Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9/21.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/17/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL
JUSTIÇA DESPORTIVA
Sumário:I – Independentemente do juízo que se possa fazer do referido normativo, é incontornável que resulta do Artº 133º alínea f) do RD da LPFP que os relatórios elaborados pela equipa de arbitragem e pelos Delegados da FPF gozam da presunção de veracidade.
II – Efetivamente, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da "presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percecionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa" [art.g 13.g, al. f), do RD].
III – Em qualquer caso, o valor probatório dos relatórios dos jogos só respeita aos factos que nele são descritos como percecionados pelos delegados e não aos demais elementos da infração, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos.
IV - Atento o direito aplicável e a Jurisprudência dominante, importa adotar uma postura que evite que se gere e consolide um ambiente no desporto, suscetível de consolidar alguma impunidade permissiva, impeditiva de que se gere uma franca e desejável ambiência de convivência entre todos os agentes desportivos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO
Por Deliberação proferida no dia 29 de outubro de 2019, extraído no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n.º 08-19/20, o CDFPF - SP, condenou a Demandante S.... SAD, pela prática da infração disciplinar "Agressões graves a espetadores e outros intervenientes", pp pelo art.º 182º, n.º 2, do RDLPFPF2019, com referência às als. b), c) e o) do RCLPFP, na sanção de multa de 3.188€.

Não se conformando com a referida decisão veio a S.... SAD recorrer para o Tribunal Arbitral do Desporto, o qual, por Acórdão de 11 de novembro de 2020, veio a julgar procedente o recurso, e, consequentemente, revogar a decisão disciplinar condenatória recorrida.

Correspondentemente, veio a Federação Portuguesa de Futebol Recorrer para esta Instância, em cujo Recurso, concluiu:
1. A Recorrente vem interpor recurso do Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 11 de Novembro de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o n.º 65/2019, que revogou a deliberação que condenou a ora Recorrida a pagar, a título de sanção disciplinar, o valor de € 3.188,00, por infração disciplinar p. e p. pelo art. 182.º, n.º 2 do RD da LPFP - Agressões graves a espectadores e outros intervenientes;
2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogo de futebol, o que, para além de levantar questões episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;
3. A questão essencial trazida ao crivo deste TCA - responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e melhor aplicação do direito;
4. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol - seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes;
5. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com o arremesso de objeto - moeda - para o terreno de jogo, objeto que atingiu o árbitro do jogo em crise nos autos, não lhe causando lesão de especial gravidade -ligeiro hematoma;
6. que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição;
7. O Colégio Arbitral, declina que os clubes devem ser responsabilizados pelos comportamentos dos internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão - entendendo também que o Conselho de Disciplina não coligiu nem carreou para os autos prova suficiente que sustente a condenação da Recorrida nos presentes autos;
8. Diga-se, antes de mais que, desresponsabilizar os clubes por comportamentos incorretos dos seus adeptos, é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;
9. Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo que em mais de trinta e sete processos arbitrais a questão foi decidida de forma contrária à que fez o Tribunal a quo no acórdão de que ora se recorre, contra apenas cinco em sentido coincidente;
10. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto mais de 70 processos relativos a sanções aplicadas a clubes por comportamento incorreto dos seus adeptos;
11. Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo Conselho de Disciplina, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo;
12. O Colégio de Árbitros não colocou, em momento algum, em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, a suficiência da prova coligida pelo Conselho de Disciplina, e os deveres incumpridos nos termos da previsão do artigo 182º., n.º 2- do RD da LPFP;
13. Em concreto, entendeu o Colégio de Árbitros - erradamente -que não se deu como provado que o árbitro do jogo em crise nos autos foi atingido por uma moeda, mas sim por um objeto que não se tendo identificado - na tese do Tribunal a quo - não pode concluir-se que seja apto a provocar lesão no arbitro. Sem razão, senão vejamos,
14. Tal como consta dos Relatórios de Jogo cujo teor se encontra junto aos autos do processo arbitral, os Árbitros e os Delegados da LPFP, são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do S...., sem deixar qualquer margem para dúvidas;
15. O árbitro do jogo sub judice é também inequívoco foi atingido por uma moeda e que a mesma lhe provocou um ligeiro hematoma no peito, e que tal moeda foi arremessada por adeptos da Recorrida, situados em bancada maioritariamente reservada a estes e devidamente equipados com camisolas e cachecóis da Recorrida.
16. Com base nesta factualidade, e atendendo à gravidade dos factos perpetrados, o Conselho de Recorrida, tendo esta recorrido de tal sanção, através de Recurso Hierárquico Impróprio - RHI - que veio a confirmar a sanção aplicada;
17. Ao mencionado RHI foram juntos, como não poderia deixar de ser, entre outros documentos, o relatório elaborado pelos Árbitros e pelos delegados da LPFP. Estes Relatórios gozam, consabidamente, da presunção de veracidade do todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube;
18. Os Árbitros e os Delegados da FPF são designados para cada jogo com a clara função de relatarem
19. Assim, quando os Árbitros e os de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é
20. Sucede que, não obstante os meios de prova que o CD coligiu, designadamente os relatórios de arbitragem e do Delegado da LPFP juntos aos autos serem claríssimos ao afirmar que foram adeptos afetos ao S...., arremessaram uma moeda contra o árbitro do jogo, causando neste um ligeiro hematoma no peito, o Colégio de Árbitros, ainda que não por unanimidade, alega que a prova é insuficiente e que não é possível imputar à Recorrida o incumprimento de qualquer dever que sobre si impenda, não sendo possível sancionar-se com base no previsto no artigo 182.º do RD da LPFP
21. Manifestamente, o acórdão recorrido não tomou em consideração a presunção de veracidade delegados da LPFP, respetivamente; inscrevendo-se nos princípios
22. E é, precisamente, esta presunção de veracidade que, fundamentais do procedimento disciplinar, confere um valor probatório reforçado aos relatórios delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham peticionado;
23. Isto não significa que os Relatórios dos Árbitros e Delegados da FPF contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos Relatórios, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que foram adeptos ou simpatizantes da Recorrida que levaram a cabo os comportamentos sub judice;
24. Tal não significa que quem acusa não tenha o ónus de provar. Trata-se de abalar uma convicção gerada por documentos que beneficiam de uma especial força probatória;
25. E, para abalar essa convicção, cabia ao clube, no lugar de se remeter ao silêncio, apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.9 do Código Civil;
26. Acresce que as normas constantes do RD da LPFP, em especial as constantes dos artigos 13., al. f) e 182.9 do RD da LPFP, foram aprovadas pelos clubes participantes em competições profissionais, constantes que estes tenham percecionado. os Relatórios dos Árbitros e dos jogos elaborados pelos árbitros e regulamentarmente estabelecida para os relatórios dos árbitros e entre os quais a Recorrente, em sede de autorregulação e na medida em que o direito ao desporto profissional LPFP, em especial do artigo 135 a| f), violaria, assim, o conteúdo essencial desse direito, neste segmento.
27. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios, cabia à Recorrida designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede, que pudesse afastar a referida presunção de veracidade dos relatórios dos árbitros e dos Delegados da LPFP;
28. Quanto à questão de saber se a ora Recorrida pode ser responsabilizada a título de culpa por Disciplina;
29. Não caberia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta dos Relatórios de Jogo) que o S.... violou deveres de formação a que se encontra adstrito, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, não caberia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como sabemos, não é possível;
30. Ora, o Relatório dos Árbitros e dos Delegados da LPFP são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição do S.... no caso concreto.
31. Ademais, há que ter em conta, nos termos acima explanados, que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tais documentos.
32. Isto significa que o conteúdo dos Relatórios juntos aos autos, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho seus deveres.
33. Em sede sancionatória, o "arguido", não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido.
34. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido, pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não o S.....
35. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida não o demonstrou, em nenhuma sede, não bastando alegar de forma vaga e genérica, sem juntar prova referente a quaisquer medidas concretas levadas a cabo pelo S.... - ou de medidas que não são aptas a evitar o comportamento dos adeptos - e que, in casu, seriam aptas, adequadas e suficientes a evitar o resultado: o mau comportamento dos seus adeptos/simpatizantes no jogo dos autos.
36. Decorre de forma claríssima da Regulamentação aplicável que os clubes e sociedades desportivas deveres in formando e in vigilando dos seus adeptos, em especial, do cumprimento dos deveres estatuídos no artigo 8.º, n.- 1, ais. b), c) e m) da Lei n.º 39/2019, de 30 de julho, e bem assim no art.º 35.s, n.º 1, ais. a), b), c) e o) do Regulamento das Competições da LPFP e ainda no art.º 10. n.ºs 1, als. a) e i) do Regulamento de Prevenção da Violência - Anexo VI ao RC da LPFP;
37. Com efeito, a imputação culposa das condutas infratoras dos adeptos da Recorrida, pelas quais esta é diretamente responsável (tal como determina a previsão legal das infrações disciplinares em causa), resulta, pois, do incumprimento culposo de deveres de prevenção e de ação no âmbito nexo de causalidade adequado e direto, ao resultado aqui verificado: os comportamentos perigosos e incorretos dos seus adeptos e simpatizantes,
38. Por seu turno, o Colégio Arbitral não coloca em crise a prática dos factos por adeptos da Recorrida, apenas a responsabilização daquela pelos mesmos;
39. Do conteúdo dos Relatórios de Jogo elaborados pelos Árbitros e pelos Delegados da Liga, é possível extrair, desde logo, diretamente duas conclusões: (i) que o S.... incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do S...., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos;
40. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos do S.... e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório dos árbitros e dos delegados, os quais têm presunção de veracidade. Posteriormente, o S.... pode fazer prova que contrarie estas evidências, porém, no caso concreto, tal não aconteceu;
41. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.2 730/95, diz claramente que "o processo disciplinar que se manda instaurar (...) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)";
42. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STA proferido no âmbito do recurso n.s 297/18, interposto de revista, diz que é lícito o uso das presunções judiciais e que cabe ao clube apresentar prova que contrarie a presunção de veracidade dos relatórios, o que no caso, não sucedeu;
43. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir o S...., a verdade é que desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres -foi retirado de outros factos conhecidos.
44. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com nenhum princípio constitucional, tal como o princípio da presunção de inocência ou o princípio da culpa, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos.
45. É este o entendimento consensual do STA, em vários arestos, referidos nas presentes alegações 040/18.3BCLSB, onde se afirma que "é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da "presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percecionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa" [art.- 13.-, al. f), do RD]. (...) E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.° 391/2015, 12/8 (publicado no 40. Isto significa que para concluir que quem teve um DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário." Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da fé em juízo dos autos de notícia (cf, entre muitos, o Ac. de 6/5/87 in BMJ 367S-224; o Ac. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ac. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o Ac. de 9/2/89 in DR, H Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa - que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza - não acarreta qualquer presunção de culpabilidade suscetível de violar o princípio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art.s 32.9, n-s. 2 e 10, da CRP).
46. De igual forma, veja-se, ainda, a posição do STA, datada de 21 de fevereiro de 2019, no âmbito do processo n.º 033/18.OBCLSB, segundo a qual "A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional [LPFP] que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFP], conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 02.9, 20.5, n.9 4, e 32.9, n.9s 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo
47. Com efeito, resulta claro que existe nexo causal entre a atuação da Recorrida e os factos praticados, não se verificando qualquer violação, do princípio jurídico-constitucional dos artigos 32º, n.º 2 e 10, 20º, n.º 4 da Constituição, e bem assim do princípio jurídico-constitucional da culpa, fundado no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.- da Constituição;
48. Pelo que, resulta claro que o Conselho de Disciplina coligiu e carreou para os autos, prova mais do que suficiente para concluir e decidir pela punição da Recorrida por incumprimento de deveres a que a mesma se encontra adstrito;
49. Neste sentido, o relatório de arbitragem -fls . 18 e ss. Do RHI junto aos autos - é inequívoco ao afirmar o seguinte: "No final do jogo, quando a equipa de arbitragem se dirigia para o túnel de acesso aos balneários, foi lançada uma moeda por adeptos afetos ao S...., claramente identificados pelos cachecóis e camisolas que vestiam, atingindo o árbitro no peito, criando um ligeiro hematoma”
50. Atendendo à presunção de veracidade dos factos relatados pelo árbitro no relatório de arbitragem e não tendo a mesma sido colocada em causa, devem as alíneas b) e c) dos factos dados como provados assumir a seguinte redação: "b) No final do jogo em apreço, quando a equipa de arbitragem se dirigia ao túnel de acesso aos balneários, o Sr. Árbitro T.....s, que dirigia o encontro, foi atingido por uma moeda, cujo valor facial ainda assim não logrou identificar (vd. Relatório de Árbitro e esclarecimentos prestados pelo Sr. Árbitro T.....s, a fls. 18 a 24 e 75 e 76 dos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.? 08-19/20, que correu termos no CDFPF);
51. No mesmo sentido, deve a redação das alíneas d) e e) dos factos dados como provados, assumir incorporado nos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.~ 08-19/20, que correu termos no atingido,
52. Neste conspecto, a alínea g) dos factos dados como provados, por se tratar de matéria de direito, em parte, e por se tratar de factos não provados, com supra se demonstrou, deve ser expurgada da factualidade dada como provada, porquanto é inequívoco que a moeda que atingiu o árbitro do jogo lhe provocou um ligeiro hematoma no peito;
53. Assim, tendo atuado com culpa por incumprimento dos seus deveres de formação e vigilância, verificando-se o nexo causal entre essa omissão e os factos praticados pelos seus adeptos, havendo lugar à sanção do 5LB, por aplicação da norma prevista no artigo 182.n.e 2 do RD da LPDP, porquanto resulta evidente que tendo os factos em crise sido praticados por adeptos da Recorrida, que não evitou a prática dos mesmos através de uma formação compreensiva dos referidos adeptos, fica demonstrado comportamento culposo violador dos deveres regulamentares impostos, o que permite concluir pelo seu sancionamento, mostrando-se a factualidade dos autos corretamente subsumida ao tipificado ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 182.º, n.º 2, do RDLPFP
54. Nestes azimutes resulta claro o preenchimento dos elementos objetivos típicos da infração prevista no artigo 182.n.9 2 do RD da LPFP, a saber: Elemento subjetivo: (i) um sócio ou simpatizante de um clube; Elementos objetivos: (i) tenha agredido fisicamente (ii) espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo (iii) antes, durante ou depois da realização do jogo (iv) de forma a não causar lesão de especial gravidade.
55. A tese sufragada pelo Colégio de Árbitros é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência;
56. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF
57. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos pelos artigos 139, al f) e 182.2, n.9 2, do RD da LPFP, do Regulamento Disciplinar da LPFP, não se verificando qualquer violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dúbio pro reo - artigo 32°, n.9 2 e 10 da CRP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA”

O S.... - Futebol SAD veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, com pedido de ampliação do objeto do Recurso, nas quais concluiu:
“1. O Recurso interposto pela FPF deve ser, liminarmente, rejeitado, com todas as legais consequências, na medida em que a FPF, nos litígios relativos a decisões por si tomadas ao abrigo dos seus poderes de natureza pública (maxime, o poder disciplinar) está, legal e estatutariamente, inibida de recorrer aos tribunais judiciais, o mesmo é dizer, está impedida de recorrer ao TCA Sul (para impugnar decisões do TAD) ou ao STA (para impugnar decisões do TAD ou do próprio TCA Sul). À Cautela
2. Não assiste qualquer razão à Recorrente no Recurso por si interposto.
3. O Tribunal a quo andou bem ao absolver a Recorrida do ilícito disciplinar pelo qual havia sido condenada pela Recorrente.
4. Na verdade, entende a Recorrida que, atenta a prova produzida, não se pode deixar de entender que a prova produzida conduz inevitavelmente à absolvição da aqui Recorrida.
5. A associação do ato ilícito em causa a adeptos da Recorrida é feita única e exclusivamente por aplicação da presunção de verdade decorrente da alínea f) do artigo 13.° do RDLPFP.
6. O conceito se simpatizante não se mostra legalmente consagrado, o que impede a imputação dos factos à Recorrente
7. A prova de factos em processos de índole sancionatória por meio de presunções apenas é admissível caso seja concedido à Arguida, aqui Recorrida, a possibilidade real e efetiva de efetuar contraprova dos factos presumidos.
8. Essa possibilidade não se verifica na tese vertida no Recurso da Recorrente, mais preocupada em sancionar do que em aplicar o Direito, tendo as instâncias desvalorizado, sem qualquer motivo juridicamente atendível, o relatório do policiamento desportivo, que coloca o arremesso da moeda em causa na bancada central, local onde se encontravam adeptos de ambos os clubes.
9. Ao fazê-lo, a Recorrente viola a Constituição da República Portuguesa e a Lei.
10. Pelo que é inconstitucional a alínea f) do artigo 13. ° do RDLPFP, quando interpretada no sentido de não ser possível ilidir a presunção de verdade do relatório do árbitro aí consagrada, nomeadamente, com recurso ao relatório dos Delegados da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, ao Relatório do Policiamento Desportivo, às imagens televisivas e do CCTV e à prova testemunhal, por violação do disposto nos artigos 13.° n.° 2 e 32. ° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.
11. Não cabe à Recorrida fazer prova de que a moeda não foi arremessada por um adepto seu ou a partir de uma bancada onde estavam exclusivamente adeptos seus, mas tão só fazer prova da possibilidade de que os acontecimentos tenham ocorrido de forma diferente à da presunção.
12. O relatório policial, o relatório dos delegados, as imagens televisivas e do CCTV serve de contraprova do facto presumido (autoria, existência e origem do arremesso), bastante para afastar a presunção.
13. A tese vertida nas Alegações de Recurso apresentadas viola, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, o princípio da presunção de inocência, mais, valora erradamente os factos que considerou provados, de forma a sustentar a culpa da Recorrente, conforme se detalhou em sede de Alegações.
14. O que é feito nas Alegações de Recurso, após se afirmar ser aplicável ao processo o princípio da presunção de inocência, com a inerente impossibilidade de inversão do ónus da prova, é precisamente o contrário; invertendo-se, inequivocamente o ónus probatório, fazendo impender sobre a arguida o ónus de provar que tomou medidas a priori consideradas adequadas e suficientes para tentar evitar a verificação dos factos de sustentam a sua condenação.
15. A prova da eficácia das medidas desenvolvidas pela Recorrida é, exatamente, o facto de o seu registo disciplinar consagrar uma incidência praticamente exclusiva de infrações graves por comportamento dos adeptos nos jogos realizados na qualidade de visitante, ou seja, quando, apesar das ações de AVRIO 107 sensibilização para o fair play e desportivismo que resultaram provadas, a Recorrente não detém o controlo da operativa de segurança.
16. Compete à Recorrente demonstrar a violação, por parte desta, dos deveres legais que impendem sobre a Recorrente, sendo que, no caso concreto, não funciona a presunção de verdade dos relatórios do árbitro e delegados, porquanto nenhum dos factos objeto de prova foi diretamente percecionado por aqueles agentes desportivos ou é sequer mencionado nos mesmos.
17. No campo da responsabilidade dos clubes pelo comportamento dos seus adeptos, a ilicitude radica, sobretudo, no incumprimento dos deveres legais e regulamentares de prevenção e o combate à violência, numa dupla perspetiva:
a) deveres in formando, que impendem sobre todos os clubes, traduzidos na obrigatoriedade de realizar ações de formação, campanhas e adotar medidas que promovam e incentivem a ética e o espírito desportivo, de modo a dissuadir os adeptos de comportamentos violentos ou antidesportivos - deveres que recaem sobre todos os clubes, independentemente da posição que assumam no jogo, seja de clube visitante, seja de clube visitado e
b) deveres in vigilando, relacionados com a segurança, e a manutenção da ordem e da disciplina nos recintos desportivos, que recaem prima facie sobre o promotor do espetáculo desportivo por ser ele quem tem o domínio do facto; dito de outra forma, a possibilidade de, através da Acão conjunta das forças públicas de segurança que fazem o policiamento do recinto e dos assistentes de recinto desportivo, procederem a revistas, impedirem os espectadores de praticarem catos de indisciplina ou, se for caso disso, de expulsarem-nos do recinto.
18. O Regulamento Disciplinar acolhe, em sede disciplinar, o princípio geral da culpa, informador do direito penal e do direito sancionatório em geral, numa dupla dimensão: “nullum crimen sine culpa" e “nulla poena sine culpa”. O princípio da culpa prefigura-se, indubitavelmente, como pedra basilar do edifício jurídico-penal e do direito disciplinar, com expressa consagração no artigo 13° do Código Penal (CP) e inequívoco reconhecimento no artigo 17°, 1, do RD LPFP. Daí decorre que a culpa é pressuposto da infracção e concomitantemente limite da pena, podendo a infracção considerar-se cometida a título de dolo ou negligência.
19. Uma leitura atenta das Alegações de Recurso leva a concluir que a Recorrente não se presume inocente. Aliás, é, neste particular, impressivo que no Aresto do Conselho de Disciplina as conclusões escamoteadas entre os factos tenham como suporte probatório a “convicção fundada nas regras de experiência e segundo juízos de normalidade e razoabilidade". Tal afirmação, por si só, afasta a presunção de inocência. A Recorrida, pelo menos a Recorrida, mas, eventualmente, todas as SAD’s/SDUQ’s, Clubes se presumem culpados pois, segundo juízos de normalidade de razoabilidade incumprem as regras.
20. - A Recorrente nunca concretiza quais os concretos deveres violados pela Recorrida, qual ou quais as medidas que omitiu, impossibilitando a criação de um parâmetro de legalidade da conduta. Na tese da Recorrente, a mera verificação do resultado faz extrair a inevitável conclusão de que os deveres foram violados, o que corresponde ao estabelecer de uma responsabilidade objetiva, já considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
21. A prova da violação de deveres por parte da Recorrida não corresponde à prova de um facto negativo. A verdade é que nem a Recorrida sabe que facto é que pretende demonstrar.
22. O princípio da presunção de inocência obsta à inversão do ónus da prova nesta matéria.
23. A tese punitiva da Recorrente assenta na responsabilização da Recorrida perante a ocorrência de um facto ilícito, atenta única e exclusivamente a produção do facto ilícito.
24. A tese expendida no Recurso interposto é a da responsabilidade objetiva dos Arguidos por violação do disposto no artigo 182.° do RDLPFP, inconstitucional por violação do n.° 2 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
25. Atento o vertido em matéria de ampliação do objeto do Recurso, os pontos b), c), d) e g) da matéria de facto provada deverão ser considerados não provados, atenta a análise conjugada da prova, tal como demonstrada na supramencionada sede.
26. Mais deverá a alínea f) da matéria de facto provada, com os fundamentos melhor descritos supra, passar a ter a seguinte redação:
a) visitas às escolas para promoção do fair play,
b) desenvolvimento de campanhas publicitárias e ações formativas que promovem o desportivismo, quer presenciais, quer com recurso às redes sociais;
c) ações de sensibilização do Oficial de Ligação aos Adeptos junto dos sócios e adeptos da S.... SAD para a adoção de conduta conforme ao espírito desportivo durante os espetáculos desportivos, particularmente junto dos adeptos de risco;
d) Comunicações institucionais via site, email, redes sociais a apelar ao bom comportamento dos adeptos e a incentivar o espírito ético e desportivo;
e) divulgação sonora de mensagens antes dos jogos realizados no Estádio do S.... a apelar para o comportamento desportivamente correto dos adeptos;
f) exibição nos megascreens e na linha digital em tomo do relvado no Estádio do S.... de mensagens de apelo à tolerância e fair play e de rejeição da violência;
g) divulgação e afixação de cartazes no Estádio do S.... e no estádio dos clubes visitados com conteúdo dissuasor daquele tipo de comportamentos;
h) colaboração ativa da S.... SAD com as forças públicas de segurança (PSP e GNR) com vista à identificação de condutas antidesportivas e dos seus autores;
i) apresentação de propostas ao Ministério da Administração Interna e à Secretaria de Estado do Desporto para alteração da lei de combate à violência no desporto;
j) participação em seminários e debate destinados ao tema do combate à violência;
k) emissão regular de comunicados a condenar a violência associada ao desporto, mesmo que a ela surja associado o nome de adeptos afetos ao S....;
l) instalação, em colaboração com as forças de autoridade, de um sistema de videovigilância com mais de 400 câmaras, operado, em dia de jogo, por elementos da segurança privada e por elementos da Policia de Segurança Pública que o operam com total autonomia, podendo extrair fotogramas, selecionar ângulos e câmaras, etc..;
m) medidas de controlo e vigilância no Estádio do S.... com recurso, em média, a mais de 400 assistentes de recinto desportivo, número superior ao presente nos demais estádios das competições profissionais - em jogos de risco elevado, ascende a 458;
n) criação, em 2011, de forma pioneira em Portugal, caixa de segurança destinada a adeptos das equipas visitantes, num investimento aproximado de 350.000,00€ (medida, à data, muito criticada pelos clubes adversários, mas, entretanto, acolhida e imposta pelo próprio Regulamento de Competições da LPFP);
o) colabora ativamente com as forças identificação/referenciação de comportamentos e adeptos de risco;
p) recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços da Unidade Cinotécnica do Grupo de Operações Especiais da PSP para deteção de artefactos e engenhos pirotécnicos nas bancadas, no dia do jogo, antes da abertura de portas;
(cfr. Doc.°s n.°s 5 a 28, juntos pela Demandante no seu Requerimento Inicial e depoimento prestado em Audiência pelas testemunhas Nuno Constàncio, H....., N..... e P....., arroladas pela Demandante)"
27. Entendendo-se dar provimento ao Recurso interposto pela ora Recorrente, deverá a conduta em causa ser punida, pelo artigo 187.° do RDLPFP, determinando-se a baixa dos Autos ao TAD para fixação da sanção aplicável, ou, em alternativa, considerando-se este TCA Sul habilitado para o efeito, ser a multa fixada pelo mínimo regulamentar.
Nestes termos e nos mais de direito, sempre deverá:
a) O Recurso interposto pela Recorrente Federação Portuguesa de Futebol ser considerado improcedente, por não provado e, consequentemente, ser mantida a Decisão Recorrida, ou caso assim não se entenda,
b) A matéria de facto provada ser alterada nos termos melhor detalhados em sede de Alegações e Conclusões e mantida a Decisão Recorrida,
c) Ser a alínea f) do artigo 13.° do RDLPFP declarada inconstitucional, quando interpretada no sentido de não ser possível ilidir a presunção de verdade do relatório do árbitro aí consagrada, nomeadamente, com recurso ao relatório dos Delegados da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, ao Relatório do Policiamento Desportivo, às imagens televisivas e do CCTV e à prova testemunhal, por violação do disposto nos artigos 13.° n.° 2 e 32.° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa;
d) Ser o artigo 182.° do RDLPFP, declarado inconstitucional quando interpretado no sentido de que não é necessário fazer prova da responsabilidade subjetiva dos clubes ou sociedades desportivas, por violação do princípio da presunção de inocência ínsito no n.° 2 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, ou caso assim não se entenda,
e) A conduta em causa ser punida nos termos pelo artigo 187.° do RDLPFP, determinando-se a baixa dos Autos ao TAD para fixação da sanção aplicável, ou, em alternativa, considerando-se este TCA Sul habilitado para o efeito, ser a multa fixada pelo mínimo regulamentar, para que se faça Justiça.”

A Federação Portuguesa de Futebol veio apresentar Resposta à ampliação do pedido, aí tendo concluído:
1. Em sede de contra-alegações, veio a Recorrida requerer que seja reconhecida a ilegitimidade da FPF ao interpor recurso da decisão arbitral para o TCA Sul bem como requerer a ampliação do objeto de Recurso, designadamente quanto à alteração de matéria de facto dada como provada. alegações deduzidas no âmbito do presente recurso -, representa uma desesperada tentativa para travar aquela que tem sido a tendência dos tribunais nacionais (designadamente, deste TAD e de forma unânime, do Supremo Tribunal Administrativo), em confirmar as decisões proferidas pelo Conselho de Disciplina nestas matérias de violação de deveres de formação e de vigilância quanto aos adeptos dos clubes.
2. A peça processual apresentada - quer em separado, quer como capítulo introdutório das contra- alegações deduzidas no âmbito do presente recurso -, representa uma desesperada tentativa para travar aquela que tem sido a tendência dos tribunais nacionais (designadamente, deste TAD e de forma unânime, do Supremo Tribunal Administrativo), em confirmar as decisões proferidas pelo Conselho de Disciplina nestas matérias de violação de deveres de formação e de vigilância quanto aos adeptos dos clubes
3. Os argumentos apresentados para defender esta esdrúxula tese são tudo menos jurídicos; ou quando aparentam ser jurídicos, são evidentemente errados.
4. A Recorrida opera num quadro normativo, ultrapassado, que eterniza a proteção desmedida do particular face a uma administração impositiva e abusiva, algo que a Constituição da República Portuguesa e a legislação ordinária subsequente rompeu, o que se pode facilmente verificar, particularmente nos artigos 2665 e 2685.
5. A Administração visa sempre a prossecução do interesse público; todavia, sempre no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
6. Por outro lado, todos os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei, devendo respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e ainda pela garantia aos administrados, de uma tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
7. Em suma, a relação administrativa faz-se por duas partes, sem uma não existe a outra. Ambas têm deveres e direitos recíprocos.
8. Esta solução deixa aos tribunais (administrativos) a resolução de eventuais conflitos entre as partes e acima das partes, sem que tenha que privilegiar nenhuma das posições em causa (interesse público ou direitos e interesses dos administrados).
9. Atentemos no artigo 2025, n,5 2, da Constituição da República Portuguesa: "2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados."
10. Na mesma linha, o artigo 212.5, sobre os tribunais administrativos e fiscais, seu n5 3, estabelece que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
11. Ou seja, como é por demais evidente, os tribunais administrativos não existem somente para garantir os direitos e interesses dos administrados, visam ainda a prossecução do interesse público e a defesa da legalidade democrática.
12. Olhando para a Lei do TAD, facilmente se constata que o seu artigo 8.5, n5 1 admite a possibilidade de recurso para ambas as partes envolvidas num litígio desportivo. Nem podia ser de outra forma.
13. Do ponto de vista da legislação nacional, nada impede que a FPF recorra aos tribunais comuns para defesa do interesse público que prossegue.
14. A Recorrida adianta ainda o argumento de que, de acordo com os seus Estatutos e com a filiação na UEFA e na FIFA, a FPF estaria impedida de recorrer aos tribunais comuns. Em primeiro lugar, cumpre referir - apenas por dever de patrocínio - que na eventualidade desta questão ser considerada procedente pelo Tribunal, apenas dizem respeito - e nessa medida devem ser analisadas - a vínculos associativos privados e não à admissibilidade do recurso ou à legitimidade do recorrente.
15. Os tribunais nacionais, naturalmente, não se encontram vinculados às normas FIFA ou UEFA, ou de qualquer outra federação desportiva internacional, mas tão somente à lei do Estado - e essa é clara e permite o recurso da FPF aos tribunais comuns.
16. De acordo LBAFD) está fora da competência do TAD (e subsequentemente dos tribunais administrativos) as decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.
17. Por outro lado, a seguir a tese da Recorrida, o que se admite apenas por dever de patrocínio, poderia também a FPF ser sancionada como seria certamente o clube. Não valeria somente, como afirma o clube, um prejuízo e impedimento para a FPF, isentando-se o clube da mesma, como o diz claramente.
18. A Recorrida transcreve, ainda, as normas estatutárias da FIFA e da UEFA para defender a sua tese. Mas olvida o essencial, como veremos.
19. Relativamente ao artigo 59^ dos Estatutos da FIFA, a Recorrida não evidencia o que resulta claro naquele artigo: é que se houver - como há a nível nacional -lei que imponha recurso para os tribunais comuns, não existe proibição de recorrer a esses mesmos tribunais: "3. The associations shall insert a clause in their statutes or regulations, stipulating that it is prohibited to take disputes in the association or disputes affecting leagues, members of leagues, clubs, members of clubs, players, officials and other association officials to ordinary courts of law, unless the FIFA regulations or binding legal provisions specifically provide for or stipulate recourse to ordinary courts of law." O mesmo para os Estatutos da UEFA que, mutatis mutandis, dizem o mesmo.
20. Por fim, os Estatutos da FPF, nesta matéria da resolução de conflitos, encontram-se, em geral, bem resolução de litígios desportivos, quer no plano internacional, quer no plano nacional, quer por via arbitral, quer seguindo os imperativos legais.
21. A FPF recorre aos tribunais, tão e somente para defesa dos interesses públicos que lhe cabe prosseguir e em nome de valores que lhe cumpre defender, designadamente, o da ética desportiva e do combate à violência no desporto.
22. Ademais, não é despiciendo referir que a Federação Portuguesa de Futebol, precisamente por estar vinculada a Regulamentos e diretrizes da FIFA e da UEFA nesta matéria de combate à violência no desporto - já para não falar dos Regulamentos aprovados pelos próprios clubes que participam em competições profissionais - não pode deixar de sancionar os clubes por violação dos seus deveres relacionados com a segurança e promoção dos valores que devem impor-se no espetáculo desportivo.
23. Se ignorar o seu papel no combate à violência no desporto, no limite, a Federação Portuguesa de Futebol pode inclusivamente ver a sua utilidade pública desportiva ser colocada em causa, bem como a sua filiação junto das instâncias internacionais que tutelam o futebol - precisamente a UEFA e a FIFA.
24. Por todo o supra exposto, é evidente que não pode colher a argumentação da Recorrida quanto à ilegitimidade da FPF em recorrer para os tribunais administrativos.
25. Não subsistem, ou não devem subsistir dúvidas, de que o árbitro foi atingido com uma moeda, que lhe provocou um hematoma, a qual foi arremessada por parte de adeptos da Recorrida. Toda a prova documental vai nesse sentido e, por outro lado, não existe prova testemunhal que permita retirar conclusão diversa.
26. Por outro lado, a pretendida nova redação da alínea f) não se afigura minimente relevante para os autos, porquanto o essencial do que tinha de ser dado como provado, já o foi pelo Colégio Arbitral.
27. Por fim, a qualificação jurídica dada à infração cometida pela Recorrida é a correta e não merece, igualmente, nenhuma censura.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso apresentado pela FPF e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”

O Ministério Público, já neste Tribunal, notificado em 26 de janeiro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.


II – Objeto do recurso:
Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir se o Tribunal Arbitral do Deporto incorreu em erro ao julgar procedente o pedido de revogação do Acórdão recorrido, mais verificando se o Tribunal a quo errou, na fixação da matéria de facto considerada provada e não provada e quanto à legitimidade ativa da FPF, suscitada em sede de ampliação do Recurso.

III - Fundamentação De Facto:
No acórdão recorrido foi julgada provada a seguinte factualidade:
FACTOS PROVADOS
a) No dia 28 de setembro de 2019, no Estádio S...., em Lisboa, realizou se o jogo n.º 10703 (203.01.057) disputado entre a S.... - Futebol SAD e a V..... SAD, a contar para a 7ª jornada da "Liga N....." (cfr. Relatório de Árbitro, Relatório de Delegado e Relatório Policiamento Desportivo -fls. 18 a 32 dos autos);
b) No final do jogo em apreço, quando a equipa de arbitragem se dirigia ao túnel de acesso aos balneários, o Sr. Árbitro T......, que dirigia o encontro, foi atingido por um objeto, eventualmente uma moeda, cujo valor facial ainda assim não logrou identificar (vd. Relatório de Árbitro e esclarecimentos prestados pelo Sr. Árbitro T....., a fls. 18 a 24 e 75 e 76 dos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.s 08-19/20, que correu termos no CDFF.
c) O objeto que atingiu o árbitro, eventualmente uma moeda, foi lançado, proveniente da bancada Emirates, predominantemente ocupada por adeptos afetos ao S.... - Futebol SAD, identificados pelos cachecóis e camisolas que vestiam (cfr. Relatório de Árbitro, a fls. 18 a 24 dos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.2 08-19/20, que correu termos no CDFPF);
d) O Sr. Árbitro T..... não localizou no relvado o objeto, eventualmente uma moeda, que refere tê-lo atingido (vd. esclarecimentos prestados pelo Sr. Árbitro T..... a fls. 75 e 76 dos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.º 08-19/20, que correu termos no CDFPF); Analisado o conjunto de prova carreada para os autos, com relevância para a boa decisão da Pág. 13/40 Tribunal Arbitral do Desporto
e) O Sr. Árbitro T..... não foi sujeito a qualquer exame médico cujo Relatório tenha sido incorporado nos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.º 08-19/20, que objeto, eventualmente uma moeda, pela qual refere ter sido atingido, mas cujo valor facial não conseguiu identificar;
f) A S.... - Futebol SAD, adota e realiza regularmente ações, iniciativas e medidas concretas em matéria de prevenção pela Demandante no seu Requerimento Inicial e depoimento prestado em Audiência pelas testemunhas N....., H....., N..... e P....., arroladas pela Demandante)
g) Não foi possível determinar se o objeto que atingiu o Sr. Árbitro T....., eventualmente uma moeda, seria ou não idóneo a provocar qualquer lesão; e
h) A Demandante tem antecedentes disciplinares na época em curso (vd. Cadastro disciplinar da recorrente, a fls. 33 a 52 dos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.º 08- 19/20, que correu termos no CDFPF).
FACTOS NÃO PROVADOS
a) Que tenha sido sem margem para dúvidas uma moeda o objeto que atingiu o Sr. Árbitro T.....;
b) No caso de ter sido eventualmente uma moeda o objeto que atingiu o Sr. Árbitro T....., qual o seu valor facial (vd. Relatório de Árbitro e esclarecimentos prestados pelo Sr. Árbitro T....., a fls. 18 a 24 e 75 e 76 dos autos do Recurso Hierárquico impróprio n.º 08-19/20, que correu termos no CDFPF); e
c) A moeda que atingiu o árbitro, eventualmente uma moeda, foi de imediato apanhada do chão e entregue ao Delegado de Campo (cfr. esclarecimentos prestados pelo Sr. Árbitro T..... a fls. 75 e 76 dos autos do Recurso Hierárquico impróprio n.º 08 19/20, que correu termos no CDFPF).

IV – Fundamentação De Direito:
Sumariou-se no Acórdão Arbitral Recorrido:
I - O Tribunal Arbitral de Desporto, doravante TAD, é competente para conhecer dos litígios regulamentação, organização, direção e disciplina.
II - O TAD é assim a instância competente para dirimir o presente litígio, gozando da possibilidade de proceder ao reexame, em sede de matéria de facto e de direito, da decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - Secção Profissional, doravante CDFPF - SP, constante do presente processo.
III - O litígio a dirimir na presente arbitragem tem como objeto a impugnação da Demandante pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo art.s 182º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante RDLPF2019), com referência às als. b), c) e o) do Regulamento de Competições da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, doravante RCLPFP, na sanção de multa no valor de €3.188,00 (três mil cento e oitenta e oito euros)
IV -Inconformada com esta decisão a Demandante instaurou a presente Acão arbitral de jurisdição necessária, requerendo, em síntese, a anulação da deliberação disciplinar de condenação proferida no dia 29 de outubro de 2019 pelo CDFPF - SP, pugnando, em síntese, do ilícito disciplinar em causa
V - Posteriormente, contestou a Demandada, alegando, em suma, não assistir qualquer razão à Demandante, sustentando pela confirmação da decisão disciplinar e invocando a legalidade da decisão recorrida.
VI – Deliberou este Tribunal no sentido de que a Demandante deveria ter sido absolvida do ilícito disciplinar em apreciação, visto não ter disposto o CDFPF - SP, de elementos de facto que lhe permitissem dar como comprovado, de forma segura e sem margem para a mínima dúvida razoável, ter ocorrido a infração em análise.
VII - Motivo porque, não sendo possível concluir pela verificação da infração em causa, não pode igualmente este Tribunal imputar à Demandante qualquer responsabilidade pela conduta culposa dos seus adeptos, e assim, pela violação dos deveres de formação e de vigilância que sobre si impendiam relativamente a tais condutas.
VIII - Consequentemente, realçando-se, por um lado, a total ausência de pressupostos de facto e de direito, no que concerne aos aspetos de ilicitude e culpa e, por outro lado, a inadmissibilidade constitucional de presunções legais e/ou judiciais de autoria do ilícito que se julga, impõe-se decretar a absolvição da Demandante, sob pena de manifesta violação, entre outros, dos princípios da livre apreciação da prova ou/e convicção do julgador presunção da inocência e do IN DUBIO PRO REO.

Correspondentemente, decidiu-se no Acórdão Recorrido:
Em face do exposto, determina este Tribunal Arbitral, julgar procedente o recurso, e, consequentemente, revogar a decisão disciplinar condenatória recorrida.”

Vejamos:
DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS CLUBES POR COMPORTAMENTOS DOS SEUS ADEPTOS - ENQUADRAMENTO
Incontornavelmente, e como resulta do Artº 172.º, n.º 1 do RD da LPFP:
"Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial."

Relativamente à legislação conexa com a referida matéria, alude-se à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com as ulteriores alterações, a qual estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos.

A responsabilidade dos clubes pelas ações dos seus adeptos ou simpatizantes está desde logo prevista no artigo 46.º do referido diploma.

Por outo lado, é o próprio Artº 79º nº 2 da CRP que refere que “Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto."

Correspondentemente e a um nível infraconstitucional e regulamentar, refere o artigo 10.º do Regulamento de Prevenção da Violência - Anexo VI do RCLPFP, que “1. São condições de permanência dos espetadores no recinto desportivo: a) cumprir o presente regulamento, o regulamento interno de segurança e de utilização dos espaços públicos do recinto desportivo; b) manter o cumprimento das condições de acesso e segurança, previstas no artigo anterior; (...) i) não arremessar quaisquer objetos ou líquidos para o interior do recinto desportivo. (...)"

DA SUFICIÊNCIA DA PROVA PUNITIVA
Entendeu o Tribunal a quo que o Conselho de Disciplina da FPF não suportou a sua decisão punitiva em prova suficiente.
Em qualquer caso, resulta dos Relatórios elaborados peia equipa de arbitragem e pelos Delegados da LPFP, que as controvertidas condutas disciplinarmente puníveis foram praticadas por adeptos da S.... – SAD.

Independentemente do juízo que se possa fazer do referido normativo, é incontornável que resulta do Artº 133º alínea f) do RD da LPFP que os relatórios elaborados pela equipa de arbitragem e pelos Delegados da FPF gozam da presunção de veracidade.

Correspondentemente, resulta do Artº 65º nº 9º alínea i) do Regulamento de Competições da LPFP que compete aos Delegados indicados pela LPFP para cada jogo "elaborar e remeter à Liga um relatório circunstanciado de todas as ocorrências relativas ao normal decurso do jogo, incluindo quaisquer comportamentos dos agentes desportivos findo o jogo, na flash interview".

Do mesmo modo, determina o artigo 10.º, n.º 1, al. f) do Regulamento de Arbitragem das competições organizadas pela LPFP que compete à equipa de arbitragem "Elaborar o boletim de jogo, mencionando todos os incidentes ocorridos, antes, durante ou após o jogo, bem como os comportamentos imputados aos jogadores, treinadores, médicos, massagistas, dirigentes e demais agentes desportivos que constituam fundamento de sanções disciplinares, bem como eventuais alterações ao plano de viagem e sua justificação”.

Não obstante o descrito, entendeu o Acórdão arbitral em análise, o seguinte:
"Daí, pois, que se defenda que é inconstitucional, por violação do princípio jurídico-constitucional da presunção de inocência, presunção de que, como sublinhado já ficou, o arguido beneficia em processo disciplinar, a interpretação dos art.ºs 13°, al. f) e 182º do RDLPFP19 no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorretas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube."

É assim manifesto que a recorrida decisão não atendeu à presunção de veracidade regulamentarmente estabelecida para os relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da LPFP, sem prejuízo, naturalmente, da referida presunção ser ilidível.

Assim, não poderia, quer o acórdão arbitral, quer a S.... SAD refugiar-se em meras afirmações conclusivas, cabendo-lhe o ónus, sendo caso disso, de contrariar a presunção.
Aliás o STA já afirmou a este respeito, no Acórdão de 4 de abril de 2019, proferido no Proc. 040/18.3BCLSB que:
"(…) é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da "presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percecionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa" [art.g 13.g, al. f), do RD].
Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado.
E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n° 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário.
Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da do juízo dos autos de notícia (cf, entre muitos, o Ac. de 6/5/87 in BMJ 367.2-224; o Ac. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ac. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o ,Ac. de 9/2/89 in DR, II Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa - que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza - não acarreta qualquer presunção de culpabilidade suscetível de violar o principio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art.º 32.º, nºs. 2 e 10, da CRP).
Com efeito, o valor probatório dos relatórios dos jogos, além de só respeitarem, como vimos, aos factos que nele são descritos como percecionados pelos delegados e não aos demais elementos da infração, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos, não é definitiva mas só "prima facie" ou de "ínterim", podendo ser questionado pelo arguido e se, em face dessa contestação, houver uma "incerteza razoável" quanto à verdade dos factos deles constantes, impõe-se, para salvaguarda do princípio "in dubio pro reo", a sua absolvição.
Assim, o acórdão recorrido, ao considerar que não se poderia atender à presunção que resultava do citado art. 213.º, al. f), para os relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP, incorreu no erro de direito que lhe é imputado (cf, neste sentido, os Acs. deste STA de 18/10/2018 - Proc. n.º 0144/17.OBCLSB, de 20/12/2018 - Proc. n.2 08/18.0BCLSB, de 21/2/2019 - Proc. n.º 033/18.0BCLSB e de 21/3/2019 - Proc. n.º 75/18.6BCLSB).
Nestes termos, e atento aos factos constantes do probatório, não pode deixar de se concluir que os comportamentos em causa foram levados a cabo por adeptos do Futebol Clube do Porto."

Em qualquer caso, entende a SAD que cabia ao Conselho de Disciplina provar que aquela violou deveres de formação e vigilância, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva, o que se consubstanciava na prova de um facto negativo.

Aqui chegados, atento o direito invocado e a Jurisprudência dominante, entende-se que importa adotar uma postura que evite que se gere e consolide um ambiente no desporto, suscetível de consolidar alguma impunidade permissiva, impeditiva de que se gere uma franca e desejável ambiência de convivência entre todos os agentes desportivos, em face do que se considera que merece censura o entendimento adotado pelo Tribunal a quo.

DA ADMISSIBILIDADE DA PRESUNÇÃO JUDICIAL EM PROCESSO SANCIONATÓRIO
Aqui chegados, entende-se que caberia à SAD fazer prova que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram perpetradas por adeptos seus, e por quem, até prova em contrário, terá de responder.

Como se afirmou já a presunção legal que permite responsabilizar a SAD é legalmente admissível em sede de direito sancionatório, sem prejuízo da eventual contraprova, o que desde logo permite afastar uma eventual colisão com os princípios da presunção de inocência e in dubío pro reo.

Isso mesmo decorre do Acórdão do STA n.º 297/18 e nº 08/18.0BCLSB, de 20.12.2018, no qual se sumariou que A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13º, alínea f) do Regulamento Disciplinar da LPFP, conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não é inconstitucional.”

Mais se discorreu no discurso fundamentador deste último Acórdão do STA referenciado:
Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado.
E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário.
Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da fé em juízo dos autos de notícia (cf., entre muitos, o Ac. de 6/5/87 in BMJ 367.º-224; o Ac. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ac. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o Ac. de 9/2/89 in DR, II Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa – que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza – não acarreta qualquer presunção de culpabilidade suscetível de violar o princípio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art.º 32.º, nºs. 2 e 10, da CRP). Com efeito, o valor probatório dos relatórios dos jogos, além de só respeitarem, como vimos, aos factos que nele são descritos como percecionados pelos delegados e não aos demais elementos da infração, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos, não é definitiva mas só “prima facie” ou de “ínterim”, podendo ser questionado pelo arguido e se, em face dessa contestação, houver uma “incerteza razoável” quanto à verdade dos factos deles constantes, impõe-se, para salvaguarda do princípio “in dúbio pro reo”, a sua absolvição.

Já o STA em Acórdão de 21 de fevereiro de 2019, no processo n.º 033/18.OBCLSB, afirmou que "A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional [LPFP] que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFPJ, conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 2.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. (...) Cabe aos clubes de futebol/sociedades desportivas a demonstração da realização por parte dos mesmos das ações e dos concretos atos destinados à observância daqueles deveres e, assim, prevenirem e eliminarem a violência, e isso sejam esses atos e ações desenvolvidos em momento anterior ao evento, sejam, especialmente, imediatamente antes ou durante a sua realização".

A prova por meio de presunção judicial não implica a imposição de uma verdade processual, independentemente e, se necessário, em detrimento da verdade material, mas antes constitui um meio de chegar à verdade material, diferente da prova direta, não constituindo uma derrogação ou sequer um afrouxamento da regra «in dubio pro reo».

Por outro lado, e como igualmente sumariado no Acórdão do STA nº 0607/10, de 21-10-2010, “A condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta, férrea ou apodíctica da sua responsabilidade, bastando que os elementos probatórios coligidos a demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável. Nos juízos de facto a emitir num processo disciplinar, é lícito à Administração, e até obrigatório, usar das presunções naturais que se mostrem adequadas.

Efetivamente, em função da prova produzida e disponível e em função da referida presunção, entendeu legitimamente o Conselho de Disciplina da FPF que os factos puníveis perpetrados haviam praticados por adeptos do S...., indicados como tal pelos Árbitros e Delegados da LPFP, mormente por se encontrarem em área reservada a adeptos daquele clube/SAD e devidamente identificados, o que determina que se entenda que o acórdão recorrido merece, neste aspeto, censura.

DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E DA SUBSUNÇÃO À NORMA PREVISTA NO ARTIGO 182.º DO RD LPFP
Deu o Tribunal a quo dar como provado, nomeadamente, o seguinte:
"b) No final do jogo em apreço, quando a equipa de arbitragem se dirigia ao túnel de acesso aos balneários, o Sr. Árbitro T....., que dirigia o encontro, foi atingido por um objeto, eventualmente uma moeda, cujo valor facial ainda assim não logrou identificar (vd. Relatório de Árbitro e esclarecimentos prestados pelo Sr. Árbitro T....., a fls. 18 a 24 e 75 e 76 dos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.9 08- 19/20, que correu termos no CDFPF);
c) O objeto que atingiu o árbitro, eventualmente uma moeda, foi lançado, proveniente da bancada Emirates, predominantemente ocupada por adeptos afetos ao S.... - Futebol SAD, identificados pelos cachecóis e camisolas que vestiam (cfr. Relatório de Árbitro, a fls. 18 a 24 dos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.º 08-19/20, que correu termos no CDFPF);"

Se é certo que Tribunal a quo deu a referida matéria como provada, atenta a presunção de veracidade dos factos relatados pelo árbitro no seu relatório, nos termos do regime melhor referido supra, mal se compreende por que razão não adotou idêntico procedimento no que concerne ao tipo de objeto que atingiu o arbitro.

Efetivamente o Relatório de Arbitragem é claro ao afirmar que:
"No final do jogo, quando a equipa de arbitragem se dirigia para o túnel de acesso aos balneários, foi lançada uma moeda por adeptos afetos ao S...., claramente identificados pelos cachecóis e camisolas que vestiam, atingindo o árbitro no peito, criando um ligeiro hematoma".

Ainda assim, entende-se que os factos dados como provados não são inibidores da confirmação da decisão do Conselho de Disciplina da FPF, pois, mais importante do que saber se estava em causa uma moeda e qual o seu valor facial, um circulo metálico, ou qualquer outro objeto de idêntica dimensão, o que é predominantemente punível é a atitude de arremessar qualquer objeto a um árbitro.
Efetivamente, não é admissível o arremesso de objetos ao arbitro, qualquer que seja, mesmo que o não o atinja, mas sendo esta a intensão, provocando-lhe, ou não, um hematoma, pois que, em qualquer caso, estamos perante um ato censurável e ofensivo da sua integridade física.

Como se discorreu na decisão do Conselho de Disciplina da FPF, que veio a ser revogada pelo Acórdão arbitral aqui recorrido, "...uma moeda arremessada da bancada em direção ao árbitro principal da partida que se encontrava no terreno de jogo, a dirigir-se para o túnel de acesso aos balneários após o final do jogo e, assim desprevenido face ao arremesso contra si desse objeto, e podendo ser facilmente atingido, como o foi, pese embora não se tenha conseguido apurar qual o seu valor facial, constitui desde logo um instrumento dotado da potencialidade de poder desencadear um perigo para a integridade física do agente visado, de consequências que, abstratamente até se poderiam revestir de especial gravidade, dependendo da zona do corpo que fosse atingida.
No caso, o impacto causou um hematoma no peito do árbitro, o que desde logo evidencia a referida capacidade/idoneidade para causar lesão face à sua superveniência.
Tem, pois, tal ato, consubstanciado no arremesso da moeda, perpetrado pelos adeptos da Recorrente, de ser qualificado juridicamente como agressão por assumir um grau médio de gravidade de ofensa à integridade física".

Efetivamente a não punição reiterada de atos contra agentes desportivos, nomeadamente árbitros, tende a sedimentar um sentimento de impunidade permissiva, sempre pernicioso.

Como tem sido entendido, a imputação dos factos descritos aos clubes, a título culposo, correspondendo a um juízo grave de censura social com conformação normativa (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 302/95, de 08.06.1995 n.º 691/2016, de 14.12.2016).

Estão em causa, nomeadamente, os deveres de vigilância e os deveres de formação que a Recorrente não cumpriu de forma eficaz, os quais se encontram estatuídos no n.º 1 do artigo 35.º, alíneas b), c) e o) do RCLPFP2019, já transcrito supra.

O Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 730/95, aqui aplicável, mutatis mutandis, afirmou lapidarmente quanto à responsabilização dos clubes pelo comportamento dos seus adeptos, o seguinte:
" [...] E, para finalizar, quanto aos termos em que o questionado artigo 3º coloca a imputação das faltas ao clube desportivo, é bom de ver que o núcleo essencial da violência associada ao desporto radica, na economia do diploma, e como realçam os sociólogos, nos espectadores, mas estes - e não se discutindo a responsabilidade individual de cada um deles - são normalmente os sócios, adeptos ou simpatizantes dos clubes em presença (as chamadas claques desportivas, que se identificam com o respetivo clube desportivo) e, por consequência, o sujeito passivo da aplicação das medidas sancionadoras não é só o clube visitado. Em regra, assim acontecerá, na medida em que sobre ele recai um conjunto de deveres que lhe são impostos por lei, no sentido de assegurar que não ocorram distúrbios de espectadores (e não só dos seus sócios, adeptos ou simpatizantes) no recinto desportivo, mas não podem marginalizar-se situações em que é o clube visitante a desrespeitar deveres relativamente ao comportamento dos seus sócios, adeptos ou simpatizantes (por alguma razão, é do conhecimento comum a prática generalizada - prevista no artigo 12º, nº 1, alínea b) do mesmo diploma - de separar por diferentes sectores dos recintos desportivos as claques desportivas, que hoje são perfeitamente localizáveis através dos elementos exteriores, como sejam, bandeiras, panos, roupas, pinturas faciais, de que se servem, sendo que, para além de normas legais e regulamentares tendentes a concretizar essa separação, há recomendações e medidas emitidas pela Comissão Nacional de Coordenação e Fiscalização, criada pelo mesmo Decreto-Lei nº 270/89, relativamente a "antes do dia do jogo", "durante o dia do jogo" e "depois do dia do jogo" - cfr. a publicação "Organização de Espetáculos Desportivos", da dita Comissão).
Daí que se possa dizer que há sempre uma relação de imputação das faltas cometidas ao clube a punir, ainda que este seja o visitante
E concretamente em relação à (não) inconstitucionalidade das normas (legais e regulamentares) que visam punir os clubes pelo comportamento dos seus sócios, adeptos e simpatizantes sustenta a sua decisão da seguinte forma:
“(...) Ora, sendo isto assim, convém reter que as sanções referidas nos artigos 3º a 6º do Decreto-Lei nº 270/89 são aplicadas aos clubes desportivos, por condutas ilícitas e culposas das respetivas claques desportivas (assim chamadas e que são os sócios, adeptos ou simpatizantes, como tal reconhecidos) - condutas que se imputam aos clubes, em virtude de sobre eles impenderem deveres deformação e de vigilância que a lei lhes impõe e que eles não cumpriram de forma capaz.
Deveres que consubstanciam verdadeiros e novos deveres in vigilando e informando, decorrendo nomeadamente de condutas (v.g. declarações) dos dirigentes do clube, a quem cabe velar, mesmo no plano pedagógico, pelo "fair play" desportivo dos sócios ou simpatizantes do clube (podendo falar-se aqui de uma certa intenção comunitária), sendo aceitável que a estes dirigentes possam substituir-se como centros éticos-sociais de imputação jurídica, as suas obras ou realizações coletivas (cfr. o citado Acórdão nº 302/95).
Aos clubes desportivos, com efeito, cabe o dever de colaborar com a Administração na manutenção da segurança nos recintos desportivos, de prevenir a violência no desporto, tomando as medidas adequadas, como forma de garantir a realização do direito cultural consagrado no artigo 79º da Constituição (...).
Estamos, assim, em condições de responder afirmativamente à questão da punição dos clubes desportivos, como foi posta a título introdutório, pois, pode encontrar-se um fundamento de censura por culpa, na imputação dos factos aos clubes.
Não é, pois, em suma, uma ideia de responsabilidade objetiva que vinga in casu, mas de responsabilidade por violação de deveres. Afastada desde logo aquela responsabilidade objetiva pelo facto de o artigo 3º exigir, para a aplicação da sanção da interdição dos recintos desportivos, que as faltas praticadas pelos espectadores nos recintos desportivos possam ser imputadas aos clubes. E no mesmo sentido milita a referência que nesse mesmo preceito (nº 7) e no artigo 6º (nº 1.1 e 2) é feita ao clube responsável (pelos distúrbios). Por fim, o processo disciplinar que se manda instaurar (artigo 4g) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infracção, sendo que, por esta via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube).
Com o que não pode dar-se como verificada a tese sustentada pelo requerente da violação do princípio da culpa (cfr. neste sentido José Manuel Meirim, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fase. 1, págs. 85 e seguintes, afirmando: "Não vemos, pois, como, e concluindo mesmo levando às últimas consequências a exigência de culpa neste domínio, se pode ter como inconstitucional a aplicação da sanção agora em causa").
O Provedor de Justiça invoca também a violação do princípio da legalidade, que denega a hipótese de normas sancionatórias em branco, pelo facto de o nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 270/89 permitir impor sanções a um clube desportivo sem que se verificasse qualquer relação de imputação das faltas cometidas (as referidas no nº 2) ao clube a punir e porque nesse nº 2 alude- se a "situações de violência" com "conteúdo vago e fluido".
Mas, não é o facto de elas poderem ser impostas pelas entidades federativas competentes que estas o possam fazer de forma totalmente desvinculada, na ótica do citado princípio da legalidade.
Também aqui, para além de previamente se ter de determinar o ilícito e a sanção correspondente, torna-se necessário, além disso, que se definam os seus elementos típicos.
Ora, o Provedor de Justiça considera que não existe rigor na definição desses elementos, tal como consta do referido nº 2.
No entanto, a doutrina em geral aceita que a tipicidade não exclui uma certa maleabilidade dos tipos no direito sancionatório de carácter disciplinar.
Assim, afirma Eduardo Correia: "não exclui que os respetivos tipos possam ter maior maleabilidade do que aqueles que descrevem infrações criminais, e, assim, que a cada passo contenham normas em branco, remetendo para critérios fixados pela própria Administração com vista à realização das suas finalidades salutistas" (in BFDC, V. XLIX, 1973, pág. 274).
E é ainda este Autor que afirma não haver no direito disciplinar (que visa manter a ordem dentro dos serviços, o mesmo podendo dizer-se do direito de mera ordenação social, em relação à comunidade em geral) tipicização integral (no mesmo sentido cfr. ainda o acórdão nº 39/88, do Tribunal Constitucional, in Diário da República, I série, nº 52, de 3 de março de 1988, proferido, embora, a propósito de situações do direito penal secundário, maxime do direito penal económico).
Também no acórdão deste Tribunal Constitucional nº 666/94, in Diário da República, II Série, n- 47, de 24 de fevereiro de 1995, depois de citada e transcrita jurisprudência da Comissão Constitucional, "no sentido de que a exigência da tipicidade (feita na Constituição quanto ao ilícito penal) não valia no domínio contraordenacional", escreve-se:
"A regra da tipicidade das infrações, corolário do princípio da legalidade, consagrado no nº 1 do artigo 29º da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público sancionatório (maxime, no domínio do direito disciplinar), as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau: as infrações não têm, aí, que ser inteiramente tipificadas.
Simplesmente, num Estado de Direito, nunca os cidadãos (cidadãos-funcionários incluídos) podem ficar à mercê de puros atos de poder. Por isso, quando se trate de prever penas disciplinares expulsivas - penas, cuja aplicação vai afetar o direito ao exercício de uma profissão ou de um cargo público (garantidos pelo artigo 47º, nºs 1 e 2) ou a segurança no emprego (protegida pelo artigo 53º) -, as normas legais têm que conter um mínimo de determinabilidade.
Ou seja: hão-de revestir um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos capazes de induzir a inflição dessa espécie de penas - o que se torna evidente, se se ponderar que, por força dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, elas só deverão aplicar-se às condutas cuja gravidade o justifique (cf artigo 18º, nº 2, da Constituição).
No Estado de Direito, as normas punitivas de direito disciplinar que prevejam penas expulsivas, atenta a gravidade destas, têm de cumprir uma função de garantia. Têm, por isso, que ser normas delimitadoras.
É que, a segurança dos cidadãos (e a correspondente confiança deles na ordem jurídica) é um valor essencial no Estado de Direito, que gira em torno da dignidade da pessoa humana - pessoa que é o princípio e o fim do Poder e das instituições (cf. artigos 2º e 266º, nºs 1 e 2, da Constituição)".
O que importa, como ressalta dos citados acórdãos, é que se cumpra uma "exigência da determinabilidade em termos de não haver encurtamento do direito fundamental", que haja "um mínimo de determinabilidade", e isso é aqui respeitado.
Entende-se, na verdade, que as expressões utilizadas pelo legislador - "distúrbios de espectadores", "dificuldades ao início ou prosseguimento do jogo", "tentativa de agressão ou de catos intimidatórios organizados", "gravidade dos incidentes" e "sua frequência" - são suficientemente "claras", não pondo, por isso, em causa o princípio da precisão ou determinabilidade das leis (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5g. edição, totalmente refundida e aumentada, 1991, parte IV, capítulo 1, Bj, IV, 2.1). Por outras palavras: as normas em causa contêm "uma caracterização minimamente precisa dos comportamentos a que se aplicam", fornecem "à entidade com competência disciplinar um critério de decisão que lhe permita agir com segurança no momento de avaliar este ou aquele comportamento desviante" (na linguagem do citado Acórdão nº 666/94).
Por último, importa apreciar a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 106º do Regulamento, sujeita, como ficou assente, à sindicabilidade deste Tribunal Constitucional.
Só que, neste ponto, a tarefa está facilitada, na medida em que o Provedor de Justiça funda tal questão nas mesmas razões que adianta relativamente à questão da inconstitucionalidade das normas do Decreto-Lei nº 270/89.
Segundo ele, "e de qualquer forma, o próprio art. 106- do Regulamento Disciplinar é, em si mesmo, inconstitucional, por assentar numa responsabilidade sem culpa e por atos de terceiros que não atuam em nome, ou em representação, ou por delegação do clube".
Mas, como ficou já analisado a propósito das normas daquele Decreto-Lei nº 270/89, não pode deixar de ser afirmativa a resposta à questão da punição dos clubes desportivos, pois, pode sempre encontrar-se uma ideia de censura a imputar aos clubes, não vingando in casu uma ideia de responsabilidade objetiva dos clubes (e daí ter-se concluído que não pode dar-se como verificada a tese sustentada pelo requerente da violação do princípio da culpa).(…)”

Em função de tudo quanto se vem de expender, entende-se dever ser revogado a Acórdão Arbitral Recorrido, uma vez que a decisão do Conselho de Disciplina que aquele revogara se mostra conforme com os factos e com o Direito aplicáveis, ao que acresce que existe um nexo causal entre a conduta da Recorrida e a infrações cometidas, pelo que, devem tais factos ser imputadas à SAD, em face do que, bem andou o Conselho de Disciplina.

Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal o quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 139.º, al. f), e 182.º, do RD da LPFP.

DA AMPLIAÇÃO DO RECURSO
Em sede de contra-alegações, veio a SAD requerer que seja reconhecida a ilegitimidade da FPF ao interpor recurso da decisão arbitral para o TCA Sul bem como requerer a ampliação do objeto de Recurso, designadamente quanto à alteração de matéria de facto dada como provada.

DA ILEGITIMIDADE DA FPF
Entende a S.... SAD que a FPF não tem legitimidade processual ativa e, por isso, o recurso interposto para o TCA Sul nem pode ser aceite.

Efetivamente, mais a S.... SAD na sua ampliação do Recurso que a FPF “nos litígios relativos a decisões por si tomadas ao abrigo dos seus poderes de natureza pública está, legal e estatutariamente, inibida de recorrer aos tribunais judiciais, seja para o Tribunal Central Administrativo, seja para o Supremo Tribunal Administrativo”.

Se assim fosse a FPF ter-se-ia de conformar passivamente com as decisões proferidas pelo TAD, o que desde logo seria uma inovação, pois que a FPF há muito que litiga nos Tribunais, sendo inquestionável a sua legitimidade, quer ativa, quer passiva.

Entende a SAD que na fundamentação constante dos dois acórdãos do Tribunal Constitucional que identifica, relativamente à Lei do TAD, se pronunciam apenas face ao principio da tutela jurisdicional efetiva, traduzida na mera possibilidade de recurso aos tribunais contra as decisões proferidas pelo TAD, na perspetiva de proteger os particulares contra as decisões sancionatórias de que são alvo, no caso, por parte das federações, no exercício dos poderes de autoridade que lhe foram delgados pelo Estado.

Mais entende recursivamente a SAD que a FPF, por força da regulamentação relativa ao associativismo desportivo (concretamente, da FIFA e da UEFA) está, estatutariamente proibida de recorrer aos tribunais.

Defende ainda a SAD que em conformidade com a alteração foi introduzida ao nº 5 do artigo 8.º da Lei do TAD, relativamente à competência territorial do TCA, constante da Lei nº 33/2014, de 16 de junho, atribui a referida competência ao Tribunal Central Administrativo Sul.

Naquela perspetiva, apenas seriam admissíveis Recursos contra as decisões do TAD para o TCAS, contra a FPF, o que, no mínimo, seria redutor e incongruente.

Os órgãos ligados à Administração, sejam Ordens Profissionais ou Federações Desportivas, visam a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artigo 266º, nº1), estando os seus órgãos subordinados à Constituição e à lei.

Em contraponto, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas (artigo 268º, nº4).

A relação administrativa é assim bivalente e reciproca, sendo que nos termos do Artº 202º, n.º 2, da CRP “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.”

Por outro lado, e não menos importante para a questão em apreciação, refere-se no nº 3 do Artº 202º da CRP que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Em concreto, face à recorribilidade dos atos do TAD, refira-se que originariamente o próprio Tribunal Constitucional não admitia recurso para os tribunais administrativos.

Num segundo momento, perante a possibilidade do recurso excecional de revista perante o STA, a solução também não obteve aval por parte do Tribunal Constitucional.

Só com o atual modelo foi admitida a intervenção dos Tribunais Administrativos, pois desde logo resulta do atual artigo 8.º, nº 1 da Lei do TAD a possibilidade de recurso de qualquer das partes envolvidas num litígio desportivo.
Refere-se no aludido artigo que “As decisões dos colégios arbitrais são passíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo se as partes acordarem recorrer para a câmara de recurso, renunciando expressamente ao recurso da decisão que vier a ser proferida”, em face do que nada obsta a que a FPF, querendo, possa recorrer aos tribunais para defesa do interesse público que prossegue, o que não colide, nem pode colidir, com quaisquer regulamentações de âmbito associativo impostas, nomeadamente pela FIFA e UEFA.

Mal seria que os Tribunais Estaduais Portugueses estivessem subordinados a um qualquer primado da FIFA ou da UEFA, sendo que, em qualquer caso, estão fora da competência dos tribunais, quaisquer questões de âmbito desportivo e emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.

Decorre assim do vindo de expender que não se reconhece procedência ao entendimento da SAD, constante da sua ampliação do Recurso, de acordo com o qual a FPF não teria ilegitimidade para recorrer judicialmente para os tribunais administrativos.

DA IMPUGNAÇÃO DE PONTOS ESPECÍFICOS DA DECISÃO DE FACTO
Já supra nos pronunciamos negativamente quanto à necessidade de alteração da matéria de facto, atenta a natureza excecional da referida alteração em sede de Recurso, ao que acresce que se não se reconhece essa necessidade ou justificação.

Com efeito, e como sumariado, nomeadamente, no Acórdão do TCAN nº 02078/20.1BEPRT-A, de 02-07-2021, “Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.”

Em qualquer caso, entende a SAD que os pontos b), c), d) e g) da matéria de facto provada deveriam ser considerados não provados, atenta a análise conjugada da prova, sendo que as alterações propostas resultam de afirmações meramente conclusivas.

Mais entende a SAD que a alínea f) da matéria de facto provada, deveria passar a ter outra redação, mais pormenorizada.

Em qualquer caso, tal como as propostas de alteração suscitadas pela FPF, anteriormente analisadas, bem como as aqui suscitadas pela SAD, e atento o referido carater excecional dessas alterações, não se vislumbra que quaisquer delas pudessem ter a virtualidade de determinar, por essa via, uma alteração ou inflexão do sentido da decisão proferida ou a proferir.

Como reiteradamente se tem afirmado, mormente no Acórdão deste TCAS, nº 53/20.5BCLSB, de 20-05-2021:
“(…) é insuficiente a mera discordância da factualidade tida em conta pelo Tribunal a quo, impondo-se a identificação dos meios de prova que conduziriam a um resultado diverso.
Neste sentido o acórdão do TCAN n.º 00306/5BEVIS proferido em 07/12/2016, que acolhemos e que parcialmente transcrevemos por nele nos revermos: “(…) Assim, para que o TCA possa proceder a alteração da matéria de facto, devem ser indicados os pontos de facto considerados incorretamente julgados, indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
O tribunal superior fica legitimado se esses meios de prova conduzirem e impuserem uma decisão diversa da proferida podendo concluir-se ter incorrido, a 1ª instância, em erro de apreciação das provas.(…)
A alteração da matéria de facto pelo Tribunal ad quem tem lugar necessariamente nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, traduzida num erro evidente na apreciação das provas, que implica uma decisão diversa.
A modificabilidade da matéria de facto pressupõe uma clara distinção entre erro na apreciação da matéria de facto e a discordância do sentido em que se formou a convicção do julgador.
A tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.”

Como se disse já, a alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção residual e excecional.

A SAD não demonstra, pois, que os factos que pretende alterar e/ou incluir na matéria dada como provada e não provada, lograriam influenciar a decisão final a proferir, a ponto de alterar o sentido decisório proferido.

Em termos de factualidade, o que aqui releva e é incontornável é que o árbitro foi atingido por um objeto de pequenas dimensões, porventura uma moeda, arremessado da Bancada onde se situavam adeptos do Benfica, não tendo a prova produzida logrado determinar a inflexão ou alteração da matéria de facto a esse respeito fixada.
Em concreto, não se reconhece, pois, a necessidade de introduzir a proposta nova redação da alínea f), a qual se mostraria inútil para a decisão proferir, pois, o que é facto e é manifesto, é que as atividades de sensibilização que a SAD afirma levar a cabo, não foram suficientes e adequadas a evitar o incidente verificado.

Não se vislumbra, assim, que mereça censura a decisão adotada relativamente à factualidade dada como provada, inverificando-se pois os suscitados vícios conexos com a matéria dada como provada e não provada, por não ter a aqui Recorrente/SAD logrado fazer prova do contrário.

* * *
Assim, sem necessidade de acrescida argumentação, entende-se ser de revogar o Recorrido Acórdão Arbitral, proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, em face do facto de se não reconhecer que a deliberação proferida pelo Conselho de Disciplina da FPF mereça a censura que lhe foi imputada, sendo que teve por objetivo impedir a consolidação e sedimentação de um pernicioso ambiente de impunidade permissiva, relativamente à violência contra agentes desportivos.

V - Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal:
a) Conceder provimento ao recurso da FPF, revogando-se o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, mantendo-se a deliberação condenatória do Conselho de Disciplina da FPF.
b) Negar Provimento à Ampliação de Recurso da SAD
Custas pela SAD.

Lisboa, 17 de março de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa