Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2003/08.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:ELIANA CRISTINA DE ALMEIDA PINTO
Sumário:I - O objeto da ação instaurada com vista à obtenção da condenação à prática do ato devido é o ato que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado, isto é, aquele ato que, no entender do interessado, deveria ter sido praticado pelo órgão competente e não o foi, quer porque este tenha recusado a sua emissão, quer porque tenha havido uma pura e simples omissão.
II - Resulta igualmente do n.º 2 do 66.º do CPTA que o efeito anulatório é implícito pelo que dispensar-se-ia a referência expressa à anulação. A análise do pedido condenatório implica o conhecimento da legalidade da recusa (ou omissão).
III - O CPTA adota uma conceção ampla de objeto do processo, que abrange a causa de pedir. Estabelece-se, deste modo, que o objeto do processo corresponde à pretensão do interessado e não ao ato de deferimento (artigo 66.º n.º 2 CPTA). Será este o objeto do processo, tanto quando se está perante um caso de omissão ilegal, como quando se trata de um caso de ato de conteúdo negativo. Daqui se retira que o objeto do processo nunca será o ato administrativo, mas antes o direito do particular a uma determinada conduta da Administração.
IV - O artigo 9.º do DL 124/84, de 18 de abril, fixou, em razão da intenção legislativa em evitar potenciais riscos de fraude, como consta do preâmbulo do referido diploma legal, um numerus clausus de documentos aceites para que os trabalhadores pudessem proceder ao pagamento de contribuições prescritas.
V - Foi efetiva intenção legislativa circunscrever os meios de prova documentais constantes do artigo 9.º do DL 124/84, de 18 de abril, não tendo o legislador dito menos do que prendia. É clara a letra da lei, de onde parte toda a interpretação jurídica, como é clara a finalidade dessa estipulação taxativa dos meios de prova admitidos para a prova do exercício profissional. Por isso refere expressamente o citado preâmbulo que “...impõe o diploma uma maior exigência nos meios de prova do exercício de actividade profissional, por forma a dificultar a fraude e o acesso indevido aos benefícios sociais...”.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO

O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 31 de julho de 2013, que no âmbito da ação administrativa especial, instaurada por J........, que julgou improcedente o pedido de anulação do ato, mas condenando o recorrente a: a) admitir o Autor a fazer o pagamento das contribuições para a Segurança Social, referentes ao período de 20.2.1961 a 31.12.1967, com observância do disposto no artigo 10.º do DL nº 124/84, de 18.4; e b) condenar a Demandada a informar o Autor , no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, quais os valores a entregar à Segurança Social para integral realização do seu direito ao pagamento das contribuições, bem como o modo de proceder a fim de serem observados todos os requisitos legais exigíveis.
***
Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações de recurso, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“...

I. A sentença enferma de nulidade, nos termos do disposto no artigo 95.º do CPTA e artigos 615.º, n.º 1, aliena e) e 609.º, n.º 1 do CPC (anterior artigo 668.º, n.º 1, alínea e) do CPC), por condenar em objeto diverso do pedido e por violar as regras da competência material;

II. O pedido formulado pelo Autor consistia na anulabilidade do ato administrativo praticado pelo Recorrente em 26 de Junho de 2008 que indeferiu o pedido de pagamento das contribuições referentes ao período do exercício de atividade por conta de outrem no período de 20 de Fevereiro de 1961 a 31 de Dezembro de 1967 e em consequência a condenação do Recorrente a admitir o Autor a efetuar o pagamento das contribuições correspondentes àquele período, indicando os valores que devem ser pagos e o modo como tal deve ser processado;

III. O acórdão proferido julgou improcedente o pedido de anulação do ato impugnado por considerar que assistiu razão ao Recorrente quanto indeferiu os pedidos do Autor, com base na falta de junção dos documentos elencados no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de abril;

IV. Porém, reconheceu que o Autor trabalhou na Câmara de Comércio Italiana em Portugal, durante um período determinado e auferindo um vencimento mensal, e consequentemente condenou o Recorrente a admitir o Autor a fazer o pagamento das contribuições para a Segurança Social, referentes ao período de 20.2.1961 a 31.12.1967, com observância do disposto no artigo 10.º do DL no 124/84, 18.4 e a informar aquele dos procedimentos que conduzem à realização do direito ao pagamento das contribuições;

V. A improcedência do pedido de anulação do indeferimento foi sustentada pelo Tribunal no facto de os requerimentos de 16.06.2007 e de 6.06.2008, que continham as declarações prestadas pela Câmara de Comércio Italiana em Portugal e cópia da ata de 20.5.1961, do Conselho Diretivo da Câmara de Comércio Italiana em Portugal, sobre a admissão do Autor, e cópia da ata de 15.12.1967 do CD do CCIP, sobre a cessação do vínculo laboral, não integrarem qualquer dos meios de prova enumerados no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de abril;

VI. A não apresentação pelo Autor dos documentos elencados no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de abril, teve como resultado a improcedência do vício de violação de lei imputado ao ato de indeferimento praticado em 26.06.2008 e, consequentemente, o pedido de anulação;

VII. A pronúncia condenatória não pode, como adiante se verá, consubstanciar a eliminação da ordem jurídica do acto de indeferimento, pelo que o ato administrativo mantém a sua eficácia, o que impede que o Autor proceda ao pagamento das contribuições para a Segurança Social referentes aos períodos que se discutem nos presentes autos;

VIII. O Tribunal a quo não obstante ter julgado improcedente o pedido de anulação do ato impugnado, considerou que importava averiguar do mérito ou do bem fundado da pretensão do Autor e não da ilegalidade da recusa expressa do Recorrente, cfr. artigos 51.º, n.º 4, 66.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, n.º 1 do CPTA;

IX. Assim, contrariando a posição que havia assumido o Tribunal face à documentação junta pelo Autor deu por provada a existência de vínculo laboral entre este e a Câmara de Comércio Italiana em Portugal, no período de 20.2.1961 até 31.12.1967;

X. E, considerou que a decisão tomada configura o documento a que alude o artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de Abril;

XI. Acontece que, o Autor não pede ao Tribunal o reconhecimento da existência de uma relação laboral com a Câmara de Comércio Italiana em Portugal, no período de 20.2.1961 até 31.12.1967, uma vez que considera que a mesma está comprovada pelos documentos que instruem o pedido de pagamento de contribuições já prescritas;

XII. Sendo o Autor quem define o limite da sua pretensão, o Tribunal não pode ultrapassar a vontade deste, não podendo por isso conceder uma tutela não pretendida por aquele ou que até o podia ser mas não foi pedida;

XIII. Deste modo, o juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objeto;

XIV. Conforme dispõe o artigo 608.º, n.º 2 do CPC: “...o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra...”;

XV. O Tribunal ao reconhecer o vínculo laboral extravasa por um lado o pedido do Autor e por outro lado conhece de matéria que lhe está vedada atenta a competência material dos tribunais administrativos;

XVI. Sem prejuízo do disposto nos artigos 51.º, n.º 4, 66.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, n.º 1 do CPTA o Tribunal não podia decidir sobre a existência de uma relação laboral entre o Autor e a Câmara do Comércio Italiana em Portugal;

XVII. O Tribunal ao decidir nos termos em que o fez ultrapassou as suas competências mesmo que se considere que o resultado visou atender na pretensão material do interessado;

XVIII. É verdade que o poder jurisdicional dos Tribunais Administrativos permite que se vá para além da anulação dos actos administrativos impondo a condenação da Administração na prática do acto administrativo devido;

XIX. Porém, o Recorrente não pode aceitar que o Tribunal a quo considere que a factualidade trazida ao processo pelo Autor conduza ao deferimento do pagamento das contribuições já prescritas;

XX. A competência do Tribunal a quo para conhecer de matéria laboral já havia sido arguida pelo Recorrente quando invocou em sede de contestação a excepção da competência material, tendo o Tribunal a quo entendido, e bem, que configurada a causa do pedido, ou seja, a impugnação de um ato administrativo por desconformidade com normas administrativas, e como tal prevista e enquadrada no artigo 66o e segs. do CPTA, improcedia tal excepção;

XXI. A competência do Tribunal a quo para conhecer de matéria laboral já havia sido arguida pelo Recorrente quando invocou em sede de contestação a excepção da competência material, tendo o Tribunal a quo entendido, e bem, que configurada a causa do pedido, ou seja, a impugnação de um ato administrativo por desconformidade com normas administrativas, e como tal prevista e enquadrada no artigo 66o e segs. do CPTA, improcedia tal excepção;

XXII. Ou seja, estando em causa um ato administrativo e um litígio emergente de uma relação administrativa improcedia a excepção de incompetência absoluta arguida pelo Recorrente;

XXIII. No entanto, o Tribunal a quo ao decidir julgar verificada a existência da relação laboral entre o Autor e a Câmara do Comércio Italiana em Portugal, por determinados períodos e auferindo a título de retribuição os valores mensais referidos, decide sobre uma questão do foro laboral e não administrativo;

XXIV. É matéria do foro laboral o reconhecimento do exercício de períodos de actividade profissional, por conta de uma entidade, sob as suas ordens e fiscalização, por períodos determinados e contra o pagamento de remuneração mensal;

XXV. Atenta a competência especializada dos tribunais compete ao Tribunal do Trabalho decidir sobre a existência - ou não, de relação laboral e quais os elementos que a caracterizam, nomeadamente, a inserção do trabalhador na estrutura organizativa do empregador, a realização da prestação do trabalho sob as ordens e direcção da entidade patronal, o local de trabalho, a existência de horário, a retribuição fixa, o fornecimento de instrumentos de trabalho, entre outros;

XXVI. Cabia, pois, ao Tribunal do Trabalho conhecer da existência – ou não - de vínculo laboral entre o Autor e a Câmara do Comércio Italiana em Portugal;

XXVII. Não podia o Tribunal Administrativo conhecer de matéria do foro laboral, sob pena de infringir as regras de competência dos tribunais em razão da matéria;

XXVIII. Considerando o teor do artigo 9.º, no 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de abril a sentença só pode ser aquela em que se declare ou se reconheça que durante determinado período de tempo o trabalhador esteve vinculado a determinada entidade através de contrato de trabalho e só o Tribunal do Trabalho tem competência para qualificar o contrato como de trabalho;

XXIX. Acresce que, o Tribunal a quo ao decidir sobre a relação laboral entre o Autor e a Câmara de Comércio Italiana em Portugal impediu o exercício do contraditório pelo Recorrente;

XXX. É indiscutível que assiste legitimidade passiva neste tipo de acções, à segurança social, na medida em que a oposição à pretensão do Autor irá determinar que este faça, de forma efectiva e convincente, perante o juiz, a prova da existência da relação laboral;

XXXI. A junção pelo Autor ao processo dos documentos referidos no artigo 5.º das presentes alegações não permite que se aceite sem mais que ao abrigo de um contrato de trabalho prestou trabalho para a Câmara de Comércio Italiana em Portugal no período de 20 de Fevereiro de 1961 a 31 de Dezembro de 1967, auferindo os valores declarados na petição inicial;

XXXII. Além de que alguns dos documentos juntos pelo Autor designadamente as cópias autenticadas de actas do Conselho Directivo da Câmara do Comércio Italiana, estão em língua italiana, não estão traduzidas na integra e a parte traduzida não está devidamente certificada, pelo que se questiona a sua autenticidade;

XXXIII. Estando vedado, atentas as regras da competência material jurisdicional, ao Tribunal a quo conhecer da existência do vínculo laboral entre o Autor e a Câmara de Comércio Italiana em Portugal não podia o Tribunal reconhecer ao Autor o direito em proceder ao pagamento das contribuições já prescritas.

...”.

***
O recorrido, J........, notificado, não apresentou contra-alegações.
***
Foi notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA.
***
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1) nulidade de sentença, nos termos do disposto no artigo 95.º do CPTA e artigos 615.º, n.º 1, alínea e) e 609.º, n.º 1 do CPC, por condenar em objeto diverso do pedido e por consubstanciar violação do princípio do dispositivo;
2) caso julgado formado em Despacho Saneador quanto à competência dos tribunais administrativos para apreciar a existência de vínculo laboral privado do recorrido e a Câmara do Comércio Italiana em Portugal.
*
III – FUNDAMENTOS

III.1. DE FACTO
Na decisão judicial recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade que não vem impugnada, pelo que se mantém, nos termos seguintes:
A) A 16.6.2007 o Autor requereu ao Secretário de Estado da Segurança Social o pagamento voluntário e retroativo das contribuições para a Segurança Social que lhe vierem a ser determinadas com base nos vencimentos auferidos pelo ora Autor, no período de 20.2.1961 a 31.12.1967, em que prestou serviço para a CCIP – ver doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) O Autor instruiu o requerimento com uma declaração prestada pela CCIP, na qual se lê: para os devidos efeitos se declara que o sr. J........ trabalhou nesta Câmara de Comércio Italiana desde o mês de fevereiro de 1961 até 31.12.1967, exercendo as funções de assistente comercial – ver doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C) Por ofício nº 079975, de 12.5.2008, a Segurança Social respondeu ao Autor que o pagamento retroativo de contribuições prescritas, relativo ao tempo de atividade profissional ao serviço da Câmara de Comércio Italiana, ao abrigo do DL nº 124/84, de 18.4, só pode ser autorizado mediante a verificação das condições exigidas no âmbito do referido diploma.
“... Assim, é necessário ao enquadramento, no âmbito do DL nº 124/84, de 18.4, que os períodos de atividade exercidos estivessem, à data, abrangidos pela segurança social, por força do nº 2 do artigo 1.º. Mais se informa que o requerimento para pagamento retroativo de contribuições deverá ser acompanhado, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), b) e c), respetivamente de qualquer um dos documentos:
- duplicados das declarações para efeitos fiscais, designadamente das declarações de imposto profissional, devidamente autenticadas pelos serviços fiscais, ou das respetivas certidões;
- cópia autenticada dos mapas de pessoal, desde que tempestivamente apresentados aos serviços oficiais competentes;
- certidão de sentença ou de auto de conciliação judiciais...”.
Em qualquer um dos casos, os documentos admitidos como meio de prova devem reportar-se à data de prestação do trabalho – ver doc. n.º 2 junto com a petição inicial;
D) Em 6.6.2008 o Autor dirigiu novo requerimento à Demandada, junto como doc. n.º 3 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e donde se retira o seguinte:
(…) no caso vertente existe uma declaração de vinculação à entidade patronal que reconhece que estive ao seu serviço durante o período que se declara e sobre o qual pretendo pagar retroativamente as respetivas contribuições.
Por isso e porque o sistema da lei não o proíbe, creio ser admissível substituir esse meio de prova por aquele que tenho em mãos e vai juntar como doc. n.º 1, visto ser de idêntica valia demonstrativa.
A atestação feita no doc. oferecido é corroborada pelas atas das reuniões do Conselho Diretivo da Câmara do Comércio Italiana em Portugal, referentes ao período de 1961 a 1967 e donde constam as referências ao início e à cessação do vínculo laboral com o signatário, que também junto, por cópias autenticadas acompanhadas da tradução para português das partes relevantes (docs nº 2 e 3)...”.
E) O Autor instruiu o requerimento com uma declaração da CCIP onde se lê que: “... o Sr. J........ trabalhou nesta Câmara de Comércio italiana, desde 20.2.1961 até 31.12.1967, exercendo à data da sua saída as funções de assistente comercial...”.
“... Mais se confirma que os vencimentos mensais, então por ele auferidos foram os seguintes, não havendo então lugar a pagamento de qualquer verba adicional a título de subsídio de férias ou de subsídio de Natal:
- de 20.2.1961 a 31.5.1962: 500$00/ mês;
- de 1.6.1962 a 31.12.1962: 750$00/ mês;
- de 1.1.1963 a 31.12.1964: 1.000$00/ mês;
- de 1.1.1965 a 31.12.1967: 1.500$00/ mês – ver doc. n.º 3 junto com a petição inicial...”.
F) Também instruiu o requerimento com cópia da ata de 20.5.1961, do Conselho Diretivo da Câmara de Comércio Italiana em Portugal, sobre a admissão do Autor – ver doc. n.º 3 junto com a petição inicial e processo administrativo apenso;
G) E com cópia da ata de 15.12.1967 do CD da CCIP, sobre a cessação do vínculo laboral do Autor em 31.12.67, pelo facto de ter sido chamado para o serviço militar – ver doc. nº 3 junto com a petição inicial e processo administrativo apenso;
H) Por ofício nº 117031, de 2.7.2008, a Demandada informou o Autor que o processo será indeferido por despacho de 26.6.2008, proferido pela Diretora de Núcleo, em virtude de não ter sido dado cumprimento ao ofício nº 079975, de 2.5.2008, o qual solicitava os documentos do artigo 9.º, n.º 1, als a), b), c), nos termos do artigo 111.º do Código de Procedimento Administrativo, se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data da receção deste ofício, não der entrada nestes serviços resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso, nos termos do artigo 100.º do Código de Procedimento Administrativo.
Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 15 dias úteis para reclamar;
- 2 meses para recorrer contenciosamente – ver doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
I) Ato impugnado: Por ofício de 11.7.2008 a Demandada comunicou ao Autor o seguinte: a notificação feita através do ofício nº 117031, de 2.7.2008 deverá ser dada sem efeito (…).
Assim, nesta data, fica V Exa. notificado do indeferimento do requerimento do pagamento das contribuições prescritas, relativo ao período de 1961 a 1966, por despacho superior de 26.6.2008.
O indeferimento assentou na falta de junção no processo, dos documentos elencados no artigo 9.º do DL nº 124/84, de 18.4 – ver doc. n.º 5 junto com a petição inicial.
...”.
*
III.2. DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência.

1) Da nulidade suscitada

O recorrente suscitou a nulidade de sentença alegando a tal propósito que foi violado o disposto nos artigos 95.º do CPTA; artigos 615.º/1, e) e artigo 609.º/1 do CPC, por condenar em objeto diferente do pedido, bem como por violar as regras da competência material.
Sustentou, por outro lado, a senhora Juíza do Tribunal a quo, quanto à suscitada nulidade, que “... O Tribunal, no caso, entende poder proceder o pedido de reconhecimento do direito do Autor a pagar as contribuições para a Segurança Social prescritas, não obstante a improcedência do pedido de anulação do ato impugnado e sem que isso implique uma condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (cfr artigo 668.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). O Autor requereu, em 16.6.2007, ao Secretário de Estado da Segurança Social o pagamento voluntário e retroativo das contribuições para a Segurança Social que lhe vierem a ser determinadas com base nos vencimentos auferidos pelo ora Autor, no período de 20.2.1961 a 31.12.1967 em que prestou serviço para a CCIP. Em 6.6.2008 o Autor voltou a pedir à Demandada o pagamento das contribuições prescritas. A Entidade Demandada indeferiu expressamente o pedido de pagamento. Assim, o Autor formulou pedido de anulação do ato de indeferimento e pedido de condenação à prática de um ato que lhe reconheça o direito em proceder aos pagamentos das contribuições prescritas. Onde o que importa é averiguar do mérito ou do bem fundado da pretensão do Autor e não da ilegalidade da recusa expressa da Entidade Demandada (cfr arts 51.º, n.º 4; 66.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º, n.º 1 do CPTA). O mesmo é dizer se, face à factualidade apurada, o Autor está em condições de lhe ser permitido o pagamento das contribuições para a segurança Social prescritas». O que a demandada/ recorrente não aceita é que o tribunal a quo considere que a factualidade trazida ao processo pelo autor conduza ao deferimento do pagamento das contribuições já prescrita. No entanto, esta posição da demandada não consubstancia nulidade. Antes pode ser entendida como discordância de julgamento...”.
Vejamos.
As nulidades da Sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito. São fundamento de nulidade de sentença:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Portanto, o facto de se discutir a competência do Tribunal a quo quanto à pronúncia da existência de relação laboral entre Luís de Araújo e a Câmara de Comércio Italiana em Portugal, defendendo o recorrente a incompetência material do Tribunal Administrativo para tal apreciação, tal não é fundamento de nulidade de Sentença. Já o fundamento invocado referente ao facto de, alegadamente, a decisão recorrida se ter pronunciado quanto a objeto distinto do definido, podendo enquadrar-se, de facto, numa das causas de nulidade de sentença, prevista no artigo 615.º/1, alínea e) do CPC, passaremos à sua apreciação.
Na Petição Inicial o, ali, autor peticiona a anulação do ato de indeferimento de 26.6.2008, referente ao pedido de pagamento das contribuições para a Segurança Social, acumulado com pedido de condenação da entidade demandada na prática do ato administrativo devido, que identificou como sendo a admissão do autor a fazer o pagamento das contribuições para a Segurança Social, referentes ao período de 20.2.1961 a 31.12.1967, com observância do disposto nos artigos 10.º e 12.º do DL n.º 124/84, de 18 de abril.
Foi fixado na Sentença recorrida que o “objeto do litígio” seria “... averiguar se o Autor pode proceder ao pagamento retroativo de contribuições prescritas, nos termos do disposto no artigo 9.º, nº 1 do DL nº 124/84, de 18 de abril. De seguida, em resultado da pronúncia condenatória, cabe ao Tribunal decidir a impugnação do ato expresso de indeferimento, datado de 26.6.2008 (cfr artigo 66.º, n.º 2 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos) ...”.
Apreciando e decidindo.
A ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido corresponde à concretização, ao nível do direito adjetivo, do comando constitucional, introduzido com a revisão constitucional de 1997, do artigo 268.º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual determina que “... É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas...”.
Começa por nos dizer o n.º 1 do artigo 66.º do CPTA que “...A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado...”. Ora, o objeto da ação instaurada com vista à obtenção da condenação à prática do ato devido é o ato que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado, isto é, aquele ato que, no entender do interessado, deveria ter sido praticado pelo órgão competente e não o foi, quer porque este tenha recusado a sua emissão, quer porque tenha havido uma pura e simples omissão.
São três os tipos de pronúncia concebidos pelo ordenamento jurídico português e admissíveis à luz do CPTA: a) quando o juiz não tenha acesso a dados de facto e de direito bastantes para emanar um tipo de pronúncia mais ampla do que uma mera sentença condenatória simples, conforme dispõe o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 71.º do CPTA.; b) quando o conteúdo do ato não se encontre pré-definido pela lei, sendo, porém, devida a sua emissão, o Tribunal condena a Administração na prática do mesmo. Estaremos, por conseguinte, perante uma sentença condenatória indicativa ou sentença-quadro, em que o juiz deve especificar o quadro, de facto e de direito, dentro do qual esses poderes discricionários deverão ser (re)exercidos, nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do CPTA; c) caso estejamos perante o exercício de poderes discricionários e na impossibilidade de redução da discricionariedade a zero, o Tribunal deve limitar-se a explicitar critérios e diretrizes que, em princípio, impedirão o órgão competente de repetir a ilegalidade anteriormente cometida.
Portanto, os poderes de pronúncia do juiz no domínio da tutela substitutiva revelam-se inequivocamente mais amplos em face dos protagonizados noutro tipo de intervenção. Mas, nas ações de impugnação de atos administrativos, de anulação ou declaração de nulidade do ato, resulta a destruição do ato da ordem jurídica, aliada à reconstituição da situação que existia previamente à prática do ato. Por esse motivo, a sentença que coloca termo à ação é de tipo anulatório ou constitutivo. Assim, a ação de condenação à prática de ato administrativo, prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 2.º, e a mera anulação, prevista na alínea d) do mesmo preceito do CPTA, correspondem a ações autonomizáveis entre si.
Em síntese, o CPTA adota uma conceção ampla de objeto do processo, que abrange a causa de pedir. Estabelece-se, deste modo, que o objeto do processo corresponde à pretensão do interessado e não ao ato de deferimento (artigo 66.º n.º 2 CPTA). Será este o objeto do processo, tanto quando se está perante um caso de omissão ilegal, como quando se trata de um caso de ato de conteúdo negativo. Daqui se retira que o objeto do processo nunca será o ato administrativo, mas antes o direito do particular a uma determinada conduta da Administração.
Confirma-se que a ação de condenação à prática de ato devido é uma componente essencial do princípio da tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares em face da Administrativa. Estipula-se, por esta via, uma fronteira vincada entre a ação à condenação do ato e ação de impugnação de ato administrativo, que tem como objeto a anulação ou declaração de ilegalidade do ato (artigo 50.º n.º 1 CPTA). Por coerência, o artigo 71.º CPTA, no âmbito dos poderes de pronúncia do juiz, vem sublinhar que o Tribunal não se limita a devolver ao órgão administrativo competente, tendo que tomar posição sobre a pretensão material do interessado. O Tribunal aprecia a concreta relação administrativa existente entre o particular e a Administração de modo a apurar qual o direito do primeiro e o dever da segunda, determinando, por essa via, o conteúdo do ato devido.
Por outro lado, é importante ter presente que resulta igualmente do n.º 2 do 66.º do CPTA que o efeito anulatório é implícito pelo que dispensar-se-ia a referência expressa à anulação. A análise do pedido condenatório implica o conhecimento da legalidade da recusa (ou omissão).
Daqui resulta que tendo a Sentença recorrida decidido condenar a entidade demandada a admitir o autor a fazer o pagamento das contribuições para a Segurança Social, referentes ao período de 20.2.1961 a 31.12.1967, com observância do disposto no artigo 10.º do DL nº 124/84, de 18.4, bem como a informar o autor, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, sobre quais os valores a entregar à Segurança Social para integral realização do seu direito ao pagamento das contribuições [por ter entendido o Autor trabalhou na Câmara de Comércio Italiana em Portugal, desde 20.2.1961 até 31.12.1967], tal reflete o facto de o ali autor, aqui recorrido, ter formulado um pedido cumulado de condenação à prática de ato devido.
Ora, formulado um pedido condenatório, ele acaba por absorver o pedido anulatório, já que a análise do pedido condenatório implica o conhecimento da legalidade da recusa e, em consequência da ilicitude do ano cuja anulação também se peticiona.
O Tribunal a quo, apesar de estar a apreciar uma ação onde há uma acumulação de pedidos, um de mera anulação e outro de condenação à prática de ato devido, acaba por apreciar o pedido anulatório e em seguida o condenatório, sem estar a isso verdadeiramente obrigado, uma vez que o pedido de condenação à prática de ato devido transfora o objeto do processo na apreciação da pretensão do autor, estando a apreciação do pedido anulatório implícito na apreciação da pretensão propriamente dita do autor.
Regressando à decisão recorrida, decidiu o Tribunal a quo que “... A Entidade Demandada indeferiu o pedido gracioso do Autor para pagamento voluntário das contribuições, relativas ao período de 20.2.1961 a 31.12.1967, com fundamento na falta de junção ao processo administrativo dos documentos indicados no artigo 9.º do DL nº 124/84, de 18.4. Diz o art. 9.º do DL nº 124/84 de 18/04 – diploma que regula as condições em que devem ser feitas perante a segurança social as declarações do exercício de atividade, bem como as condições e consequências da declaração extemporânea do período de atividade profissional perante as instituições de segurança social – sobre as provas a apresentar para pagamento de contribuições prescritas: O pagamento de contribuições prescritas, requerido pelas entidades patronais faltosas ou pelos trabalhadores interessados, só poderá ser autorizado pelas instituições de segurança social desde que o exercício de actividade profissional seja comprovado mediante a apresentação de qualquer dos documentos seguintes:
a) Duplicados das declarações para efeitos fiscais, designadamente das declarações de imposto profissional, devidamente autenticadas pelos serviços fiscais, ou das respectivas certidões;
b) Cópia autenticada dos mapas de pessoal, desde que tempestivamente apresentado aos serviços oficiais competentes.
c) Certidão de sentença ou de auto de conciliação judicia
Daqui se extrai que os trabalhadores relativamente aos quais não foi feita às instituições de segurança social competentes a necessária declaração de atividade ou os trabalhadores em cujo percurso profissional existam períodos de tempo relativamente aos quais não foi feita tal declaração, estando, em qualquer caso, prescritas as contribuições que lhes corresponderiam, não poderão, em princípio, beneficiar desses períodos de atividade não declarados para o cálculo das prestações de segurança social. Permite-se todavia que assim não aconteça quando a entidade empregadora o trabalhador paguem essas contribuições, apesar de prescritas, estando porém a autorização de pagamento dependente da comprovação da atividade profissional por um dos modos acima referido...”.
Termina o seu raciocínio concluindo que “... sabendo que o Autor instruiu os requerimentos de 16.6.2007 e de 6.6.2008 com declarações prestadas pela Câmara de Comércio Italiana em Portugal e cópia da ata de 20.5.1961, do Conselho Diretivo da Câmara de Comércio Italiana em Portugal, sobre a admissão do Autor, e cópia da ata de 15.12.1967 do CD da CCIP, sobre a cessação do vínculo laboral do Autor em 31.12.67, assiste razão à Demandada quando decidiu o indeferimento dos pedidos do Autor, com base na falta de junção dos documentos elencados no artigo 9.º do DL nº 124/84, de 18.4....”. Prossegue “... Com efeitos, nem as declarações prestadas pela Câmara de Comércio Italiana em Portugal nem as cópias das atas de 20.5.1961 e de 31.12.1967, do Conselho Diretivo da Câmara de Comércio Italiana em Portugal, são suscetíveis de integrar qualquer dos meios de prova enumerados no artigo 9.º, nº 1 do DL nº 124/84, de 18.4. Sem que se conceda no raciocínio do Autor em lançar mão do instituto da interpretação extensiva ou da analogia, designadamente, com a al a) do nº 1 do artigo 9.º do DL nº 124/84, para admitir a prova do exercício de atividade profissional por outros documentos...”.
Conclui, por isso, afirmando “... Autor não juntou ao processo administrativo apenso qualquer um dos documentos elencados no artigo 9.º, n.º 1, do DL nº 124/84 a decisão da Demandada só podia ser a do indeferimento da pretensão material do Autor, nos termos em que o fez no ato praticado em 26.6.2008. Deste modo, o Tribunal julga improcedente o vício de violação de lei imputado ao ato e, consequentemente, o pedido de anulação do ato de indeferimento praticado no dia 26.6.2008...”.
E com acerto.
Mas tal decisão impunha necessariamente a improcedência, igualmente, do pedido condenatório, pois que se a decisão impugnada foi tomada de acordo com o direito, o Tribunal jamais poderia condenar a entidade demandada a deferir a pretensão do autor. Ao decidir improceder o pedido de impugnação, negando, de resto, o pedido anulatório [já vimos que era desnecessária esta decisão, pois a pronúncia quanto ao pedido condenatório torna desnecessário declarar a anulação], mas ao apreciar a licitude da decisão administrativa, por estar conforme ao artigo 9.º do DL nº 124/84, de 18 de abril, o Tribunal a quo tornou-se contraditório e obscuro na fundamentação da sua decisão, pelo que a decisão recorrida é nula, não por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, mas sim pela alínea d) desse mesmo normativo legal, ou seja, os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, tornando obscura e ininteligível a Sentença.
Por fim, a Sentença recorrida não violou qualquer regra de competência. Na verdade, o recorrente confunde a pronúncia sobre matérias que estão vedadas à jurisdição administrativa e fiscal com as regras da admissão de meios de prova.
O Tribunal a quo não tomou posição substantiva quanto a um eventual dissídio que pudesse estar em litígio referente à relação laboral do autor com a Câmara do Comércio Italiano. De resto, não foi colocado ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra qualquer litígio laboral entre estas partes. De resto, o objeto do litígio foi acertadamente definido na Sentença.
Coisa distinta é a posição do Tribunal a quo quanto a um meio de prova documental que declara a existência dessa relação laboral privada, o que é uma discussão totalmente distinta. Aliás, a veracidade ou falsidade desse documento que atesta a existência dessa relação laboral privada nunca foi posta em causa no momento adequado pelo recorrente, o que, a discordar dela, deveria ter ocorrido na instrução da causa.
É indiscutível que a ação destinada ao reconhecimento de que em determinado período a/o trabalgador/a trabalhou subordinadamente para outrem, com vista a obter junto da Segurança Social os benefícios sociais, conforme dispõe o artigo 9.º, n.º 1 alínea c) do DL 124/84, de 18 de abril, prende-se com a existência de um contrato de trabalho, sendo assim competente para dela conhecer o Tribunal do Trabalho. Mas não é isso que está em causa. O que esteve sempre em causa foi, em vez de ser usada sentença a reconhecer essa relação laboral, usar-se outro documento de prova dessa relação laboral.
Pelos fundamentos aduzidos, a Sentença recorrida deve ser anulada, por força do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, com base nos fundamentos aqui expendidos, distintos dos esgrimidos no recurso.
*
Em razão da sobredita nulidade, não pode deixar de se revogar a Sentença recorrida, com esse fundamento, decidindo em substituição.
Pois bem, apesar de decidido na 1.ª instância que referiu que “... face à documentação junta pelo Autor, mencionada nas als B) e E) dos factos provados, parece indiscutível que o autor trabalhou na Câmara de Comércio Italiana em Portugal, desde 20.2.1961 até 31.12.1967, exercendo à data da sua saída as funções de assistente comercial. [...] Mesmo as cópias das atas de 20.5.1961 e de 15.12.1967 – cfr als F) e G) dos factos provados – não obstante estarem em linga estrangeira, não estarem traduzidas na íntegra e a parte traduzida não estar devidamente certificada – o certo é que são documentos contemporâneos do exercício da atividade do Autor na CCIP, relativos à sua contratação e à sua dispensa. Pelo que o Tribunal julga verificada a existência da relação laboral do Autor com a Câmara de Comércio Italiana em Portugal, no período de 20.2.1961 até 31.12.1967...”, fê-lo em desacerto.
Na verdade, o artigo 9.º do DL 124/84, de 18 de abril, fixou, em razão da intenção legislativa em evitar potenciais riscos de fraude, como consta do preâmbulo do referido diploma legal, um numerus clausus de documentos aceites para que os trabalhadores pudessem proceder ao pagamento de contribuições prescritas. O Tribunal recorrido fez uma interpretação de alargamento do tipo de documentos admissíveis a comprovar e certificar a relação laboral, mas fê-lo erradamente.
Na verdade, interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correta aplicação a um caso concreto. Portanto, a interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
Ou seja, o elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de seleção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objetivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).
Pois bem, a interpretação extensiva, de resto feita pelo Tribunal a quo, pelo contrário, destina-se a corrigir uma formulação estreita de mais. Ou seja, tratam-se de normas que ficaram aquém do seu espírito, ie, diz menos do que queria dizer. Neste caso, a razão de ser da lei faz com que esta se aplique aos casos não diretamente abrangidos pela sua letra, atendendo, apenas, à sua finalidade.
Mas, erradamente.
Na verdade, percebe-se do preâmbulo do DL 124/84, de 18 de abril, ter sido intenção clara do legislador o rigor dos meios de prova admissíveis, ali constando, em particular, que “... nos casos em que as contribuições se encontravam prescritas não havia já possibilidade legal de as exigir à entidade devedora, enquanto nos casos em que a prescrição ainda não actuara o pagamento das contribuições, mesmo que acrescido de multas e juros de mora, não era muitas vezes susceptível de repor o equilíbrio. Por outro lado, a dificuldade de cabal verificação do efectivo exercício de actividade, principalmente quando referida a períodos afastados no tempo, permitia claras situações de fraude, mais frequentes nos esquemas de menor peso contributivo...” e ainda que “... 3. São estes, em síntese, os objectivos do presente diploma, que visa regulamentar de forma mais rigorosa a possibilidade de declaração de períodos de actividade e o consequente pagamento de contribuições com efeitos retroactivos, quer as contribuições estejam ou não prescritas. A consagração da co-responsabilidade dos trabalhadores subordinados pela sua inscrição perante a segurança social e pela declaração de vinculação a cada entidade contribuinte visa possibilitar um controle mais eficaz das situações de falta de declaração de actividade, ao mesmo tempo que permite uma maior exigência por parte das instituições de segurança social para o recebimento das contribuições, quando o mesmo for requerido após o decurso do prazo de prescrição...”.
Daqui resulta claro para o Tribunal ad quem que foi efetiva intenção legislativa circunscrever os meios de prova documentais constantes do artigo 9.º do DL 124/84, de 18 de abril, não tendo o legislador dito menos do que prendia. É clara a letra da lei, de onde parte toda a interpretação jurídica, como é clara a finalidade dessa estipulação taxativa dos meios de prova admitidos para a prova do exercício profissional. Por isso refere expressamente o citado preâmbulo que “...impõe o diploma uma maior exigência nos meios de prova do exercício de actividade profissional, por forma a dificultar a fraude e o acesso indevido aos benefícios sociais...”.
Todos os elementos da interpretação jurídica apontam nesse sentido.
Finalmente, mas não menos relevante, a sentença a que refere a alínea c) do artigo 9.º do sobredito diploma legal reporta-se à sentença judicial ou auto de conciliação que se pronuncie sobre a existência de uma relação laboral, no caso, dos Tribunais de Trabalho, os competentes. Ou seja, ou o trabalhador dispõe de qualquer dos documentos de prova admissíveis, constantes nas alíneas a) e b) ou terão de obter essa prova por meio de ação judicial destinada ao reconhecimento de que em determinado período o(a) trabalhador(a) trabalhou subordinadamente para outrem, com vista a obter junto da Segurança Social os benefícios sociais, conforme dispõe o artigo 9.º, n.º 1 alínea c) do DL 124/84, de 18 de abril.
O recurso, com estes fundamentos, procederá.
*
IV – DISPOSITIVO

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a ação improcedente e absolver o recorrente dos pedidos.
Custas pelo recorrido.
Registe e Notifique.
Lisboa, dia 24 de abril de 2024.
(Eliana de Almeida Pinto - Relatora)

(Maria Helena Filipe – 1.º adjunto)

(Rui Pereira – 2.º adjunto)