Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 9/21.0BCLSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 03/17/2022 |
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Relator: | FREDERICO MACEDO BRANCO |
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Descritores: | TRIBUNAL ARBITRAL JUSTIÇA DESPORTIVA |
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Sumário: | I – Independentemente do juízo que se possa fazer do referido normativo, é incontornável que resulta do Artº 133º alínea f) do RD da LPFP que os relatórios elaborados pela equipa de arbitragem e pelos Delegados da FPF gozam da presunção de veracidade. II – Efetivamente, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da "presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percecionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa" [art.g 13.g, al. f), do RD]. III – Em qualquer caso, o valor probatório dos relatórios dos jogos só respeita aos factos que nele são descritos como percecionados pelos delegados e não aos demais elementos da infração, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos. IV - Atento o direito aplicável e a Jurisprudência dominante, importa adotar uma postura que evite que se gere e consolide um ambiente no desporto, suscetível de consolidar alguma impunidade permissiva, impeditiva de que se gere uma franca e desejável ambiência de convivência entre todos os agentes desportivos. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO Por Deliberação proferida no dia 29 de outubro de 2019, extraído no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n.º 08-19/20, o CDFPF - SP, condenou a Demandante S.... SAD, pela prática da infração disciplinar "Agressões graves a espetadores e outros intervenientes", pp pelo art.º 182º, n.º 2, do RDLPFPF2019, com referência às als. b), c) e o) do RCLPFP, na sanção de multa de 3.188€. Não se conformando com a referida decisão veio a S.... SAD recorrer para o Tribunal Arbitral do Desporto, o qual, por Acórdão de 11 de novembro de 2020, veio a julgar procedente o recurso, e, consequentemente, revogar a decisão disciplinar condenatória recorrida. Correspondentemente, veio a Federação Portuguesa de Futebol Recorrer para esta Instância, em cujo Recurso, concluiu: “1. A Recorrente vem interpor recurso do Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 11 de Novembro de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o n.º 65/2019, que revogou a deliberação que condenou a ora Recorrida a pagar, a título de sanção disciplinar, o valor de € 3.188,00, por infração disciplinar p. e p. pelo art. 182.º, n.º 2 do RD da LPFP - Agressões graves a espectadores e outros intervenientes; 2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogo de futebol, o que, para além de levantar questões episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno; 3. A questão essencial trazida ao crivo deste TCA - responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e melhor aplicação do direito; 4. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol - seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes; 5. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com o arremesso de objeto - moeda - para o terreno de jogo, objeto que atingiu o árbitro do jogo em crise nos autos, não lhe causando lesão de especial gravidade -ligeiro hematoma; 6. que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição; 7. O Colégio Arbitral, declina que os clubes devem ser responsabilizados pelos comportamentos dos internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão - entendendo também que o Conselho de Disciplina não coligiu nem carreou para os autos prova suficiente que sustente a condenação da Recorrida nos presentes autos; 8. Diga-se, antes de mais que, desresponsabilizar os clubes por comportamentos incorretos dos seus adeptos, é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar; 9. Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo que em mais de trinta e sete processos arbitrais a questão foi decidida de forma contrária à que fez o Tribunal a quo no acórdão de que ora se recorre, contra apenas cinco em sentido coincidente; 10. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto mais de 70 processos relativos a sanções aplicadas a clubes por comportamento incorreto dos seus adeptos; 11. Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo Conselho de Disciplina, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo; 12. O Colégio de Árbitros não colocou, em momento algum, em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, a suficiência da prova coligida pelo Conselho de Disciplina, e os deveres incumpridos nos termos da previsão do artigo 182º., n.º 2- do RD da LPFP; 13. Em concreto, entendeu o Colégio de Árbitros - erradamente -que não se deu como provado que o árbitro do jogo em crise nos autos foi atingido por uma moeda, mas sim por um objeto que não se tendo identificado - na tese do Tribunal a quo - não pode concluir-se que seja apto a provocar lesão no arbitro. Sem razão, senão vejamos, 14. Tal como consta dos Relatórios de Jogo cujo teor se encontra junto aos autos do processo arbitral, os Árbitros e os Delegados da LPFP, são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do S...., sem deixar qualquer margem para dúvidas; 15. O árbitro do jogo sub judice é também inequívoco foi atingido por uma moeda e que a mesma lhe provocou um ligeiro hematoma no peito, e que tal moeda foi arremessada por adeptos da Recorrida, situados em bancada maioritariamente reservada a estes e devidamente equipados com camisolas e cachecóis da Recorrida. 16. Com base nesta factualidade, e atendendo à gravidade dos factos perpetrados, o Conselho de Recorrida, tendo esta recorrido de tal sanção, através de Recurso Hierárquico Impróprio - RHI - que veio a confirmar a sanção aplicada; 17. Ao mencionado RHI foram juntos, como não poderia deixar de ser, entre outros documentos, o relatório elaborado pelos Árbitros e pelos delegados da LPFP. Estes Relatórios gozam, consabidamente, da presunção de veracidade do todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube; 18. Os Árbitros e os Delegados da FPF são designados para cada jogo com a clara função de relatarem 19. Assim, quando os Árbitros e os de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é 20. Sucede que, não obstante os meios de prova que o CD coligiu, designadamente os relatórios de arbitragem e do Delegado da LPFP juntos aos autos serem claríssimos ao afirmar que foram adeptos afetos ao S...., arremessaram uma moeda contra o árbitro do jogo, causando neste um ligeiro hematoma no peito, o Colégio de Árbitros, ainda que não por unanimidade, alega que a prova é insuficiente e que não é possível imputar à Recorrida o incumprimento de qualquer dever que sobre si impenda, não sendo possível sancionar-se com base no previsto no artigo 182.º do RD da LPFP 21. Manifestamente, o acórdão recorrido não tomou em consideração a presunção de veracidade delegados da LPFP, respetivamente; inscrevendo-se nos princípios 22. E é, precisamente, esta presunção de veracidade que, fundamentais do procedimento disciplinar, confere um valor probatório reforçado aos relatórios delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham peticionado; 23. Isto não significa que os Relatórios dos Árbitros e Delegados da FPF contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos Relatórios, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que foram adeptos ou simpatizantes da Recorrida que levaram a cabo os comportamentos sub judice; 24. Tal não significa que quem acusa não tenha o ónus de provar. Trata-se de abalar uma convicção gerada por documentos que beneficiam de uma especial força probatória; 25. E, para abalar essa convicção, cabia ao clube, no lugar de se remeter ao silêncio, apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.9 do Código Civil; 26. Acresce que as normas constantes do RD da LPFP, em especial as constantes dos artigos 13., al. f) e 182.9 do RD da LPFP, foram aprovadas pelos clubes participantes em competições profissionais, constantes que estes tenham percecionado. os Relatórios dos Árbitros e dos jogos elaborados pelos árbitros e regulamentarmente estabelecida para os relatórios dos árbitros e entre os quais a Recorrente, em sede de autorregulação e na medida em que o direito ao desporto profissional LPFP, em especial do artigo 135 a| f), violaria, assim, o conteúdo essencial desse direito, neste segmento. 27. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios, cabia à Recorrida designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede, que pudesse afastar a referida presunção de veracidade dos relatórios dos árbitros e dos Delegados da LPFP; 28. Quanto à questão de saber se a ora Recorrida pode ser responsabilizada a título de culpa por Disciplina; 29. Não caberia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta dos Relatórios de Jogo) que o S.... violou deveres de formação a que se encontra adstrito, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, não caberia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como sabemos, não é possível; 30. Ora, o Relatório dos Árbitros e dos Delegados da LPFP são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição do S.... no caso concreto. 31. Ademais, há que ter em conta, nos termos acima explanados, que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tais documentos. 32. Isto significa que o conteúdo dos Relatórios juntos aos autos, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho seus deveres. 33. Em sede sancionatória, o "arguido", não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido. 34. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido, pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não o S..... 35. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida não o demonstrou, em nenhuma sede, não bastando alegar de forma vaga e genérica, sem juntar prova referente a quaisquer medidas concretas levadas a cabo pelo S.... - ou de medidas que não são aptas a evitar o comportamento dos adeptos - e que, in casu, seriam aptas, adequadas e suficientes a evitar o resultado: o mau comportamento dos seus adeptos/simpatizantes no jogo dos autos. 36. Decorre de forma claríssima da Regulamentação aplicável que os clubes e sociedades desportivas deveres in formando e in vigilando dos seus adeptos, em especial, do cumprimento dos deveres estatuídos no artigo 8.º, n.- 1, ais. b), c) e m) da Lei n.º 39/2019, de 30 de julho, e bem assim no art.º 35.s, n.º 1, ais. a), b), c) e o) do Regulamento das Competições da LPFP e ainda no art.º 10. n.ºs 1, als. a) e i) do Regulamento de Prevenção da Violência - Anexo VI ao RC da LPFP; 37. Com efeito, a imputação culposa das condutas infratoras dos adeptos da Recorrida, pelas quais esta é diretamente responsável (tal como determina a previsão legal das infrações disciplinares em causa), resulta, pois, do incumprimento culposo de deveres de prevenção e de ação no âmbito nexo de causalidade adequado e direto, ao resultado aqui verificado: os comportamentos perigosos e incorretos dos seus adeptos e simpatizantes, 38. Por seu turno, o Colégio Arbitral não coloca em crise a prática dos factos por adeptos da Recorrida, apenas a responsabilização daquela pelos mesmos; 39. Do conteúdo dos Relatórios de Jogo elaborados pelos Árbitros e pelos Delegados da Liga, é possível extrair, desde logo, diretamente duas conclusões: (i) que o S.... incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do S...., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos; 40. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos do S.... e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório dos árbitros e dos delegados, os quais têm presunção de veracidade. Posteriormente, o S.... pode fazer prova que contrarie estas evidências, porém, no caso concreto, tal não aconteceu; 41. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.2 730/95, diz claramente que "o processo disciplinar que se manda instaurar (...) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)"; 42. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STA proferido no âmbito do recurso n.s 297/18, interposto de revista, diz que é lícito o uso das presunções judiciais e que cabe ao clube apresentar prova que contrarie a presunção de veracidade dos relatórios, o que no caso, não sucedeu; 43. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir o S...., a verdade é que desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres -foi retirado de outros factos conhecidos. 44. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com nenhum princípio constitucional, tal como o princípio da presunção de inocência ou o princípio da culpa, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos. 45. É este o entendimento consensual do STA, em vários arestos, referidos nas presentes alegações 040/18.3BCLSB, onde se afirma que "é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da "presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percecionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa" [art.- 13.-, al. f), do RD]. (...) E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.° 391/2015, 12/8 (publicado no 40. Isto significa que para concluir que quem teve um DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário." Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da fé em juízo dos autos de notícia (cf, entre muitos, o Ac. de 6/5/87 in BMJ 367S-224; o Ac. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ac. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o Ac. de 9/2/89 in DR, H Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa - que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza - não acarreta qualquer presunção de culpabilidade suscetível de violar o princípio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art.s 32.9, n-s. 2 e 10, da CRP). 46. De igual forma, veja-se, ainda, a posição do STA, datada de 21 de fevereiro de 2019, no âmbito do processo n.º 033/18.OBCLSB, segundo a qual "A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional [LPFP] que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFP], conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 02.9, 20.5, n.9 4, e 32.9, n.9s 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo 47. Com efeito, resulta claro que existe nexo causal entre a atuação da Recorrida e os factos praticados, não se verificando qualquer violação, do princípio jurídico-constitucional dos artigos 32º, n.º 2 e 10, 20º, n.º 4 da Constituição, e bem assim do princípio jurídico-constitucional da culpa, fundado no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.- da Constituição; 48. Pelo que, resulta claro que o Conselho de Disciplina coligiu e carreou para os autos, prova mais do que suficiente para concluir e decidir pela punição da Recorrida por incumprimento de deveres a que a mesma se encontra adstrito; 49. Neste sentido, o relatório de arbitragem -fls . 18 e ss. Do RHI junto aos autos - é inequívoco ao afirmar o seguinte: "No final do jogo, quando a equipa de arbitragem se dirigia para o túnel de acesso aos balneários, foi lançada uma moeda por adeptos afetos ao S...., claramente identificados pelos cachecóis e camisolas que vestiam, atingindo o árbitro no peito, criando um ligeiro hematoma” 50. Atendendo à presunção de veracidade dos factos relatados pelo árbitro no relatório de arbitragem e não tendo a mesma sido colocada em causa, devem as alíneas b) e c) dos factos dados como provados assumir a seguinte redação: "b) No final do jogo em apreço, quando a equipa de arbitragem se dirigia ao túnel de acesso aos balneários, o Sr. Árbitro T.....s, que dirigia o encontro, foi atingido por uma moeda, cujo valor facial ainda assim não logrou identificar (vd. Relatório de Árbitro e esclarecimentos prestados pelo Sr. Árbitro T.....s, a fls. 18 a 24 e 75 e 76 dos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.? 08-19/20, que correu termos no CDFPF); 51. No mesmo sentido, deve a redação das alíneas d) e e) dos factos dados como provados, assumir incorporado nos autos do Recurso Hierárquico Impróprio n.~ 08-19/20, que correu termos no atingido, 52. Neste conspecto, a alínea g) dos factos dados como provados, por se tratar de matéria de direito, em parte, e por se tratar de factos não provados, com supra se demonstrou, deve ser expurgada da factualidade dada como provada, porquanto é inequívoco que a moeda que atingiu o árbitro do jogo lhe provocou um ligeiro hematoma no peito; 53. Assim, tendo atuado com culpa por incumprimento dos seus deveres de formação e vigilância, verificando-se o nexo causal entre essa omissão e os factos praticados pelos seus adeptos, havendo lugar à sanção do 5LB, por aplicação da norma prevista no artigo 182.n.e 2 do RD da LPDP, porquanto resulta evidente que tendo os factos em crise sido praticados por adeptos da Recorrida, que não evitou a prática dos mesmos através de uma formação compreensiva dos referidos adeptos, fica demonstrado comportamento culposo violador dos deveres regulamentares impostos, o que permite concluir pelo seu sancionamento, mostrando-se a factualidade dos autos corretamente subsumida ao tipificado ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 182.º, n.º 2, do RDLPFP 54. Nestes azimutes resulta claro o preenchimento dos elementos objetivos típicos da infração prevista no artigo 182.n.9 2 do RD da LPFP, a saber: Elemento subjetivo: (i) um sócio ou simpatizante de um clube; Elementos objetivos: (i) tenha agredido fisicamente (ii) espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo (iii) antes, durante ou depois da realização do jogo (iv) de forma a não causar lesão de especial gravidade. 55. A tese sufragada pelo Colégio de Árbitros é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência; 56. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF 57. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos pelos artigos 139, al f) e 182.2, n.9 2, do RD da LPFP, do Regulamento Disciplinar da LPFP, não se verificando qualquer violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dúbio pro reo - artigo 32°, n.9 2 e 10 da CRP. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA” O S.... - Futebol SAD veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, com pedido de ampliação do objeto do Recurso, nas quais concluiu: “1. O Recurso interposto pela FPF deve ser, liminarmente, rejeitado, com todas as legais consequências, na medida em que a FPF, nos litígios relativos a decisões por si tomadas ao abrigo dos seus poderes de natureza pública (maxime, o poder disciplinar) está, legal e estatutariamente, inibida de recorrer aos tribunais judiciais, o mesmo é dizer, está impedida de recorrer ao TCA Sul (para impugnar decisões do TAD) ou ao STA (para impugnar decisões do TAD ou do próprio TCA Sul). À Cautela 2. Não assiste qualquer razão à Recorrente no Recurso por si interposto. 3. O Tribunal a quo andou bem ao absolver a Recorrida do ilícito disciplinar pelo qual havia sido condenada pela Recorrente. 4. Na verdade, entende a Recorrida que, atenta a prova produzida, não se pode deixar de entender que a prova produzida conduz inevitavelmente à absolvição da aqui Recorrida. 5. A associação do ato ilícito em causa a adeptos da Recorrida é feita única e exclusivamente por aplicação da presunção de verdade decorrente da alínea f) do artigo 13.° do RDLPFP. 6. O conceito se simpatizante não se mostra legalmente consagrado, o que impede a imputação dos factos à Recorrente 7. A prova de factos em processos de índole sancionatória por meio de presunções apenas é admissível caso seja concedido à Arguida, aqui Recorrida, a possibilidade real e efetiva de efetuar contraprova dos factos presumidos. 8. Essa possibilidade não se verifica na tese vertida no Recurso da Recorrente, mais preocupada em sancionar do que em aplicar o Direito, tendo as instâncias desvalorizado, sem qualquer motivo juridicamente atendível, o relatório do policiamento desportivo, que coloca o arremesso da moeda em causa na bancada central, local onde se encontravam adeptos de ambos os clubes. 9. Ao fazê-lo, a Recorrente viola a Constituição da República Portuguesa e a Lei. 10. Pelo que é inconstitucional a alínea f) do artigo 13. ° do RDLPFP, quando interpretada no sentido de não ser possível ilidir a presunção de verdade do relatório do árbitro aí consagrada, nomeadamente, com recurso ao relatório dos Delegados da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, ao Relatório do Policiamento Desportivo, às imagens televisivas e do CCTV e à prova testemunhal, por violação do disposto nos artigos 13.° n.° 2 e 32. ° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa. 11. Não cabe à Recorrida fazer prova de que a moeda não foi arremessada por um adepto seu ou a partir de uma bancada onde estavam exclusivamente adeptos seus, mas tão só fazer prova da possibilidade de que os acontecimentos tenham ocorrido de forma diferente à da presunção. 12. O relatório policial, o relatório dos delegados, as imagens televisivas e do CCTV serve de contraprova do facto presumido (autoria, existência e origem do arremesso), bastante para afastar a presunção. 13. A tese vertida nas Alegações de Recurso apresentadas viola, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, o princípio da presunção de inocência, mais, valora erradamente os factos que considerou provados, de forma a sustentar a culpa da Recorrente, conforme se detalhou em sede de Alegações. 14. O que é feito nas Alegações de Recurso, após se afirmar ser aplicável ao processo o princípio da presunção de inocência, com a inerente impossibilidade de inversão do ónus da prova, é precisamente o contrário; invertendo-se, inequivocamente o ónus probatório, fazendo impender sobre a arguida o ónus de provar que tomou medidas a priori consideradas adequadas e suficientes para tentar evitar a verificação dos factos de sustentam a sua condenação. 15. A prova da eficácia das medidas desenvolvidas pela Recorrida é, exatamente, o facto de o seu registo disciplinar consagrar uma incidência praticamente exclusiva de infrações graves por comportamento dos adeptos nos jogos realizados na qualidade de visitante, ou seja, quando, apesar das ações de AVRIO 107 sensibilização para o fair play e desportivismo que resultaram provadas, a Recorrente não detém o controlo da operativa de segurança. 16. Compete à Recorrente demonstrar a violação, por parte desta, dos deveres legais que impendem sobre a Recorrente, sendo que, no caso concreto, não funciona a presunção de verdade dos relatórios do árbitro e delegados, porquanto nenhum dos factos objeto de prova foi diretamente percecionado por aqueles agentes desportivos ou é sequer mencionado nos mesmos. 17. No campo da responsabilidade dos clubes pelo comportamento dos seus adeptos, a ilicitude radica, sobretudo, no incumprimento dos deveres legais e regulamentares de prevenção e o combate à violência, numa dupla perspetiva: a) deveres in formando, que impendem sobre todos os clubes, traduzidos na obrigatoriedade de realizar ações de formação, campanhas e adotar medidas que promovam e incentivem a ética e o espírito desportivo, de modo a dissuadir os adeptos de comportamentos violentos ou antidesportivos - deveres que recaem sobre todos os clubes, independentemente da posição que assumam no jogo, seja de clube visitante, seja de clube visitado e b) deveres in vigilando, relacionados com a segurança, e a manutenção da ordem e da disciplina nos recintos desportivos, que recaem prima facie sobre o promotor do espetáculo desportivo por ser ele quem tem o domínio do facto; dito de outra forma, a possibilidade de, através da Acão conjunta das forças públicas de segurança que fazem o policiamento do recinto e dos assistentes de recinto desportivo, procederem a revistas, impedirem os espectadores de praticarem catos de indisciplina ou, se for caso disso, de expulsarem-nos do recinto. 18. O Regulamento Disciplinar acolhe, em sede disciplinar, o princípio geral da culpa, informador do direito penal e do direito sancionatório em geral, numa dupla dimensão: “nullum crimen sine culpa" e “nulla poena sine culpa”. O princípio da culpa prefigura-se, indubitavelmente, como pedra basilar do edifício jurídico-penal e do direito disciplinar, com expressa consagração no artigo 13° do Código Penal (CP) e inequívoco reconhecimento no artigo 17°, 1, do RD LPFP. Daí decorre que a culpa é pressuposto da infracção e concomitantemente limite da pena, podendo a infracção considerar-se cometida a título de dolo ou negligência. 19. Uma leitura atenta das Alegações de Recurso leva a concluir que a Recorrente não se presume inocente. Aliás, é, neste particular, impressivo que no Aresto do Conselho de Disciplina as conclusões escamoteadas entre os factos tenham como suporte probatório a “convicção fundada nas regras de experiência e segundo juízos de normalidade e razoabilidade". Tal afirmação, por si só, afasta a presunção de inocência. A Recorrida, pelo menos a Recorrida, mas, eventualmente, todas as SAD’s/SDUQ’s, Clubes se presumem culpados pois, segundo juízos de normalidade de razoabilidade incumprem as regras. 20. - A Recorrente nunca concretiza quais os concretos deveres violados pela Recorrida, qual ou quais as medidas que omitiu, impossibilitando a criação de um parâmetro de legalidade da conduta. Na tese da Recorrente, a mera verificação do resultado faz extrair a inevitável conclusão de que os deveres foram violados, o que corresponde ao estabelecer de uma responsabilidade objetiva, já considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. 21. A prova da violação de deveres por parte da Recorrida não corresponde à prova de um facto negativo. A verdade é que nem a Recorrida sabe que facto é que pretende demonstrar. 22. O princípio da presunção de inocência obsta à inversão do ónus da prova nesta matéria. 23. A tese punitiva da Recorrente assenta na responsabilização da Recorrida perante a ocorrência de um facto ilícito, atenta única e exclusivamente a produção do facto ilícito. 24. A tese expendida no Recurso interposto é a da responsabilidade objetiva dos Arguidos por violação do disposto no artigo 182.° do RDLPFP, inconstitucional por violação do n.° 2 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa. 25. Atento o vertido em matéria de ampliação do objeto do Recurso, os pontos b), c), d) e g) da matéria de facto provada deverão ser considerados não provados, atenta a análise conjugada da prova, tal como demonstrada na supramencionada sede. 26. Mais deverá a alínea f) da matéria de facto provada, com os fundamentos melhor descritos supra, passar a ter a seguinte redação: a) visitas às escolas para promoção do fair play, b) desenvolvimento de campanhas publicitárias e ações formativas que promovem o desportivismo, quer presenciais, quer com recurso às redes sociais; c) ações de sensibilização do Oficial de Ligação aos Adeptos junto dos sócios e adeptos da S.... SAD para a adoção de conduta conforme ao espírito desportivo durante os espetáculos desportivos, particularmente junto dos adeptos de risco; d) Comunicações institucionais via site, email, redes sociais a apelar ao bom comportamento dos adeptos e a incentivar o espírito ético e desportivo; e) divulgação sonora de mensagens antes dos jogos realizados no Estádio do S.... a apelar para o comportamento desportivamente correto dos adeptos; f) exibição nos megascreens e na linha digital em tomo do relvado no Estádio do S.... de mensagens de apelo à tolerância e fair play e de rejeição da violência; g) divulgação e afixação de cartazes no Estádio do S.... e no estádio dos clubes visitados com conteúdo dissuasor daquele tipo de comportamentos; h) colaboração ativa da S.... SAD com as forças públicas de segurança (PSP e GNR) com vista à identificação de condutas antidesportivas e dos seus autores; i) apresentação de propostas ao Ministério da Administração Interna e à Secretaria de Estado do Desporto para alteração da lei de combate à violência no desporto; j) participação em seminários e debate destinados ao tema do combate à violência; k) emissão regular de comunicados a condenar a violência associada ao desporto, mesmo que a ela surja associado o nome de adeptos afetos ao S....; l) instalação, em colaboração com as forças de autoridade, de um sistema de videovigilância com mais de 400 câmaras, operado, em dia de jogo, por elementos da segurança privada e por elementos da Policia de Segurança Pública que o operam com total autonomia, podendo extrair fotogramas, selecionar ângulos e câmaras, etc..; m) medidas de controlo e vigilância no Estádio do S.... com recurso, em média, a mais de 400 assistentes de recinto desportivo, número superior ao presente nos demais estádios das competições profissionais - em jogos de risco elevado, ascende a 458; n) criação, em 2011, de forma pioneira em Portugal, caixa de segurança destinada a adeptos das equipas visitantes, num investimento aproximado de 350.000,00€ (medida, à data, muito criticada pelos clubes adversários, mas, entretanto, acolhida e imposta pelo próprio Regulamento de Competições da LPFP); o) colabora ativamente com as forças identificação/referenciação de comportamentos e adeptos de risco; p) recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços da Unidade Cinotécnica do Grupo de Operações Especiais da PSP para deteção de artefactos e engenhos pirotécnicos nas bancadas, no dia do jogo, antes da abertura de portas; (cfr. Doc.°s n.°s 5 a 28, juntos pela Demandante no seu Requerimento Inicial e depoimento prestado em Audiência pelas testemunhas Nuno Constàncio, H....., N..... e P....., arroladas pela Demandante)" 27. Entendendo-se dar provimento ao Recurso interposto pela ora Recorrente, deverá a conduta em causa ser punida, pelo artigo 187.° do RDLPFP, determinando-se a baixa dos Autos ao TAD para fixação da sanção aplicável, ou, em alternativa, considerando-se este TCA Sul habilitado para o efeito, ser a multa fixada pelo mínimo regulamentar. Nestes termos e nos mais de direito, sempre deverá: a) O Recurso interposto pela Recorrente Federação Portuguesa de Futebol ser considerado improcedente, por não provado e, consequentemente, ser mantida a Decisão Recorrida, ou caso assim não se entenda, b) A matéria de facto provada ser alterada nos termos melhor detalhados em sede de Alegações e Conclusões e mantida a Decisão Recorrida, c) Ser a alínea f) do artigo 13.° do RDLPFP declarada inconstitucional, quando interpretada no sentido de não ser possível ilidir a presunção de verdade do relatório do árbitro aí consagrada, nomeadamente, com recurso ao relatório dos Delegados da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, ao Relatório do Policiamento Desportivo, às imagens televisivas e do CCTV e à prova testemunhal, por violação do disposto nos artigos 13.° n.° 2 e 32.° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa; d) Ser o artigo 182.° do RDLPFP, declarado inconstitucional quando interpretado no sentido de que não é necessário fazer prova da responsabilidade subjetiva dos clubes ou sociedades desportivas, por violação do princípio da presunção de inocência ínsito no n.° 2 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, ou caso assim não se entenda, e) A conduta em causa ser punida nos termos pelo artigo 187.° do RDLPFP, determinando-se a baixa dos Autos ao TAD para fixação da sanção aplicável, ou, em alternativa, considerando-se este TCA Sul habilitado para o efeito, ser a multa fixada pelo mínimo regulamentar, para que se faça Justiça.” A Federação Portuguesa de Futebol veio apresentar Resposta à ampliação do pedido, aí tendo concluído: “1. Em sede de contra-alegações, veio a Recorrida requerer que seja reconhecida a ilegitimidade da FPF ao interpor recurso da decisão arbitral para o TCA Sul bem como requerer a ampliação do objeto de Recurso, designadamente quanto à alteração de matéria de facto dada como provada. alegações deduzidas no âmbito do presente recurso -, representa uma desesperada tentativa para travar aquela que tem sido a tendência dos tribunais nacionais (designadamente, deste TAD e de forma unânime, do Supremo Tribunal Administrativo), em confirmar as decisões proferidas pelo Conselho de Disciplina nestas matérias de violação de deveres de formação e de vigilância quanto aos adeptos dos clubes. 2. A peça processual apresentada - quer em separado, quer como capítulo introdutório das contra- alegações deduzidas no âmbito do presente recurso -, representa uma desesperada tentativa para travar aquela que tem sido a tendência dos tribunais nacionais (designadamente, deste TAD e de forma unânime, do Supremo Tribunal Administrativo), em confirmar as decisões proferidas pelo Conselho de Disciplina nestas matérias de violação de deveres de formação e de vigilância quanto aos adeptos dos clubes 3. Os argumentos apresentados para defender esta esdrúxula tese são tudo menos jurídicos; ou quando aparentam ser jurídicos, são evidentemente errados. 4. A Recorrida opera num quadro normativo, ultrapassado, que eterniza a proteção desmedida do particular face a uma administração impositiva e abusiva, algo que a Constituição da República Portuguesa e a legislação ordinária subsequente rompeu, o que se pode facilmente verificar, particularmente nos artigos 2665 e 2685. 5. A Administração visa sempre a prossecução do interesse público; todavia, sempre no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. 6. Por outro lado, todos os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei, devendo respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e ainda pela garantia aos administrados, de uma tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. 7. Em suma, a relação administrativa faz-se por duas partes, sem uma não existe a outra. Ambas têm deveres e direitos recíprocos. 8. Esta solução deixa aos tribunais (administrativos) a resolução de eventuais conflitos entre as partes e acima das partes, sem que tenha que privilegiar nenhuma das posições em causa (interesse público ou direitos e interesses dos administrados). 9. Atentemos no artigo 2025, n,5 2, da Constituição da República Portuguesa: "2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados." 10. Na mesma linha, o artigo 212.5, sobre os tribunais administrativos e fiscais, seu n5 3, estabelece que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. 11. Ou seja, como é por demais evidente, os tribunais administrativos não existem somente para garantir os direitos e interesses dos administrados, visam ainda a prossecução do interesse público e a defesa da legalidade democrática. 12. Olhando para a Lei do TAD, facilmente se constata que o seu artigo 8.5, n5 1 admite a possibilidade de recurso para ambas as partes envolvidas num litígio desportivo. Nem podia ser de outra forma. 13. Do ponto de vista da legislação nacional, nada impede que a FPF recorra aos tribunais comuns para defesa do interesse público que prossegue. 14. A Recorrida adianta ainda o argumento de que, de acordo com os seus Estatutos e com a filiação na UEFA e na FIFA, a FPF estaria impedida de recorrer aos tribunais comuns. Em primeiro lugar, cumpre referir - apenas por dever de patrocínio - que na eventualidade desta questão ser considerada procedente pelo Tribunal, apenas dizem respeito - e nessa medida devem ser analisadas - a vínculos associativos privados e não à admissibilidade do recurso ou à legitimidade do recorrente. 15. Os tribunais nacionais, naturalmente, não se encontram vinculados às normas FIFA ou UEFA, ou de qualquer outra federação desportiva internacional, mas tão somente à lei do Estado - e essa é clara e permite o recurso da FPF aos tribunais comuns. 16. De acordo LBAFD) está fora da competência do TAD (e subsequentemente dos tribunais administrativos) as decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. 17. Por outro lado, a seguir a tese da Recorrida, o que se admite apenas por dever de patrocínio, poderia também a FPF ser sancionada como seria certamente o clube. Não valeria somente, como afirma o clube, um prejuízo e impedimento para a FPF, isentando-se o clube da mesma, como o diz claramente. 18. A Recorrida transcreve, ainda, as normas estatutárias da FIFA e da UEFA para defender a sua tese. Mas olvida o essencial, como veremos. 19. Relativamente ao artigo 59^ dos Estatutos da FIFA, a Recorrida não evidencia o que resulta claro naquele artigo: é que se houver - como há a nível nacional -lei que imponha recurso para os tribunais comuns, não existe proibição de recorrer a esses mesmos tribunais: "3. The associations shall insert a clause in their statutes or regulations, stipulating that it is prohibited to take disputes in the association or disputes affecting leagues, members of leagues, clubs, members of clubs, players, officials and other association officials to ordinary courts of law, unless the FIFA regulations or binding legal provisions specifically provide for or stipulate recourse to ordinary courts of law." O mesmo para os Estatutos da UEFA que, mutatis mutandis, dizem o mesmo. 20. Por fim, os Estatutos da FPF, nesta matéria da resolução de conflitos, encontram-se, em geral, bem resolução de litígios desportivos, quer no plano internacional, quer no plano nacional, quer por via arbitral, quer seguindo os imperativos legais. 21. A FPF recorre aos tribunais, tão e somente para defesa dos interesses públicos que lhe cabe prosseguir e em nome de valores que lhe cumpre defender, designadamente, o da ética desportiva e do combate à violência no desporto. 22. Ademais, não é despiciendo referir que a Federação Portuguesa de Futebol, precisamente por estar vinculada a Regulamentos e diretrizes da FIFA e da UEFA nesta matéria de combate à violência no desporto - já para não falar dos Regulamentos aprovados pelos próprios clubes que participam em competições profissionais - não pode deixar de sancionar os clubes por violação dos seus deveres relacionados com a segurança e promoção dos valores que devem impor-se no espetáculo desportivo. 23. Se ignorar o seu papel no combate à violência no desporto, no limite, a Federação Portuguesa de Futebol pode inclusivamente ver a sua utilidade pública desportiva ser colocada em causa, bem como a sua filiação junto das instâncias internacionais que tutelam o futebol - precisamente a UEFA e a FIFA. 24. Por todo o supra exposto, é evidente que não pode colher a argumentação da Recorrida quanto à ilegitimidade da FPF em recorrer para os tribunais administrativos. 25. Não subsistem, ou não devem subsistir dúvidas, de que o árbitro foi atingido com uma moeda, que lhe provocou um hematoma, a qual foi arremessada por parte de adeptos da Recorrida. Toda a prova documental vai nesse sentido e, por outro lado, não existe prova testemunhal que permita retirar conclusão diversa. 26. Por outro lado, a pretendida nova redação da alínea f) não se afigura minimente relevante para os autos, porquanto o essencial do que tinha de ser dado como provado, já o foi pelo Colégio Arbitral. 27. Por fim, a qualificação jurídica dada à infração cometida pela Recorrida é a correta e não merece, igualmente, nenhuma censura. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso apresentado pela FPF e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.” O Ministério Público, já neste Tribunal, notificado em 26 de janeiro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.
* * * Assim, sem necessidade de acrescida argumentação, entende-se ser de revogar o Recorrido Acórdão Arbitral, proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, em face do facto de se não reconhecer que a deliberação proferida pelo Conselho de Disciplina da FPF mereça a censura que lhe foi imputada, sendo que teve por objetivo impedir a consolidação e sedimentação de um pernicioso ambiente de impunidade permissiva, relativamente à violência contra agentes desportivos.V - Decisão Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal: a) Conceder provimento ao recurso da FPF, revogando-se o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, mantendo-se a deliberação condenatória do Conselho de Disciplina da FPF. b) Negar Provimento à Ampliação de Recurso da SAD Custas pela SAD. Lisboa, 17 de março de 2022 Frederico de Frias Macedo Branco Alda Nunes Lina Costa |