Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1100/21.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CASO JULGADO
ACTOS DE PENHORA DISTINTOS
FALÊNCIA/ INSOLVÊNCIA
PENHORA DE BENS
Sumário:I - Não se verifica a excepção dilatória de caso julgado se não existe identidade substancial entre os pedidos formulados nos processos em confronto, respeitantes a diferentes actos do órgão da execução fiscal, proferidos em momentos temporais distintos e assentes em contextos factuais diversos.
II - De acordo com o disposto no n.º 5 do art.º 180.º do CPPT, «Se a empresa, o insolvente ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição».
III - A expressão “vierem a adquirir bens” deve ser interpretada no sentido de que a execução fiscal pode prosseguir, (i) após o encerramento do processo de insolvência, (ii) por créditos tributários vencidos antes da declaração de insolvência, (iii) se o executado auferir rendimentos penhoráveis de pensões cujas prestações periódicas se tenham vencido após o encerramento do processo e não apreensíveis para a massa falida (art.º 46.º do CIRE).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUIZES DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa exarada a fls.579 e segs. (numeração do Sitaf) do presente processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, a qual termina julgando procedente a reclamação deduzida por A… e anulando o despacho reclamado que determinou a penhora da pensão do reclamante e ora recorrido.

Por decisão sumária do Exmo. Senhor Conselheiro Relator, foi aquele tribunal julgado incompetente em razão da hierarquia para decidir o recurso e competente para o efeito este Tribunal Central Administrativo, para onde os autos foram remetidos.
O Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
1-Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos que julgou a reclamação parcialmente procedente, e, em consequência, procedeu a anulação do ato que determinou a penhora da pensão do Reclamante, condenando em custas a Fazenda Pública e o Reclamante na proporção de 80% e 20%, respetivamente.
2-À douta sentença são apontados o vício de violação do caso julgado e erro de julgamento em matéria de direito, por violação do n.º 5 do artigo 180.º do CPPT.
I - Da violação do caso julgado
3-Nos presentes autos, o Reclamante, entre outras questões, alegou que, nos termos do artigo 180º n.º 5 do CPPT, só são admissíveis penhoras de bens adquiridos posteriormente ao encerramento do processo de insolvência do Reclamante.
4-Questão que foi objeto de apreciação pela douta sentença nos presentes autos, tendo a mesma sido julgada procedente, e, em consequência, declarada a ilegalidade das penhoras da pensão de reforma do Reclamante, por violação do n.º 5 do artigo 180º do CPPT, e, consequentemente, foi a reclamação julgada procedente e anulados os despachos de penhora reclamados.
5-Sucede que a questão da admissibilidade legal da penhora da pensão de reforma do Reclamante ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 180º do CPPT, foi anteriormente suscitada pelo Reclamante no processo de reclamação judicial contra o ato de penhora da pensão de velhice, realizado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, em 10/08/2020, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3158200901049763 e apensos, que correu os seus termos sob o Proc. 1923/20.6BELRS, da 3ª U.O. do Tribunal Tributário de Lisboa.
6-Por sentença proferida naqueles autos em 30/03/2021, a qual se juntou aos autos como doc. 3 da resposta apresentada pela Fazenda Pública, foi tal questão julgada totalmente improcedente, considerando, em suma, o douto Tribunal que a incobrabilidade dos créditos declarada em processo de insolvência não abrange os créditos tributários, podendo a execução prosseguir contra a pensão de velhice do Reclamante, nos termos do artigo 180º n.º 5 do CPPT, uma vez que a mesma não foi apreendida nos autos de falência.
7-Da referida sentença, tanto quanto tem conhecimento a Fazenda Pública, não foi interposto recurso, pelo que a mesma transitou em julgado.
8-Ora, não obstante a questão ter sido suscitada ao abrigo de diferentes despachos de penhora em distintas execuções fiscais, a realidade é que, no entender da Fazenda Pública, salvo melhor opinião, existe repetição da causa dos autos relativamente a causa definitivamente julgada por sentença transitada em julgado, existindo identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, ocorrendo a exceção do caso julgado, nos termos dos artigos 580º e 581º do CPC, aplicáveis aos autos por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT.
9-Ora, o caso julgado constitui exceção dilatória, nos termos do artigo 577º alínea i) do CPC, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito dos presentes autos, dando lugar à absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos do n.º 2 do artigo 576º e artigo 582º do CPC, ambos aplicáveis aos autos por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT, o que peticiona, com todas as consequências legais.
Sem prescindir,
II. Do erro de julgamento em matéria de direito
10-Com a devida vénia, a Fazenda Pública não se pode conformar com a decisão proferida nos autos, considerando que a mesma padece de erro de julgamento em matéria de direito, por violação do n.º 5 do artigo 180º do CPPT, devendo, por isso, ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue a reclamação totalmente improcedente, e, em consequência, mantenha na ordem jurídica o despacho reclamado, com todas as consequências legais.
11-A questão em divergência com a douta sentença, prende-se com as condições legais de admissibilidade da penhora efetuada nos autos de execução fiscal, findo o processo de falência do Executado, por dívida fiscal vencida antes da declaração de falência do Executado, constantes do n.º 5 do artigo 180º do CPPT.
12-Sumariamente, considera a douta sentença que o n.º 5 do artigo 180.º do C.P.P.T., permitindo que o processo de execução fiscal continue os seus termos para a cobrança efectiva da dívida após a insolvência do Reclamante, impõe uma condição para que tal aconteça: a aquisição posterior de bens pelo falido, sendo que, no caso dos autos, a pensão de reforma foi auferida pelo Reclamante antes da declaração da sua insolvência, pelo que a mesma é ilegal, por violação do n.º 5 do artigo 180º do CPPT.
13-Conforme referido, com o devido respeito, a Fazenda Pública não se pode conformar com tal decisão, bem com o sentido e alcance conferido pela douta sentença à expressão “vierem a adquirir bens em qualquer altura”, constante do nº 5 do artigo 180º do CPPT.
14-Efetivamente, considera a Fazenda Pública que a expressão “vierem a adquirir bens em qualquer altura”, constante no n.º 5 do artigo 180º do CPPT, deverá ser interpretada, não no seu sentido literal, como efetuado pela douta sentença, mas sim numa formulação compatível com o seu escopo e fim teleológico, como seja o de não prejudicar os bens apreendidos a favor da massa insolvente, ou, que por qualquer circunstância, prejudiquem os direitos dos restantes credores do Insolvente, tal qual a formulação unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência para compatibilizar o vertido no n.º 6 do artigo 180º do CPPT com o vertido nos artigos 88º n.º 1 do CIRE e 154º n.º 3 do CPEREF.
15-Ou seja, considera a Fazenda Pública que a referida expressão deverá ser interpretada no sentido que poderão ser penhorados bens adquiridos antes da cessação do processo de insolvência ou termo do processo de recuperação, desde que não aprendidos a favor da massa insolvente, ou que, por qualquer forma, não prejudique os direitos dos restantes credores ou os direitos e legítimos interesses das empresas em recuperação, e, bem assim, “sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.”, à semelhança da doutrina unanimemente consolidada para a disciplina do artigo 180º n.º 6 do CPPT.
16-Com efeito, o artigo 180º n.º 1 e 6 do CPPT, por um lado, e os artigos 154º n.º 3 do CPEREF e artigo 88º n.º 1 do CIRE, aparentemente contraditórios entre si, na medida em que o primeiro permite a instauração e o prosseguimento de execuções fiscais após ser decretada a falência, ao passo que os segundos obstam a instauração e o prosseguimento de qualquer ação executiva contra o falido, tem sido harmonizados e interpretados consistentemente na jurisprudência e doutrina como permitindo a instauração de novas execuções fiscais após a declaração de insolvência, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.
17-É esta a doutrina que tem vindo a ser afirmada uniforme e reiteradamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, da qual é mero exemplo o acórdão STA datado de 29/02/2012, proferido no proc. 0885/11, bem como pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, a página 324, conforme citação efetuada na douta sentença, que acolhe tal entendimento.
18-Ora, por questões de unidade e coerência do sistema jurídico, igual entendimento deverá ser transposto para admissibilidade legal da penhora nas execuções fiscais por dívidas vencidas antes da cessação do processo de insolvência ou do termo do processo de recuperação, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 180º do CPPT.
19-Na realidade, os motivos que presidem ao entendimento que defende que, nas situações previstas no n.º 6 do artigo 180º do CPPT, só seja admitida a penhora de bens não aprendidos a favor da massa insolvente, são idênticas às razões que no n.º 5 do artigo 180º do CPPT foram contempladas pelo legislador para permitir apenas a penhora de bens que o Executado venha adquirir em qualquer altura, que são, se a Fazenda Pública bem entende a problemática subjacente, a proteção dos restantes credores da massa insolvente e dos legítimos direitos e interesses da empresa em recuperação, conforme ensina JORGE LOPES DE SOUSA, “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, 6.º Edição, Vol. III, anotação 7 ao artigo 180.º, pág. 324.
20-Ora, no caso dos autos, conforme resulta dos mesmos, a pensão de reforma do Reclamante não foi apreendida a favor da massa insolvente, pelo que nunca fez parte daquele acervo patrimonial, tendo, inclusive, o processo de insolvência do Reclamante cessado por insuficiência de bens e os créditos sido declarados incobráveis.
21-Neste sentido, o bem penhorado nos autos, pensão de velhice, nunca foi objeto de qualquer diligência no processo falimentar, pelo que, na conceção da Fazenda Pública, não existe qualquer impedimento legal ou restrição à sua penhora decorrente do artigo 180º n.º 5 do CPPT.
22-Acresce que o processo de insolvência do Reclamante já se encontra findo, pelo que a penhora da pensão de reforma do Reclamante não irá afetar os direitos dos restantes credores falimentares.
23-Pelo exposto, contrariamente ao vertido na douta sentença recorrida, considera a Fazenda Pública que a expressão “vierem a adquirir bens” utilizada no artigo 180º n.º 5 do CPPT, não poderá ser entendida, exclusivamente, como se referindo apenas a bens adquiridos posteriormente ao fim do processo de falência.
24-Se o bem não tiver sido apreendido, ou, findo o processo de falência, regressar à disponibilidade do falido, não se vislumbra motivo ou razão preponderante, nos termos do n.º 5 do artigo 180º do CPPT, que impeça que esse bem seja utilizado para saldar as dívidas que ainda subsistam e que possam ser executadas, como é o caso da dívida dos autos.
25-Sem prescindir, a pensão de reforma é uma prestação periódica, renovável mensalmente, cujo direito o Reclamante adquire sucessivamente na data do seu vencimento.
26-Ora, da conjugação dos pontos g), i) e j) dos factos assentes da douta sentença, resulta que a penhora dos autos incidiu sobre prestações de reforma adquiridas posteriormente à cessação do respetivo processo de insolvência, pelo que se mostram de acordo com os pressupostos impostos pelo n.º 5 do artigo 180º do CPPT, na interpretação da douta sentença recorrida.
27-Ao decidir em sentido contrário, isto é, ao considerar que as prestações de reforma objeto de penhora foram adquiridas antes da declaração de insolvência do Reclamante, a douta sentença cometeu erro de julgamento, por violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 180º do CPPT.
28-Deverá pois ser revogada, e substituída por douto acórdão que admita a penhora reclamada, a qual, contrariamente ao decidido, poderia ter sido ordenada, uma vez que não existe impedimento legal à sua realização.
29-A douta sentença recorrida, violou, entre outros, os artigos 580º, 581º, 576º n.º 2 e 577º alínea i) do CPC, aplicáveis por força do artigo 2º alínea e) do CPPT e n.º 5 do artigo 180º do CPPT.
30-Deverá, pois ser revogada, e substituída por douto acórdão que julgue procedente, por provada, a exceção de caso julgado, com todas as consequências legais, ou, alternativamente, admita a penhora reclamada, a qual, contrariamente ao decidido, poderia ter sido ordenada, uma vez que não existe impedimento legal à sua realização.
31-Mais requer que, admitida a penhora reclamada, ordene a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para conhecimento das demais questões suscitadas nos mesmos, cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão recorrida, com todas as consequências legais.
32-Mais requer que, em virtude do valor da presente causa ser superior a € 275.000,00, e nos termos do n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, determine V.Ex.ª a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista.»

O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
1-A atribuição legal ao presente recurso de efeito suspensivo, tem por base o reconhecimento de que, ponderados os interesses em jogo, se pretende a continuar a garantir a exequibilidade da decisão da primeira instância enquanto o caso não se encontrar definitivamente julgado.
2-A sentença a quo é clara na sua decisão “anulo o acto que determinou a penhora do reclamante”, que impõe à Fazenda Pública e em concreto ao SF que, -no âmbito do presente processo e seus apensos - não pode continuar a penhorar a pensão do reclamante ou a reter o seu valor seja a que título for.
3-Da conjugação dos arts 651º, nº 1 e 423º do CPC resulta ser admitida junção aos autos de novos documentos na fase do recurso, dependendo da alegação e prova pelo interessado de não ter sido possível juntar até ao encerramento da discussão da causa na primeira instância, como resulta da data aposta nos três documentos agora juntos, em concreto:
4-Notificação de 23/10/2021 de nova ordem de penhora, a saber 31582021000005680 a qual tem subjacente o Proc. 3158200201511424 referente à Sociedade D…, LDA, cfr doc 1 que se junta com as contra-alegações e se dá por integralmente reproduzido;
5-Notificação de 2/3/2022, constituição de penhor legal referente ao Proc 3158200401004107, cfr doc 2 que se junta e dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
6-Sobre a notificação de 23/10/2022 foi enviada reclamação pelo aqui recorrente da ordem de penhora 31582021000005680 (que decorre do Proc. 3158200201511424), e vem agora o SF Loures 3 notificar a Mandatária do despacho de 24/2/2022 que considerou “face à inutilidade superveniente da lide, solicito pondere a necessidade de envio da PI ao Tribunal”, cfr doc 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido;
7-Sobre a notificação de 2/3/2022 verifica-se que no dia 15 de Fevereiro foi constituído Penhor por conta do Processo 3158200401004107 sobre a devolução efectuada a 24/1/2022 de um valor retido indevidamente no montante de € 356,59, contudo.
8-Impõem-se as seguintes conclusões em face dos factos descritos, do Processo 3158200201511424 e aps. resultaram:
a) uma ordem de penhora (315820200000048705) anulada pelo Tribunal, que subjaz ao presente recurso;
b) uma segunda ordem de penhora (315820210000005680) revogada pelo autor do acto, despacho anexo;
c) constituição de penhor para garantia, notificação anexa.
9-Assim, estando a Fazenda Pública e o SF de Loures 3 impedidos de prosseguir com a penhora por força da sentença, decidiu o Chefe de Finanças “tentar a sua sorte” com nova penhora desta feita de 2021 mas tendo por base o mesmo processo e seus apensos, o que tem um efeito indelével na apreciação da conduta processual da Fazenda Publica e na sua condenação como litigante de má fé, cuja condenação se requereu e volta a requerer, nos termos do art. 542º do CPC, agora à luz dos factos conhecidos.
10-Retirando-se do despacho de 24/2/2022 que o SF considera a inutilidade superveniente da lide face ao alegado e estando na base do presente recurso a mesma questão de direito e o mesmo processo e seus apensos, é legítimo concluir que considera igualmente a presente lide e recurso inúteis.
11-Vem a Fazenda Publica alegar excepção dilatória, nos termos do art. 577º, al. i) do CPC, fazendo para tanto alusão à existência de caso julgado, em concreto o Proc. 1923/20.6BELRS que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa.
12-O art. 278º do CPC (aplicável ex vi art. 2º, al. e) do CPPT), determina que o juíz deve abster-se de conhecer o pedido e absolver o réu da instância, sempre que tenha conhecimento de uma excepção dilatória.
13-A sentença recorrida refere expressamente “Não existem excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa, inexistindo nulidades de que cumpra conhecer.”
14-Ora, os pressupostos processuais para submissão de uma questão a juízo pressupõem naturalmente a existência de uma precedência lógica, o Tribunal já apreciou a questão e conclui pela inexistência de excepções dilatórias.
15-Ainda que assim não fosse, nunca o invocado argumento poderia proceder, porquanto o Proc. 1923/20.6BELRS tem uma causa de pedir distinta, uma vez que, neste caso está em causa o Proc. 3150200901049763 referente a IVA da sociedade C…, Lda – como se pode comprovar porquanto não aparece mencionado nos factos provados c) da sentença - e a respectiva ordem de penhora 315820200000016676, cujo valor a executar era € 4.839,12,
16-Na questão sub judice está em causa o Proc. 3158200201511424 e aps todos referente à sociedade D…, Lda.
17-A fazenda publica transcreve parcialmente a sentença para defender a sua tese, mas omite o contexto processual, a saber que não ter sido feita a prova da data em que o reclamante começou a auferir a pensão de reforma – Julho de 2015 – o que motivou a decisão:
“Donde se conclui que a pensão de velhice começou a ser auferida pelo Reclamante em data posterior à declaração de falência, não tendo integrado a massa falida, motivo pelo qual não ofende o disposto no art. 180º, nº 5 do CPPT, podendo por conseguinte, ser objecto de penhora no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos.”
Prosseguindo,
18-Alega a Fazenda Publica que a sentença enferma igualmente de erro quanto à matéria de direito uma vez que a penhora efetuada é legal, nos termos do nº 6 do art. 180º do CPPT. No demais que a sentença recorrida aplica de forma errada os arts. 180º, nº 6 do CPPT, 88º do CIRE e 154º, nº 3 do CPEREF, que devem ser harmonizados, no sentido de permitir a instauração de novas execuções fiscais após a declaração de insolvência, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.
19-Naturalmente, tal tese não pode prosseguir, porquanto desta forma eternizar-se-ia o processo de falência com um sem fim de execuções, contrário à natureza e ao regime jurídico do CPEREF.
20-É que, ao contrário do que se alega no recurso, o CPPT e em concreto o disposto no art. 180º, nº 6 tem de se compaginar de forma harmoniosa com os outros diplomas legais e em concreto, com o CPEREF mas também com a Lei 28/84 e especialmente com o art. 41º, nº 1.
21-A propósito do art. 41º, nº 1, citado, e que a Fazenda Pública ignorou, mas que consagra o princípio da impenhorabilidade da reforma, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão no Acórdão nº 349/91 - Publicado no Diário da República, II série, de 2 de Dezembro de 1991 - “a pensão auferida pelo beneficiário da segurança social, tendo em conta o seu montante, reportado a um determinado momento histórico, cumpra efectivamente a função inilidível de garantia de uma - sobrevivência minimamente condigna -, do pensionista.”, o que significa que o direito do credor tem de ceder perante um valor mais alto que de resto se prende com a dignidade da pessoa humana e com a expectativa de quem descontou toda uma vida de trabalho apara acautelar sobrevivência consigna na velhice.
22-Como se refere no processo Acórdão do TC Proc. nº 434/91 “A impenhorabilidade das prestações atribuídas pelas instituições de segurança social representa um sacrifício do direito do credor,”
23-Ou seja, ao defender a penhora da pensão de reforma de velhice, está a Fazenda Pública a promover uma interpretação inconstitucional do art. 41º, nº 1 da Lei 28/84 que promove o princípio da impenhorabilidade da pensão da velhice, igualmente promove um tratamento diferenciado no tratamento de situações idênticas, gerando assimetrias na aplicação da lei contrariando o artº 13º da CRP.
24-A Fazenda Pública parece ignorar que existe uma sentença do Tribunal de Comércio, transitada em julgado – da qual de resto não recorreu -, como ficou provado, que tendo conhecimento da existência e do montante da pensão de reforma de velhice do falido, desde 2015 como ficou demonstrado, determinou igualmente, face ao elevado montante das dívidas, que as mesmas seriam incobráveis e a reforma impenhorável.
25-Por último, face ao enquadramento legal que ao caso cabe, verifica-se, ao contrário do que alega o Recorrente Fazenda Publica que a penhora também não pode proceder.
Assim,
26-A norma constante do artigo 154º, nº 3 do CPEREF não admite a instauração ou prosseguimento de execuções contra o falido após a declaração de falência, essas acções (instauração e prosseguimento) são, porém, admitidas nos termos do disposto no artigo 180º, nºs 1 e 6 do CPPT, sendo que, como observa o Ac. STA, de 29/2/2012, proc. 0885/11, a situação regulada no nº 5 do referido artigo é diferente, pois o processo de falência já estará findo.
27-Com efeito, a possibilidade prevista no referido nº 5, de continuação das execuções fiscais já instauradas contra o falido ou responsáveis subsidiários ou de instauração de novas execuções fiscais, tem como pressuposto a ulterior aquisição de bens pelo falido ou pelos responsáveis subsidiários.
28-E o nº 6 do art. 180º do CPPT, tem como pressuposto que o vencimento do crédito ocorra após a declaração de falência, no caso sub judice o vencimento do crédito ocorreu em 2002, neste sentido veja-se o Ac do TCAS de 12/2/2008 Proc. 02202/08.
29-Como ensina JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª Edição, Vol. III, anotação 7 ao artigo 180º, pág. 324), as referidas normas devem ser harmonizadas e interpretadas do seguinte modo:
“No entanto, quanto a estes processos, apesar de aqui se referir o seu seguimento nos termos normais, deverá entender-se este seguimento em consonância com as normas do CPEREF e do CIRE, sob pena de se abrir a porta à possibilidade de se inutilizar todo o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores que se visa com estes processos especiais, o que seria uma solução manifestamente desacertada, atentos os fins de interesse público e social estão subjacentes àqueles”, pelo que “(...) a interpretação razoável daquele n. 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9, n.1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência ou insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência.”.
30-Ou seja, relativamente a bens obtidos depois da declaração de falência! A pensão de reforma de velhice começou a ser auferida em Julho de 2015, e a declaração de falência data de 2016, e conhecendo esse rendimento determinou ser o mesmo impenhorável.
31-Resulta assim que, tratando-se de processos de execução fiscal, para cobrança de créditos tributários vencidos anteriormente à declaração de falência – como foi o caso - , deverá a execução fiscal ser imediatamente sustada e avocada pelo tribunal judicial para apensação àquele processo (artigos 180º, nºs 1 e 2 do CPPT e 154º, nº 3 do CPEREF).
32-A declaração de falência, nos termos do art. 154º, nº 3 do CPEREF obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido.
33-Em suma, a jurisprudência do STA é pacífica quanto à vaexata questio do nº 5 do art. 180º do CPPT, a pensão de reforma era auferida antes da prolação da sentença, não é um rendimento novo passível de ser apreendido, o legislador foi bem claro ao excluir esses bens de penhora, como de resto, a sentença e o despacho de encerramento do processo de falência em obediência ao dispositivo legal.
34-Igualmente a jurisprudência e a doutrina, são pacíficas quanto ao facto de relativamente a créditos vencidos antes da declaração de falência, ficar precludida qualquer acção executiva, nos termos do art. 154º, nº 3 do CPEREF.
35-A pensão de reforma tem na sua génese os descontos entregues e retidos durante a vida do trabalhador e são consequentemente rendimentos antigos não susceptíveis de penhora, e por isso excepcionados no art. 41º, nº 1 da Lei 28/84, uma vez que se destinam a permitir uma subsistência condigna a quem aufere uma pensão.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo, no esteio de anteriores pareceres do Ministério Público, no sentido da improcedência da reclamação e procedência do recurso.
Com dispensa dos vistos legais dada a natureza urgente do processo e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, são estas as questões que importa decidir: (i) se ocorre excepção dilatória do caso julgado; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que só são legalmente admissíveis penhoras de bens adquiridos posteriormente ao encerramento do processo de falência/ insolvência do executado, não sendo esse o caso dos autos.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida, deixou-se factualmente consignado:
«
De acordo com a prova documental constante dos autos, com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos:

A) Em 31 de Julho de 2002 foi instaurado contra a sociedade D…, Lda., o processo de execução fiscal n.º 3158200201511424, por dívidas de IVA, referentes ao mês de Dezembro de 2001, no valor de € 26.366,61.

(Cfr. certidão de dívida a fls. 3 do PEF)
B) Em 14 de Setembro de 2002 o processo de execução fiscal n.º 3158200201511424, foi autuado pelo Serviço de Finanças de Loures 3.

(Cfr. documento a fls. 2 do PEF)
C) Ao processo de execução fiscal referido no número anterior foram apensados os seguintes processos de execução fiscal, instaurados originariamente contra a sociedade referida na alínea A) supra:
N.° de processoData de instauraçãoTributoPeríodo a que respeitaTermo do prazo para pagamento voluntárioValor
315820020151269225.10.2002IVAJaneiro de 200111.3.200261.609,29
315820020151282025.10.2002IVAFevereiro de 200210.4.200255.090,93
315820030104391931.12.2003IRS200210.8.200328.255,08
315820040100410721.1.2004IRC200124.11.200326.664,14
315820040104605529.12.2004IVA200225.11.2004503.468,82
3158200601000352617.1.2006Coimas2002 e 200528.11.20052.114,50
315820060100966422.2.2006IRC200218.9.200524.081,22
315820060101042528.2.2006IRC200312.2.200624.086,40
31582006010111382.3.2006Coimas20029.12.200526.930,05
315820060105712012.9.2006IVA200331.7.2006739.311,48
315820060106440111.10.2006Coimas200610.9.2006493,00
315820070100355023.1.2007IVA200421.12.20062.992,80
31582007010373237.6.2007IVA20053.5.2007249,40
315820070104711625.8.2007Coimas200725.5.2007253,30
315820070106621829.9.2007Coimas200729.8.2007254,50
315820070109209024.11.2007Coimas200724.10.2007255,00
31582007010929872.12.2007Coimas200731.10.2007510,00
315820070110491829.12.2007Coimas200726.11.2007255,00
31582008010009505.1.2008Coimas20073.12.2007255,00
315820080100419012.1.2008IVA20066.12.20071.247,00
315820080101830214.3.2008Coimas20086.1.2008255,00
315820080102107917.3.2008Coimas200814.2.2008255,00
315820080105964510.6.2008Coimas20089.5.20081.530,00
315820080106352928.6.2008Coimas200825.5.2008255,00
31582008010817643.9.2008Coimas200816.7.2008255,00
(Cfr. certidões de dívida de fls. 282 a 343 do PEF)

D) Em 30 de Janeiro de 2006 foi proferida sentença pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do processo de insolvência da sociedade D…, Lda., tendo sido julgada extinta por inutilidade a acção, face à circunstância de não ter sido apurada a existência de bens da falida.
(Cfr. documento a fls. 198 a 200 do PEF)

E) Em 18 de Setembro de 2008 foi proferido despacho de reversão contra o Reclamante do qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:
“(…)

(…)”
(Cfr. documento a fls. 205 do PEF)

F) Em 28 de Agosto de 2015 o Instituto da Segurança Social, I.P., remeteu ao Reclamante, decisão de deferimento do requerimento de pensão de velhice apresentado, com início em 28 de Julho de 2015, no valor de € 1.710,09.

(Cfr. documento n.º 7 junto com a Reclamação)

G) Em 12 de Janeiro de 2016 foi proferida sentença no âmbito do processo n.º 945/04.9TYLSB, tendo aí sido declarada a falência do Reclamante.

(Cfr. documento n.º 6 junto com a Reclamação)

H) Em 21 de Junho de 2018 foi proferido despacho no âmbito do processo n.º 945/04.9TYLSB, tendo aí sido determinado o encerramento dos autos por insuficiência da massa falida, do mesmo constando, nomeadamente, o seguinte teor:
“(…)
Notificados os credores para se pronunciarem sobre o encerramento do processo, veio a Caixa G… requerer que sejam efectuadas diligencias no sentido do apuramento de bens/direitos ao falido, nomeadamente junto do Centro Nacional de Pensões.
O Sr. Liquidatário Judicial, por requerimento de fls. 1218-1219 veio informar que o falido aufere uma pensão de velhice no valor de € 2.445,76. (…)”.
(Cfr. documento n.º 6 junto com a petição de reclamação)

I) Em 20 de Novembro de 2020 o Instituto da Segurança Social, I.P. remeteu ao Reclamante, comunicação com o seguinte teor:

(Cfr. documento n.º 2 junto com a Reclamação)
J) Em 27 de Novembro de 2020 a Autoridade Tributária remeteu ao Reclamante, comunicação, denominada “notificação de penhora”, indicando como bem penhorado “pensões” e valor penhorado € 2.786.287,98.

(Cfr. documento n.º 4 junto com a Reclamação)
K) Nos meses de Fevereiro e Março de 2021 o Reclamante auferiu como rendimento de pensão de velhice o valor de € 1.885,09.

(Cfr. documento a fls. 45 dos autos)
*
Não existem factos não provados com interesse para a decisão da presente decisão.
*
Motivação: A decisão sobre a matéria de facto realizou-se com base na análise do teor dos documentos constantes nos autos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.».

B. DE DIREITO

Em sede recursiva, invoca o Recorrente a excepção do caso julgado.

Trata-se de excepção dilatória, de conhecimento oficioso (artigos 577.º alínea i) e 578.º do CPC).

De acordo com o disposto no art.º 580º do CPC, a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, estando a primeira causa decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão anterior. Razão por que o conceito nuclear do caso julgado radica na definição dos parâmetros que permitem aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra. E para se saber se existe ou não essa repetição, «deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no art. 498º [actual art. 581º], mas também à directriz substancial traçada no nº 2 do artigo 497º [actual art. 580º], onde se afirma que a excepção do caso julgado (tal como a da litispendência) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 302.).

Ora, o art. 581º do CPC, sob a epígrafe «Requisitos da litispendência e do caso julgado», estabelece, no seu nº 1, que a causa se repete «quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir», esclarecendo, no nº 2, que «Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica», e no nº 3, que «Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico», esclarecendo no nº 4, que «Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.».

O que significa que o caso julgado só ocorrerá se, cumulativamente, nas acções em questão intervierem as mesmas partes sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter o mesmo efeito jurídico, e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico – vd. Ac. do STA, de 10/07/2015, tirado no proc.º 01035/15.

No caso vertente, alega o Recorrente que as questões jurídicas suscitadas neste processo pelo reclamante – e que se prendem com a sua posição de que a incobrabilidade dos créditos declarada em processo de insolvência abrange também os créditos tributários – “foram igualmente suscitadas pelo Reclamante no processo de reclamação judicial contra o acto de penhora da pensão de velhice, realizado pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, em 10/08/2020, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3158200901049763 e apensos, que correu os seus termos sob o proc. 1923/20.6BELRS, da 3ª U.O. do Tribunal Tributário de Lisboa”.

Ora, salvo o devido respeito, a posição do Recorrente é insustentável, porque estão em causa nas reclamações actos de penhora distintos, praticados em processos de execução fiscal e momentos distintos (cf. pontos A), B) e C) do probatório), sendo outrossim distintos os fundamentos invocados, nomeadamente, o que se prende com o excesso de penhora.

Como refere a Fazenda Pública na resposta à reclamação, “…resulta dos autos que, efetivamente, foram efetuados dois pedidos de penhora de pensão à Segurança Social, por parte do SF Loures 3, para pagamento de dívidas fiscais do Reclamante. A primeira penhora foi efetuada no PEF 3158200901049763, no montante de 412,85€, conforme refere o Reclamante. Todavia, a segunda penhora, da qual nos ocupamos neste processo, não foi efetuada no valor de €431,00, conforme refere o Reclamante, mas apenas no montante de €215,50. A notificação da penhora junta aos autos pelo Reclamante, refere efetivamente o montante penhorado de €431,00, mas tal ficou-se a dever ao facto de, no mês da penhora, ou seja, novembro, o Reclamante ter recebido o subsídio de Natal, e, consequentemente, duplicou o valor a penhorar (…)”.

Assim, não ocorre, a invocada excepção do caso julgado, por falta de identidade, não só do pedido (dirigido à anulação de actos de penhora distintos, praticados em processos de execução fiscal distintos), como da causa de pedir (nesta reclamação se invocando, também, o excesso de penhora).

Improcede este fundamento do recurso.
Passando à questão central do recurso, reconduz-se a mesma a indagar da melhor interpretação a dar à norma constante do n.º 5 do art.º 180.º do CPPT.

Sob a epígrafe, “Efeito do processo de recuperação da empresa e de insolvência na execução fiscal”, dispõe aquele preceito:
«
1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada a insolvência, são sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avoca os processos de execução fiscal pendentes, os quais são apensados ao processo de recuperação ou ao processo de insolvência, onde o Ministério Público reclama o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados são devolvidos no prazo de oito dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de insolvência.
5 - Se a empresa, o insolvente ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução.».

Pois bem, entendeu-se na sentença recorrida que a expressão “vierem a adquirir bens” tem como pressuposto que o executado tenha adquirido bens após o encerramento do processo de insolvência, posição com que se não conforma o Recorrente no entendimento de que tal expressão abrange todos os bens não apreendidos para a massa insolvente. Que dizer?

Resulta do probatório que antes da declaração de falência do recorrido (cf. pontos F) e G) da matéria assente) já este auferia a pensão de velhice que viria a ser objecto da penhora reclamada.

Estabelece o art.º 46.º do “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS”, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março:
«Artigo 46.º
Conceito de massa insolvente
1 - A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
2 - Os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta.».

Ou seja, se bem interpretamos, os rendimentos do insolvente não isentos de penhora (art.º 737.º do CPC) vencidos até ao encerramento do processo (Junho/2018 – cf. ponto H) do probatório), são apreensíveis para a massa falida, não podendo, obviamente, ser objecto de penhora pela Administração tributária.

Já não é assim relativamente a rendimentos do executado provenientes de prestações de qualquer natureza, não isentas de penhora, vencidas após esse momento (encerramento do processo), as quais, na nossa leitura, se devem entender abrangidas pela expressão “vierem a adquirir”, plasmada no n.º 5 do art.º 180.º do CPPT.

Como decorre do art.º 233/1 do CIRE,
«Encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência:
(…)
c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência;
(…)».

Significa isto, nomeadamente e ao que agora importa, que os credores da insolvência passam a poder exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes de eventual plano de recuperação e do n° 1 do artigo 242° do CIRE, o mesmo é dizer que respeitadas tais restrições podem os credores intentar contra o devedor as acções executivas e declarativas necessárias ao exercício dos seus direitos.

Quer dizer, encerrado o processo de insolvência – no caso, por insuficiência da massa insolvente, nos termos dos artigos 230.º, n.º 1 alínea d) e 232.º, do CIRE – todos os credores da massa insolvente, sem restrição, podem exercer os seus direitos não satisfeitos instaurando novas acções executivas contra o insolvente em que poderiam ver penhoradas prestações sociais do insolvente vencidas após o encerramento do processo, não se antevendo razões para um tratamento diferenciado dos créditos tributários, que ocorreria com a interpretação restritiva feita na sentença recorrida de que, posto que a pensão de velhice já era um rendimento auferido pelo reclamante antes mesmo da declaração de falência, não estaria reunido o pressuposto do n.º 5 do art.º 180.º do CPPT (”vierem a adquirir bens”) para que a AT pudesse prosseguir com o processo de execução, nomeadamente com a penhora das prestações da pensão de velhice do insolvente vencidas após o encerramento do processo de insolvência e ali não apreendidas.

É interpretação que, a nosso ver, não colhe.

Numa outra linha argumentativa, pretende o recorrido que a pensão de velhice é impenhorável, tanto assim que não foram apreendidas para a massa insolvente quaisquer prestações ou mensalidades daquela pensão e o processo de insolvência encerrado.

Mas o encerramento do processo sem apreensão para a massa daqueles rendimentos não se funda em razões de impenhorabilidade, mas sim na circunstância de que sendo esses os únicos valores do activo (2.445,76€), os créditos reclamados de 22.965.835,00€ não eram susceptíveis de ser ali satisfeitos e o processo eternizar-se-ia, como de resto a decisão do Tribunal do Comércio deixa claro:
«



».

Nos termos do Cód. de Processo Civil, são bens absolutamente impenhoráveis os referidos no seu art.º 736.º e os isentos de penhora referidos no art.º 737.º e são parcialmente impenhoráveis os referidos no seu art.º 738.º, dispondo o n.º1 deste preceito: «São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado».

E os seus n.ºs 2 e 3, estabelecem:
«2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.

3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.».

Daqui decorre que a impenhorabilidade relativa de uma prestação social é de 2/3 – art.º 738/1 do CPC.
Como facto impeditivo do direito da exequente AT à penhora da pensão, ao executado e aqui recorrido compete alegar e provar essa impenhorabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.

O que não faz, escudando-se em razões e argumentos de constitucionalidade sem apoio na jurisprudência constitucional.

Como se deixou consignado no Ac. do TC n.º 770/2014, Processo n.º 485/2013, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 26 — 6 de fevereiro de 2015, «Pode, assim, configurar-se um conflito de direitos, entre o direito do credor à realização rápida do pagamento do seu crédito e o direito do devedor e pensionista da Segurança Social ou do Estado à perceção de uma pensão que lhe garanta o mínimo de subsistência condigna com a sua dignidade de pessoa. Existindo o referido conflito, o legislador não pode deixar de garantir a tutela do valor supremo da dignidade da pessoa humana — vetor axiológico estrutural da própria Constituição — sacrificando o direito do credor na parte que for absolutamente necessária — e que pode ir até à totalidade desse direito — por forma a não deixar que o pagamento ao credor decorra o aniquilamento da mera subsistência do devedor e pensionista.» Esse mesmo entendimento viria a ser confirmado pelo referido Acórdão n.º 177/2002, do Pleno, que declarou a inconstitucionalidade dessa anterior redação do artigo 824.º do CPC, frisando bem que se torna imprescindível garantir esse mínimo de subsistência do ser humano que é intrínseco ao princípio da dignidade da pessoa humana e que tal mínimo deveria ser aferido pelo montante equivalente ao salário mínimo nacional. Encontrando-se protegido o montante equivalente ao salário mínimo nacional, considerou este Tribunal que não se verificava uma efetiva afetação do núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, que se expressaria na obtenção de quantia indispensável à subsistência»

E como se conclui no douto Ac. do TC, «… decide -se não julgar inconstitucional a norma extraída “da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do C.P.C., na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante (sublinhados nossos).

Ora, como se deixa explicado na resposta da Fazenda Pública á reclamação (artigos 14.º a 16.º),
«…a segunda penhora, da qual nos ocupamos neste processo, não foi efetuada no valor de €431,00, conforme refere o Reclamante, mas apenas no montante de €215,50.
A notificação da penhora junta aos autos pelo Reclamante, refere efetivamente o montante penhorado de €431,00, mas tal ficou-se a dever ao facto de, no mês da penhora, ou seja, novembro, o Reclamante ter recebido o subsídio de Natal, e, consequentemente, duplicou o valor a penhorar.
Todavia, resulta dos prints informáticos da SS e da aplicação informática SEFWEB, que aqui se juntam, (doc. 1, doc. 2, doc. 3 e doc. 4) que efetivamente o valor retido pela SS, à ordem dos presentes autos executivos, é de € 215,50, nos meses em que o Reclamante não aufere os subsídios a que tem direito».

Assim e concluindo, se por um lado a AT não estava legalmente impedida à luz do disposto no n.º 5 do art.º 180.º do CPPT de prosseguir com a execução por créditos tributários vencidos antes da declaração de insolvência, depois de encerrado este processo, por outro, não logrou o reclamante demonstrar que a penhora de que reclama infringiu a intangibilidade das prestações periódicas mensais que lhe foram pagas, nem convencer este Tribunal de que o critério normativo aplicado pela AT na penhora da sua pensão deva ser objecto de juízo incidental de inconstitucionalidade.

O recurso merece provimento, não podendo a sentença manter-se na ordem jurídica por padecer do erro de julgamento que lhe vem apontado.

Quanto, em particular, à questão da litigância de má-fé, vejamos.

Nos termos do nº 2 do artigo 542º do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: «(a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; (b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; (d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

Constata-se, porém, que os pressupostos em que o reclamante e agora recorrido assenta o pedido de condenação da AT e ora recorrente em multa por litigância de má-fé perdem fundamento à luz da decisão proferida na apelação, porquanto, nem a AT ofendeu o caso julgado ou a autoridade de caso julgado decorrente da sentença proferida pelo Tribunal do Comércio, como manifestamente os actos de execução supervenientes à penhora reclamada, ainda que ilegais, não podem ser discutidos e apreciados nesta reclamação, mas sim na que eventualmente vier a ser interposta desses actos executivos.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes de turno deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação totalmente improcedente.

Condena-se o recorrido em custas (litiga com apoio judiciário).

Lisboa, 15 de Setembro de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha