Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1314/17.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:05/28/2020
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:DIREITO CONTRAORDENACIONAL,
COIMA,
RJUE.
Sumário:I - O Direito contraordenacional distingue-se do Direito penal em vários aspetos, nomeadamente: (i) o conteúdo ético-social está mais presente na criminalização do que no ilícito contraordenacional; (ii) a natureza do ilícito contraordenacional é administrativa, tal como a competência para aplicar a sanção e tal como a coima; (iii) os tipos contraordenacionais são desenhados com referência a normas administrativas ou a atos administrativos [“acessoriedade administrativa” na construção legislativa do tipo contraordenacional]; (iv) o tipo contraordenacional assenta na violação de deveres de natureza jusadministrativa; a aplicação – ainda que menos intensa, pois não está em causa a privação da liberdade (cf. artigo 18º da CRP) - de alguns principios de Direito penal justifica-se como direta decorrência do principio do Estado de Direito material (especialmente atento às restrições a direitos fundamentais) e não por uma semelhança entre o crime e a contraordenação ou entre a pena e a coima; afinal, o único Direito subsidiário do Direito contraordenacional é o Direito do processo penal e não o Direito penal [cf. artigo 41º do RGCO]; (v) há uma clara diferença material e qualitativa entre o crime e a contraordenação, nomeadamente quanto à responsabilidade das pessoas coletivas, ou à censura da culpa, ou à comparticipação, ou à medida concreta da pena, ou ao processo, ou ao acusatório, ou à imediação e oralidade, enfim, quanto aos pressupostos e critérios respetivos, do crime e da contraordenação; (vi) no Direito contraordenacional, o bem jurídico é somente motivo do tipo de ilícito e não também conteúdo; (vii) a ilicitude é só consequência da proibição legal e não causa; aqui, a culpabilidade ou censurabilidade está muito ligada ao papel social em certo setor da sociedade, para efeitos de reprimenda social, e não tanto a uma ética social, pelo que a presença da censura à culpa do agente é menos importante do que no Direito penal, tendo a coima uma importante função de absorver as vantagens económicas obtidas com a contraordenação [cf. artigo 18º nº 2 do RGCO]; (viii) aqui a culpa, como censura, dirige-se ao agente e seu papel social no âmbito de um padrão de certo setor de atividade social, desembocando numa censura menos individual, menos ética [embora se exija imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de um comportamento conforme ao dever];
II - Os fins das coimas são essencialmente: (i) reafirmar a coima e confiscar, (ii) bem como restabelecer a expetativa normativa violada [i.e., advertir e admoestar]; enfim, são finalidades de prevenção geral de dissuasão e, principalmente, de prevenção geral positiva integradora [advertir e admoestar é a censura].
III - O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79.
IV - No presente caso [artigo 98º/1-r)/2 e artigo 2º, als. a), b) e j), do RJUE], para o preenchimento do tipo legal basta que da indicação fáctica na decisão condenatória [artigo 58º/1-b) do RGCO] resulte que, para as obras, inexistiu a comunicação prévia ao Município [a fim de este poder exercer o seu papel fiscalizador e conformador da legalidade das mesmas].
V - Saber se a coisa é ou não comum no âmbito da propriedade horizontal [seja varanda, terraço, ou ambas as coisas] -questão que, em princípio, os documentos registais e notariais resolveriam - é questão irrelevante para o preenchimento dos elementos objetivos do ilícito contraordenacional em causa.
VI - A determinação da medida da coima faz-se, como manda o artigo 18º nº 1 do RGCO, em função da gravidade da contraordenação [cf. a gravidade da violação do dever, aqui jusadministrativo, e as circunstancias objetivas que rodearam a violação], da culpa [cf. as formas de dolo ou os graus de negligência; os fins e as motivações do agente; a conduta anterior e a posterior à infração], da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação, onde se deve ter presente que a coima e a reprimenda social são também expressas pelo confisco das vantagens obtidas pelo infrator.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

S................., residente na Rua C................., n° 407, F2, Parede, Cascais, arguido melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de SINTRA processo de impugnação judicial de ato administrativo aplicativo de coima prevista no RJUE contra

MUNICÍPIO DE CASCAIS.

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte:

- anulação da decisão da autoridade administrativa do Município de Cascais que o condenou na coima de 1.500€, mais 102,00€ de custas, nos termos do artigo 58º do RGCO, por violação do artigo 4º-4-c), prevista e punida pelo artigo 98º-1-r) e 2, do DL 555/99, de 16/12 [RJUE], na redação dada pelo DL 136/2014, de 09/093.

Por sentença, o tribunal a quo decidiu

- “julgo improcedente o presente recurso, e procedente a acusação, e, consequentemente, mantenho a decisão impugnada, por não merecer qualquer censura”.

*

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte quadro conclusivo:

1. Nos presentes autos está em causa a eventual prática de uma contraordenação prevista na disposição do artº 98º/1 r) e número 2 do DL 555/99, de 16 de Dezembro.

2.Tendo em conta a moldura penal abstrata da pena aplicável nos termos da referida disposição legal é manifesto que o prazo de prescrição do procedimento no caso em apreço é de um ano.

3. Dado que sobre a prática dos factos em causa- 19-04-2016 – já decorreu o prazo de um ano e 4 meses, é manifesto que já ocorreu prescrição do procedimento contraordenacional.

4.A decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa no âmbito de um processo de contra-ordenação tem de conter, sob pena de nulidade, os requisitos previstos no art. 58º do DL 433/82, de 27 de outubro, na redação do DL 244/95, de 14 de setembro e da Lei 109/2001, de 24 de dezembro.

5- No caso sub judice, a decisão é nula por falta dos requisitos previstos nos arts. 41º e 58º/1 do DL 433/82 e nos arts. 374º/2, 375º e 379º do Código de Processo Penal (CPP).

6.Acresce que a nulidade da decisão administrativa em apreço decorre de outras ordens de razões, conforme iremos demonstrar.

7.Saliente-se que o ato administrativo em apreço padece, ainda, de ilegalidade, por violação do dever de fundamentação, de acordo com o previsto no artigo 152.º do CPA.

8.Ora, na situação em apreço, verifica-se que existe manifesta insuficiência da fundamentação do ato administrativo.

9.De facto, o ato administrativo limita-se a referir que se “o arguido não possuía legitimidade para fazer o que fez, apropriando-se de um espaço que é comum, alterando o título de propriedade horizontal existente, modificando a fachada do prédio, e aumentando a área útil privativa da fração, prolongando a sala numa área de cerca de 13,95m2”.

10.No entanto, em momento algum fundamenta o acima referido, ou seja, de que forma altera a propriedade horizontal, em que moldes altera a fachada do prédio, porque entende que a altera.

11.O despacho que aplica a contraordenação recorrido não contém, em si, quaisquer fundamentos de facto e de direito da decisão em análise não remetendo expressa, concreta e especificadamente para qualquer parecer, proposta ou informação, referindo-se a emitir simples juízos conclusivos.

12.Destarte, na medida em que a fundamentação do ato administrativo em apreço é manifestamente insuficiente, dever-se-á considerar que o ato em apreço padece de ilegalidade, sendo o mesmo anulável, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 e 169.º, n.º 1 e 2 do CPA.

13.A questão essencial no licenciamento em apreço é saber se obra em causa foi feita numa varanda ou num terraço de cobertura.

14.De facto, a autoridade administrativa, entende que a obra em causa incide sobre o terraço de cobertura e não sobre uma varanda, concluindo por isso, precisa de unanimidade para alterar a propriedade horizontal, embora nenhuma fundamentação jurídica exista no processo de contraordenação em apreço.

15.Ora, a autoridade administrativa, salvo melhor opinião, labora em graves erros de análise jurídica do caso em apreço, que levam a decidir de forma errada e injusta, conforme iremos demonstrar.

16. Saliente-se que entendemos que o referido terraço não é parte comum, pelo que não é necessário qualquer deliberação prévia. De facto, a obra em apreço não foi feita num terraço de cobertura, mas sim numa varanda.

17.Registe-se que a área de 13,95 m2 de terraço não é, nem nunca foi, um terraço de cobertura, conforme se demonstra pelas sucessivas fotografias sempre do Google Earth desde a data inicial da construção nos anos de 2004, 2005 e 2007, conforme documento junto com a audiência prévia e com o pedido de correção de telas finais praticamente simultâneo ao processo de licenciamento.

18.Conforme atestam as fotografias referidas, em todos os beirados superiores dos 6 núcleos se formam retângulos perfeitos, não sendo por isso a área em questão dos 13,95 m2 uma área inicialmente descoberta.

19.De facto, o que se poderá observar ao nível da mesma área dos 13,95 m2 é uma segunda cobertura inferior em telhado que lhe é adjacente e que faz beirado para o piso inferior, a qual também não foi mexida nas obras que se fizeram e que são objeto do presente licenciamento. Pelo contrário, varandas são o prolongamento da fração não servindo de cobertura do piso inferior.

20.Em face do exposto, a obra em causa ocorre numa varanda, que faz parte integrante da fração, não sendo por isso necessário, qualquer deliberação para alterar o título constitutivo da propriedade horizontal, que nem sequer faz sentido invocar.

21.Não sendo a varanda parte comum não é necessária qualquer deliberação da assembleia de condomínio a autorizar a referida obra.

22.É manifesto que a obra da varanda em causa, não obriga a qualquer unanimidade pelos condóminos, por aplicação do artº 1419º e art 1421º do Código Civil.

23.Outro argumento para reforçar que a obra em apreço não se refere a um terraço de cobertura reside no facto de a varanda em causa não servir de elemento protetor de todo o bloco inferior.

24.Acresce, a reforçar o argumento de que se trata de uma varanda integrada na fração do recorrente, que assim resulta da designação dada pela Direção Geral de Finanças (DGF).

25.Com efeito, trata-se, assim, de uma área privativa, semelhante à área privativa de uma varanda coberta como é classificada pela própria Direção Geral de Finanças (DGF). Com efeito, se atentarmos nas instruções do preenchimento do modelo 1 do IMI, (conforme documento já junto em sede de audiência prévia), pode-se observar no campo 60, que a DGD considera que as áreas de varandas privativas, como é o caso, fazem parte da área bruta privativa.

26.Como consequência desse facto, elas contribuíram já para a determinação do valor patrimonial da fração para efeitos da tributação do IMI.

27.O terraço parte comum não é sequer necessário qualquer deliberação, pois o terraço pertence à fração propriedade do impugnante.

28. Em face do exposto acima, é manifesto que o terraço em apreço não sendo de cobertura não é parte comum, fazendo parte integrante do imóvel propriedade do ora impugnante, pelo que não é necessário qualquer aprovação por maioria dos condóminos que representem dois terços do valor global do prédio, já que o referido art 1425º do Código Civil apenas se aplica às partes comuns.

29.Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que o Impugnante cumpriu de forma rigorosa o disposto no artigo 1425º do Código Civil – inovações – já que a referida obra foi aprovada pela esmagadora maioria dos condóminos presentes - 90%,

30. Tendo sido a respetiva ata posteriormente notificada a todos os condóminos, nos termos e para os efeitos do artigo 1432º/6 e 7 do Código Civil, já que não estavam presentes dois terços do valor total do prédio, que se conformaram com a deliberação, não se tendo oposto a mesma.

31.No caso em apreço, não se verificou qualquer dos referidos requisitos, pelo que o impugnante não praticou qualquer contra-ordenação.

30ª- Não se verifica qualquer contra-ordenação no caso em análise, pois não estão preenchidos os elementos constitutivos e essenciais das contra-ordenações.

31.Registe-se ainda a este respeito, que a escolha e determinação da medida das penas (principal e acessória) far-se-á em obediência ao disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências decorrentes dos fins preventivos especiais, ligadas à reinserção social do arguido, e as exigências decorrentes dos fins preventivos gerais, prevenindo a prática de futuros crimes e a proteção de bens jurídicos.

32.Na determinação da medida concreta das penas, há ainda que ter em conta, dentro dos limites mínimo e máximo abstratamente definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor do arguido ou contra este, por forma a proporcionar uma dupla função às penas a aplicar: por um lado, as mesmas têm de ser justas e adequadas ao caso concreto; por outro lado, têm de ser suficientes para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos criminosos semelhantes.

33.Registe-se ainda que o arguido nunca teve qualquer contraordenação, pelo que também este facto deve ser tido em conta.

34. Aplicando ao acima exposto à situação em apreço, resulta de forma clara que estão reunidos os pressupostos para aplicação ao arguido da coima pelo mínimo legal.

35. As operações urbanísticas podem ser classificadas do seguinte modo: (i) operações sujeitas a licenciamento; (ii) operações sujeitas a comunicação prévia; (iii) operações carecidas de autorização de utilização; e (iv) operações que não carecem de fiscalização prévia (cfr. artigo 4.º, n.º 1 do RJUE).

36.No que respeita às obras isentas de controlo prévio, estatui o artigo 6.º, n.º 1 do RJUE o seguinte:

“1 – Sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 4.º, estão isentas de controlo prévio:

e) As obras de conservação;

f) As obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas, da forma dos telhados ou coberturas ou que não impliquem a remoção de azulejos de fachada, independentemente da sua confrontação com a via pública ou logradouros;

g) As obras de escassa relevância urbanística;

h) Os destaques referidos nos n.os 4 e 5 do presente artigo”

37.O conceito “obras de escassa relevância urbanística” surge legalmente definido no artigo 6.º-A, n.º 1 do RJUE, remetendo ainda o legislador para o regulamento municipal.

38. Ora, nos termos previstos no artigo 20.º, n.º 5, alínea e) do Regulamento de Urbanização e Edificação do Município de Cascais (Regulamento n.º 78/2013), publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 48, consideram-se, designadamente, obras de escassa relevância urbanística “[a]s pequenas alterações em obras licenciadas ou com comunicação prévia admitida que, pela sua dimensão, natureza, forma, localização e impacto, não afetem a estética e as características da construção ou do local onde se inserem, designadamente pequenos acertos de fachada ou de vãos”.

39. É, justamente, o que se verifica in casu. De facto, foram introduzidas alterações numa varanda, de uma construção de habitações inequivocamente licenciada, que não afeta quer a estética, quer as características da construção ou do local do prédio urbano.

40. Em face do exposto, não está a obra em causa sujeita a licenciamento ou comunicação prévia, pelo que não existe qualquer contraordenação.

*

O recorrido MP contra-alegou, concluindo assim:

1.°- O recurso deve ser rejeitado liminarmente uma vez que sendo o presente recurso sobre matéria de direito, as conclusões deveriam indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada;

e

c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

Ora, conforme resulta do atrás exposto, não foi colocada em causa a interpretação das normas aplicadas pelo tribunal recorrido, nem o modo como as mesmas deveriam ser aplicadas, nem na fundamentação, nem nas conclusões.

2.°- O procedimento contra-ordenacional não se encontra prescrito, sendo tal pedido manifestamente improcedente, pelas razões supra explanadas.

3.°- A decisão administrativa não é nula, pois encontra-se suficientemente fundamentada quer de facto quer de direito.

4.°- Ficou provada a prática da referia contra-ordenação, uma vez que a conduta do ora recorrente, preenche todos os elementos objetivos e subjetivos da contra-ordenação, não se estando perante obra de escassa relevância urbanística, pelo que a citada obra estava sujeita a comunicação prévia.

5.°- A medida da pena encontra-se próxima do montante mínimo, pelo que se mostra justa, proporcional e adequada à conduta contravencional.

Tudo exposto, deverá o presente recurso ser rejeitado liminarmente e caso assim se não entenda deverá o mesmo ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.

*

Notificado para aperfeiçoar as 40 conclusões do recurso [«Convido o recorrente a completar e esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Com efeito, porque o recorrente raramente se reporta à sentença impugnada (especialmente nas conclusões), não está claro quais as normas jurídicas violadas pela sentença, nem o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou, nem o sentido em que ela(s) devia(m) ter sido interpretada(s) ou com que devia(m) ter sido aplicada(s)»], o recorrente veio apresentar as seguintes 72 conclusões:

1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 14.02.2018 que julgou “improcedente o presente recurso e procedente a acusação”, por ser a mesma manifestamente ilegal e injusta, conforme iremos demonstrar.

2) Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida padece de manifesto erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos preceitos e princípios legais vigentes, mormente por violação do disposto no artigo 270 do RGCO, no artigo 58.0, n.0 1 do RGCO, nos artigos 379.0, 374.0, e 243.0, todos do CPP, bem como a violação dos artigos 163.0, n.0 1 e 169.0, n.0s 1 e 2 do CPA.

3) A douta sentença recorrida ao pronunciar-se acerca da prescrição do procedimento de CO, invocada pelo Recorrente, conclui no seguinte sentido: “Quanto à alegada prescrição, o arguido alega genericamente referindo, conclusivamente o prazo de um ano contado da data da verificação pelos Fiscais Municipais, a 19/04/2016. Mas o prazo normal da prescrição, no caso, são 5 anos [artigo 27, al a), do RGCO]':

4) Com efeito, nos presentes autos está em causa a eventual prática de uma contra ordenação prevista na disposição do art0 980/1 r) e número 2 do DL 555/99, de 16 de Dezembro.

5) Tendo em conta a moldura penal abstracta da pena aplicável nos termos da referida disposição legal é manifesto que o prazo de prescrição do procedimento no caso em apreço é de um ano.

6) Dado que sobre a prática dos factos em causa- 19-04-2016 – já decorreu o prazo de um ano e 4 meses, é manifesto que já ocorreu prescrição do procedimento contra ordenacional, devendo o mesmo ser extinto em conformidade, violando a douta sentença recorrida o artigo 27, al a), do RGCO]':

7) Assim sendo, a douta sentença recorrida é nula ao não ter concluído no sentido da prescrição do procedimento, como impõe e exige o artigo 27.0, alínea c) do RGCO.

8) A decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa no âmbito de um processo de contra-ordenação tem de conter, sob pena de nulidade, os requisitos previstos no art. 580 do DL 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do DL 244/95, de 14 de Setembro e da Lei 109/2001, de 24 de Dezembro.

9) No caso sub judice, a decisão é nula por falta dos requisitos previstos nos arts. 410 e 580/1 do DL 433/82 e nos arts. 3740/2, 3750 e 3790 do CPP.

10) Não obstante o alegado pelo Recorrente, a douta sentença recorrida considera que “não é necessário, em casos como o presente, efetuar extensas descrições pormenorizadas mormente quanto às obras levadas a cabo pelo arguido, pois para o preenchimento do tipo legal basta que da sua indicação resulte que para as mesmas era necessária a prévia comunicação ao Município, a fim de este poder exercer o seu papel fiscalizador e conformador da legalidade das mesmas”.

11) Pese embora a douta sentença recorrida concluir que a decisão impugnada não enferma de qualquer nulidade porquanto “cumpre suficientemente o disposto no artigo 58.º do RGCO”, tal conclusão não encontra acolhimento legal.

12) Uma vez mais, a douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento visto que em razão da génese e teleologia do procedimento contra-ordenacional, a fundamentação, tal como está estabelecida no artigo 58.0 do RGCO, deverá obedecer um conteúdo “mínimo”.

13) Nesse sentido, será suficiente desde que justifique as razões pelas quais - atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas (art.0 580, n.0 1, alíneas b) e c) - é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos.

14) Ao contrário do que sustenta a douta sentença recorrida, atentos os valores subjacentes ao procedimento sancionatório exige-se um esforço conclusivo acrescido que não pode limitar-se ao mero juízo “facto-direito-conclusão/decisão”.

15) Tanto assim é que assumindo a decisão prevista no artigo 58.0 do RCGO carácter de uma sentença condenatória em matéria contra-ordenacional, tem uma estrutura semelhante prevista para a sentença penal.

16) Por conseguinte, a necessária aplicação subsidiária das normas do processo criminal (cfr. artigo 41.0 do RGCO) não pode levar a outra solução senão a de considerar que a decisão administrativa que não contenha os requisitos do artigo 58.0 do RGCO está ferida de nulidade, sendo-lhe aplicável a disposição do artigo 379.0, n.0 1, al. a), do CPP, o que sucede com a sentença recorrida ao violar de forma flagrante as referidas disposições legais.

17) Ora, a nulidade da decisão impugnada é inequívoca considerando que a mesma não contém qualquer descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao Recorrente.

18) Tal conclusão resulta ainda do facto de a decisão impugnada não conter os requisitos do artigo 580/1 do RGCO e não descreve ou enumera de forma satisfatória os factos provados e não provados imputáveis ao ora Recorrente e que pudessem determinar, em concreto, a aplicação da sanção, limitando-se de forma claramente conclusiva e genérica a considerar que houve uma obra num “Espaço tecnicamente comum”.

19) Ainda que em matéria contra-ordenacional, da narração acusatória devem constar os factos relativos à culpabilidade, onde se reconheça o conhecimento (representação) e a vontade de realização do facto material típico - do tipo objecto (elementos objectivos, naturalísticos ou normativos) de uma infracção.

20) Pelo que não cumprindo a decisão impugnada as exigências acima mencionadas caberia à douta sentença recorrida considerar como violados os artigos 3740, n.02 e 3790, n.01/alínea a) do CPP.

21) Acresce que a nulidade da decisão administrativa em apreço decorre de outras ordens de razões, conforme iremos demonstrar.

22) Nomeadamente,o acto administrativo em apreço padece, ainda, de ilegalidade, por violação do dever de fundamentação, de acordo com o previsto no artigo 152.0 do CPA.

23) Num entendimento diferente veio a douta sentença recorrida julgar improcedente tal vício sustentando que “Com efeito, em primeiro lugar, deve notar-se que, como acima já adiantamos, esta decisão CO condenatória não constitui um ato administrativo, tal como está definido no artigo 148.0, do CPA. Também o processo contra-ordenacional não se confunde com o procedimento administrativo, tal como é definido no artigo 1.0-1, do CPA, e no âmbito do qual surge o ato/decisão final do procedimento administrativo”.

24) Mal se compreende, todavia, a argumentação vertida na douta sentença recorrida uma vez que é certo que o processo contra-ordenacional é, até à fase judicial um procedimento de cariz administrativo pelo que serão aplicáveis, com as necessárias adaptações, os princípios que regem a actividade administrativa.

25) Ora, na situação em apreço, verifica-se que existe manifesta insuficiência da fundamentação do acto administrativo não obstante a douta sentença recorrida sufragar o posicionamento de que “A decisão impugnada contém elementos bastantes, de facto e de direito, para que um destinatário medianamente esclarecido, suposto pela Ordem Jurídica, perceba por que razão foi tirada aquela conclusão e não outra, através do silogismo jurídico acima referido. Pelo exposto, teremos de concluir, como concluímos, que não assiste razão ao recorrente”.

26) A exigência de fundamentação não foi cumprida, tal como se exige. De facto, o acto administrativo limita-se a referir que se “o arguido não possuía legitimidade para fazer o que fez, apropriando-se de um espaço que é comum, alterando o título de propriedade horizontal existente, modificando a fachada do prédio, e aumentando a área útil privativa da fracção, prolongando a sala numa área de cerca de 13,95m2”.

27) No entanto, em momento algum fundamenta o acima referido, ou seja de que forma altera a propriedade horizontal, em que moldes altera a fachada do prédio, porque entende que a altera.

28) O despacho que aplica a contra ordenação recorrida não contém, em si, quaisquer fundamentos de facto e de direito da decisão em análise não remetendo expressa, concreta e especificadamente para qualquer parecer, proposta ou informação, referindo- se a emitir simples juízos conclusivos.

29) Destarte, na medida em que a fundamentação do acto administrativo em apreço é manifestamente insuficiente, dever-se-á considerar que o acto em apreço padece de ilegalidade, sendo o mesmo anulável, nos termos do disposto no artigo 163.0, n.01 e 169.0, n.0 1 e 2 do CPA.

30) Com efeito, se a decisão administrativa se limita a descrever os factos objectivos que materializam o ilícito contra-ordenacional, omitindo completamente os factos que haveriam de preencher o elemento subjectivo do mesmo ilícito, esta omissão gera a nulidade da decisão administrativa.

31) Elementos essenciais da fundamentação de uma decisão sancionatória - a um tempo base e pressuposto de toda a fundamentação e da possibilidade de controlo da própria decisão - são os factos que forem considerados provados e que constituem a base sine qua da aplicação das normas chamadas a intervir.

32) Não estando tais “elementos essenciais” devidamente plasmados na decisão impugnada, a douta sentença recorrida, caso tivesse feito a aplicação correcta do dever de fundamentação, teria julgado no sentido alegado pelo Recorrente.

33) Acresce que, devendo a fundamentação ser tanto mais pormenorizada quanto mais complexa é a questão a decidir, no caso dos autos, a questão não reveste extrema simplicidade, requerendo fundamentação especial para que se torne clara para o Recorrente.

34) Tanto assim é que, atentos os factos imputados ao Recorrente teria a douta sentença recorrida de considerar como não preenchido o tipo legal de ilícito previsto no artigo 980/1 r) e número 2 do DL 555/99, de 16 de Dezembro.

35) De acordo com a douta sentença recorrida “tendo o arguido procedido às obras em questão, que não nega e antes assume, evidenciadas nas fotos e referidas no auto e na decisão impugnada, das quais pediu a legalização a posteriori, que efectuou sem a comunicação prévia, e estando a obra sujeita a esta, mostram-se preenchidos os elementos objectivos do tipo legal”.

36) A questão essencial no licenciamento em apreço é saber se obra em causa foi feita numa varanda ou num terraço de cobertura.

37) De facto, a autoridade administrativa, entende que a obra em causa incide sobre o terraço de cobertura e não sobre uma varanda, concluindo por isso, precisa de unanimidade para alterar a propriedade horizontal, embora nenhuma fundamentação jurídica exista no processo de contra ordenação em apreço.

38) Ora, a autoridade administrativa, salvo melhor opinião, labora em graves erros de análise jurídica do caso em apreço, que levam a decidir de forma errada e injusta, conforme iremos demonstrar.

39) Saliente-se que entende o Recorrente que terraço não é parte comum, pelo que não é necessária qualquer deliberação prévia. De facto, a obra em apreço não foi feita num terraço de cobertura mas sim numa varanda.

40) Registe-se que a área de 13,95 m2 de terraço não é, nem nunca foi, um terraço de cobertura, conforme se demonstra pelas sucessivas fotografias sempre do Google Earth desde a data inicial da construção nos anos de 2004, 2005 e 2007, conforme documento junto com a audiência prévia e com o pedido de correcção de telas finais praticamente simultâneo ao processo de licenciamento.

41) Conforme atestam as fotografias referidas, em todos os beirados superiores dos 6 núcleos se formam rectângulos perfeitos, não sendo por isso a área em questão dos 13,95 m2 uma área inicialmente descoberta.

42) De facto, o que se poderá observar ao nível da mesma área dos 13,95 m2 é uma segunda cobertura inferior em telhado que lhe é adjacente e que faz beirado para o piso inferior, a qual também não foi mexida nas obras que se fizeram e que são objecto do presente licenciamento. Pelo contrário,

43) Varandas são o prolongamento da fracção não servindo de cobertura do piso inferior.

44) Em face do exposto, a obra em causa ocorre numa varanda, que faz parte integrante da fracção, não sendo por isso necessário, qualquer deliberação para alterar o título constitutivo da propriedade horizontal, que nem sequer faz sentido invocar.

45) Não sendo a varanda parte comum não é necessária qualquer deliberação da assembleia de condomínio a autorizar a referida obra.

46) É manifesto que a obra da varanda em causa, não obriga a qualquer unanimidade pelos condóminos, por aplicação do artº 1419º e art 1421º do Código Civil.

47) Outro argumento para reforçar que a obra em apreço não se refere a um terraço de cobertura reside no facto de a varanda em causa, não servir de elemento protector de todo o bloco inferior.

48) Acresce, a reforçar o argumento de que se trata de uma varanda integrada na fracção do recorrente, que assim resulta da designação dada pela Direcção Geral de Finanças ( DGF).

49) Com efeito, trata-se, assim, de uma área privativa, semelhante à área privativa de uma varanda coberta como é classificada pela própria Direção Geral de Finanças (DGF). Com efeito, se atentarmos nas instruções do preenchimento do modelo 1 do IMI, (conforme documento já junto em sede de audiência prévia), pode-se observar no campo 60, que a DGD considera que as áreas de varandas privativas, como é o caso, fazem parte da área bruta privativa.

50) Como consequência desse facto, elas contribuíram já para a determinação do valor patrimonial da fracção para efeitos da tributação do IMI.

51) O terraço parte comum, não é sequer necessário qualquer deliberação, pois o terraço pertence à fracção propriedade do impugnante.

52) Em face do exposto acima, é manifesto que o terraço em apreço não sendo de cobertura não é parte comum, fazendo parte integrante do imóvel propriedade do ora impugnante, pelo que não é necessário qualquer aprovação por maioria dos condóminos que representem dois terços do valor global do prédio, já que o referido art 1425º do Código Civil apenas se aplica às partes comuns.

53) Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que o Recorrente cumpriu de forma rigorosa o disposto no artigo 1425º do Código Civil – inovações – já que a referida obra foi aprovada pela esmagadora maioria dos condóminos presentes - 90%.

54) Tendo sido a respectiva acta posteriormente notificada a todos os condóminos, nos termos e para os efeitos do artigo 1432º/6 e 7 do Código Civil, já que não estavam presentes dois terços do valor total do prédio, que se conformaram com a deliberação, não se tendo oposto a mesma.

55) No caso em apreço, não se verificou qualquer dos referidos requisitos, pelo que o impugnante não praticou qualquer contra-ordenação.

56) Não se verifica qualquer contra-ordenação no caso em análise, pois não estão preenchidos os elementos constitutivos e essenciais das contra-ordenações.

57) A factualidade descrita não poderá deixar de ser tida em conta não obstante a douta sentença recorrida entender que “Para o preenchimento dos elementos objectivos do tipo, acima referidos, é irrelevante a questão da coisa comum do condomínio, muito acentuada pelo recorrente, em face da sua convocação pela AA, na decisão condenatória”.

58) Relativamente à medida da coima, a douta sentença recorrida entendeu que “A coima aplicada ao arguido foi de 1.500€, pelo que se encontra muitíssimo longe do máximo e bastante perto do limite mínimo”.

59) Com efeito, a douta sentença recorrida considera que “O arguido agiu, pelo menos, com o dolo eventual a que a decisão impugnada se refere, ou seja agiu com um grau de culpa bastante elevado, pois se situa no campo do dolo, ainda que não lhe tenha sido imputado o dolo direto, nem o dolo necessário [artigo 14, do CP].”

60) Registe-se ainda a este respeito, que a escolha e determinação da medida das penas (principal e acessória) far-se-á em obediência ao disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências decorrentes dos fins preventivos especiais, ligadas à reinserção social do arguido, e as exigências decorrentes dos fins preventivos gerais, prevenindo a prática de futuros crimes e a protecção de bens jurídicos.

61) Na determinação da medida concreta das penas, há ainda que ter em conta, dentro dos limites mínimo e máximo abstractamente definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor do arguido ou contra este, por forma a proporcionar uma dupla função às penas a aplicar: por um lado, as mesmas têm de ser justas e adequadas ao caso concreto; por outro lado, têm de ser suficientes para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos criminosos semelhantes.

62) Sucede que, a douta sentença recorrida apenas não proferiu qualquer juízo de censura quanto à coima que foi aplicada na medida em que não atendeu convenientemente ao disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

63) Registe-se que o Recorrente nunca teve qualquer contra ordenação, pelo que também este facto deve ser tido em conta.

64) Aplicando ao acima exposto à situação em apreço, resulta de forma clara que estão reunidos os pressupostos para aplicação ao arguido da coima pelo mínimo legal.

65) As operações urbanísticas podem ser classificadas do seguinte modo: (i) operações sujeitas a licenciamento; (ii) operações sujeitas a comunicação prévia; (iii) operações carecidas de autorização de utilização; e (iv) operações que não carecem de fiscalização prévia (cfr. artigo 4.º, n.º 1 do RJUE).

66) No que respeita às obras isentas de controlo prévio, estatui o artigo 6.º, n.º 1 do RJUE o seguinte:

1 – Sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 4.º, estão isentas de controlo prévio:

As obras de conservação;

As obras de alteração no interior de edifícios ou suas fracções que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas, da forma dos telhados ou coberturas ou que não impliquem a remoção de azulejos de fachada, independentemente da sua confrontação com a via pública ou logradouros;

As obras de escassa relevância urbanística;

Os destaques referidos nos n.os 4 e 5 do presente artigo”.

67) O conceito “obras de escassa relevância urbanística” surge legalmente definido no artigo 6.º-A, n.º 1 do RJUE, remetendo ainda o legislador para o regulamento municipal.

68) Ora, nos termos previstos no artigo 20.º, n.º 5, alínea e) do Regulamento de Urbanização e Edificação do Município de Cascais (Regulamento n.º 78/2013), publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 48, consideram-se, designadamente, obras de escassa relevância urbanística “[a]s pequenas alterações em obras licenciadas ou com comunicação prévia admitida que, pela sua dimensão, natureza, forma, localização e impacto, não afectem a estética e as características da construção ou do local onde se inserem, designadamente pequenos acertos de fachada ou de vãos”.

69) É, justamente, o que se verifica in casu.

70) De facto, foram introduzidas alterações numa varanda, de uma construção de habitações inequivocamente licenciada, que não afecta quer a estética, quer as características da construção ou do local do prédio urbano.

71) Em face do exposto, não está a obra em causa sujeita a licenciamento ou comunicação prévia, pelo que não existe qualquer contra ordenação.

72) Por conseguinte, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito impondo-se a sua substituição por outra decisão, que julgue procedente o presente recurso.

*

Cumpridos que estão neste tribunal de apelação os demais trâmites processuais, vem o recurso à conferência para o seu julgamento.

*

Delimitação do objeto da apelação - questões a decidir

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal a quo, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso. Esta alegação apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de Direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Uma das questões colocadas neste recurso de apelação é a de o caso se integrar no conceito jusurbanístico previsto no artigo 6º-A do RJUE. Porém, trata-se de questão não apreciada na sentença recorrida (nem colocada na impugnação judicial). Pelo que não a podemos apreciar aqui.

O mesmo se deve dizer do inserido, inovatoriamente relativamente às conclusões iniciais, nas “conclusões aperfeiçoadas”, quando, num aditamento ilegal de uma nova questão, escreve que: «Com efeito, se a decisão administrativa se limita a descrever os factos objectivos que materializam o ilícito contra-ordenacional, omitindo completamente os factos que haveriam de preencher o elemento subjectivo do mesmo ilícito, esta omissão gera a nulidade da decisão administrativa.».

Assim, tudo visto, cumpre a este tribunal de apelação resolver o seguinte:

-Erro de julgamento de direito quanto à não prescrição do procedimento (questão A da sentença);

-Erro de julgamento de direito quanto à não nulidade do ato administrativo de aplicação da coima (questão B, 1ª parte, da sentença);

-Erro de julgamento de direito quanto à não anulabilidade do ato administrativo de aplicação da coima (questão B, 2ª parte, da sentença);

-Erro de julgamento de direito quanto à verificação de todos os elementos e consumação do ilícito contraordenacional (questão C da sentença);

-Erro de julgamento de direito quanto à não fixação da coima no mínimo legal (questão D da sentença).

*

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal a quo fixou o seguinte quadro factual:


«imagem no original»


«imagens no original»


*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presente o exposto, bem como o disposto nos artigos 1º, 4º, 8º e 9º do Código Civil e nos artigos 110º, n.º 1, 203º e 204º da Constituição, passemos agora à análise dos fundamentos do presente recurso.

1- Sobre o erro de julgamento de direito quanto à não prescrição do procedimento contraordenacional (questão A da sentença)

1.1.

As tendências recentres do Direito contraordenacional espelham uma aproximação do regime jurídico das contraordenações aos quadros gerais e a princípios do Direito penal, mas sem que a centralidade saia do RGCO [DL nº 433/82 atualizado], a par de uma nova espécie de contraordenações típica de uma economia de mercado muito complexa e de um Estado-garante.

O Direito contraordenacional distingue-se do Direito penal em vários aspetos:

-O conteúdo ético-social está mais presente na criminalização do que no ilícito contraordenacional;

-A natureza do ilícito contraordenacional é administrativa, tal como a competência para aplicar a sanção, tal como a coima;

-Os tipos contraordenacionais são desenhados com referência a normas administrativas ou a atos administrativos [“acessoriedade administrativa” na construção legislativa do tipo contraordenacional]; o tipo contraordenacional assenta na violação de deveres de natureza jusadministrativa;

-A aplicação – ainda que menos intensa, pois não está em causa a privação da liberdade (cf. artigo 18º/1/2 CRP) - de alguns principios de Direito penal [legalidade, culpa(1) , ne bis in idem, garantias processuais de defesa; artigos 20º/4 e 32º/10 da CRP] ao Direito contraordenacional [ex.: artigo 50º do RGCO] justifica-se como direta decorrência do principio do Estado de Direito material (especialmente atento às restrições a direitos fundamentais) e não por uma semelhança entre o crime e a contraordenação ou entre a pena e a coima [o Direito contraordenacional não faz parte do Direito penal em sentido amplo]; afinal, o único Direito subsidiário do Direito contraordenacional é o Direito do processo penal e não o Direito penal [cf. artigo 41º do RGCO];

-Embora o principio geral da legalidade tenha, no Direito contraordenacional (por causa do Estado de Direito material), os mesmos efeitos gerais(2) que tem no Direito penal quanto à tipicidade [cf. artigo 1º do RGCO], a verdade é que há uma clara diferença material e qualitativa entre o crime e a contraordenação, nomeadamente quanto à responsabilidade das pessoas coletivas, ou à censura da culpa, ou à comparticipação, ou à medida concreta da pena, ou ao processo, ou ao acusatório, ou à imediação e oralidade, enfim, quanto aos pressupostos e critérios respetivos, do crime e da contraordenação; afinal, no Direito contraordenacional o bem jurídico é somente motivo do tipo de ilícito e não também conteúdo; a ilicitude é só consequência da proibição legal e não causa [cf. assim FIG. DIAS, D. Penal, Parte Geral, I, 2ª ed., 7, §11];

-Aliás, a prova do dolo no RGCO exige menos do que no CP e no CPP; é o que resulta da tipificação dos ilícitos contraordenações, sem prejuízo de, talqualmente no Direito penal, o dolo se provar por inferências e não por presunções com as inerentes inversões do ónus probatório [as presunções que, em rigor, nem são meios de prova];

-Aqui, a culpabilidade, ou censurabilidade, está muito ligada ao papel social em certo setor da sociedade, para efeitos de reprimenda social, e não tanto a uma ética social, pelo que a presença da censura à culpa do agente seja menos importante do que no Direito penal, tendo a coima como uma importante função absorver as vantagens económicas obtidas com a contraordenação [cf. artigo 18º/2 RGCO]; aqui a culpa como censura dirige-se ao agente e seu papel social no âmbito de um padrão de certo setor de atividade social, desembocando mais numa censura menos individual, menos ética [embora se exija imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de um comportamento conforme ao dever];

-Os fins das coimas são essencialmente: reafirmar a coima e confiscar, bem como restabelecer a expetativa normativa violada [i.e., advertir e admoestar]; enfim, são finalidades de prevenção geral de dissuasão e, principalmente, de prevenção geral positiva integradora [advertir e admoestar é a censura]. Nada tem a ver com repressão-punição e com reintegração social.

Feito este breve enquadramemnto jurídico geral, vejamos o caso.

1.2.

O recorrente insiste na prescrição do procedimento contraordenacional, nos termos do artigo 27º do RGCO(3), por ter decorrido o prazo de um ano sobre a prática dos factos, consumados em 19/04/2016, data do auto de notícia [cf. artigos 27º, corpo, do RGCO, e 119º/1 do CP].

O arguido refere o prazo de um ano contado da data da verificação pelos Fiscais Municipais, 19/04/2016.

Mas o prazo da prescrição do procedimento, no caso, é obviamente o de 5 anos, tendo presente que o montante máximo da coima aqui aplicável é de 200.000,00 euros [cf. artigo 27º, al a), do RGCO e artigo 98º/1-r) e 2 do RJUE(4)].

Portanto, os 5 anos ocorrerão em 19/04/2021.

(Sucede que ocorreram factos suspensivos e interruptivos. Como se sabe, o facto interruptivo destrói todo o tempo decorrido, começando a correr, de novo, um novo prazo a partir dele [cf. artigos 121º/2 do CP, ex vi artigos 32º do RGCO e 326º/1 do CC]. O facto suspensivo não destrói o tempo passado, mas faz com que o tempo decorrido antes desse facto se some ao tempo que vier a decorrer depois de a suspensão ter terminado. Porém, a suspensão não pode ultrapassar 6 meses [artigo 27º-A nºs 1-b) e c) e nº 2 do RGCO]. Assim, constituem factos suspensivos o envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40º [se se tratar de crime], o que não é o caso; ou a notificação do despacho judicial que procede o exame preliminar do recurso, até à decisão final deste, pelo máximo de 6 meses; e é este o caso [cf. artigo 27º-A do RGCO]. E determinam a referida interrupção, com a inutilização de todo o prazo decorrido antes, a efetuação de qualquer notificação; ou a comunicação da decisão da AA ao arguido; ou a notificação ao arguido para exercício do direito de audição/defesa; ou a própria decisão da autoridade administrativa que aplicar a coima, sendo este aqui o caso [cf. artigo 28º do RGCO]. Ora, contando os 5 anos em singelo ainda não se atingiu a prescrição. Como vimos já. Por outro lado, se tomarmos os referidos factos suspensivos e interruptivos constantes do probatório, e sendo o prazo máximo imperativo de 8 anos, contado desde 19/04/2016, pode concluir-se que muito mais tempo falta ainda, para além de 19/04/2021, até ocorrer a prescrição do procedimento.)

Conclui-se, assim, como na sentença.

2- Sobre o erro de julgamento de direito quanto à não nulidade do ato administrativo de aplicação da coima (questão B, 1ª parte, da sentença)

O recorrente alega, de novo, a nulidade da decisão condenatória, por falta da descrição dos factos do tipo objetivo do ilícito, nos termos dos artigos 58º/1-b do RGCO(5), e 379º/1-a)(6) e 374º/2/3-b)(7) e 243º do CPP.

É certo que a decisão condenatória se alonga em todos os itens e que, no atinente à factualidade típica, é relativamente reduzida.

No entanto, não é necessário, em casos com o presente, efetuar extensas descrições pormenorizadas mormente quanto às concretas obras levadas a cabo pelo arguido - por este admitidas desde sempre -, pois, para o preenchimento do tipo legal, basta que da sua indicação resulte que, para as cits. obras, inexistiu a comunicação prévia ao Município, a fim de este poder exercer o seu papel fiscalizador e conformador da legalidade das mesmas.

Ora, a decisão condenatória é suficientemente descritiva dos factos, quando dá por assente que o ora recorrente procedeu ao fecho de uma varanda – ou terraço - parcialmente, numa área de 10 m2, em PVC, com arremate em cimento e tijolo, sem que para o efeito possuísse a respetiva licença camarária.

Além disso, tendo as obras estado em curso e sido objeto de denúncia e tendo os agentes fiscalizadores ido ao local pessoalmente e assim obtido a perceção, e, além do mais, juntando fotos das mesmas, as quais também são elemento de suporte do auto e instrução a que a decisão se refere, não vemos que fosse necessária mais prova, ou que fosse necessária uma descrição factual mais longa do que a que vem enunciada na decisão [vd. facto 15].

Na decisão consta, i.a.:

«Infração - A realização de obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor sem efetuar a comunicação prévia. Procedeu ao fecho de uma varanda parcialmente, numa área de 10 m2, em PVC, com arremate em cimento e tijolo, sem que para o efeito possuísse a respetiva licença camarária.

Enquadramento Legal - Normativo Violado: Artigo 4º, nº 4, alínea c), do DL nº 555/99 de 16 de dezembro, com a redação conferida pelo DL 136/2014, de 09 de setembro. Normativo Sancionatório: Artigo 98° n° 1 alínea r) e n° 2 do DL n° 555/99, de 16 de dezembro, com a redação conferida pelo DL nº 136/2014, de 09 de setembro.

Regime Sancionatório - Coima Mínima: 500 € Coima Máxima: 200.000 € (…)

Na sequência de uma reclamação, no dia 19 de abril de 2016, pelas 09hl0, os fiscais (autuante e testemunha), deslocaram-se au 2° andar (Fração AB), do Núcleo F, do prédio situado na Rua C................., 407, na Urbanização do Buzano, Parede;

No local os fiscais constataram que o arguido procedeu a obras de alteração na fachada do prédio, ampliando e aumentando a área bruta privativa da sua fração, procedendo ao fecho parcial de uma varanda, numa área de cerca de 13,95m2, em PVC, com arremate em cimento e tijolo, aumentando também o beirado da cobertura em 0,80m, sem que para o efeito possuísse o necessário e prévio licenciamento por parte da edilidade;

Na qualidade de proprietário do prédio, o arguido é responsável por ter procedido à alteração do edificado sem possuir o respetivo licenciamento;

O arguido apresentou um projeto de alterações visando licenciar a referida obra, através do procedimento administrativo SPO N° 1427/2016, em 12/09/2016, porém, o mesmo foi objeto de despacho de indeferimento em 28/06/2017.

o arguido na qualidade de proprietário do prédio é responsável pelas obras de alteração que introduziu no edificado, totalmente à revelia do regime jurídico da urbanização e da edificação e do ordenamento jurídico vigente e sem o consentimento dos restantes condóminos, bem sabendo que as mesmas careciam de licenciamento.

Embora em sede de defesa o arguido nada refira relativamente à sua real motivação, esta prende-se certamente com a necessidade de proporcionar ao edificado um aumento do nível de conforto.

Por tudo quanto já foi narrado, o comportamento do arguido tem inerente um elevado juízo de censurabilidade que sobre ele recai e que não o exime das responsabilidades que lhe são assacadas na qualidade de proprietário do prédio.».

A decisão impugnada contém, portanto, a matéria de facto suficiente para cumprir o disposto no artigo 58º/1-b) do RGCO, identificando claramente os elementos de vida integráveis no tipo objetivo do ilícito [vd. factos 10, 13 e 15], pelo que, bastando isso, como basta, a decisão impugnada não enferma da cit. nulidade.

Conclui-se, assim, como na sentença.

3- Sobre o erro de julgamento de direito quanto à não anulabilidade do ato administrativo de aplicação da coima (questão B, 2ª parte, da sentença)

O recorrente alega, de novo, a anulabilidade da decisão administrativo-contraordenacional, por insuficiente fundamentação, agora, diz, nos termos dos artigos 163º/1 e 169º/1/2 do CPA.

A fundamentação da decisão administrativo-contraordenacional condenatória é apenas a exigida no artigo 58º/1 do RGCO; e, se fosse o caso, subsidiariamente, a prevista nos artigos 374º e 375º do CPP.

Mas não é o caso, pois a decisão impugnada possui fundamentação bastante, como já vimos. Só peca por algum excesso inútil: a referência à propriedade horizontal, ao Código Civil, aqui totalmente irrelevante.

A única realidade que é relevante é a do RJUE, que está, também, na decisão contraordenacional – e em todo o procedimento. Trata-se da realização das citadas obras no citado local - varanda ou terraço - do cit. edifício, obras admitidas pelo recorrente, sem ter havido a comunicação prévia prevista no RJUE. Nada mais.

Pelo que a fundamentação do ato administrativo contraordenacional impugnado é a suficiente, quer para justificar racional e legalmente o dispositivo condenatório, quer para o condenado, compreendendo, poder discordar da mesma.

Conclui-se, assim, como na sentença.

4- Sobre o erro de julgamento de direito quanto à verificação de todos os elementos objetivos de consumação do ilícito contraordenacional (questão C da sentença)

O artigo 4º/4-c) do RJUE, sob a epígrafe «licença, comunicação prévia e autorização de utilização», do DL 555/99, na redação dada pelo DL 136/2014, de 09/09, dispõe que:

«4-Estão sujeitas a comunicação prévia as seguintes operações urbanísticas: (…) c) As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor.».

Nos termos do artigo 98º/1-r)/2 do RJUE: «(…), são puníveis como contra-ordenação: (…) r) A realização de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia sem que esta tenha ocorrido. 2-A contra-ordenação prevista nas alíneas a) e r) do número anterior é punível com coima graduada de €500 até ao máximo de €200.000, no caso de pessoa singular, e de €1.500 até €450.000, no caso de pessoa coletiva.»

O tipo legal, como vimos, dispõe que é punível como contra-ordenação: a realização de operações urbanísticas, sujeitas a comunicação prévia, sem que esta tenha ocorrido.

Daqui resultam os seguintes elementos objetivos do tipo: a realização, ou seja, a efetiva produção por alguém; de quaisquer operações urbanísticas; que estavam legalmente sujeitas a comunicação prévia; efetuadas sem comunicação prévia.

Nos termos do artigo 2º, al j), do RJUE, entende-se por operações urbanísticas as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água. Aqui, a realização das citadas obras na varanda ou terraço do cit. edifício.

E, nos termos do artigo 2º, al a) e b), do RJUE, entende-se por edificação a atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência; e por obras de construção as obras de criação de novas edificações.

Para o preenchimento dos elementos objetivos do tipo, acima referidos, é, pois, irrelevante a questão da coisa comum do condomínio, muito acentuada pelo recorrente [cf. artigos 1419º e 1421º do Código Civil], em face da sua - inútil - convocação pela entidade administrativa na decisão condenatória. Quer a feitura da obra dependesse da autorização de todos ou da maioria dos condóminos, quer não dependesse, o certo é que o arguido careceria sempre de comunicação prévia para a realização das obras em questão. Como - também - consta da decisão administrativa impugnada.

Saber se a coisa é ou não comum [seja varanda, terraço, ou ambas as coisas] -questão que em princípio os documentos registrais e notariais resolveriam -, é, enfim, questão irrelevante para o preenchimento dos elementos objetivos do ilícito contraordenacional em causa.

Por conseguinte, tendo o arguido procedido às obras em questão, que não nega e antes assume muito claramente, evidenciadas nas fotos e referidas no auto e na decisão impugnada, obras essas que efetuou sem comunicação prévia ao município, estando a obra sujeita a esta, mostram-se preenchidos os elementos objetivos do tipo legal da contraordenação cit.

Conclui-se, assim, como na sentença.

5- Sobre o erro de julgamento de direito quanto à não fixação da coima no mínimo legal (questão D da sentença)

O recorrente entende que a entidade administrativa violou o disposto no artigo 18º/1 do RGCO(8) e, ainda, os artigos 40º e 71º do CP, porque, a verificar-se a infração, se encontrariam verificados os pressupostos para ser aplicada uma coima pelo mínimo legal.

Já abordámos brevemente as diferenças entre o Direito contraordenacional e o Direito penal, nomeadamente em sede de censurabilidade e das regras de fixação da sanção concreta.

A determinação da medida da coima faz-se, como manda o artigo 18º/1 do RGCO, em função da gravidade da contraordenação [gravidade da violação do dever, aqui jusadministrativo, e as circunstancias objetivas que rodearam a violação], da culpa [formas de dolo ou graus de negligência; fins e motivações do agente; conduta anterior e posterior à infração], da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação [aqui, releva ter presente a coima e a reprimenda social são também expressas pelo confisco das vantagens obtidas pelo infrator].

As coimas, à semelhança das penas criminais, têm por finalidade a prevenção especial, relativa ao agente, mas nas coimas, sobretudo de fins de prevenção geral. Como vimos supra em 1.1.

No caso, a moldura da coima é formada pelo mínimo de 500€ e o máximo de 200.000€, visto que o agente do ilícito é pessoa singular.

A coima aplicada ao arguido foi de 1.500€, pelo que se encontra muitíssimo longe do máximo e bastante perto do limite mínimo.

Ora, o arguido, sendo aparentemente “primário”, agiu aqui com o dolo a que a decisão impugnada se refere, ou seja, agiu com um grau de culpa elevado [cf. artigo 14º do CP].

As razões de prevenção geral, isto é, de sinal para a coletividade, são elevadas.

Por isso, sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, e vendo o teor da decisão impugnada, entendemos que a mesma não se excedeu, tendo aplicado uma coima proporcionada a todas as simples circunstâncias do caso [esp., a culpa elevada, o benefício económico em causa para a sua fração autónoma e seu gozo], atendendo ainda às aqui mui importantes finalidades de prevenção jusurbanística e também de punição.

Deste modo, conclui-se como na sentença. Esta não violou nenhuma das normas legais apontadas pelo recorrente.

*

III - DECISÃO

Nestes termos e ao abrigo do artigo 202.º da Constituição e do nº 1 do artigo 1.º do EMJ [ex vi artigo 57.º do ETAF], os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso, assim se mantendo o decidido pelo Tribunal Administrativo de Círculo.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 28-05-2020


Paulo H. Pereira Gouveia - Relator

Catarina Jarmela

Paula de Ferreirinha Loureiro






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(1) Que tem 3 dimensões, a da imputação subjetiva, a da censura e a da fixação da medida concreta da pena ou da coima.

(2) Exigências de lei escrita, de lei estrita, de lei certa e de lei prévia.

(3) O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;
b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.

(4) 1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contraordenação a realização de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia sem que esta tenha ocorrido.
2 - A contraordenação prevista nas alíneas a) e r) do número anterior é punível com coima graduada de (euro) 500 até ao máximo de (euro) 200 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1500 até (euro) 450 000, no caso de pessoa coletiva.
(5) 1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) …;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
...
(6) 1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º …
(7) 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
...
(8) 1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
2 - Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.
3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.