, do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, exarado na Informação 484/2022, de 07.04.2022, sob o assunto “Pedido de pagamento em 60 prestações e oferta de garantia”, com a qual declarou concordar, foi decidido deferir o pedido de pagamento em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas para as dívidas provenientes de IRS/2017, em cobrança coerciva no âmbito do processo executivo n.º 4227202201046870, e concordar com a constituição de garantia “sem prejuízo de ser aferida a idoneidade e suficiência da mesma, após a sua efetivação, tendo em conta o valor da garantia a constituir e o respetivo valor líquido à data, alertando-se ainda o contribuinte, ao abrigo dos princípios da colaboração, boa fé e da proporcionalidade, dos condicionalismos previstos no artigo 199.º-A do”, constando da referida informação com a qual o despacho concordou, entre o mais, o seguinte: IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS [cf. visado despacho e informação n.º 484/2022, de 07.04.2022, a fls. 23 e ss. dos autos (suporte informático)]; 5. Em 26.04.2022 foi recepcionado no domicílio fiscal da Reclamante, por terceiro, o Ofício n.º 1082, de 18.04.2022, tendente à notificação do despacho ora reclamado e identificado no ponto precedente [cf. visado Ofício e aviso de recepção juntos a fls. 31 e 32 dos autos (suporte informático)]; 6. Em 17.05.2022, 17.06.2022 e 24.06.2022 foram efectuados, por parte da Reclamante, pagamentos prestacionais nos montantes de € 2.293,55, € 2.294,35 e € 4.580,87, respectivamente [cf. Detalhe do Processo, a fls. 135 dos autos (suporte informático)]; 7. Em 28.06.2022 a presente reclamação deu entrada neste Tribunal [cf. Comprovativo Instauração de Processo no SITAF a fls. 1 e ss. dos autos, suporte informático]; 8. Em 05.07.2022 foram feitos pagamentos por compensação no montante total de €37.095,05 [cf. Detalhe do Processo, a fls. 135 dos autos (suporte informático)]; 9. Em 31.08.2022 foi efectuado por parte da Reclamante o pagamento voluntário no montante de € 15.000 [cf. Detalhe do Processo, a fls. 135 dos autos (suporte informático)]. Factos não provados Não há factos alegados que devam considerar-se como não provados e a considerar com interesse para a decisão da presente Reclamação. Motivação do julgamento da matéria de facto A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame do processo executivo em que a presente reclamação foi deduzida, em apenso, bem como nos documentos apresentados pela Reclamante, não impugnados, conforme indicado em cada um dos pontos do probatório.» 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Como mostram os autos, o Tribunal a quo julgou a reclamação procedente e determinou a revogação do despacho reclamado no segmento respeitante à condição imposta para a aceitação da garantia hipotecária apresentada, ou seja, condicionada à aferição da sua idoneidade e suficiência, após efectivação da garantia. O Recorrente entende que a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, quer quanto à suficiência da garantia, quer quanto à sua idoneidade, quer ainda quanto à falta de justificação para a condição imposta pela Administração tributária para aceitação da hipoteca voluntária oferecida. E assiste-lhe razão, como aliás sustenta o Exmo. Senhor PGA no seu douto parecer. Estabelece o n.º 1 do art.º 199.º do CPPT que “Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido [de pagamento em prestações] deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente. De acordo com o seu n.º 2, “A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações”. Dispõe o n.º1 do art.º 199.º-A do mesmo CPPT que “Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo”. O preceito do CIS que importa para a avaliação de bens imóveis dispõe: «Artigo 13.º Valor tributável dos bens imóveis 2 - No caso de imóveis e direitos sobre eles incidentes cujo valor não seja determinado por aplicação do disposto neste artigo e no caso do artigo 14.º do CIMT, é o valor declarado ou o resultante de avaliação, consoante o que for maior. 3 - Se os bens forem expropriados por utilidade pública antes da liquidação, o seu valor será o montante da indemnização. 4 - Na determinação dos valores patrimoniais tributários de bens imóveis ou de figuras parcelares do direito de propriedade, observam-se as regras previstas no CIMT para as transmissões onerosas. 5 - No prazo para a apresentação da participação a que se refere o artigo 26.º, podem os interessados requerer a avaliação de imóveis nos termos e para os efeitos previstos no artigo 30.º do CIMT.». Regressando aos autos, o que se constata é que a executada ofereceu uma hipoteca voluntária sobre o imóvel no Bairro do S…, em Famões, na Rua das P…, lote 1…-A, freguesia de Famões, concelho de Odivelas, a que corresponde artigo matricial 1…. como valor patrimonial tributário de 151.457,48 euros, inferior ao valor da garantia fixada em 171.400,09 euros e que afinal se trata de nua propriedade detida pela executada e por H…., constando ainda registo do usufruto a favor de D…. Ora, se a executada oferece em garantia hipotecária um imóvel, que se vem a constatar estar onerado com usufruto, o valor patrimonial tributário a considerar não pode ser aferido com relação ao imóvel em propriedade plena, mas restringido ao valor líquido do ónus que recai sobre o imóvel. De acordo com o n.º 7 do art.º 12.º do CIMT, por remissão do art.º 13.º, n.º 4 do CIS, “Se a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, uso ou habitação, ou do direito real de habitação duradoura, o imposto é calculado sobre o valor da nua-propriedade, nos termos da alínea a) do artigo 13.º, ou sobre o valor constante do ato ou do contrato, se for superior”. E de facto, tal como salienta o Recorrente, para a AT poder decidir esclarecidamente sobre a suficiência e idoneidade da hipoteca voluntária, tinha primeiro de se inteirar do objecto e extensão da garantia (propriedade plena ou outra figura parcelar do direito de propriedade) oferecida, que a requerente não esclarece no pedido que dirigiu à execução em 28/02/2022, referindo unicamente o imóvel com o artigo matricial 1…, sendo que em caso de recair unicamente sobre a nua propriedade ou nua compropriedade, sempre haveria que determinar o valor patrimonial líquido desse direito, com apelo às regras do art.º 13.º do CIMT, que se transcrevem no segmento relevante e na redacção aplicável: «Artigo 13º Regras especiais São ainda aplicáveis à determinação do valor tributável do IMT, as regras constantes das alíneas seguintes: a) O valor da propriedade, separada do usufruto, uso ou habitação vitalícios, obtém-se deduzindo ao valor da propriedade plena as seguintes percentagens, de harmonia com a idade da pessoa de cuja vida dependa a duração daqueles direitos ou, havendo várias, da mais velha ou da mais nova, consoante eles devam terminar pela morte de qualquer ou da última que sobreviver:
Se o usufruto, uso ou habitação forem temporários, deduzem-se ao valor da propriedade plena 10% por cada período indivisível de cinco anos, conforme o tempo por que esses direitos ainda devam durar, não podendo, porém, a dedução exceder a que se faria no caso de serem vitalícios; b) O valor actual do usufruto obtém-se descontando ao valor da propriedade plena o valor da propriedade, calculado nos termos da regra antecedente, sendo o valor actual do uso e habitação igual a esse valor do usufruto, quando os direitos sejam renunciados, e a esse valor menos 30%, nos demais casos; (…)». |