Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1045/16.4BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ATRASO NO APARELHO DE JUSTIÇA
ATRASO NAS PERÍCIAS MÉDICO-LEGAIS
Sumário:I - Há responsabilidade civil extracontratual subjetiva quando se esteja perante (1) um dano (2) causado, naturalística e juridicamente, por (3) uma conduta ativa ou omissiva de um agente, conduta essa que, segundo o Direito, seja de imputar ao seu agente (4) a título de ilicitude (= violação de um direito subjetivo alheio ou de um interesse alheio normativamente protegido) e (5) de censurabilidade da respetiva conduta (cf. artigo 483º/1 do CC; e o RRCEEP/2007).
II - Os preceitos legais que estabelecem os prazos para a prática, no processo, dos atos de magistrados e funcionários são normas disciplinadoras da atividade processual, cuja violação, por si só, não constitui facto ilícito. Todavia, a não efetivação desses atos processuais num prazo razoável contraria o preceituado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e viola também o artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, e aplicável, por isso, na ordem jurídica interna.
III - A determinação do que seja, para esse efeito, um prazo razoável não pode fazer-se em abstrato, antes havendo que ter em consideração todas as circunstâncias concretas do caso.
IV - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito fundamental a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado. E, quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável.
V - Mas isso sem prejuízo do central artigo 570º do CC.
VI - Segundo o STA, constatada uma violação do artigo 20º, nº 4, da CRP ou do artigo 6.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.
VII – Assim, o demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção judicial, carecerá apenas de alegar e ver provada no processo a existência de uma violação objetiva do prazo razoável, o que conduzirá a que se presuma como existente um dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova ("presunção judicial").
VIII - Esta excecional aproximação ou quase identificação, feita pelo STA e pelo TEDH, entre a ilicitude e o dano moral, significa que o Estado necessita de ver adquirido no processo – se é que tal é possível - que a demora excessiva não incomodou o autor.
IX - Essa aproximação ou quase identificação entre ilicitude e dano moral não elimina a existência de verdadeiros danos morais “autónomos”, se é que se pode falar de dano moral não autónomo.
X - Mas: a CEDH e o TEDH não eliminaram do Direito português, como é evidente, o princípio dispositivo e a regra da substanciação da causa de pedir como resultam do nosso atual CPC; o significado jurídico do artigo 20º-4 da CRP é igual ao do artigo 6º §1 da CEDH, o que implica igual método de interpretação-aplicação e a não autonomia de tal artigo 6º; o atual e democrático Direito (legislado) português não admite automatismos jurídicos em sede de efetivação da responsabilidade civil extracontratual; o Direito (legislado) português, tal como em toda a Europa, não estabelece um prazo fixo a partir do qual existe violação do prazo razoável previsto no artigo 20º-4 da CRP, enunciado normativo, aliás, superior à CEDH; o Direito (legislado) português não tolera o afastamento das regras previstas no CC, no CPC e no RRCEEP sobre a responsabilidade civil, nomeadamente quanto àquilo que o juiz dos factos deva considerar e quanto aos montantes indemnizatórios; o Direito (legislado) português não tolera que o juiz ignore, no computo do cit. prazo razoável e das indemnizações, as condutas objetivamente alheias ao Estado português no seu todo; o Direito (legislado) português não autoriza que o juiz nacional, nesta sede, ignore as diferentes situações económico-financeiras de cada Estado vinculado à CEDH, estando o juiz vinculado a um rigoroso destrinçar daquilo que constitui diferentes matérias complexas e sempre diferentes caso a caso, país a país; a CRP e o nosso CC não permitem ao juiz nacional que impute ao Estado português e aos cofres portugueses as condutas de organizações judiciárias ou Estados estrangeiros no âmbito da cooperação judiciária internacional, nomeadamente para efeitos do computo do prazo razoável previsto no artigo 20º-4 da CRP e na igual norma extraída do artigo 6º §1 da CEDH;
XI - Inclui-se no conceito de funcionamento anormal do Estado-justiça a demora excessiva de um processo jurisdicional resultante da lentidão irrazoável dos serviços da secretaria judicial e dos serviços de perícias médico-legais, pois que ambos dependem também do poder politico-legislativo e do poder político-governativo.
XII - O artigo 496.º do CC estabelece que, na fixação da indemnização devida pelos danos morais, só podem ser atendidos os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo que o respetivo montante é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, o grau de culpabilidade do Estado, a situação económica do país em questão e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M……………., identificada a fls. 3 dos autos, intentou ação administrativa contra o ESTADO PORTUGUÊS.

A pretensão formulada ao T.A.C. foi a seguinte:

1-Declarar-se que o Estado Português violou o artigo 20°, n°s 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa no segmento "direito a uma decisão em prazo razoável";

2-Condenar-se o Estado Português a pagar à Autora:

a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a dezasseis mil euros, pela duração do Processo: 2974/14.5T8ALM, Almada, Inst. Central — 2' Secção Cível-J2, autuado em 2002-10-21;

b) Uma indemnização de dois mil euros por cada ano de duração do presente processo, após o decurso de dois anos, até ao seu termo incluindo liquidações, também a título de danos morais;

c) Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre o pedido em a) e b);

d) Despesas de abertura de dossier, administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela Autora, despesas de certidões e todas as despesas de tradução de documentos;

3-Condenar-se o Estado Português a pagar os honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos em quantia a fixar equitativamente conforme consta desta petição inicial ou a liquidar, oportunamente, fixados de acordo com Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como condenar o Estado a pagar os honorários do incidente da liquidação de honorários;

4-Condenar-se o Estado a pagar uma sanção pecuniária compulsória de cem euros por dia, por cada despacho, decisão do tribunal ou ato dos funcionários que ultrapasse os prazos legais, ou caso o processo dure mais de dois anos, incluindo liquidação de honorários;

5-A todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado.

*

Discutida a causa, o TAC decidiu absolver o réu de todos os pedidos.

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Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1) Houve atrasos ocorridos durante o processo provados na sentença.

2) Houve atrasos globais de 51 meses, ou seja, mais de quatro anos, houve erros ou omissões do tribunal e os peritos foram pouco diligentes.

3) A autora teve danos que têm de ser indemnizados/compensados.

4) No caso dos autos os prazos não foram respeitados nem pelo tribunal, nem pelos peritos, apesar da importância em causa e urgência do assunto.

5) Não é verdade que os prazos sejam meramente ordenadores. O código não diz isso.

6) A lei é igual para todos, sob pena de violação do princípio da igualdade previsto na Constituição e artigo 14° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

7) O Estado é responsável pelos peritos e seus atrasos, conforme diz o Tribunal Europeu.

8) Uma indemnização irrisória pelo dano moral fruto da violação do princípio do prazo razoável não repara «de forma apropriada e suficiente» a violação alegada pelo requerente.

9) O requerente tem ainda direito a uma indemnização pelo atraso suplementar no recebimento de uma indemnização, nomeadamente quando o processo indemnizatório é longo. Em todos os casos, acrescem os impostos devidos sobre as quantias em causa.

10) Às despesas e honorários acrescem os impostos em causa.

11) «No que diz respeito à avaliação equitativa do dano moral sofrido em virtude da duração do processo, o Tribunal considera que uma quantia que varia entre 1000 a 1500 Euros por ano de duração do processo (e não por ano de atraso) é o ponto de partida para o cálculo a efetuar.

12) O resultado do processo nacional (quer a parte requerente perca, ganhe ou acabe por fazer um acordo) não tem importância como tal sobre o dano moral sofrido pelo facto da duração do processo.

13) O montante global será aumentado de 2.000 EUR se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas.

14) O Estado Português deve ser condenado a pagar uma indemnização pelos danos morais, as despesas deste processo nos Tribunais Administrativos, os honorários, custas e todas e quaisquer despesas, conforme jurisprudência uniforme do Tribunal Europeu;

15) O douto acórdão do STA de 14/04/2016, publicado na internet, condenou o Estado a pagar os honorários do seu mandatário devidos pela autora.

16) A fixar segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados, Lei 145/2015, de 09/09, artigo 105°, (o advogado não é oficioso, mas constituído),

17) Valor que se vier a liquidar, em incidente de liquidação.

18) O Estado deve ser condenado nos precisos termos da petição inicial:

Declarar-se que o Estado Português violou o artigo 20°, n °s 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa no seu segmento "direito a uma decisão em prazo razoável";

Condenar-se o Estado Português a pagar à autora:

Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a dezasseis mil euros, pela duração do Processo: 2974/14.5T8ALM, Almada - Inst. Central - 2a Secção Cível - J2, Espécie: Ação de Processo Ordinário Valor: 259000 € Data Autuação: 21/10/2002.

Uma indemnização de dois mil euros por cada ano de duração do presente processo sobre a morosidade, agora instaurado, após o decurso de dois anos, até ao seu termo incluindo liquidações, também a título de danos morais.

Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre as verbas em a) a b);

Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela autora, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos;

Condenar-se o Estado Português a pagar os honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos em quantia a fixar equitativamente conforme consta desta petição inicial ou a liquidar, oportunamente, fixados de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como a condenar o Estado a pagar os honorários do incidente da liquidação de honorários.

Deve condenar-se o Estado a pagar uma sanção pecuniária compulsória de cem euros por dia, por cada despacho, decisão do tribunal ou ato dos funcionários que ultrapasse os prazos legais, ou caso o processo dure mais de dois anos, incluindo liquidação de honorários.

E a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;

Deve ainda ser condenado em custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e outras e quaisquer outras pagas pela autora.

19) Revogando-se a sentença em conformidade.

20) Conhecendo-se de todos os pedidos que não o foram por força da decisão.

21) Foi violado por errada interpretação e aplicação o artigo 20° da Constituição e o artigo 6°, n° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu segmento "direito à justiça em prazo razoável."

22) Disposições que deveriam ter sido interpretadas no sentido das conclusões precedentes.

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O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

1.a — Na presente ação, a Recorrente pretendia obter uma indemnização por prejuízos que resultaram da alegada violação do seu direito a obter uma decisão em prazo razoável, no entanto essa pretensão não pode proceder por não se mostrarem verificados os pressupostos da obrigação de indemnização por parte do Réu Estado Português.

2.a — O conceito de "prazo razoável" referido no artigo 20.° n.º 4 da CRP e no artigo 6.° n.º 1 da CEDH, não se encontra definido em tais normas e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado como critérios para a apreciação do "prazo razoável": 1) a complexidade do processo, 2) o comportamento das partes, 3) o das autoridades demandadas e, mais recentemente, um 4) relacionado com a natureza do litígio e a importância da decisão para as partes.

3.a — Tendo em atenção os referidos critérios, conclui-se que o prazo de duração da ação em causa nos presentes autos não corresponde a qualquer atraso, pois corresponde ao tempo necessário à sua tramitação, tendo em atenção a elevada complexidade do processo e da matéria controvertida, o requerido pelos diversos intervenientes e todas as diligências que tiveram que ser efetuadas para a sua apreciação e decisão, nas quais se inclui, face à matéria em causa, a imprescindível prova pericial que esteve sujeita a diversas vicissitudes, pelo que, não tendo ocorrido qualquer atraso injustificado e irrazoável, não se verifica o requisito ilicitude.

4.a — O processo em causa não era um processo urgente, nem nele se discutiam direitos da Recorrente relacionados com a assistência social, emprego, ou com a regularização do seu estado civil, sendo que também não se poderá deixar de atender a que não havia qualquer possibilidade da Recorrente receber a quantia de €259.000,00 que peticionou naquela ação, tendo a sua pretensão sido improcedente em todas as instâncias.

5.a — Também não ocorreu qualquer falta da diligência exigível, qualquer desleixo processual ou atraso injustificado dos juízes em promover o andamento daquela ação, pelo que não se verifica o requisito culpa.

6.a — Dos elementos de prova produzidos nos autos, resulta que os danos invocados pela ora Recorrente não podem ser, objetivamente, imputados violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, pois a causa da ansiedade, angústia, revolta e depressão da Recorrente não foi o atraso na decisão da ação cível, mas sim a morte da mãe, pelo que já existiam ainda antes da propositura dessa ação e foram o fundamento da indemnização que nela a ora Recorrente pretendia obter.

7.a — Os danos invocados pela Recorrente não podem ser, objetivamente, imputados à violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, pois esses danos têm a sua génese, não no atraso na administração da justiça, mas sim no falecimento da mãe, pelo que também não se verifica o requisito do nexo de causalidade entre o alegado facto ilícito e os danos invocados.

8.a — O pedido indemnizatório pelo alegado atraso na realização da justiça deverá ter, sempre, como causa adequada, um desfecho que vá de encontro aos intentos peticionados na ação atrasada, pois, de outro modo, seria conferir um direito a quem litigou, no mínimo, perante uma deficiente avaliação e valoração dos factos concretos, i.e., mediante pretensas expectativas infundadas, sendo certo que, na ação cível em causa, a pretensão da Recorrente foi julgada improcedente em todas as instâncias.

9.a — O recurso à justiça não é gratuito, incumbindo ao Estado, através do instituto do apoio judiciário, assegurar que ninguém fica impossibilitado de a ela aceder por motivos de insuficiência económica, sendo dever do advogado informar dessa possibilidade o cliente que reúna condições para dele beneficiar. Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, e não beneficiando a parte de apoio judiciário, porque não o requereu (porque não quis ou porque dessa possibilidade não foi informada) ou porque não estava em condições de dele beneficiar, o encargo com os honorários do advogado, assentando numa relação contratual entre o mandante e o mandatário, constitui um custo a suportar pelo mandante.

10.a — A reforma do sistema de custas efetuada através do DL n° 34/2008, de 26.02, estabeleceu que as normas relativas à responsabilidade pelo pagamento de custas passaram a encontrar-se no Código de Processo Civil, sendo aplicáveis, a título subsidiário, aos processos administrativos, e as custas processuais passaram a ser consideradas em três vertentes: a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, passando os honorários do mandatário a estar incluídos nas custas de parte.

11.a — Das disposições legais que regem a matéria das custas processuais (que incluem as custas de parte), explicitadas pelo sentido e alcance da Lei de Autorização Legislativa n° 26/2007, de 23 de Julho - que prevê expressamente a "alteração das regras relativas à responsabilidade da parte vencida, prevendo-se a possibilidade de suportar os encargos da parte vencedora, entre estes, parte dos honorários dos mandatários" -, resulta claro que a intenção do legislador foi a de englobar os honorários do advogado nas despesas judiciais a que todos os processos estão obrigatoriamente sujeitos, ficando, assim, arredada toda e qualquer hipótese de haver lugar ao ressarcimento autónomo daquelas despesas.

12.a — A parte vencedora tem direito a exigir da parte vencida o que tiver gasto com o processo, mas apenas pode exigir o que resulta da lei, designadamente do Código de Processo Civil e do Regulamento das Custas Processuais, e nada mais, por ausência de fundamento legal.

13.a — O regime legal em vigor para compensação dos gastos processuais, onde se incluem os honorários do mandatário, não faculta à parte a possibilidade de escolher entre a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte ou a apresentação de um pedido de indemnização autónoma para compensação das despesas com os honorários do mandatário.

14.a — O regime da responsabilidade processual civil relativo compensação à parte vencedora pelos gastos com honorários do mandatário é apenas o que resulta do disposto nos artigos 533°, n° 1 e 2, al. d) do CPC e 26°, n° 3, al c) do RCP e que se impõe ao tribunal observar, uma vez que o legislador não deixou ao juiz qualquer poder discricionário que lhe permita modificá-lo, nem a possibilidade de, por essas despesas, ser atribuída qualquer compensação autónoma.

15.a — O artigo 22° da CRP garante, como direito fundamental, a responsabilidade do Estado por factos ilícitos e culposos que causem prejuízo a outrem, mas as despesas com os honorários do mandatário não têm na sua génese o facto lesivo que levou o particular a intentar uma ação de responsabilidade civil contra o Estado. A causa das despesas com honorários de mandatário assenta da arquitetura do sistema judiciário que, para determinadas ações, exige que a parte, para defesa dos seus próprios interesses, seja patrocinada por um profissional com conhecimentos especializados.

16.a — As despesas de justiça e designadamente os honorários do advogado são compensáveis apenas de acordo com as normas próprias que regem esta matéria. Com efeito, a indemnização dos danos decorrentes da responsabilidade civil extracontratual do Estado tem um regime específico próprio e visa compensar o lesado pela atuação

ilícita do Estado, enquanto a compensação por responsabilidade processual civil tem um outro regime, que é aplicável a todas as partes, incluindo o Estado, em todos os processos judiciais, e visa compensar a parte vencedora por ter tido de recorrer à via judiciária para garantir a defesa dos seus direitos. Os dois regimes não se confundem.

17.a — O recurso ao tribunal é um direito fundamental e os pressupostos processuais — como é a constituição de advogado nos casos que é obrigatória —constituem as condições necessárias que o legislador entendeu terem que se verificar para que o acesso ao direito e aos tribunais possa ser regularmente exercido, pelo que as despesas com o preenchimento desses pressupostos processuais, designadamente com a constituição de advogado, não são juridicamente suscetíveis de configurar um dano autónomo indemnizável nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual do Estado, uma vez que esses alegados danos não se incluem no escopo das normas que fundamentam a responsabilidade civil extracontratual do Estado.

18.a — Uma coisa é a indemnização dos danos com fundamento na responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente do regime específico constante do disposto no artigo 22° da CRP, concretizado na Lei 67/2007, de 31.12, e que só se aplica aos entes públicos; outra coisa diferente é a compensação com fundamento na responsabilidade processual civil pelas custas processuais (que englobam a taxa de justiça, os encargos e os honorários do mandatário) e que são decorrentes do disposto no artigo 20° da CRP, concretizado no CPC e no RCP, cujo regime se aplica a todos as partes, incluindo Estado, e em todos os processos judiciais, seja na jurisdição comum, seja na jurisdição administrativa.

19.a — A pretensão da ora Recorrente contra o Réu Estado Português não pode proceder por não se verificarem os pressupostos legais da obrigação de indemnizar que a mesma pretende tornar efetiva através da presente ação.

20.a — Como também é improcedente o pedido de pagamento dos honorários do advogado. Só se tivesse sido vencedora é que a ora Recorrente poderia, na proporção do vencimento, ser compensada por essas despesas e só até ao limite máximo estipulado na lei (artigos 533°, n° 1 e 2, alínea d) do Código de Processo Civil e 25° e 26° do Regulamento das Custas Processuais). Como não obteve ganho de causa, a Recorrente não tem direito a qualquer compensação autónoma com as despesas que teve que suportar com a presente ação.

21.a — Ao julgar a ação improcedente e absolvendo o Réu Estado Português do pedido, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação das normas aplicáveis e a sentença proferida não merece qualquer reparo.

22.a - Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, e ser-lhe negado provimento, confirmando-se a douta sentença recorrida.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal recorrido decidiu estar provada a seguinte factualidade:

“Texto integral com imagem”

“…

“Texto integral com imagem”

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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Delimitação do objeto do recurso:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso - cf. artigos 144º-2 e 146º-4 do CPTA, artigos 5º, 608º-2, 635º-4-5 e 639º do CPC-2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA -, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo - cf. artigos 73º-4, 141º-2-3, 143º e 146º-1-3 do CPTA. Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC - deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e as condições legalmente exigidos para o efeito.

Ora, tudo visto, as questões a resolver contra a decisão ora recorrida são as seguintes:

- Erros de direito quanto à existência de conduta ilícita do Estado-justiça e suas consequências quanto aos pedidos.

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Temos presente tudo o que já expusemos, bem como: (1º) que a ordem jurídica(1) posta através de atos humanos – o jurídico real e social - se refere a um conjunto de regras e princípios jurídicos(2) ordenado em função de um ou mais pontos de vista [sistema], sendo o ordenamento jurídico um sistema social - no sentido do jurista e sociólogo N. Luhmann: um sistema da sociedade moderna, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação - mas sistema aberto e alterável, nomeadamente em consequência de novos objetivos e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais; (2º) que o Direito administrativo é Direito constitucional democrático concretizado; (3º) que existe uma correta, objetiva e racional metodologia jurídica para conhecer o direito objetivo e uma correta, objetiva e racional metodologia jurídica para decidir processos jurisdicionais(3) [cf. os essenciais artigos 8º a 11º do CC quanto à interpretação dos enunciados normativos infraconstitucionais: o elemento filológico ou gramatical, o elemento lógico-sistemático, o elemento pragmático-teleológico-objetivo e o elemento genético-histórico; vd. Miguel Nogueira de Brito, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., AAFDL Edit., Lisboa, 2018, capítulo I, nº 3, e capítulo III], no âmbito de um Estado democrático e social de Direito Constitucional - cf. os artigos 1º a 3º, 9º, 110º-1, 112º, 202º-1-2, 203º e 204º da CRP e os artigos 1º a 11º, 335º, 342º e 343º do CC; (4º) que, para compreender objetivamente o direito objetivo [por contraposição: a direito subjetivo, a “right” na língua inglesa(4)] aplicado, é mister assumir (i) que o direito objetivo vigente não é a opção político-jurídica ou valorativa que está a montante das fontes, (ii) que metódica da dogmática jurídica, metódica jurisdicional e metódica filosófica são três coisas distintas, (iii) que o direito objetivo tem na sua natureza o princípio estrutural da segurança jurídica [cf. artigos 1º e 2º da CRP], e (iv) que as máximas metódicas ou postulados aplicativos da igualdade e da proporcionalidade administrativas, fora das vinculações jurídicas estritas, implicam um específico dever de fundamentação expressa - cf. artigos 1º e 2º da CRP e 7º do CPA; (v) destaca-se ainda, nesta Jurisdição, o princípio jurídico geral da prossecução do interesse coletivo por parte de todas as atividades de administração pública - cf. artigos 266º e 268º-3-4 da CRP.(5)

Passemos, pois, à análise do recurso de apelação.

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A)

Há responsabilidade civil subjetiva (extracontratual ou contratual) quando se esteja perante (1) um dano (2) causado, naturalística e juridicamente, por (3) uma conduta ativa ou omissiva de um agente, conduta essa que, segundo o Direito, seja de imputar ao seu agente (4) a título de ilicitude (= violação de um direito subjetivo alheio ou de um interesse alheio normativamente protegido) e (5) de censurabilidade da respetiva conduta (cf. artigo 483º/1 do CC; e o RRCEEP/2007).

São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual delitual, aquiliana ou por facto ilícito:

1º-o dano (aferido a partir da ilicitude objetiva, trata-se da supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito);

2º-o comportamento ativo ou omissivo do agente humano;

3º-a ilicitude desse comportamento (juízo de inobservância do direito objetivo, por violação de um direito subjetivo alheio ou de normas de proteção de interesses alheios, sem que haja causa de justificação) – cf. artigos 7º-1-3-4 e 9º do RRCEEP;

4º-o nexo de causalidade entre o comportamento ativo ou omissivo ilícito e o dano (além de “conditio sine qua non”, exige-se uma causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser desde logo uma condição adequada do dano em termos de normalidade social; artigo 563º do CC; e o RRCEEP);

5º-a culpa (juízo de censura formulado pelo Direito relativamente à conduta ilícita do agente do facto danoso, que é a base da imputação delitual ou aquiliana), ou seja, (i) o dolo ou (ii) a negligencia do agente, culpa que é de avaliar em abstrato (artigo 487º do CC), isto é, (iii) considerando como modelo avaliativo uma pessoa comum ou razoável incluída no mesmo meio social, cultural e económico do agente, perante as circunstâncias do caso concreto.

Haverá responsabilidade civil objetiva quando se esteja perante um dano juridicamente causado por uma conduta ativa ou omissiva de um agente contra um direito subjetivo alheio ou um interesse alheio normativamente protegido, dano esse que, segundo o Direito, seja de imputar a esse agente (1) com base no risco envolvido na situação (r. c. pelo risco) ou (2) por via de um mero facto lícito desse agente, nomeadamente num contexto de compensação de uma desigualdade de tratamento (r. c. por facto lícito: ver, por ex., os artigos 15º e 16º do RRCEEP).

B)

A propósito da responsabilidade civil extracontratual delitual, aquiliana ou por facto ilícito, por causa de morosidade excessiva do aparelho judiciário, podemos sintetizar a atualidade jurisprudencial portuguesa, transcrevendo alguns recentes arestos do nosso STA, mas tendo sempre presente que a CEDH não se sobrepõe, logico-normativamente, à CRP:

- I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4 da CRP, em sintonia com o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, gera uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;

II - Para efeitos de integração do conceito de "prazo razoável", ínsito nas disposições legais citadas, haverá que considerar todas as coordenadas do caso, designadamente, a complexidade, incidentes suscitados, ocorrências especiais, tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à atuação da parte que pede a indemnização. Ac. do STA de 08-07-2009, P. nº 0122/09;

- I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto.

II - Os preceitos legais que estabelecem os prazos para a prática, no processo, dos atos de magistrados e funcionários são normas disciplinadoras da atividade processual, cuja violação, por si só, não constitui facto ilícito.

III - Todavia, a não efetivação desses atos processuais num prazo razoável contraria o preceituado no art. 20/1 da Constituição da República Portuguesa e viola também o artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, e aplicável, por isso, na ordem jurídica interna.

IV - A determinação do que seja, para esse efeito, um prazo razoável não pode fazer-se em abstrato, antes havendo que ter em consideração as circunstâncias concretas do caso.

V - Não constitui, em concreto, violação do direito à administração da justiça em prazo razoável o atraso, relativamente aos prazos legalmente estabelecidos, da instrução de um processo em que se investigavam ilícitos criminais de grande complexidade e dificuldade, como o branqueamento de capitais e o tráfico de droga, os quais se suspeitava terem sido praticados não só em Portugal como no estrangeiro e em que, por isso, teve de haver relacionamento com as polícias desses países. Ac. do STA de 10-09-2009, P. nº 083/09;

- I - Num processo para efetivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de atraso na administração da justiça, se se considerar globalmente excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato processual, porque, mesmo que se concluísse pelo respetivo cumprimento, não se infirmaria a conclusão obtida sobre o excesso do prazo razoável, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e não estão estruturados de forma eficiente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização.

II - É violado o direito a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se num processo de recuperação de empresa seguido de falência decorrem mais de sete anos e meio entre a data em que foi apresentada uma reclamação de créditos e aquela em que ficou definido que não havia verba suficiente para o pagar. Ac. do STA de 05-05-2010, P. nº 0122/10;

- I - A duração global de um processo judicial, por mais de 8 anos, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos art.º 6º §1º e art.º 20º, n. º4 da CRP.

II - O facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei lhes permite para defesa dos seus interesses não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo.

III - É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna. Ac. do STA de 27-11-20213, P. nº 0144/13;

- I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.

II – Quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável.

III – Tratando-se de um meio processual de tramitação simplificada e não revestindo a matéria nele em causa especial complexidade ou dificuldade, não pode deixar de se concluir que ultrapassou o prazo razoável a alteração da regulação do exercício do poder paternal que, até à obtenção de uma decisão transitada em julgado, durou cerca de 7 anos. – Ac. do STA de 10-09-2014, P. nº 090/12, com o seguinte voto de vencido:

“Discordo da ideia de que o Estado deva responder civilmente pelos danos advindos do facto de um processo ter durado para além dum certo limiar de tempo, independentemente da análise casuística das vicissitudes processuais; pois essa ideia — que relaciona de forma automática e tabular o tempo e a responsabilidade — briga com o art. 570º do Código Civil, norma que, embora falando em «culpas», trata deveras de um problema de imputabilidade no estabelecimento do nexo causal. Devo referir que essa norma consagra um princípio geral de equilíbrio e de justiça. E repudio, por absurda, a tese de que o Estado responda por não ter instituído um quadro de regras jurídicas que disciplinariam a conduta processual do lesado e impediriam que ele, excedendo-se em tal atividade, atrasasse o processo e infligisse danos a si mesmo. «In casu», constata-se que a autora não obteve, «in fine» — ou seja, em dezembro de 2013 — sensivelmente mais do que lhe fora concedido na sentença de setembro de 1999. E esta sentença fora proferida cerca de dois anos e meio depois da propositura da ação. Assim, a situação jurídica favorável que a autora poderia obter — e que efetivamente obteve — ficara definida logo em setembro de 1999. E foi ela quem, através dos recursos que subsequentemente interpôs, impediu que essa definição se estabelecesse e vigorasse desde então. Quando é certo que tal vigência evitaria os danos cuja indemnização a autora agora reclama. É certo que a autora assinala que tinha razão ao recorrer da sentença de setembro de 1999, já que a Relação revogou esse julgado. Mas o desfecho favorável deste recurso da autora constituiu um êxito intercalar sem reflexos no resultado final e que, portanto, não ilude o que «supra» referi: que, no fim do processo, tudo essencialmente se manteve como a sentença de setembro de 1999 estabelecera. Ora, este dado mostra que o recurso deduzido pela autora dessa sentença prolongou artificialmente a vida do processo sem contribuir para uma decisão diferente e melhor. Aliás, a matéria de facto denota que a principal causa do atraso do processo está no aresto de setembro de 2001, revogatório daquela sentença — e proferido sob impulso processual da autora. Tal acórdão é surpreendente a dois títulos: porque impôs uma perícia para se averiguar o que já se conhecia razoavelmente bem; e porque quis indagar da causa de uma rejeição quando já dispunha do facto que juridicamente importava — e que era a própria existência dessa mesma rejeição. Contudo, é de notar que a autora não localizou nesse acórdão — inevitavelmente fautor de demoras, já que impôs a realização de uma perícia psicológica a menores residentes no estrangeiro — a causa do atraso processual de que se queixa; pois inclusivamente admite que tal aresto, prolatado na sequência duma iniciativa sua, decidiu bem. Tudo isto significa que o processo dos autos fundamentalmente se atrasou — entre setembro de 1999 e dezembro de 2003 — por causa da atividade processual que a autora, afinal em vão, decidiu desencadear. Daí que tal atraso lhe seja imputável, nos termos gerais do art. 570° do Código Civil. E, na medida em que as inúmeras solicitações processuais da autora foram recebendo resposta atempada do Tribunal Judicial de Vila do Conde, afigura-se-me que se deveria excluir a indemnização pedida pela autora, confirmando-se a pronúncia absolutória do Estado, proferida pelas instâncias”;

- I - Para aferição do concreto prazo que se deve entender por “razoável” não se pode adicionar o tempo de duração do processo penal ao da ação cível sem se demonstrar que a possibilidade legal de decidir o pedido cível em separado determinada pelo juiz criminal carece de sentido.

II - A demora excessiva de um processo, que resulta de dificuldades encontradas na ação executiva, nomeadamente na efetivação das penhoras ordenadas pelo tribunal - bens móveis, contas bancárias, quota social - e na venda dos bens penhorados, com recurso à negociação particular não deriva de insatisfatória regulamentação legal imputável ao Estado nem da falta de andamento dos referidos processos em moldes normais e aceitáveis. Ac. do STA de 08-03-2018, P. nº 0350/17

- I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Coletivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).

II - A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC.

III - Não tendo a alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respetiva.

IV - O TCAS não podia conhecer do pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo anormal funcionamento dos serviços de administração da justiça, já que a aqui Recorrida, não o efetuou, como devia, na PI, tendo sido violado o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), visto que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, e, sobre o qual a sentença de primeira instância não se havia pronunciado ao não ter sido formulado pedido nesse sentido na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no qual veio o R. a ser condenado.

V - Assim, o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efetuado extemporaneamente.

VI - A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exato, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer. Ac. do STA de 13-03-2019, P. nº 0437/12…

- I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, constitui facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado.

II - A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio [assunto objeto de apreciação, tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes - l’ enjeu du litige].

III - Não tendo os AA., após prolação de sentença que decretou a falência duma sociedade, deduzido qualquer reclamação de créditos, cujo pagamento visassem vir a obter através da massa falida e em função da respetiva sentença de graduação, não lhes assiste o direito a indemnização por atraso ocorrido na tramitação do apenso de reclamação e graduação de créditos, visto não poderem invocar que tenha existido, in casu, atuação ilícita lesiva da sua esfera jurídica por falta de emissão de decisão judicial em prazo razoável.

IV - O pedido de proteção jurídica, formulado nos termos da Lei n.º 34/2004 junto dos serviços da Segurança Social, deve conter a identificação concreta da ação intentada ou que se irá intentar, indicando, mormente, em termos genéricos o litígio, a ação e tribunal onde virá a ser a mesma deduzida, não sendo, como tal, admissível a formulação dum pedido genérico de proteção jurídica que apenas se limite a referir que é feito para instaurar "várias ações". Ac. do STA de 21-05-2015, P. nº 072/14;

- I - Convivendo no tempo uma «ação interna de responsabilização do Estado» por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e uma petição no TEDH exatamente sobre o mesmo caso, as duas decisões, nelas a proferir, não se neutralizam, nem têm uma vocação de indemnização cumulativa, mas antes de indemnização complementar.

II - De harmonia com o princípio da subsidiariedade, nos termos interpretados e afirmados pelo «TEDH» e, bem assim, daquilo que é interpretação que aquele Tribunal faz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [«CEDH»], mormente, em matéria de aferição, fixação ou quantificação/computo do montante adequado à reparação do dano não patrimonial, impenderá sobre o juiz nacional um dever de conformação e de decisão que, na observância de tais interpretações, assegure e adeque no plano interno a efetividade dos mecanismos existentes e o quantum indemnizatório de modo a conferir proteção dos direitos e liberdades reconhecidos naquela Convenção.

III - À luz das exigências da «CEDH» a ação indemnizatória interna, destinada à efetivação daquela responsabilidade do Estado, deve ser decidida de forma célere e rápida.

IV - Perante uma ausência do cumprimento garantístico de tal exigência, mercê da constatação de situação de atraso desrazoável naquela ação indemnizatória, e ainda que o lesado não haja feito uso dos meios e mecanismos adjetivos que o processo lhe faculta, caberá ao julgador, oficiosamente e uma vez assegurado o devido contraditório, aferir e considerar, até aquele concreto momento, do atraso e considerá-lo para efeitos do montante a fixar a título de danos não patrimoniais, arbitrando valor suplementar a esse título e que terá como limite sempre o valor que se mostre peticionado na ação. Ac. do STA de 11-05-2017, P. nº 01004/16;

- I – Constatada uma violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável. …

IV – O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova. … - Acórdão do STA de 5-7-2018, 1ª. Secção, Proc.º n.º 259/18.

É este o quadro do entendimento geral da nossa jurisprudência sobre a matéria. Concordamos com ele e aqui o adotamos, embora com as seguintes precisões:

1ª - a CEDH e o TEDH não eliminaram do Direito português, como é evidente, o princípio dispositivo e a regra da substanciação da causa de pedir como resultam do nosso atual CPC;

2ª - o significado jurídico do artigo 20º-4 da CRP é igual ao do artigo 6º §1 da CEDH, o que implica igual método de interpretação-aplicação e a não autonomia de tal artigo 6º;

3ª - o atual e democrático Direito (legislado) português não admite automatismos jurídicos em sede de efetivação da responsabilidade civil extracontratual;

4ª - o Direito (legislado) português, tal como em toda a Europa, não estabelece um prazo fixo a partir do qual existe violação do prazo razoável previsto no artigo 20º-4 da CRP, enunciado normativo, aliás, superior à CEDH;

5ª - o atual e democrático Direito (legislado) português não tolera o afastamento das regras previstas no CC, no CPC e no RRCEEP sobre a responsabilidade civil, nomeadamente quanto àquilo que o juiz dos factos deva considerar e quanto aos montantes indemnizatórios;

6ª - o Direito (legislado) português não tolera que o juiz ignore, no computo do cit. prazo razoável e das indemnizações, as condutas objetivamente alheias ao Estado português no seu todo;

7ª - o atual e democrático Direito (legislado) português não autoriza que o juiz nacional, nesta sede, ignore as diferentes situações económico-financeiras de cada Estado vinculado à CEDH, estando o juiz vinculado a um rigoroso destrinçar daquilo que constitui diferentes matérias complexas e sempre diferentes caso a caso, país a país;

8ª - a CRP e o nosso CC não permitem ao juiz nacional que impute ao Estado português e aos cofres portugueses as condutas de organizações judiciárias ou Estados estrangeiros no âmbito da cooperação judiciária internacional, nomeadamente para efeitos do computo do prazo razoável previsto no artigo 20º-4 da CRP e na igual norma extraída do artigo 6º §1 da CEDH.

Vejamos.

Lidos e relidos os muitos factos provados, só podemos concluir que os magistrados atuaram corretamente no processo nº 1094/2002 (depois, nº 2977/14), processo não urgente, uma ação declarativa comum relativamente a responsabilidade civil extracontratual por alegado erro médico.

Todo o processo demorou quase 14 anos, até ao STJ. A p.i. entrou em 18-10-2002 e o processo findou no verão de 2016 com o ac. do STJ.

Mas a mera constatação, em abstrato, da inobservância (i) de um prazo processual fixado na lei ou (ii) de um prazo normal fixado pretoriamente com base na experiência comum dos tribunais, para a prolação de uma decisão judicial, não preenche a previsão do artigo 20º, nº4, da CRP (e do artigo 6º, § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem); não gera a verificação automática do requisito da ilicitude da conduta, fundamentador da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

Isso seria, aliás, irracional, injusto, desproporcionado-inconstitucional e violador da necessidade de ilicitude e de “culpa do serviço judiciário em sentido muito amplo” neste tipo de ações, reguladas primariamente pelo RRCEEP/2007 e pelos artigos 483º, 487º, 494º, 496º e 562º ss do CC.

Não havendo sistemas judiciários compósitos perfeitos em lado algum, o que aqui constamos facilmente é que os juizes do tribunal do cit. processo atuaram diligentemente, quase nunca se atrasando; e quando tal ocorreu foi só por muitos poucos dias. Leia-se o probatório.

Também constatamos que a tramitação foi muito complexa e prolixa, fruto das necessidades da causa complexa, do facto de haver também uma reconvenção e de as partes terem acordado numa suspensão da instância - instância logo retomada após o fim do seu prazo – e de fazerem muitos requerimentos não dilatórios com as respetivas consequências de tramitação.

Onde houve efetiva e relevante lentidão - ou demora irrazoável - foi nos serviços administrativos da secretaria judicial e, apesar das insistências e cuidados do tribunal, na realização das necessárias e complexas perícias médicas externas à organização judiciária portuguesa, envolvendo outras pessoas jurídicas coletivas e não judiciais, o INML e o Hospital de S…… .

Falamos sobretudo - sendo certo que também as partes fizeram muitos requerimentos, exerceram muitas vezes aquilo a que se chama de contraditório impropriamente nalguns casos - das seguintes datas:

· entre 19 de fev. de 2003 e 3 de maio de 2003,

· entre 19 de abril de 2004 e agosto de 2004,

· entre 19 de nov. de 2004 e julho de 2005,

· entre 2 de março de 2006 e 29 de março de 2006,

· ente 4 de abril de 2006 e 3 de maio de 2006,

· entre outubro de 2007 e fev. de 2008,

· entre 16 de abril de 2008 e 6 de maio de 2008,

· entre 26 de maio de 2008 e 20 de nov. de 2008,

· entre 26 de nov. de 2008 e 30 de dez. de 2008,

· entre 30 de junho de 2009 e 29 de setembro de 2009,

· entre 20 de nov. de 2011 e 8 de março de 2010

· entre 2 de fev. de 2011 e 23 de fev. de 2011,

· entre 20 de maio de 2011 e 5 de setembro de 2011,

· entre dezembro de 2011 e maio de 2012,

· entre 6 de janeiro de 2014 e 8 de abril de 2014.

Portanto, no caso concreto, houve conduta ilícita e ou funcionamento anormal do Estado português através dos serviços da secretaria judicial e de perícias médico-legais (cf. cits. artigos 3º, 7º-1-3-4, 9º e 12º do RRCEEP e 20º-4 da CRP).

O processo foi muito demorado por causa de vários fatores já referidos (incluindo as muitas atuações das partes processuais), onde avultam os ilícitos atrasos, de cerca de 4 anos completos, imputáveis aos maus funcionamentos e demoras excessivas da secretaria judicial e dos serviços médico-legais do Estado português na sua articulação com os tribunais.

Assim sendo, com base no Direito já referido (v. artigo 3º, 4º e 7º1-3-4 do RRCEEP e 483º do CC), o Estado português ficou constituído no dever de indemnizar ou compensar os danos, aqui não patrimoniais, que tal violação do artigo 20º-4 da CRP acarretou, designadamente o dano moral presumido cit. , que, nas circunstancias descritas, pode ser compensável através de 5.000,00 euros.

os danos referidos nos factos sob LJ são ponderados tendo presente o CC no que toca aos danos não patrimoniais. O art.º 496.º do CC estabelece que, na fixação da indemnização devida pelos mesmos, só podem ser atendidos os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo que o respetivo montante é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é,

-o grau de culpabilidade do Estado,

-a situação económica do Estado e do lesado e

as demais circunstâncias do caso (n.º 3).

Por ser assim só serão danos não patrimoniais merecedores de ressarcimento aqueles que se traduzam em sofrimento psicossomático perturbador do ânimo da vítima por forma a retirar-lhe, ou a diminuir-lhe seriamente a capacidade de organizar e decidir a sua vida, e não as pequenas contrariedades, aborrecimentos ou dores que fazem parte do dia a dia do cidadão comum. Sendo que essa gravidade se deve aferir por um padrão, tanto quanto possível, objetivo que parta da valorização rigorosa das circunstâncias do caso concreto e não de fatores subjetivos suscetíveis de introduzir injustiça nessa valorização – cf. P. de Lima e A. Varela in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª edição, nota 1, pág. 499, e, entre outros, os Acs. do STA 31-05-2005 (rec. 0127/03) e de 29-06-2005 (rec. 0395/05).

E, nestes termos, não são estes danos morais concretos qualificáveis como danos pesados. Daí que, aqui, o seu valor compensatório seja fixável em 2.000,00 euros.

C

Quanto à questão dos honorários do mandatário judicial:

Os honorários do advogado constituem dano indemnizável no domínio do contencioso em que o mandato judicial seja obrigatório. E neles se salienta que a possibilidade de recebimento pelo vencedor de uma quantia a título de procuradoria, em vez de excludente por raciocínio a contrario, deve antes ser considerada como uma indemnização a forfait com a qual o interessado poderá ou não se contentar nos casos em que, por comodismo ou por outra razão qualquer, não peticiona o montante das despesas efetivas superiores.

Cf. assim os Acórdãos do STA de 09-06-1999, P. nº 043994; de 06-06-2002, P. nº 24779A (Pleno); de 20-06-2012, P. nº 0266/11; e de 12-10-2012, P. nº 00064/10.9BELSB; os Acórdãos do TCAN de 27-05.2009, P. nº 01399/06.0BEBEG e de 05-07-2012, P. nº 02767/06.3BEPRT; e os Acórdãos do TCAS de 22-11-2012, P. nº 03399/08, e de 08-05-2014, P. nº 08642/12.

Mas, por outro lado, dos factos provados nada consta a respeito de quaisquer despesas que a Autora possa ter incorrido com honorários de advogado.

Assim, embora se possa considerar provado que a Autora incorreu (ou vai incorrer) em despesas com advogado, uma vez que é obrigatório o patrocínio na presente ação e a autora encontra-se efetivamente patrocinada, nada se sabe sobre as concretas despesas incorridas pela Autora com os ditos honorários.

Por outro lado, como resulta da jurisprudência citada, os honorários de advogado são dano indemnizável em valor adequado e necessário para afastar a lesão, ou seja, desde que adequados e necessários para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração (cfr. designadamente, o Acórdão do STA de 20-06-2012, P. nº 0266/11).

Ora, isto coloca o problema de saber qual o limite de adequação e necessidade dos honorários do advogado, quando é sabido que os mesmos são livremente fixáveis pelo profissional liberal e, em regra, apenas deontologicamente sindicáveis. Em nosso entender, essa adequação e necessidade determina que o valor do dano requerido a título de honorários deve ater-se ao montante que o legislador fixou como o justo e adequado ao pagamento do patrono nomeado ou escolhido, isto é, aos valores que forem os fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário e não a qualquer outro, que possa ser livremente fixado pelos profissionais do foro e apenas deontologicamente parametrizado.

No caso em apreço, não havendo elementos concretos para apurar o quantum despendido em honorários do advogado, deverá essa quantificação ser relegada para execução de sentença, com o limite referido.

D)

Os demais pedidos (supra sob os nº 2-b) -d), nº 4 e nº 5) não têm qualquer fundamento legal. Com efeito, o da al. b) não tem fundo jurídico-legal, o da al. d) não assenta em factualidade provada, o do nº 4 é injustificado e o do nº 5 também, este aliás alheio a este dispositivo. Quanto ao incidente de liquidação referido no petitório, refira-se que as suas custas são nele próprio fixadas e não neste processo.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença e condenar o Estado português a pagar à autora a quantia total de 7000,00 (sete mil) euros, a título de indemnização pelos cits. danos morais concretos.

Mais se condena o réu a pagar à autora os honorários do seu mandatário judicial neste processo, mas dentro dos limites suprarreferidos, e devendo ser fixados de acordo com o que se apurar no incidente referido no artigo 358.º-2 do CPC.

Em ambos os casos acrescem os juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efetivo pagamento (cf. artigos 805º-1-3 e 806º-1-2 do CC).

Custas em ambos os tribunais a cargo de ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 04-04-2019


Paulo H. Pereira Gouveia (Relator)

Catarina Jarmela

Alda Nunes





(1) Sistema geralmente coativo de normas - referido à conduta externa humana - cuja unidade é constituída pelo facto de todas elas terem um mesmo e autónomo ou específico fundamento lógico-jurídico de validade-existência-vinculatividade, o qual é pressuposto ou pensado necessariamente por todas as pessoas e é diferente das outras ordens sociais e das outras ordens normativas. Esse pressuposto lógico-normativo apenas diz, segundo o pensamento humano não anárquico e a prática social, que se deve obedecer a certa norma ou comando emitido por uma determinada autoridade – legislador formal ou comunidade - produtora de normas jurídicas. Tal sistema é essencialmente ou naturalmente de supra-infra-ordenação entre normas.
(2) As normas jurídicas são sentidos ou significados de um ato fáctico ou de um pensamento resultante do legislador ou da comunidade. Aponta para a conduta devida, o dever-ser; é este o conteúdo típico da norma jurídica perfeita. Esta norma é, em rigor, uma medida de valor relativamente a uma conduta humana. Com efeito, os valores das normas jurídicas são de origem humana, relativos. Mas nem os valores delas são elas próprias, nem elas são os enunciados normativos-legais, nem elas são as afirmações produzidas pela política do Direito e pela jurisciência – utilizadora do princípio da imputação à vontade humana em vez do princípio da causalidade. Note-se, por outro lado, que a ciência jurídica ou “jurisprudência teorética” não dita normas, muito menos em democracias dos séculos XX e XXI. E só assim poderia ser, pois que os ideais de justiça são presença constante nas sociedades humanas, democráticas ou não.
(3) Porém, não olvidemos que as “metodologias teoréticas jurídico-construtivistas” chocam frequentemente com o “princípio democrático fundamental da fidelidade à lei ou ao costume”; e o mesmo choque só não acontecerá com uma “metodologia jurídica teleológica” se - e apenas se - esta for objetiva ou objetivante. Por outro lado, o pensamento jurídico-teorético “da consideração dos interesses” e o pensamento jurisdicional “da consideração dos interesses” são diferentes do - mais racional - pensamento jurídico-teorético “da apresentação das razões para” e do pensamento jurisdicional “da apresentação das razões para”. Também há outra distinção, entre “conhecer ou descrever o direito objetivo através de metodologia própria” e “aplicar o direito objetivo através de metodologia própria” [cf., claramente quanto às interpretações em Direito, H. KELSEN, no último capítulo da sua 2ª edição de 1960 da “Teoria Pura do Direito”]. É que “direito objetivo” é uma coisa e “jurisciência ou opinio iuris” é outra [v. a ambiguidade deste termo em TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., A Ciência do Direito, 3ª ed., Atlas ed., S. Paulo, 2014, e na Teoria Pura do Direito de Kelsen]; como a Moral é uma coisa [conjunto de normas morais] e a Ética é outra [conhecimento dessas normas ou o saber acerca dessas normas morais]. Mas com isto não se está a negar que o direito objetivo [conjunto de normas jurídicas vigentes] ou ordenamento jurídico, de origem humana tal como os seus valores, é avaliável –a montante e a jusante - como justo ou injusto conforme o sistema moral-social que dê o critério de valoração ao avaliador; apenas se constata que a vinculatividade ou existência [vulgo, “validade”] do Direito [direito objetivo] não depende necessariamente da sua concordância com as normas morais vigentes [cf. assim o artigo 8º do nosso CC]. O “Direito da dogmática jurídica ou opinio iuris” [ou Jurisprudência romano-clássica, nada científica ou sistemática, transformada em “jurisciência” nos séculos XIX e XX germânicos, pela doutrina ou dogmática jurídicas] não é “Direito judicial, ou melhor, não é direito objetivo decorrente da jurisprudência dos tribunais”. Por outro lado, não compete à jurisprudência dos tribunais, nem à chamada jurisciência e sua dogmática [“jurisprudência teorética”, suposta herdeira da jurisprudência romana], justificar ou moralizar o Direito existente [cf. assim o artigo 8º do CC]; isto cabe à Ética e à Política do Direito: a valoração ou avaliação moral do direito objetivo é uma necessidade humana, mas não compete à atividade jurídica em sentido próprio de um Estado Constitucional pluralista e de direito democrático [cf., assim, de certo modo, o artigo 8º-2 do CC português: “o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”].
(4) Cf. H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, trad., 2019, pp. 145 ss.
(5) Isto, porém, num indesejável contexto (i) de uma pluralidade não harmonizada de preceitos normativos sobre a mesma matéria, cada vez mais frequente, e (ii) de uma CRP doutrinária e politicamente desfigurada para uma constituição “light” ou flexível, em detrimento da segurança jurídica de todos e da liberdade confiável para todos.