Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:517/09.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA;
REDÉBITO DE SEGUROS;
NATUREZA DAS OPERAÇÕES;
NEUTRALIDADE.
Sumário:I-Sempre que para a apreciação do erro sobre os pressupostos de direito o Tribunal ad quem tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, independentemente da bondade ou da possibilidade de êxito da mesma, o Tribunal competente para apreciar o recurso é o Tribunal Central Administrativo.

II-Se do teor das conclusões das alegações de recurso é possível identificar as questões suscitadas e porque motivo se pretende uma resposta diversa da que foi dada pelo Tribunal a quo, a indicação das normas jurídicas violadas e o sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou a procedência da impugnação e anulação do ato impugnado, não se verifica qualquer incumprimento do ónus de alegar consignado no artigo 639.º, nº1 do CPC.

III- O TJUE, a propósito das isenções de IVA, tem entendido que os termos usados para designar as isenções são de interpretação estrita, que a natureza dos serviços é o fator relevante para efeitos de aplicação da isenção e que a interpretação das isenções deve obedecer ao princípio da neutralidade;

IV-A contratação da apólice de seguro pela Impugnante, cuja despesa a mesma redebita, na respetiva quota parte aos seus clientes, beneficia da isenção de IVA, em nada relevando a circunstância inerente ao facto da Impugnante não ser uma entidade seguradora, sendo esta a posição que acolhe e melhor se coaduna com o princípio da neutralidade fiscal.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico que, por sua vez, versou sobre o deferimento parcial da reclamação graciosa, que teve por objeto a liquidação adicional de IVA n.º .........., no montante de €88.348,38 e a dos respetivos juros compensatórios, com o n.º .........., no valor de €3.524,25.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“Posto tudo o que já foi dito, extrairemos as seguintes conclusões:

I - O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, que julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial, e como tal, decidiu pela anulação parcial da liquidação adicional de IVA do exercício de 2001.

II - Decorrente das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária, a ora Recorrida veio impugnar a legalidade da mesma, invocando, para tal, diversos fundamentos, nomeadamente, a violação do art.º 9.º, n.º 29 do CIVA (redacção à data da prática dos factos, actual n.º 28), no que respeita às correcções relativas a notas de crédito e às correcções relativas a redébito de seguros.

III - A Recorrida tem por objecto a gestão de frotas, incluindo serviços de manutenção, assistência e controle de frotas automóveis, de forma directa ou por intermediação, comercialização e aluguer de viaturas, representação e comercialização de acessórios de automóveis.

IV - Uma vez que os veículos automóveis são adquiridos pela Recorrida, mantendo- se na sua titulariedade durante a vigência do contrato de aluguer, a Recorrida contratou com a Companhia de Seguros .......... uma apólice de seguros que cobre todos os seus veículos.

V - Em sede de análise inspectiva, os Serviços constataram que a Recorrida debitou os seguros aos seus clientes, com isenção de IVA, ao abrigo do n.º 29 (actual n.° 28) do art.º 9.º do CIVA.

VI - O citado n.º 29 do artº 9.º do CIVA só prevê a isenção de IVA para as operações de seguro ou resseguro quando sejam praticadas por um tipo especifico de sujeito passivo: corretores ou intermediários de seguros.

VII - Assim, e em sede de apreciação de reclamação graciosa, o entendimento veiculado reflectiu-se no predito, ao consagrar que na situação referente aos débitos de seguros por parte da Recorrida aos seus clientes, as correcções daí decorrentes ascenderam a € 48.875,71 e tendo tido como base o facto da Autoridade Tributária considerar que os seguros debitados pelo sujeito passivo aos seus clientes deveriam ser acrescidos de IVA, já que conclui que "quando os sujeitos passivos não são corretores ou intermediários de seguros, como é o caso, e para afastar a tributação em sede de IVA das operações em causa, os valores relativos a seguros não devem afetar nem as contas de custos nem as contas de proveitos, mas ao invés passar por uma conta de terceiros conforme estipula a al c) do n.º 6 do art.º 16º do CIVA”.

VIII - Deste modo, foi entendido que, a aplicação desta isenção, sendo ela incompleta (não liquida mas também fica vedado o direito à dedução) fica a Recorrida numa situação de sujeito passivo misto, e como tal, obrigado à disciplina do art.º 23º, isto é, a dedução do IVA é feita mediante a aplicação do prorata.

IX - Daí que, resultou da consulta aos elementos constantes em sistema que a Recorrida não procedeu de acordo com o disciplinado pelo citado artigo 23°.

X - Ao que acresce, que a isenção do n.° 29 do art.° 9.º do CIVA é obrigatória para os correctores e intermediários do seguro. Todavia a posição assumida pela Autoridade Tributária, para os outros sujeitos passivos que pratiquem débitos de seguros, é uma opção e desde que cumpram com todos os condicionalismos. Logo, ao não cumprir com o artigo 23° do CIVA a Recorrida fica obrigada à liquidação do imposto, pois caso contrário, tinha um duplo benefício.

XI - Em sede da apreciação do recurso hierárquico por parte da Direcção de Serviços do IVA, o entendimento desta Direcção foi de encontro ao já defendido, complementando ainda com o infra exposto, ao referir que a competência para definir e autorizar a prática da actividade em causa cabe ao Instituto de Seguros de Portugal, apoiado em legislação própria.

XII - Ora, o decreto - Lei n.° 144/2006, de 31 de Julho transpôs para a ordem jurídica interna, a Directiva n.° 2002/92/CE, do Parlamento Europeu e Conselho, de 9 de Dezembro, tendo revogado o anterior Decreto - Lei n.° 388/91, de 10 de Outubro, vindo definir as condições de acesso e de exercício de toda e qualquer actividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou resseguro, praticar outro acto preparatório da sua celebração, celebrar esses contratos ou apoiar a sua gestão e execução, independentemente do canal de distribuição - incluindo os operadores de banca-seguros.

XIII- Ora, o art.° 5o do predito diploma legal, conduziria à conclusão de que só seriam susceptíveis de beneficiar da isenção prevista no n.° 29 (actual n.° 28) do art.° 9o do CIVA as operações de seguro e resseguro bem como as prestações de serviços conexas, desde que efectuadas por agentes, correctores ou intermediários de seguro, sujeitos individuais ou pessoas colectivas, que exerçam qualquer das modalidades preconizadas no citado Decreto - Lei n.° 144/2006, de 31 de Julho, nomeadamente nas condições previstas no seu art.° 7o, pelo que, no caso em, apreço, as actividades do sujeito passivo não se encontrariam abrangidas pela referida isenção do n.° 29 (actual n.° 28) do art.° 9.º do CIVA.

XIV - Aliás, esta posição é ainda complementada com o facto de que, se porventura a Recorrida se encontrasse inscrita no registo de mediadores junto do Instituto de Seguros de Portugal nos termos do disposto no art.° 7o, n.° 1, alínea a) do referido Decreto - Lei n.° 144/2006, de 31 de Julho, tal implicaria ficar enquadrada para efeitos de IVA como “sujeito passivo misto”, por praticar operações que conferem direito à dedução do IVA - operações tributadas (aluguer, ALD, etc.) e praticar simultaneamente operações que não conferem esse direito - operações isentas do art.° 9o do CIVA (seguros), e deste modo obrigada à disciplina do artigo 23° do CIVA, e portanto limitada no exercício do direito à dedução do imposto suportado nos “inputs”.

XV - Assim, e pelos factos supra expostos, afigura-se-nos que, a liquidação adicional de IVA do exercício de 2001, na parte correspondente ao objecto do presente recurso, deverá ser mantida na esfera jurídica da Recorrida.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações nas quais formulou as conclusões que infra se reproduzem:

“1. A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida na sequência da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de IVA n.° .......... e liquidação de juros compensatórios n.° .........., referente ao período de agosto de 2001;

2. No que ora releva, o Tribunal a quo julgou ilegal a correção relacionada com o redébito de prémios de seguro, no montante total de € 48.875,71, porquanto, seguindo o entendimento do TJUE, concluiu que in casu se verifica o elemento de que depende a aplicação da isenção prevista no artigo 9.°, n.° 29, do Código do IVA (atual artigo 9.°, n.° 28);

3. Não se conformando com este segmento da decisão recorrida, a Ilustre Representante da Fazenda Pública interpôs recurso sustentando, em suma, que no entender da administração tributária a referida isenção não é aplicável à Recorrida.

4. Para o efeito, a Ilustre Representante da Fazenda Pública evocou, essencialmente, a fundamentação aduzida pela administração tributária na decisão da reclamação graciosa e na decisão do recurso hierárquico;

5. Todavia, salvo o devido respeito, não assiste razão à Ilustre Representante da Fazenda Pública;

6. Nas doutas alegações de recurso a Ilustre Representante da Fazenda Pública apenas imputa à decisão recorrida o erro de julgamento de direito;

7. Deste modo, tendo o presente recurso por fundamento exclusivo a matéria de direito, o Tribunal Central Administrativo Sul é incompetente para o seu conhecimento, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 280.° do CPPT;

8. Acresce que, a Ilustre Representante da Fazenda Pública não cumpriu o ónus de alegar a que estava adstrita, nos termos do artigo 639.°, n.° 1, do CPC ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT;

9. Embora se depreenda das doutas alegações que a Recorrente pretende assacar à sentença recorrida um erro de julgamento, não se demonstra em que medida a sentença incorre em tal erro;

10. Efetivamente, nas doutas alegações de recurso, a Ilustre Representante da Fazenda Pública limita-se a evocar a posição defendida pela administração tributária na decisão da reclamação graciosa e na decisão do recurso hierárquico, sem, contudo, evidenciar em que segmento da sentença o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, e por que motivo não se pode concluir pela aplicação da isenção prevista no n.° 29 do artigo 9.° do Código do IVA, na redação à data aplicável;

11. Ora, não o tendo feito, só pode concluir-se pelo incumprimento do ónus de alegar pois que, como decorre do artigo 639.° do CPC e é clarificado pela doutrina e pela jurisprudência, para além da apresentação de um requerimento sob a forma de alegação, haverá que “atacar” a decisão recorrida e explicitar por que motivo a decisão deverá ser anulada.

12. Assim, não tendo a Recorrente “atacado” a sentença recorrida, como se lhe impunha, limitando-se a evocar a posição da administração tributária defendida anteriormente, não pode senão concluir-se pelo incumprimento do ónus de alegar, previsto no artigo 639.°, n.° 1, do CPC ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT, razão pela qual deve o presente recurso ser indeferido nos termos do artigo 641.°, n.° 2, alínea b), do CPC ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT;

13. Sem prejuízo do acima exposto, e ainda que se conclua pela inexistência do vício de incumprimento do ónus de alegar, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre se dirá que o recurso deve ser julgado improcedente;

14. No âmbito de ação inspetiva foi efetuada, no que ora releva, uma correção em sede de IVA no montante de € 48.875,71, com fundamento na não aplicação ao caso vertente da isenção prevista no artigo 9.°, n.° 29 (atual n.° 28) do Código do IVA por a Recorrida não ser mediadora de seguros e, por outro lado, pelo facto de não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 16.°, n.° 6, alínea c), do Código do IVA;

15. Nas decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico a administração tributária invocou, ainda, o incumprimento pela Recorrida do disposto no artigo 23.° do Código do IVA;

16. O Tribunal a quo, concluiu - e bem - que aquele segmento das decisões enfermam de vício de forma, por fundamentação a posteriori;

17. Nas doutas alegações de recurso, não obstante a Recorrente evocar aquela fundamentação, em momento algum controverte o aludido vício de forma, pelo que o mesmo não integra o objeto do presente recurso, o qual, nos termos do artigo 684.°, n.° 2 e n.° 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea e), do CPPT, é delimitado pela alegação e respetivas conclusões;

18. Assim, uma vez que a Recorrente assenta a sua alegação na fundamentação do ato tributário sub judice já julgada como fundamentação a posteriori (e não controvertida no presente recurso), deve o presente recurso ser julgado improcedente;

19. Ainda que assim não se entenda, sempre o entendimento propugnado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública deve ser julgado improcedente, porquanto assenta numa interpretação meramente literal do artigo 9.°, n.° 29 (atual n.° 28) do Código do IVA;

20. A doutrina tem vindo a defender que a isenção prevista no artigo 9.°, n.° 29, do Código do IVA (atual n.° 28) consubstancia uma isenção objetiva, i.e. que o aludido preceito legal não isenta de IVA entidades seguradoras, mas, sim, as operações aí previstas, ou seja, as operações de seguro ou resseguro (cf. neste sentido, MARIA ODETE OLIVEIRA in Anotação ao acórdão do STA de 19 de fevereiro de 2003, processo n.° 26435 in Jurisprudência Fiscal Anotada, Almedina, Coimbra, 2003, página 93 e CLOTILDE CELORICO PALMA in Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF n.° 1, 3.° edição, Almedina, fevereiro 2008, página 140;

21. De facto, de acordo com aquele preceito legal, estão isentas de IVA (i) as operações de seguro e resseguro e (ii) as prestações de serviço conexas com operações de seguro, desde que praticadas por corretores e intermediários de seguro;

22. No caso sub judice é facto assente que a contratação da apólice de seguro pela Recorrida, e cuja despesa a Recorrida redebita na respetiva quota-parte aos seus clientes, é uma operação de seguro, pelo que recai no âmbito de aplicação da isenção consagrada no artigo 9.°, n.° 29, do Código do IVA;

23. Conforme se extrai da factualidade provada, no âmbito da operação de redébito a despesa mantém a sua natureza, surgindo, aliás, discriminada na fatura emitida pela Recorrida aos seus clientes;

24. Deste modo, tendo presente que artigo 9.°, n.° 29, do Código do IVA, na redação à data em vigor, consagra uma isenção aplicável às operações aí previstas, no que ora releva às operações de seguro, e que, por seu turno, a natureza da despesa não é alterada, é pois evidente a aplicação ao caso sub judice da isenção sob análise;

25. Contudo, ainda que se considere que a isenção em apreço é uma isenção subjetiva, não poderá deixar de concluir-se, igualmente, pela sua aplicação no caso vertente.

26. Como concluiu - e bem - o Tribunal a quo, verifica-se no caso sub judice o elemento subjetivo de que depende a aplicação daquela isenção, decorrente do facto de em momento algum ter sido alterada a natureza da despesa e da operação que antecede o redébito;

27. De referir que, a decisão recorrida está em consonância com a jurisprudência do TJUE, em concreto com os acórdãos proferidos nos casos Card Protection Plan Ltd (processo C-349/96) e BGZ Leasing (processo C-224/11);

28. No caso Card Protection Plan Ltd (processo C-349/96) considerou o TJUE que a aplicação da isenção em apreço não se encontra dependente da entidade prestadora ser uma entidade autorizada a exercer a atividade seguradora;

29. Em idêntico sentido, o TJUE considerou no caso BGZ Leasing (processo C-224/11) que o conceito de “operações de seguro” é suficientemente amplo para englobar a concessão de uma cobertura por um sujeito passivo que, não sendo uma seguradora, contrata, junto de uma companhia de seguros, um seguro coletivo fornecendo depois aos seus clientes a cobertura do seguro;

30. Em face do exposto, é forçoso concluir que isenção prevista no artigo 9.°, n.° 29, do Código do IVA (atual n.° 28) incluiu a concessão de uma cobertura de seguro, subscrita por uma entidade de gestão de frotas junto de uma companhia seguradora, no âmbito de um contrato de aluguer de viaturas automóveis, e cujos correspetivos prémios são depois redebitados aos clientes, que, na verdade, são os reais destinatários;

31. Efetivamente, esta é a interpretação que melhor se coaduna com o princípio da neutralidade, princípio fundamental ao sistema comum do IVA;

32. Com efeito, o princípio da neutralidade visa desde logo acautelar uma tributação uniforme ao longo de toda a cadeia comercial, não podendo a sua tributação em sede de IVA ser alterada em determinado estádio da cadeia comercial, quando a sua natureza se mantém inalterada;

33. De notar que, o sobredito entendimento quanto à aplicação da isenção prevista no artigo 9.°, n.° 29, do Código do IVA (atual n.° 28) em casos semelhantes ao dos presentes autos tem vindo a ser defendido pela própria doutrina da administração tributária, designadamente no despacho de 03.06.1994, proferido no processo n.° .........., e citado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública nas doutas alegações de recurso, na Informação n.° ....., de 03.05.1991, que mereceu despacho concordante do Subdiretor-Geral do IVA de 07.05.1991 e no Ofício-Circulado n.° 53875, de 11.05.1998, entre outros;

34. Acresce que relativamente ao redébito de despesas não se exige o cumprimento do disposto no artigo 16.°, n.° 6, do Código do IVA;

35. Neste ponto impõe-se distinguir entre (i) reembolso de despesas e (ii) redébito de despesas, o primeiro está relacionado com as operações que são realizadas pelo sujeito passivo em nome e por conta de outrem, e o segundo está relacionado com operações realizadas por conta de outrem, mas em nome próprio;

36. Ora, o artigo 16.°, n.° 6, do Código do IVA trata da disciplina a conferir às despesas realizadas em nome e por conta de outrem, que originam, posteriormente, o reembolso de despesas ao sujeito passivo que as suportou em nome de outrem, e não das despesas realizada em nome do próprio sujeito passivo, que originam, posteriormente, um redébito;

37. Não obstante a invocação pela administração tributária do disposto no artigo 23.° do Código do IVA constituir fundamentação a posteriori, que por essa razão não deverá ser relevada, caso assim não se entenda, no que não se concede, importa referir que as isenções de IVA consagradas no artigo 9.° não se encontram dependentes da adoção de determinado método de dedução do IVA;

38. Em face do exposto, deve a sentença recorrida ser mantida, julgando-se improcedente o recurso da Fazenda Pública, com as demais consequências legais.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.”


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A sociedade A.........., SA (doravante, A.....), contribuinte .........., dedicava-se, designadamente em 2001, à atividade de aluguer de veículos automóveis em ALD, adquirindo viaturas a pronto pagamento ou em sistema de leasing (cfr. fls. 63, dos autos, e fls. 686, do processo administrativo – reclamação graciosa – vol. II, sendo facto não controvertido).

2) A sociedade mencionada em 1) foi fundida, por incorporação, na impugnante em 2003 (cfr. fls. 41 a 47).

3) A sociedade mencionada em 1) celebrou um contrato de seguro associado à sua frota automóvel, cujo valor lhe foi faturado sem IVA, nos termos do n.º 29 do art.º 9.º, do CIVA.

4) A sociedade mencionada em 1), designadamente em 2001, imputava, a cada cliente, a parte respetiva do valor relativo ao seguro mencionado em 3), em função do número de dias de utilização do veículo alugado, surgindo tal valor discriminado nas faturas respetivas e tendo vindo a ser reclassificado, na contabilidade, em contas de terceiros.

5) A sociedade menci0nada em 1) solicitou reembolso de IVA no período 01/08 (cfr. fls. 63, dos autos, e fls. 199, do processo administrativo).

6) Na sequência do pedido de reembolso mencionado em 5), a sociedade mencionada em 1) foi objeto de ação de inspeção interna, em cumprimento da Ordem de Serviço (OS) n.º ....., pela então ….ª Direção de Finanças (DF) de Lisboa (cfr. fls. 59, dos autos, e fls. 196, do processo administrativo).

7) Da ação inspetiva mencionada em 6), resultou um relatório, datado de 06.05.2002, com anexos, do qual consta designadamente o seguinte:
“…

"Texto integral no original; imagem"
"Texto integral no original; imagem"



(…)
"Texto integral no original; imagem"


…” (cfr. fls. 59 a 69, dos autos, e fls. 196 a 205, do processo administrativo, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).

8) Na sequência do RIT mencionado em 7) foram emitidas, pela AT, em nome da sociedade mencionada em 1), as seguintes liquidações:

a) Adicional de IVA n.º .........., no valor de 88.348,38 Eur.;

b) De juros compensatórios n.º .........., relativa à liquidação mencionada em 8.a), no valor de 3.524,25 Eur. (cfr. fls. 182 a 184, do processo administrativo; fls. 29 e 30, do processo administrativo – reclamação graciosa – vol. I).

9) Através de documento, que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 10, a sociedade mencionada em 1) apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas em 8), na qual invocou, entre outros vícios, o de falta de fundamentação (cfr. fls. 71 a fls. 95, dos autos, e fls. 2 a 662 do processo administrativo – reclamação graciosa – vols. I e II, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).

10) Na sequência do referido em 9), foi autuado, a 25.10.2002, o procedimento de reclamação graciosa n.º .......... (cfr. fls. 1, do processo administrativo – reclamação graciosa – vol. I).

11) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em 10), foi elaborada, a 31.01.2005, informação, na divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, no sentido de deferimento parcial da pretensão explanada no documento mencionado em 9), tendo, após pareceres de concordância, sido proferido, sobre tal informação, despacho, a 03.03.2005, pelo diretor de finanças adjunto, determinando a audição prévia da sociedade mencionada em 1) (cfr. fls. 701 a 716, do processo administrativo – reclamação graciosa – vol. II).

12) Na sequência do exercício do direito de audição, por parte da sociedade mencionada em 1), foi elaborada, a 24.06.2005, informação, na divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, da qual consta designadamente o seguinte:

“…

"Texto integral no original; imagem"

(…)


(…)
(…)

[QUADRO]

(…)






(…)

"Texto integral no original; imagem"

[QUADRO]

(…)

"Texto integral no original; imagem"

"Texto integral no original; imagem"





(…)

…” (cfr. fls. 97 a 118, dos autos, e fls. 719 a 1176, do processo administrativo – reclamação graciosa – vols. II e III, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).

13) Após pareceres de concordância, do coordenador, de 29.06.2005, e do chefe de divisão, de 20.07.2005, foi proferido despacho, sobre a informação mencionada em 12), pelo diretor de finanças adjunto, datado de 21.07.2005, com o seguinte teor:

“Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão e com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação e respectivos pareceres, defiro parcialmente o pedido da reclamante nos termos em que vem proposto. // Notifique-se” (cfr. fls. 98 e 99, dos autos, e fls. 1156, do processo administrativo – reclamação graciosa – vol. III).

14) Através de documento, que deu entrada na DF de Lisboa a 06.09.2005, a impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão mencionada em 13), do qual consta designadamente o seguinte:



(…)
(…)


(…)
…” (cfr. fls. 120 a fls. 142, dos autos, e fls. 2 a fls. 87, do processo administrativo – recurso hierárquico, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).

15) Na sequência do referido em 14), foi autuado, a 11.10.2005, o procedimento de recurso hierárquico n.º ...../05 (cfr. fls. de capa, do processo administrativo – recurso hierárquico).

16) No âmbito do procedimento de recurso hierárquico mencionado em 15), foi elaborada, a 04.11.2008, informação, na divisão de administração II da direção de serviços do IVA, no sentido de indeferimento da pretensão explanada no documento mencionado em 14), da qual consta designadamente o seguinte:

“…






(…)

(…)





(…)




(…)

(…)














(…)



(…)

(…)

(…)

(…)









(…)




(…)

(…)

(…)

…” (fls. 145 a 171, dos autos, e fls. 94 a 120, do processo administrativo – recurso hierárquico, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).

17) Sobre a informação mencionada em 16), após pareceres de concordância, foi proferido, a 14.11.2008, pelo subdiretor-geral dos impostos, despacho de indeferimento do recurso hierárquico referido em 14) (cfr. fls. 145, dos autos, e fls. 94, do processo administrativo – recurso hierárquico).


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“A Decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.”

***

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

Quanto aos factos 3) e 4), a convicção do Tribunal fundou-se, desde logo, na posição das partes, dado que os mesmos são alegados pela impugnante, não sendo postos em causa nem pela FP, nem pela própria AT, como resulta do relatório que constitui fundamento das liquidações impugnadas (cfr. pontos 7 a 9 e 14.c, do relatório mencionado em 7), do probatório, nos quais não é posta em causa a existência do seguro e o débito aos clientes, mas tão-só o seu tratamento em sede de IVA, sendo ainda focado em sede de reclamação graciosa o facto de o seguro ser faturado à impugnante – cfr. ponto C da informação que consubstancia fundamento da decisão da reclamação graciosa). O contrato relativo a tal seguro consta, igualmente, de fls. 624 a 659, do processo administrativo – reclamação graciosa – vol. II. Por seu turno, em sede de reclamação graciosa, designadamente para apreciação das correções relativas às notas de crédito, foram juntos vários exemplos de faturas emitidas pela A..... aos seus clientes, nos quais os valores de renda e de seguro surgem discriminados, com indicação do período respetivo (cfr. v.g. fls. 56, 57, 72, 75, 191, 192, 197, 198, 249 a 251, do processo administrativo – reclamação graciosa – vol. I). Em termos de tratamento contabilístico, o mesmo encontra-se evidenciado nos balancetes juntos de fls. 1124 a 1149, do processo administrativo – reclamação graciosa (vol. III), de onde resulta a sua contabilização em contas de terceiros, corrigindo o procedimento anterior (cfr. quer o documento junto a fls. 685, do vol. II do processo administrativo – reclamação graciosa, quer os art.ºs 18.º a 22.º, do documento de exercício do direito de audição em sede de reclamação graciosa – fls. 945 e 946, do processo administrativo – reclamação graciosa – Vol. III). A convicção do tribunal fundou-se adicionalmente no depoimento da testemunha Susana .........., auditora, que exercia funções na A..... desde 2000 e continuou a exercer funções junto da impugnante, depois da fusão, e que em 2001 exercia funções de assistente de contabilidade, designadamente ao nível da faturação, que confirmou a forma como o seguro era faturado aos clientes, incluído na respetiva fatura, de forma autonomizada e considerando o tempo efetivo de utilização do veículo, explicando a forma como havia acertos no caso de haver contratos de locação que cessavam, por exemplo, antes de decorrido um mês inteiro. A testemunha Pedro .........., diretor financeiro, que trabalha junto da impugnante desde 2002, como controller financeiro, confirmou igualmente esse tratamento documental, que conhece em virtude de ter feito a análise procedimental da A..... aquando da incorporação na S....., confirmando aliás que se trata de procedimento que é mantido até hoje.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

18. A 31 de janeiro de 2005, foi proferida informação instrutora pela Direção de Finanças de Lisboa-Divisão de Justiça Administrativa, do projeto de deferimento parcial da reclamação graciosa referida em 10), da qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“ (…)

"Texto integral no original; imagem"



















(cfr fls. 711 a 713 do processo de reclamação graciosa Vol II/III apenso);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico que, por sua vez, versou sobre o deferimento parcial da reclamação graciosa, que teve por objeto a liquidação adicional de IVA n.º .......... e respetivos juros compensatórios n.º .........., tendo determinado a anulação dos “[a]tos impugnados, na parte respeitante a correcção por débito de seguros, mantendo-se quanto ao demais.”

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que apenas o IRFP interpôs recurso jurisdicional da sentença visada nos presentes autos, tendo, por isso, transitado em julgado as correções remanescentes.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, se encontram preenchidos os pressupostos para a concessão da isenção contemplada no artigo 9.º, nº 29 do CIVA conforme decidiu o Tribunal a quo. Antes, porém, cumpre aferir de questões prévias suscitadas pela Recorrida nas suas contra-alegações, concretamente, incompetência em razão da hierarquia e incumprimento do ónus de alegar preceituado no artigo 639.º do CPC.

Comecemos, então, pela arguida incompetência em razão da hierarquia suscitada pela Recorrida, uma vez que a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra (cfr. artigos 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

Apreciando.

De harmonia com o disposto no artigo 280.º, nº 1, do CPPT das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA (artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).

A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, sendo certo que não é a interpretação subjetiva desses factos que interessa à determinação da competência do tribunal mas a relevância objetiva desses factos.

Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos citados artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. Com efeito, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respetivas conclusões se questionar a matéria de facto, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, quer, ainda, por o Tribunal, no âmbito dos seus poderes cognição, ter entendido fixar matéria de facto que reputou relevante para a apreciação da lide(1).

In casu, conforme alegado pela Recorrida nas suas contra-alegações a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, não se discernindo qualquer aditamento seja por substituição, seja por complementação, de todo o modo atentando nas suas conclusões, aquiesce-se a necessidade de juízo de valor sobre a matéria de facto.

Em bom rigor, sempre que para a apreciação do erro sobre os pressupostos de direito o Tribunal ad quem tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, independentemente da bondade ou da possibilidade de êxito da mesma, a questão envolve, necessariamente, matéria de facto. No caso vertente, a Recorrente, ainda que de forma pouco clara, aduz que a fundamentação gizada na reclamação graciosa e ulteriormente no recurso hierárquico mais não é do que a sucessão e a prossecução do já contemplado no Relatório de Inspeção Tributária, donde, implica juízo de valor sobre a realidade contemplada no acervo probatório, mormente, nos números 7, 12, 14, 16 e 18.

Ademais, a alicerçar a competência do presente Tribunal está, desde logo, o aditamento de factualidade (facto nº 18) pelo Tribunal ad quem e no âmbito dos seus poderes de cognição, pelo que em ordem ao consignado nos artigos 38.º, alínea a) e 26.º, alínea b) do ETAF, a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal.

E por assim ser, sem necessidade de outros considerandos, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, aduzida pela Recorrida.

Vejamos, ora, a outra questão suscitada que se prende com o incumprimento do ónus de alegar consignado no artigo 639.º, nº1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT.

Sustenta a Recorrida que embora se depreenda das doutas alegações que a Recorrente pretende assacar à sentença recorrida um erro de julgamento, não se demonstra em que medida a sentença incorre em tal erro.

Vejamos.

Dispõe o artigo 639.º, nº1 do CPC, sob a epígrafe de “ónus de alegar e formular conclusões”, que: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”

No caso vertente, ainda que as conclusões do recurso não traduzam, é certo, a melhor técnica jurídica, a verdade é que compulsado o seu teor é possível identificar as questões suscitadas e porque motivo se pretende uma resposta diversa da que foi dada pelo Tribunal a quo, a indicação das normas jurídicas violadas e o sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou a procedência da impugnação e anulação do ato impugnado, pelo que improcede a aludida preterição convocada pela Recorrida.

Ainda em sede preliminar, importa atentar no objeto do recurso e na alegada insusceptibilidade de ser apreciado o vício de forma.

A Recorrida alega que o Tribunal a quo entendeu que as decisões de reclamação graciosa e o recurso hierárquico padecem de vício de forma por fundamentação a posteriori, sendo que a Recorrente não sindica o aludido vício nas suas alegações, pelo que o mesmo não pode ser apreciado por não integrar o objeto do recurso.

Importa, desde já, relevar que o Tribunal a quo não julgou verificado o vício de forma, tendo apenas evidenciado em sede de análise do erro sobre os pressupostos que a fundamentação a considerar para efeitos da legalidade dos atos de liquidação tem de limitar-se, em exclusivo, à contemplada no Relatório de Inspeção Tributária.

Em bom rigor, decidiu o Tribunal a quo que “[a] fundamentação tem de ser contemporânea do ato, sendo certo que, em impugnação, o ato mediato é a liquidação, cuja fundamentação reside no relatório já mencionado”, razão pela qual delimitou a apreciação do vício de violação de lei, referente ao erro sobre os pressupostos, “atendendo exclusivamente aos fundamentos constantes do relatório de inspeção, em virtude de ser este o fundamento das liquidações em crise, não podendo ser relevados os fundamentos aventados em momento ulterior, por se tratar de fundamentação a posteriori.”

Por outro lado, importa relevar que a Recorrente -reconhece-se, de forma jurídica algo imperfeita e não tão perentória quanto seria desejável- controverte a aludida fundamentação a posteriori relevando que os argumentos convocados em sede de reclamação graciosa e ulterior interposição de recurso hierárquico mais não representam que uma sucessão do já aludido em sede de Relatório de Inspeção Tributária. No fundo, cotejando as conclusões com as respetivas alegações, verifica-se que a Recorrente entende que o que vem evidenciado na reclamação graciosa e no recurso hierárquico mais não representa que uma densificação do Relatório Inspetivo, convocando, dessa feita, a argumentação gizada nesses dois procedimentos administrativos.

Pelo que, contrariamente ao defendido pela Recorrida tal questão integra o objeto do presente recurso. Questão diferente é se tais argumentos podem ser convocados para efeitos de análise do vício de violação de lei concatenado com o erro sobre os pressupostos, porém a bondade de tal pretensão é díspar da colocada pela Recorrida.

Assim face ao exposto, importa, ora, analisar se, de facto, os argumentos convocados em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico são, efetivamente, a densificação e substancialização do relatório inspetivo.

Vejamos, então.

Atentando no acervo probatório dos autos, concretamente, o ponto 7 verifica-se, de forma inequívoca, que, em sede de relatório inspetivo, a fundamentação da correção relacionada com o redébito dos seguros coadunou-se, tão-só, no facto da sociedade Recorrida não ser corretora ou intermediária de seguros, portanto, a um pressuposto de cariz subjetivo.

Sendo certo que só em sede projeto de decisão de reclamação graciosa foi aventada a questão do incumprimento do artigo 23.º do CIVA. Na verdade, conforme se atesta da factualidade, ora, aditada (facto nº 18) só com a informação instrutora datada de 31 de janeiro de 2005, tal questão foi chamada à colação sustentando a Administração Tributária que “[a]o aplicar esta isenção, como é uma isenção incompleta (não liquida mas também fica vedado o direito à dedução) fica o Sujeito Passivo numa situação de sujeito passivo misto, e por isso obrigado à disciplina do artigo 23.º, isto é, a dedução do IVA é feita mediante a aplicação do prorata.”, para depois concluir que “da consulta aos elementos constantes em sistema verificou-se que não procedeu de acordo com o disciplinado pelo citado artigo 23.º”

A qual, foi depois seguida no recurso hierárquico, conforme dimana dos pontos 14 e 16 da factualidade assente.

Ora, como é bom de ver, o incumprimento dos pressupostos consignados no artigo 23.º do CIVA não pode ser entendido como uma substanciação do já alegado em sede de Relatório Inspetivo, desde logo, porque não só não promana da mesma base legal, como carece da interpretação de outros elementos factuais, só ulteriormente convocados.

E por assim ser, e tal como bem decidido pelo Tribunal a quo, não pode a Administração Tributária valer-se de fundamentação e argumentos não convocados em sede de fiscalização e contemplados no Relatório Inspetivo, por se traduzir em fundamentação a posteriori legalmente vedada.

Aqui chegados, não tendo sido impugnada a matéria de facto, não se vislumbrando qualquer errada valoração da matéria de facto que careça de ser alterada, sendo certo que o aditamento por complementação que o Tribunal ad quem reputou relevante para a presente lide já foi devidamente materializado, dimana inequívoco que a mesma se encontra devidamente estabilizada. Nessa medida, importa, ora, apreciar o erro sobre os pressupostos invocado pela Recorrente.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que para que as operações de seguro e resseguro sejam isentas de liquidação de IVA, é imperioso que os sujeitos passivos sejam corretores ou intermediários de seguros, não sendo o caso da sociedade Recorrida.

Dissente a Recorrida evidenciando para o efeito que a interpretação propugnada pela Recorrente assenta tão-só numa mera interpretação literal do artigo 29.º, nº9 do CIVA, sendo certo que a doutrina e Jurisprudência Comunitária vêm defendendo que o citado normativo contempla uma isenção objetiva e não subjetiva.

O Tribunal a quo, apoiando-se em Jurisprudência comunitária propugnou que “[n]uma situação como a dos autos, na qual não é controvertido que o valor que a sociedade A..... refaturava aos locatários, relativo aos seguros que suportava a montante, era o valor proporcional do seguro, face à utilização do veículo, resulta que a neutralidade subjacente ao IVA e à sua teleologia implicam que esta prestação seja também isenta, não sendo entrave a tal circunstância o facto de a sociedade A..... não ser corretora ou intermediária de seguros, nos termos explanados no referido acórdão.”

E, de facto, nenhuma censura merece a decisão recorrida.

Senão vejamos.

Importa, desde já, relevar que, in casu, não é controvertido, que a sociedade Recorrida suporta um seguro que abrange toda a sua frota e que, ulteriormente, repercute esse valor nas faturas emitidas em nome dos respetivos clientes, na medida da utilização.

Mais importa ter presente que o constante do Relatório de Inspeção Tributária em termos de contabilização, concatenado com o artigo 16.º, nº6 do CIVA, e conforme bem evidencia o Tribunal a quo, não corresponde à realidade fática padecendo de falta de adesão à realidade, bastando, para o efeito, aquilatar do teor da factualidade elencada no nº4, não impugnada.

Feito este introito, vejamos, então, se a isenção do artigo 29.º, nº9 do CIVA, está dependente da circunstância das sociedades serem entidades seguradoras, conforme defende a Recorrente.

Com efeito, a isenção prevista no normativo 29.º, nº9 do CIVA não isenta de IVA as entidades seguradoras, mas sim as operações aí previstas, ou seja, as operações de seguro ou resseguro.

Neste particular, vide Maria Odete Oliveira que enuncia, claramente, que nos encontramos “perante uma isenção objectiva que abrange as operações das seguradoras (…) Não é a actividade que se encontra isenta mas tão só determinadas operações. Isto é, aliás, o que acontece com todas as isenções do art.° 9.º. Determinadas transmissões de bens e prestações de serviços — as enumeradas no artigo — são isentas em razão do seu objecto ou finalidade, constituindo a referência ao sujeito que as deve realizar apenas instrumento para a delimitação do seu âmbito de aplicação.”(2)

Note-se que, em matéria de isenções, a jurisprudência do TJUE tem-se fundado, especialmente, em três pilares, conforme esclarecem Mariana Gouveia de Oliveira e Ana Raquel Costa(3):

(i) Os termos usados para designar as isenções são de interpretação estrita (mas não restritiva), dado que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada entrega de bens e cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo;

(ii) A natureza dos serviços é o fator relevante para efeitos de aplicação da isenção. A qualidade do prestador, a forma como os serviços são prestados não releva na aplicação da isenção;

(iii) A interpretação das isenções deve obedecer ao princípio da neutralidade, no qual todo o sistema do IVA se baseia.

No caso vertente, a contratação da apólice de seguro pela Recorrida, cuja despesa a mesma redebita, na respetiva quota parte aos seus clientes, recai no âmbito da aludida isenção, em nada relevando a circunstância inerente ao facto da Recorrida não ser uma entidade seguradora, não podendo, necessariamente, relevar o aduzido nas conclusões da Recorrente, mormente, nos pontos XII e XIII.

Note-se que o STA, no Aresto de 07 de março de 2018, proferido no processo nº 0375/15, sublinha, de forma clara, que as isenções de IVA são sempre objetivas, devendo ter sempre como pressuposto basilar a substância e materialidade da operação e como norteador a neutralidade fiscal, relevando no citado Acórdão que a ilicitude decorrente da atuação ilícita como mediador de seguros, é perfeitamente irrelevante para efeitos da isenção de IVA face à neutralidade do imposto.

“As normas de isenção previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva são normas autónomas do direito comunitário que têm como objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro e as isenções de IVA têm como característica peculiar o serem sempre objectivas. Por tal razão e atento o princípio da neutralidade fiscal que enforma o regime do IVA não pode uma norma legislativa de um Estado membro restringir a aplicação da isenção do IVA, com o fundamento de o mediador de seguros não se encontrar registado.” (destaques e sublinhados nossos).

Neste particular, assume especial relevância o Acórdão proferido no processo Card Protection Plan Ltd (processo C-349/96), tendo o TJUE considerado que:”[i]importa reconhecer que tal prestação de serviços fornecida pela CPP constitui uma operação de seguros, na acepção do artigo 13, B, alínea a). É certo que as isenções previstas no artigo 13-da Sexta Directiva são de interpretação estrita (v. acórdão Stichting Uitvoering Financiële Acties, já referido, n._ 13). Todavia, a expressão «operações de seguro» é, em princípio, suficientemente ampla para englobar a concessão de uma cobertura de seguro por um sujeito passivo que não seja o próprio segurador, mas que, no âmbito de um seguro colectivo, fornece aos seus clientes tal cobertura, utilizando as prestações de um segurador que assume o risco seguro.23 Esta interpretação é corroborada pela finalidade da Sexta Directiva, que isenta as operações de seguro, ao mesmo tempo que faculta aos Estados-Membros, no artigo 33., a possibilidade de manter ou de introduzir um imposto sobre os contratos de seguro. Consequentemente, se a expressão «operações de seguro» apenas abranger as operações efectuadas pelos próprios seguradores, o consumidor final poderia ter que pagar não apenas este último imposto mas, no quadro dos seguros colectivos, igualmente o IVA. Tal resultado seria contrário à finalidade da isenção prevista no artigo 13., B, alínea a). Respondendo, assim, de forma inequívoca que: “[o] artigo 13, B, alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo que não tem a qualidade de segurador que, no quadro de um seguro colectivo de que é o tomador, fornece aos seus clientes, que são os segurados, uma cobertura de seguro, recorrendo a um segurador que assume o risco coberto, efectua uma operação de seguro na acepção da referida disposição. O termo «seguro» mencionado nesta disposição é extensivo às categorias de actividades de assistência enunciadas no anexo da Directiva 73/239, conforme alterada pela Directiva 84/641.”

A corroborar o que vimos dizendo, atente-se no doutrinado por Patrícia Noiret da Cunha(4) igualmente citado pelo Tribunal a quo, no qual se destaca, designadamente, o seguinte:

“O n.° 29 respeita à actividade seguradora e constitui transposição do disposto no artigo 13 .°-B, alínea a), da Sexta Directiva.

O acórdão Card Protection Plan declarou que o artigo 13.°-B, alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro não pode restringir o alcance da isenção das operações de seguro unicamente às prestações efectuadas pelos seguradores autorizados pelo direito nacional a exercer a actividade de segurador. Com base naquela disposição, a administração fiscal britânica exigiu à sociedade Card Protection Plan (CPP) o pagamento de IVA, uma vez que, por um lado, os serviços prestados por esta sociedade não apresentavam o carácter de operações de seguro isentas e, por outro lado, não existia uma relação contratual directa entre a companhia de seguros e os clientes da CPP, susceptível de criar laços jurídicos específicos relacionados com o contrato de seguro, o que conduziu a administração fiscal a considerar que não existia uma prestação de seguro em relação ao cliente.

O Tribunal de Justiça consagrou no acórdão Card Protection Plan uma interpretação extensiva do conceito de operações de seguro. Retomando a definição apresentada pelo Advogado-Geral Fennely nas suas conclusões, uma operação de seguros caracteriza-se pelo facto de o segurador, mediante o pagamento de um prémio pelo segurado, se comprometer a fornecer a este último, em caso de realização do risco coberto, a prestação acordada por ocasião da celebração do contrato (cons . 17).

(…) Em seguida, o Tribunal esclareceu que é possível assimilar a um segurador o tomador de um seguro colectivo subscrito junto de um segurador, que - tal como a CPP - se limitou a prometer aos clientes fazer o necessário para que um seguro lhes fosse fornecido por um terceiro, não se tendo ela própria comprometido a fornecer a cobertura de seguro (acórdão Card Protection Plan, cons. 21-22).

Esta interpretação é corroborada pelas disposições da Sexta Directiva, a qual, apesar de isentar de IVA as operações de seguro, atribui aos Estados membros a faculdade de manter ou introduzir um imposto sobre os contratos de seguros, ao abrigo do seu artigo 33.° Por este motivo, se a expressão «operações de seguro» apenas abrangesse as operações efectuadas pelos próprios seguradores, o consumidor final poderia ter que pagar não apenas este último imposto mas, no quadro dos seguros colectivos, igualmente o IVA. Tal resultado seria contrário à finalidade da isenção prevista no artigo 13.°-B, alínea a)”

Ainda neste particular, importa chamar à colação o Acórdão do TJUE (Processo C-224/11), caso BGZ Leasing, cuja situação fática apresenta grandes similitudes com a, ora, em análise e também convocado, e bem, pela primeira instância:

“… 34. (…) [I]mporta sublinhar que a operação em causa no processo principal (…) se caracteriza nomeadamente pela presença de dois elementos, a saber:

- uma prestação de locação financeira convencionada entre as partes no contrato de locação financeira, a saber, o locador e o locatário; e

- uma prestação de seguro do bem objeto da locação financeira, no âmbito da qual, por um lado, o locador, proprietário do referido bem, subscreve o seguro junto de um segurador e, por outro, o custo desse seguro é refaturado, por um montante inalterado, ao locatário.

(…) 49. (…) [P]ara efeitos da interpretação do artigo 78.° da diretiva IVA, (…) as prestações de locação financeira e de seguro relativas ao bem objeto da locação financeira, quando constituem prestações independentes, não têm o mesmo valor tributável. Assim, essa prestação de seguro, que é uma prestação independente e um fim em si para o locatário, não pode constituir, na aceção desse artigo 78.°, despesas acessórias a uma operação de locação financeira, que devam ser levadas em conta para efeitos do cálculo do valor tributável desta última operação. Com efeito, nestas circunstâncias, as despesas do seguro constituem a contrapartida da prestação de seguro relativa ao bem objeto da locação financeira, e não a contrapartida da própria prestação de locação financeira. (…)

51. (…) o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 135.º, nº1, alínea a), da directiva IVA deve ser interpretado no sentido de que constitui uma operação de seguro isenta na aceção da referida disposição a operação emq eu o locador segura, junto de um terceiro, o bem dado em locação financeira e refatura o custo desse seguro ao locatário.”

52 A título preliminar, recorde-se que, no processo principal, não é posta em causa, enquanto operação de seguro, na aceção do artigo 135.°, n.° 1, alínea a), da diretiva IVA, a qualificação da prestação de seguro proporcionada ao locador para cobrir o bem objeto de locação financeira. Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, nomeadamente, se uma operação que compreende, além da prestação de seguro supramencionada, a refaturação ao locatário do custo do referido seguro pelo locador deve ser também isenta de IVA.

53 Com fundamento nos elementos que resultam dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, afigura-se que a prestação de seguro em causa é, em primeiro lugar, vendida pelo segurador à BG¯ Leasing, que repercute, em segundo lugar, o custo no seu cliente, a saber, o locatário. (…)

54 Para determinar se essa operação, que consiste não só numa prestação de seguro mas também na refaturação do seu custo no locatário, constitui uma operação isenta de IVA, há que apreciar o alcance do artigo 135.°, n.° 1, alínea a), da diretiva IVA.

55 Segundo esta disposição, os Estados-Membros isentam as «operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros».

56 Recorde-se que os termos utilizados para designar as isenções previstas no artigo 135.°, n.º 1, da diretiva IVA devem ser interpretados estritamente, uma vez que aquelas constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (acórdão de 19 de julho de 2012, Deutsche Bank, C-44/11, n.° 42 e jurisprudência referida). Além disso, segundo jurisprudência assente, as isenções previstas nesse artigo constituem conceitos autónomos de direito da União que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro (v., neste sentido, acórdãos CPP, já referido, n.º 15, e de 8 de março de 2001, Skandia, C-240/99, Colet., p. I-1951, n.° 23).

57 A diretiva IVA não define o conceito de operações de seguro.

58 Contudo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma operação de seguros se carateriza, como é geralmente admitido, pelo facto de o segurador, mediante o pagamento prévio de um prémio pelo segurado, se comprometer a fornecer a este último, em caso de realização do risco coberto, a prestação acordada no momento da celebração do contrato (v., designadamente, acórdão de 20 de novembro de 2003, Taksatorringen, C-8/01, Colet., p. I-13711, n.° 39 e jurisprudência referida). Além disso, as operações de seguro implicam, pela sua própria natureza, a existência de uma relação contratual entre o prestador do serviço de seguro e a pessoa cujos riscos são cobertos pelo seguro, a saber, o segurado (acórdãos, já referidos, Skandia, n.° 41, e Taksatorringen, n.° 41).

59 Ora, o Tribunal de Justiça esclareceu que a expressão «operações de seguro», conforme figura no artigo 135.°, n.° 1, da diretiva IVA, é, em princípio, suficientemente ampla para englobar a concessão de uma cobertura de seguro por um sujeito passivo que não é, ele próprio, segurador, mas que, no âmbito de um seguro coletivo, fornece aos seus clientes tal cobertura, utilizando as prestações de um segurador que assume o risco seguro (v., neste sentido, acórdão CPP, já referido, n.° 22).

60 Em face das considerações precedentes, há que questionar se também integra o conceito de «operações de seguro» a concessão de uma cobertura de seguro subscrita por um segurado como o locador, que refatura, no âmbito da operação de locação financeira, o custo desse seguro ao seu cliente, a saber, o locatário, que beneficia dessa cobertura dos riscos relativamente ao locador.

61 Em princípio, há que responder a esta interrogação pela afirmativa.

62 Com efeito, há que salientar que uma prestação de seguro, como a que está em causa no processo principal, não pode ser sujeita a IVA devido à simples refaturação dos custos daquela, em consonância com a convenção celebrada entre as partes num contrato de locação financeira. O facto de o locador subscrever o seguro junto de um terceiro, a pedido dos seus clientes, e de em seguida repercutir nestes o custo exato faturado por esse terceiro não logra infirmar esta conclusão. Nestas circunstâncias, porque a prestação de seguros em causa se mantém inalterada, a quantia refaturada constitui, na realidade, a contrapartida do referido seguro, pelo que não há que sujeitar essa operação a IVA, pois a mesma está isenta por força do artigo 135.°, n.° 1, alínea a), da diretiva IVA.

(…) 65 (…) [S]egundo jurisprudência bem assente, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (acórdão de 10 de novembro de 2011, The Rank Group, C-259/10 e C-260/10, Colet., p. I-10947, n.° 32 e jurisprudência referida).

66 Por conseguinte, as prestações de seguro que têm por objeto cobrir o bem objeto da locação financeira, cujo proprietário continua a ser o locador, não podem, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, ser tratadas de forma diferente consoante essas prestações sejam fornecidas diretamente ao locatário por uma empresa de seguros ou este obtenha uma cobertura de seguro análoga por intermédio do locador, que a obtém junto de um segurador e refatura o respetivo custo ao locatário, por um montante inalterado

69-Daqui se conclui que, no âmbito de uma atividade de locação financeira, uma operação que consiste na refaturação do custo exato do seguro relativo ao bem objeto da locação financeira, como o que está em causa no processo principal, constitui uma operação de seguro na aceção do artigo 135.°, n.° 1, alínea a), da diretiva IVA.

70 Em face das considerações precedentes, há que responder à segunda questão que, quando o próprio locador faz um seguro do bem objeto da locação financeira e refatura o custo exato do seguro ao locatário, essa operação constitui, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, uma operação de seguro, na aceção do artigo 135.°, n.° 1, alínea a), da diretiva IVA.” (destaques e sublinhados nossos).

Em face de todo o exposto, entende-se que a questão fática dos autos se subsume no artigo 29.º, nº9 do CIVA, estando, por isso, isenta de IVA, conforme bem decidiu o Tribunal a quo, sendo aliás esta a posição que acolhe e melhor se coaduna com o princípio da neutralidade fiscal, cuja jurisprudência do TJUE tem entendido de forma unânime e uniforme que: “o princípio da neutralidade fiscal se opõe, designadamente, a que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (5)

Ademais, “O direito a deduzir o imposto suportado nos bens e serviços instrumentais à produção constitui, como é bem conhecido, a peça fundamental do sistema do imposto sobre o valor acrescentado. É através do direito à dedução que se assegura a não cumulatividade do imposto e se garante a principal propriedade e qualidade do tributo, que é a da neutralidade do ponto de vista dos seus efeitos económicos.(6).

Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerações, encontrando-se, como visto, preenchidos os pressupostos consignados na lei, concretamente, no citado artigo 9.º, nº29 do CIVA, há lugar à isenção de IVA nas operações de redébito de seguros, ora objeto de apreciação, nessa medida as liquidações impugnadas padecem de erro sobre os pressupostos, cominadas com a anulabilidade, conforme decidido em 1ª instância, mantendo-se, por isso, o julgado anulatório


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 31 de outubro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)

________________________________________________________
(1)Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo nº 0161/14, de 09 de abril de 2014 e demais jurisprudência nele citada.
(2)In Anotação ao Acórdão do STA, de 19 de fevereiro de 2003, processo nº 26435, in Jurisprudência Fiscal Anotada, Almedina, Coimbra, p. 94.
(3)In Anotação ao Acórdão do STA, de 19 de fevereiro de 2003, processo nº 26435, in Jurisprudência Fiscal Anotada, Almedina, Coimbra, p. 94.
(4)Imposto sobre 0 Valor Acrescentado – Anotações ao Código do Imposto sobre 0 Valor Acrescentado e ao Regime do Iva nas Transacções Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, Lisboa, 2004, pp. 208 e 209.
(5)Vide Acórdão Ambulanter Pflegedienst Kügler GmbH, processo nº C-141/00, de 10 de setembro de 2002, transcrição parte da conclusão 30.
(6)In Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal-Artigo “Desfazendo mal- -entendidos em matéria de direito à dedução de Imposto sobre o Valor Acrescentado: As recentes alterações do artigo 23.° do Código do IVA”, de José Guilherme Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira, Ano 1, nº1, p.38.