Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:865/20.0BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:02/04/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO; RECURSO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO;
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA;
PROVA SUMÁRIA;
PREJUÍZOS EXTRAORDINÁRIOS;
PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
Sumário:I - A impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo Tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no Tribunal superior daquela que teve o Tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este Tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada;
II - Nos termos dos art.ºs. 120.º, n.º 2, 103.º-A, n.ºs. 2 e 4, do CPTA e 342.º, n.º 1, do CC, para que proceda o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, exige-se que esteja alegado pela Entidade demandada (ou pelos Contra-interessados) e que resulte provado nos autos que tal efeito provoca um grave prejuízo para o interesse público ou que daí derivam consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. Verificados tais prejuízos ou consequências, há, depois, que fazer um juízo ponderativo entre todos os interesses envolvidos – públicos e privados – que se orienta por um critério de proporcionalidade, passando a aferir-se se os danos que resultariam da manutenção do indicado efeito são superiores aos que venham a resultar do seu levantamento. Concluindo-se pela superioridade dos danos resultantes da manutenção do efeito suspensivo automático face aos que advêm do seu levantamento, então, há que deferir o pedido de levantamento;
III – Com o efeito suspensivo do acto de adjudicação visa-se, assim, tornar efectiva a via contenciosa, garantindo ao respectivo impugnante o poder de fazer paralisar a contratação em curso, obstando à celebração e execução do contrato e, dessa forma, à eventual lesão do interesse que se quis acautelar por via da interposição da correspondente acção. Ou seja, com tal efeito suspensivo pretende-se impedir a ocorrência de situações de facto consumado, decorrentes da celebração e execução do contrato, e assegurar, caso a acção venha a ser ganha, que o referido impugnante tem uma real hipótese de vir a executar o contrato em questão;
IV - Quem impugna um acto pré-contratual tem à partida o direito a ver o procedimento concursal imediatamente suspenso, até que a correspondente acção seja definitivamente dirimida, situação que só pode ser invertida em situações atípicas ou extraordinárias, quando ocorram prejuízos ou danos graves e claramente desproporcionais para os interesses públicos ou contrapostos;
V- A prova do grave prejuízo para o interesse público e da produção de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, é uma prova sumária, feita com base indiciária, não prova plena;
VI - Contudo, essa prova tem de referir-se a prejuízos existentes, concretos, ou a consequências que ocorram efectivamente, não a meras possibilidades ou susceptibilidades eventuais e teóricas;
VII - A invocação da necessidade de ter que celebrar um contrato temporário por um preço superior ao que resulta do acto de adjudicação, não preencherá, em si mesmo, o conceito de grave prejuízo para o interesse público.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A............., SA e outros, interpõem recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do acto que determinou a caducidade da adjudicação do lote I do Concurso Público Internacional para a “celebração de contrato de seguros de pessoas e aquisição de serviços de corretagem para as empresas do Grupo A............” e do acto de adjudicação do mesmo lote à proposta do Agrupamento M............., SA e F………………, SA, Contra-interessado neste autos.

Em alegações são formuladas pelos Recorrentes, A............., SA e outros, as seguintes conclusões: “A. A sentença recorrida incorre em errado julgamento da matéria de facto, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, uma vez que é omissa quanto aos factos expressamente referidos e invocados pelas ora Recorrentes nos artigos 45.º, 46.º, 47.º, 84.º, 85.º e 86.º do requerimento inicial, os quais se encontram provados quer documentalmente, por via dos documentos disponíveis nos links referidos nos mencionados artigos, quer por acordo das partes.
B. Termos em que se requer o aditamento à matéria de facto dada como provada de três pontos, com a seguinte redação:
“15) Os contratos para a aquisição dos serviços aos quais os contratos suspensos pela presente ação se destinavam a dar continuidade cessaram a sua vigência em 30/04/2020.”;
“16) As Rés aprovaram planos de contingência para fazer face à pandemia da COVID-19, que determinam que, por forma a minimizar os riscos de contágio, a organização do trabalho é feita, nomeadamente, através da organização de turnos sem contacto pessoal e da constituição de equipas de reserva em isolamento para substituição em caso de necessidade.”;
“17) As Rés debatem-se com falta de trabalhadores para assegurar plenamente as atividades de serviço público que lhes são cometidas.”.
C. A interpretação que o Tribunal a quo faz quanto à dimensão do ónus de alegação e prova que recai sobre as ora Recorrentes, nos termos do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, configura a exigência de uma verdadeira probatio diabolica, desproporcional e violadora da referida norma do CPTA, bem como do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
D. A sentença recorrida adota uma interpretação do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA que se revela fortemente restritiva e que esvazia a referida norma, a qual claramente não comporta essa interpretação.
E. O grau de exigência probatória que a sentença recorrida prevê para que as ora Recorrentes lograssem alcançar o seu desiderato no incidente em apreço implica a violação do princípio de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efetiva, vertido no artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
F. A sentença recorrida parece olvidar que o processo dos autos respeita a um incidente no âmbito de um processo urgente, para o qual o legislador previu uma tramitação célere, e que, nesse âmbito, a prova a que o legislador se refere será sempre uma prova sumária, tal como, aliás, sucede nos procedimentos cautelares (cfr. artigo 365.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA).
G. Do entendimento vertido na sentença sob recurso resulta que, para efeitos de levantamento do efeito suspensivo, se mostra necessário que se tenha efetivamente consumado o prejuízo invocado pelas entidades demandadas, interpretação que não é consentida pela lei, pois que a exigência de prova que o legislador fez constar do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA se basta com a suscetibilidade da lesão do interesse público.
H. Semelhante interpretação do regime plasmado no n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA encontra-se em direta contradição com a jurisprudência do douto acórdão de 12 de julho de 2019 do TCA Norte, proferido no âmbito do processo 02842/18.1BEPRT-S1, nos termos do qual “[o] risco da produção de um dano comporta (e exige apenas) uma probabilidade séria, não a certeza da sua inevitável verificação”.
I. Contrariamente ao entendimento vertido na sentença recorrida, as Recorrentes efetivamente demonstraram que, atendendo à natureza dos contratos objeto do procedimento pré-contratual, à sua efetiva importância para a satisfação de necessidades coletivas, ao período de tempo previsível para a obtenção de uma decisão na ação, à situação em que se encontra a prestação dos serviços objeto dos contratos suspensos, bem como aos custos decorrentes da situação de suspensão, a manutenção do efeito suspensivo acarreta in casu graves danos para o interesse público, inexistindo quaisquer outros meios de atenuação de tal prejuízo, sendo o levantamento da suspensão automática associada à presente ação o único meio de evitar que o referido interesse público seja lesado.
J. Foi alegado e demonstrado pelas ora Recorrentes que o “universo total de trabalhadores e elementos do respetivo agregado familiar abrangidos pelo contrato de seguro objeto do procedimento identificado (…) cifra-se em 8988” (cfr. ponto 5 da matéria de facto provada), que as ora Recorrentes estão adstritas a contratar o seguro em causa aos seus trabalhadores (extensível aos cônjuges não separados de pessoas e bens ou equiparados e filhos ou equiparados) (cfr. ponto 12 da matéria de facto provada) e que a empresa F…………., S.A., comunicou às ora recorrentes, em 18 de maio de 2020, que “mantendo-se o efeito suspensivo do contrato (…) está suspensa a utilização de cartões de saúde da rede M........., bem como a comparticipação em caso de cuidados prestados na rede convencionada (…), com necessidade de ressarcimento das quantias suportadas indevidamente (…) em despesas relativas às diversas coberturas do seguro de saúde” (cfr. ponto 13 da matéria de facto provada).
K. As Recorrentes desenvolvem um serviço essencial, como reconhecido através do Despacho n.º 3547-A/2020, do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, publicado no Diário da República n.º 57-B, 2.ª Série, de 22 de março de 2020.
L. Em causa não está apenas a comparticipação de despesas de saúde, mas sim o próprio acesso a cuidados de saúde, podendo a suspensão dos contratos comprometer um conjunto de atos médicos e ter consequências irreversíveis na saúde das quase nove mil pessoas seguras, conduzindo ao postergar de intervenções etratamentos, por razões decorrentes da ausência de cobertura de seguro de saúde, com a inerente assunção de responsabilidade financeira imediata.
M. No atual contexto pandémico da COVID-19 a cobertura por um seguro de saúde revela-se ainda mais necessária para garantir a prestação de cuidados de saúde aos trabalhadores das empresas do G............., tanto mais que, nos termos da alínea e) do ponto 6 do Anexo I ao Caderno de Encargos, o seguro de saúde contratado pelas ora Recorrentes assegura a cobertura de doenças infectocontagiosas quando em situação de epidemia declarada, derrogando, assim, uma exclusão que regra geral vigora nos seguros de saúde.
N. Tendo em conta a exiguidade de trabalhadores com que as Recorrentes se debatem e a necessidade determinada pelas circunstâncias de aqueles terem de trabalhar em regime de turnos sem contacto pessoal e da constituição de equipas de reserva em isolamento para substituição em casos de necessidade, é particularmente determinante, para evitar quebras de prestação de serviço público desenvolvido pelas oras Recorrentes, que os seus trabalhadores possam continuar a beneficiar do seguro de saúde.
O. A falta de cobertura dos trabalhadores e dos respetivos agregados familiares por um seguro de saúde consubstancia a violação do n.º 1 das cláusulas 63.º dos ACT publicados no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 41, de 8 de novembro de 2018, o que, nos termos do artigo 521.º do Código do Trabalho, constitui uma situação passível de contraordenação laboral, a que estão associadas elevadas coimas, entre € 1 961 877 e € 4 981 374, sendo, assim, suscetível gerar elevados prejuízos económico-financeiros para as Recorrentes.
P. Qualquer solução alternativa para assegurar a continuidade dos seguros de saúde não anula os invocados prejuízos, pois que, designadamente o contrato celebrado com a Contrainteressada F............ apenas vigorará até 15 de novembro de 2020 e, para além de não promover a concorrência, implica custos acrescidos e, consequentemente, a violação da observância da contenção de gastos operacionais face ao verificado em 2018.
Q. Os danos resultantes do efeito suspensivo repercutir-se-ão negativamente em terceiros, Municípios e populações utilizadores dos serviços de públicos de abastecimento de água para consumo humano e de saneamento de efluentes, quer por via das potenciais falhas de serviço, quer por via dos inevitáveis aumentos tarifários.
R. A decisão recorrida interpretou erradamente e violou o n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, bem como o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, devendo, com esse fundamento, ser revogada e substituída por acórdão que decrete o levantamento do efeito suspensivo.
S. A interpretação prosseguida pelo Tribunal, ao absolutizar o conceito indeterminado de “gravemente prejudicial” em detrimento da necessária ponderação entre os vários interesses em presença, viola o referido artigo 2.º, n.º 5 da Diretiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, com a redação dada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, bem como o princípio da interpretação conforme ao Direito da União Europeia, devendo, com esse fundamento, ser revogada e substituída por acórdão que decrete o levantamento do efeito suspensivo.
T. Sem prejuízo de, na resposta ao requerimento inicial do incidente, as Autoras se terem limitado a defender a insuficiência dos fundamentos apresentados pelas Rés para o levantamento do efeito suspensivo, não tendo alegado qualquer interesse próprio que pudesse ser posto em causa ou lesado com o levantamento do efeito suspensivo requerido, mostra-se possível verificar que qualquer interesse das Autoras será sempre de natureza exclusivamente económica, havendo, como tal, prevalência do interesse publico sobre o mesmo.
U. A interpretação do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA prosseguida pelo Tribunal, no sentido de pedir às ora Recorrentes uma verdadeira prova diabólica, é verdadeiramente desproporcional, violadora da justiça material e indutora de desequilíbrio entre as partes, tanto mais quanto, apesar de o Tribunal ter reconhecido que o interesse das Autoras se cinge ao interesse particular de qualquer concorrente com expetativas de vir a ser o escolhido, não retirou daí quaisquer consequências para a decisão do incidente.
V. Não se verifica a impossibilidade absoluta de reconstituição da situação material hipotética a que a sentença recorrida se refere, porquanto a ser levantado o efeito suspensivo, mas a ser proferida, a final, decisão que dê procedência à ação, o que não se concede, será sempre possível, a qualquer momento, cessar a vigência dos contratos celebrados com as Contrainteressadas em 12/05/2020 e proceder à celebração dos contratos com as Autoras, iniciando a respetiva execução pelo prazo de um ano a contar de tal celebração, talqualmente se tratasse de uma adjudicação original.
W. Pelo que, também com estes fundamentos, padece a sentença recorrida de erro de julgamento, incorrendo na violação do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, devendo, assim, ser revogada e substituída por acórdão que decrete o levantamento do efeito suspensivo.”

Os Recorridos O............, SA e A............., SA, nas contra-alegações formularam as seguintes conclusões: “A. Nos termos do disposto no Artigo 640.º, n.º 1, do CPC, aplicável aos presentes autos ex vi do disposto no Artigo 140.º, n.º 3, CPTA, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
B. As Recorrentes não satisfazem este ónus fundamentador, limitando-se a pedir que este Venerando Tribunal altere o julgamento da matéria de facto, dando como provados três novos factos, indicando genericamente como fundamento as páginas da internet, acessíveis através dos links já indicados no requerimento, sem contudo (i) nunca explicarem que concretos meios probatórios devem fundamentar diversa convicção, e (ii) nunca explicarem porque consideram que tais “meios de prova” impõem a alteração da decisão recorrida.
C. Por outro lado, as Recorrentes alvitram ainda que os factos que pretendem ver julgados como provados se encontram provados “por acordo das partes”, sem alegar nem demonstrar por que motivos crê existir esse acordo, que não se vislumbra que exista, e sem explicar se todos ou se apenas algum/ns dos três factos se encontra provado por acordo.
D. Não se encontrando satisfeito o ónus estabelecido pelo Artigo 640.º, n.º 1, CPC, deve o recurso ser rejeitado.
E. A interpretação que as recorrentes propugnam para a norma contida no Artigo 103.º-A, n.º 4, CPTA, não pode ser adotada, por perder conexão com o
elemento literal da norma, desconsiderar o contexto em que historicamente surgiu, ignorar a sua inserção sistemática e desprezar a sua ratio.
F. Dispõe o Artigo 103.º-A, n.º 4, CPTA, que: “O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados, o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.”.
G. O recurso ao presente do conjuntivo não é irrelevante como elemento interpretativo. Com efeito, o legislador poderia ter recorrido a expressões como “possa ser”, ou “seja suscetível de causar”, ou ainda “implique o risco de”. Mas assim não foi. Assim, a suspensão da execução do ato impugnado, e o diferimento dessa execução para o momento do trânsito em julgado da sentença que ponha termo ao processo, só poderão ser levantados caso se demonstre que a manutenção do efeito suspensivo representa já(!) um grave prejuízo ou tem consequências lesivas claramente desproporcionadas.
H. Da análise meramente literal do preceito se retira ainda que não basta a mera existência de prejuízos, ou de consequências lesivas desproporcionadas, mas é necessário que aqueles sejam “graves” e que estas sejam “claramente desproporcionadas”.
I. A consideração da inserção sistemática do preceito também é útil: o Artigo 103.º-A, n.º 1, CPTA, estabelece uma regra surge, em relação à norma contida no n.º 1 do mesmo Artigo, numa relação lógica de excecionalidade/generalidade.
J. Ora, tratando-se de uma norma excecional, deve aplicar-se especial rigor na sua interpretação e aplicação, de modo a que não se oblitere o conteúdo de aplicação da norma geral e se aplique a normação excecionalmente estabelecida apenas aos casos para os quais foi pensada.
K. O recurso aos elementos histórico e teleológico da interpretação impõem igual convicção, devendo atender-se a duas circunstâncias históricas:
(i) O Artigo 103.º-A, CPTA, foi introduzido com a Reforma de 2015, estabelecendo o efeito suspensivo automático da impugnação dos atos de adjudicação, como forma de alargar a tutela jurisdicional dos concorrentes preteridos por uma adjudicação potencialmente ilegal, tendo ainda consagrado a possibilidade do levantamento desse efeito suspensivo;
(ii) A redação desse preceito foi entretanto alterada, no sentido de reforçar ainda mais a tutela jurisdicional dos concorrentes preteridos por uma adjudicação potencialmente ilegal, fazendo depender o levantamento do efeito suspensivo da impugnação, já não de uma mera comparação de desvantagens, mas sim de uma verdadeira apreciação de factos que revelem prejuízos “graves” para o interesse público ou consequências lesivas “claramente desproporcionadas” para outros interesses.
L. A pouca utilidade do preceito, na sua redação anterior, foi precisamente o que motivou a adoção da nova redação.
M. Assim, o preceito tem de ser interpretado no contexto deste percurso legislativo de reforço das garantias dos concorrentes contra as adjudicações potencialmente ilegais, o que torna impossível uma interpretação como a que as Recorrentes preconizam, pela qual atribuem à nova redação do preceito o mesmo significado que se atribuía à anterior.
N. Por outro lado, admitir a interpretação preconizada pelas Recorrentes seria reconhecer que os preceitos contidos no Artigo 103.º-A, CPTA, não têm utilidade prática, já que qualquer inconveniente ainda que meramente hipotético ou potencial, o que qualquer impugnação necessariamente representa, seria fundamento suficiente para o levantamento do efeito suspensivo do processo.
O. Em segundo lugar, o argumento da probatio diabolica não tem, no caso, qualquer cabimento. Com efeito, o entendimento que a sentença recorrida preconiza não implicaria que as Recorrentes tivessem alegado e demonstrado que, da suspensão da eficácia do ato impugnado, decorrem consequências lesivas para todos os seus trabalhadores: bastaria alegarem e demonstrarem grave prejuízo para o interesse público, o que não fizeram, e consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (por exemplo, os interesses de alguns trabalhadores), o que também não fizeram.
P. Inexiste, por isso, qualquer exigência de probatio diabolica, embora fosse exigível o mínimo de satisfação dos ónus de alegação e de prova.
Q. Em terceiro lugar, a decisão recorrida em nada ofende o princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como se encontra garantido no artigo 20.º, n.º 1 e 5, CRP, já que a presente ação (i) garante a ambas as partes que o conflito que as opõe será dirimido por um órgão de soberania, independente (Artigo 203.º, CRP), que aplica a justiça em nome do povo (Artigo 202.º, n.º 1, CRP); (ii) garante às partes o direito de interpor o recurso como meio de impugnar uma decisão judicial da qual discordam, apelando a Tribunal hierarquicamente superior, sendo disso exemplo os presente autos de recurso, suscitados pelas Recorrente para discutirem o mérito da sua pretensão de ver reconhecido o seu suposto direito ao levantamento do efeito suspensivo deste processo; e (iii) tem carácter urgente e uma tramitação excecionalmente expedita.
R. Por outro lado, não existe qualquer violação do direito à tutela jurisdicional efetiva quando um Tribunal não adota a interpretação que uma das partes faz de uma qualquer norma, nem tampouco quando exige que uma das partes alegue e demonstre os factos que permitem a produção do efeito jurídico que peticionam.
S. Em quarto lugar, não pode aceitar-se a aplicação analógica ao presente processo das normas aplicáveis aos procedimentos cautelares, ainda que ambos tenham em comum o caráter urgente. A urgência exprime-se em que a sua tramitação é gerida com prioridade pelas secretarias judiciais, os processos são julgados com prioridade pelos juízes, e os prazos para a prática de atos processuais são mais curtos.
T. Em caso algum se pode entender que o facto de dados processos serem urgentes necessariamente implica que se deve exigir uma prova meramente sumária dos factos que compõem a sua causa de pedir, sem que exista uma norma que o determine.
U. O mesmo raciocínio se aplica ao presente incidente de levantamento do efeito suspensivo automático.
V. O facto de, nos procedimentos cautelares, se exigir prova sumária prende-se, acima de tudo, com carácter provisória das providências a decretar, o que não se verifica com as decisões deste processo e dos seus incidentes.
W. Nenhuma norma existe que habilite o Tribunal a considerar suficiente a prova sumária, nos processos de contencioso pré-contratual, nem nos seus incidentes.
X. Subsidiariamente, ainda que se aceitasse ser suficiente a produção de uma prova sumária, sempre teria de concluir-se que, no caso, nenhuma prova foi produzida.
Y. Por último, a sentença recorrida não viola o princípio da interpretação do Direito interno em conformidade com o Direito da União Europeia.
Z. As Recorrentes afirmam que a interpretação que o Tribunal a quo faz da norma contida no Artigo 103.º, n.º 4, CPTA, não se encontra em conformidade com o disposto no Artigo 2.º, n.º 5, da Diretiva 89/665/CEE, com a redação dada pela Diretiva 2007/66/CE, porque esta disposição manda atender a todos os interesses em presença, sem privilegiar qualquer deles, ao passo que a norma de Direito interno, se interpretada como o Tribunal recorrido interpretou, manda privilegiar certos interesses sobre outros.
AA. Ora, tal não é verdade, desde logo porque a invocada norma comunitária diz respeito ao decretamento de medidas provisórias/cautelares, para assegurar o efeito útil da ação, encontrando o seu lugar de transposição no Artigo 103.º-B, n.º 3, CPTA.
BB. Ora, como já explicámos, do que se trata neste incidente não é do decretamento de uma providência cautelar, visto que o efeito útil da ação já é acautelado por força da lei, que atribui à ação efeito suspensivo do ato impugnado. Do que aqui se trata é do levantamento dessa consequência legal.
CC. Assim, não se encontrando relacionadas as normas em causa, inexiste desconformidade entre a interpretação que o tribunal recorrido fez do Direito interno com o Direito da União Europeia.
DD. Ainda que as Recorrentes tivessem demonstrado que a suspensão dos atos impugnados causa prejuízos graves ao interesse público ou consequências lesivas claramente desproporcionadas a outros interesses, o que não lograram, ou ainda que poderiam causá-los, o que igualmente não lograram, sempre haveria de considerar que a celebração de novo contrato de seguro, por ajuste directo, para o período de 6 meses compreendido entre 15 de Maio de 2020 e 15 de Novembro de 2020, veio garantir que nenhum dos prejuízos hipotetizados pelas Recorrentes efetivamente decorrerá da suspensão dos efeitos do contrato de seguro aqui impugnado.
Não obstante, ainda que isso não se verificasse:
EE. Os atos impugnados, ao contrário do que afirmam as Recorrentes, não são imprescindíveis para garantir o acesso pelos seus trabalhadores e respetivos agregados familiares aos mais básicos cuidados de saúde. A suspensão dos seus efeitos não compromete a realização de quaisquer atos médicos, que as Recorrentes nem explicam quais seriam, nem tampouco representa o agravamento da saúde dos mesmos.
FF. Para que tal fosse verdade e para que esse argumento fosse atendível, as Recorrentes deveriam ter alegado e demonstrado que os seus trabalhadores e respetivos agregados familiares não têm acesso aos serviços do SNS ou de outros prestadores privados, seja custeando diretamente as respetivas despesas, seja usufruindo de outros contratos de seguro, seja pela sua integração num qualquer subsistema de saúde (por exemplo, ADSE, ADM, SAMS, etc…).
GG. Ou poderiam ter alegado e demonstrado que o SNS não é capaz de restabelecer os seus pacientes ao seu estado de saúde habitual, o que não fizeram.
HH. A contratualização de um seguro de saúde não é uma forma de assegurar que os seus beneficiários se encontrem nas melhores condições de saúde. O que a contratualização de um seguro de saúde garante é um leque alargado de escolhas quanto a prestadores de serviços de saúde. Não garante melhor saúde.
II. É, por todas estas razões, manifesta a improcedência da alegação das Recorrentes, quando afirmam, sem pudor, que a execução dos contratos ora suspensos, sobretudo do contrato de seguro de saúde, se revela vital para a satisfação do interesse público derivado das necessidades coletivas de saúde de 8988 (oito mil novecentas e oitenta e oito pessoas).
JJ. Em qualquer caso, porém, o prejuízo dos beneficiários do contrato de seguro impugnado e cuja eficácia se encontra suspensa não é um prejuízo para o interesse público. Com efeito, as Recorrentes revelam confundir interesse público com o interesse privado de uma coletividade de trabalhadores, ainda que sejam quase 9.000.
KK. Ora, o interesse público cuja prossecução é confiada às Recorrentes é o do estabelecimento, manutenção e gestão de uma rede de abastecimento de água para consumo humano e de uma rede de saneamento de resíduos, missão de interesse público cuja concretização não depende da celebração de quaisquer contratos de seguro e não fica afetada pela suspensão desses contratos.
LL. A suspensão do contrato de seguro de saúde impugnado, ao contrário do que afirmam as Recorrentes, não pode colocar em causa o funcionamento das empresas do G............. na prestação dos serviços de abastecimento de água e saneamento de águas residuais, já que, como se refere no ponto FF., os trabalhadores das Recorrentes não ficam privados de cuidados de saúde por causa disso.
MM. A suspensão do contrato de seguro de saúde impugnado poderia até representar um verdadeiro risco de incremento de contestação sindical.
NN. Contudo, a contestação sindical não constitui um grave prejuízo para o interesse público, mas uma manifestação do exercício organizado de um direito fundamental, cujo exercício não pode ser enquadrado com prejudicial ao interesse público.
OO. Por outro lado, já tendo sido assegurada alternativa ao contrato impugnado, mediante a celebração por ajuste direto de outro contrato de seguro, a contestação sindical que possa vir a ocorrer será decorrência de outras causas.
PP. O mesmo se diga quanto ao suposto risco de condenação em contraordenações laborais.
QQ. Por fim, não é certo que a despesa que as Recorrentes tiveram de suportar com a contratação de um seguro de saúde para obviar à suspensão dos efeitos contrato impugnado se vá repercutir no agravamento das tarifas pagas pelos consumidores.
RR. Essa decisão cabe às próprias Recorrentes, aliás, pelo que não pode ser argumentada como decorrência necessária do efeito suspensivo do processo.
SS. Contudo, ainda que pudesse ser assim considerada, atendendo ao elevado número de contratos de fornecimento de água e a que a repercussão dessa despesa extraordinária nas faturas se realiza ao longo de vários meses, nunca poderia tal consequência ser considerada uma lesão claramente desproporcional dos interesses dos consumidores.
TT. Para que o pudesse ser, seria necessário que as Recorrentes tivessem tido o zelo de quantificar e provar, o que se abstiveram de fazer.
UU. Ainda que assim não fosse, o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre se teria de concordar que não só não foram invocados quaisquer factos concretos que permitam materializar a alegação de grave prejuízo para o interesse público e de lesão claramente desproporcionada para os interesses de terceiros, como tal alegação não surge acompanhada da necessária prova da verificação dos factos a que se reporta.
VV. Nestes termos, recaindo sobre as Recorrentes o ónus de provar a existência de um grave prejuízo para o interesse público, a falta de prova desse requisito resolve-se contra os mesmos, nos termos do artigo 342.º n.º 1, do Código Civil, o que implica o indeferimento do incidente deduzido ao abrigo do artigo 103º-A, do CPTA, na medida em que a falta de prova desse requisito inviabiliza a possibilidade de realização da ponderação de interesses, prevista nos n.ºs 2 e 4, desse artigo 103º-A.
WW. Pelo contrário, a execução do contrato outorgado com as Contrainteressadas, provocará na esfera jurídica das Recorridas prejuízos graves e irreparáveis, na medida em que tornará material ou juridicamente irreversível a infração perpetrada pelas Recorrentes - pelo menos no plano da reparação natural, por via da reconstituição da situação procedimental existente antes de tais infrações.
XX. Aliás, é manifesto que, vindo as Autoras a obter vencimento na ação principal, serão nulos os atos impugnados, o que implicará uma pesada responsabilidade contratual do Estado.
YY. Em suma, é patente que, no caso sub judice, não se verificam os pressupostos normativos do levantamento do efeito suspensivo da impugnação do ato de adjudicação contidos no citado artigo 103º-A do CPTA, devendo, em consequência, ser mantido o efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado e dos contratos entretanto celebrados, sendo certo que, em termos de interesse público afigura-se mesmo premente que seja assegurada a manutenção da suspensão da execução dos contratos outorgados, para que todas as ilegalidades apontadas sejam expurgadas e seja reposta a devida legalidade.”

O DMMP não apresentou pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram dados por provados os seguintes factos, que se mantém:
1) Através do anúncio de procedimento nº 1577/2020, publicado no DR, 2ª Série, nº 30, de 12/02/2020, as Entidades Demandadas, em agrupamento de entidades adjudicantes representado pela A…………….., S.A., publicitaram a abertura de concurso público, com publicidade internacional, para celebração de contrato de seguros de pessoas e aquisição de serviços de corretagem para as empresas do Grupo A............ (dividido pelos seguintes lotes: lote 1 – Seguros de Saúde e lote 2 – Seguros de Vida e coberturas ou garantias complementares que lhes sejam normalmente associadas ou associáveis), cujo prazo de execução é de 12 meses, sem possibilidade de renovação - cfr. fls. 34 e ss. e fls. 141 e ss. dos autos (numeração do SITAF, a que correspondem futuras referências sem menção de origem);
2) Foi elaborado, em Fevereiro de 2020, o instrumento denominado “Programa do Procedimento” referente à “celebração de contrato de seguros de pessoas e aquisição de serviços de corretagem para as empresas do grupo A............”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, o seguinte: “(…)
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1.º
Objeto
O presente concurso público tem por objeto a celebração de contrato de seguros de pessoas, bem como a celebração de contrato de aquisição dos correspondentes serviços de corretagem para empresas do Grupo A............, constituído pelos seguintes lotes:
a) LOTE I - Seguros de Saúde;
b) LOTE II - Seguros de Vida e coberturas ou garantias complementares que lhes sejam normalmente associadas ou associáveis.
ARTIGO 2.º
Entidades adjudicantes
1. O presente concurso público é promovido por um agrupamento de entidades adjudicantes, composto pelas entidades identificadas no ANEXO I do Programa de Procedimento e que dele faz parte integrante, formado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 39.º do Código dos Contratos Públicos.
2. A decisão de contratar de cada uma das entidades adjudicantes referidas no número anterior foi tomada pelos respetivos órgãos competentes.
3. O representante do agrupamento das entidades adjudicantes é a A............, S. A., adiante designada por A.............
(…)” - cfr. fls. 34 e ss. dos autos;
3) Foi elaborado, em Fevereiro de 2020, o instrumento denominado “Caderno de Encargos” referente à “celebração de contrato de seguros de pessoas e aquisição de serviços de corretagem para as empresas do grupo A............”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, o seguinte: “(…)
PARTE I
Disposições gerais
CAPÍTULO I
Regime geral
CLÁUSULA 1.ª
Objeto
1. O presente Caderno de Encargos compreende as cláusulas a incluir nos contratos a celebrar relativos à contratação de seguros de pessoas, bem como à aquisição de serviços de corretagem para as empresas do grupo A.............
2. As condições relativas aos contratos de seguro a celebrar, por cada lote, constam dos anexos a seguir identificados que constituem parte integrante do presente Caderno de Encargos:
a) ANEXO I - Seguros de saúde em grupo (Lote 1);
b) ANEXO II - Seguros de vida e coberturas ou garantias complementares que lhes sejam normalmente associadas ou associáveis (Lote 2).
(…) CLÁUSULA 30.ª
Prazo contratual
1. Os Contratos de Seguro iniciam a sua vigência no dia 01 de maio de 2020 e mantêm-se em vigor pelo prazo de 12 (doze) meses, sem prejuízo das obrigações acessórias, as quais perdurarão para além da data de cessação dos contratos.
2. A vigência e plena eficácia dos Contratos de Seguro inicia-se às 0h00 do dia 01 de maio de 2020.
(…) ANEXO I
SEGUROS DE SAÚDE EM GRUPO
1) Tomadores do seguro
Cada uma das Entidades Adjudicantes.
2) Pessoas seguras
Colaboradores do tomador de seguro, bem como os elementos do seu agregado familiar (cônjuge ou pessoas em situação legalmente equiparada, filhos, incluindo adotados ainda que só restritamente, enteados ou outros menores a cargo, menores ou maiores, a seu cargo), elegíveis para o seguro sob as demais condições e que tenham aderido ao seguro.
(…) 3) Objeto do seguro
Prestações no domínio dos cuidados de saúde, podendo compreender:
 Prestações de cuidados médicos e clínicos em rede convencionada;
 Prestações relativas a cuidados médicos na forma de reembolso de despesas;
 Serviços de assistência.
(…) 5) COBERTURAS
(…) O plano de garantias a considerar é o previsto na tabela seguidamente apresentada, do qual consta para cada tipo de cobertura:
 Capitais seguros;
 Comparticipação garantida em caso de cuidados prestados em rede convencionada;
 Franquia anual agregada para cuidados médicos em rede convencionada;
 Comparticipação a reembolsar em caso de cuidados prestados fora da rede convencionada.
O plano de garantias contempla as seguintes coberturas:
 Assistência clínica em regime hospitalar;
 Parto, cesariana, interrupção voluntária da gravidez;
 Assistência clínica em regime ambulatório;
 Consultas
 Consultas domiciliárias
 Consultas em atendimento permanente
 Tratamentos
 Estomatologia;
 Medicamentos;
 Próteses e ortóteses.
(…)” - cfr. fls. 72 e ss. dos autos;
4) Através de despacho datado de 04/02/2020, exarado sobre a informação nº 024DCLAAG2020, foi aprovada a decisão de contratar, com vista à celebração do contrato de seguros de pessoas e aquisição de serviços de corretagem para as empresas do grupo A............ para o período de 01/05/2020 a 20/04/2021, extraindo-se da fundamentação aduzida na referida decisão, em súmula, o seguinte:
“(…) I. ÂMBITO. JUSTIFICAÇÃO DA NECESSIDADE DE CONTRATAR E IDENTIFICAÇÃO DOS OBJETIVOS A ALCANÇAR
No dia 19/05/2017 foi celebrado o Acordo Quadro em matéria de seguros de pessoas entre as empresas do G............., onde se integra a A............ Ambientais, na qualidade de Entidade Adjudicante, e as seguradoras F............., SA, V..........., SA, A........... - Sucursal em Portugal, G.........., SA, L.........., SA, e G.........., SA. (designadas como co-contratantes) que asseguram a cobertura de todos os grupos de seguros, que a seguir identificamos:
• Seguros de acidentes de trabalho e coberturas ou garantias complementares que lhes sejam normalmente associadas ou associáveis;
• Seguros de vida e coberturas ou garantias complementares que lhes sejam normalmente associadas ou associáveis;
• Seguros de acidentes pessoais e coberturas ou garantias complementares que lhes sejam normalmente associadas ou associáveis;
• Seguros de saúde.
O referido Acordo Quadro, que vigorou pelo prazo de 3 (três) anos, disciplinou as relações entre as partes e estabeleceu o quadro para a celebração de contratos de seguros pelas diversas empresas do G............., os quais, nos termos da Cláusula 29.ª, n.º I, tinham duração de 1 (um) ano.
Neste contexto, ao abrigo do disposto na Cláusula 17.ª, n.º 1, do Acordo Quadro, foram celebrados entre as empresas do G............. e as seguradoras co-contratantes do Acordo Quadro, contratos de aquisição de serviços que asseguraram a cobertura dos riscos quanto aos seguros acima enunciados nos períodos compreendidos entre I de maio de 2017 e 30 de abril de 2018, entre 01 de maio de 2018 e 30 de abril de 2019 e entre 01 de maio de 2019 a 30 de abril de 2020,
Por conseguinte, conforme decorre explicitamente da condição do parágrafo anterior, o contrato em vigor tem término em 30 de abril de 2020. Perspetivando a necessidade de se constituírem novos contratos que garantam a continuidade da transferência dos riscos mencionados, torna-se necessário desenvolver de imediato diligências para garantir a preparação e tramitação dos preceitos pré-contratuais para a celebração de contratos que assegurem a prestação de serviços de seguros para o período subsequente.
(…) Paralelamente, por efeito da Cláusula 63.ª, n.º 1, do acordo coletivo firmado entre as empresas do G............. e o S.......... e o SINTAP - Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos, assim como de idêntica disposição do acordo coletivo firmado entre as empresas do G............. e o STAL - Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins, ambos publicados no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 41, de 8 de novembro de 2018, constitui obrigação das empresas signatárias a contratação, em benefício dos trabalhadores das empresas e dos respetivos cônjuges não separados de pessoas e bens ou equiparados (pessoas em união de facto com o trabalhador) e filhos ou equiparados (enteados ou adotados), de um seguro de saúde, cuja contratualização se mostra igualmente necessário assegurar.
(…)” - cfr. ficheiro “Info decisao de contratar, mandatos e peças” no PA apenso aos autos;
5) O universo total de trabalhadores e elementos do respectivo agregado familiar abrangidos pelo contrato de seguro objecto do procedimento identificado no ponto 1) antecedente, cifra-se em 8988 – cfr. fls. 549 e ss. dos autos;
6) Em 11/03/2020, as CI apresentaram proposta no procedimento identificado no ponto 1) que antecede, para o Lote 1, no valor de 3.376.509,36 € – cfr. fls. 154 e ss. dos autos;
7) Em 13/03/2020, as AA. apresentaram proposta no procedimento identificado no ponto 1) antecedente, para o Lote 1, no valor de 3.329.296,26 € - cfr. fls. 154 e ss. dos autos;
8) Por despacho do Conselho de Administração da A.......... - A............, …, S.A., datado de 08/04/2020, exarado sobre o Relatório Final de Análise e Avaliação das Propostas elaborado pelo júri do procedimento em 07/4/2020, foi adjudicado o Lote 1 ao Concorrente nº 2 - A.........., pelo valor de 3.329.296,26 € – cfr. fls. 170 e ss., 394 e 395 dos autos;
9) Por decisão do Conselho de Administração da A............, de 24/04/2020, foi determinada a caducidade da adjudicação mencionada no ponto anterior, bem como, a adjudicação do Lote 1 do concurso público identificado em 1) à proposta da concorrente nº 1 – M......................, pelo valor de 3.376.509,36 € - cfr. fls. 397 e ss., 483 e 484 dos autos;
10) Em 12/05/2020, foi celebrado entre as entidades ora demandadas e a CI F............ –S.A. o contrato de aquisição de seguros de saúde para as empresas do grupo A............, que vigora pelo período de um ano, com início de vigência no dia 1 de Maio de 2020 – cfr. fls. 485 e ss. dos autos;
11) Em 12/05/2020 foi celebrado entre as entidades ora demandadas e a C…….., S.A. o contrato de aquisição de serviços de corretagem dos seguros de saúde contratados pelas Empresas Seguradas no âmbito do “Concurso Público para a celebração de contratos de seguros de pessoas e aquisição de serviços de corretagem para as empresas do Grupo A............”, que vigora entre o dia 1 de Maio de 2020 e o dia 30 de Abril de 2021 – cfr. fls. 519 e ss. dos autos;
12) Em 08/10/2018, as empresas do G............. e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e da Energia e o SINTAP – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos, celebraram um “acordo colectivo de trabalho” destinado a disciplinar as relações entre as empresas do G............. e os trabalhadores ao seu serviço representados pelas associações sindicais, extraindo-se do teor dos referidos ACT, designadamente, o seguinte:
“(…) Cláusula 63.ª
Seguro de saúde
1- As empresas contratarão um seguro de saúde para os seus trabalhadores, que será extensível aos respetivos cônjuges não separados de pessoas e bens ou equiparados (pessoas em união de facto com o trabalhador) e filhos ou equiparados (enteados ou adotados). (…)” - cfr. Boletim do Trabalho e Emprego nº 41, de 08/11/2018, consultável em http://bte.gep.mtsss.gov.pt/completos/2018/bte41_2018.pdf.
13) Com data de 18/05/2020, a C............, S.A. comunicou ao Grupo A............, designadamente, o seguinte: “(…) Ao abrigo do disposto nas cláusulas 9.ª e 36.ª, n.º 1, do contrato de seguro assinado no dia 12 de maio de 2020, com as empresas do Grupo A............, venho por este meio comunicar que a F............., S.A., foi citada no passado dia 15 de Maio de 2020 para os termos de ação de Contencioso Pré-Contratual intentada pela O........., S.A., e pela A............., S.A., com vista a anular a respetiva adjudicação, a qual corre termos nos autos do processo n.º 865/20.0BELSB, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o que determina a suspensão da execução do referido contrato, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e a consequente impossibilidade de execução do contrato e respetivas obrigações.
Neste contexto, mantendo-se o efeito suspensivo do contrato sem que ocorra o levantamento nos termos do n.º 4 do artigo 103.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ou a adoção de diligências por parte das empresas do G............., nomeadamente ao nível da promoção de procedimento de contratação pública que vise colmatar a situação vigente, informamos que está suspensa a utilização dos cartões de saúde da rede M........., bem como a comparticipação em caso de cuidados prestados na rede convencionada (M.........), com necessidade de ressarcimento das quantias suportadas indevidamente pela F............., S.A., em despesas relativas às diversas coberturas do seguro de saúde. (…)” - cfr. fls. 548 dos autos;
14) As Entidades Demandadas encontram-se a preparar a adjudicação de um procedimento de ajuste directo, ao abrigo do disposto no art. 24º, nº 1, al. c), do CCP, a fim de contratar a aquisição de seguros de saúde para os seus colaboradores – por acordo.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo são:
- aferir do erro no julgamento da matéria de facto por a decisão recorrida ser omissa em relação aos seguintes factos que foram alegados nos art.ºs 45.º, 46.º, 47.º, 84.º, 85.º e 86.º do requerimento para o levantamento do efeito suspensivo automático, que estão provados por via dos documentos disponíveis nos links referidos nos indicados artigos:
- “15) Os contratos para a aquisição dos serviços aos quais os contratos suspensos pela presente ação se destinavam a dar continuidade cessaram a sua vigência em 30/04/2020”;
- “16) As Rés aprovaram planos de contingência para fazer face à pandemia da COVID-19, que determinam que, por forma a minimizar os riscos de contágio, a organização do trabalho é feita, nomeadamente, através da organização de turnos sem contacto pessoal e da constituição de equipas de reserva em isolamento para substituição em caso de necessidade”;
- “17) As Rés debatem-se com falta de trabalhadores para assegurar plenamente as atividades de serviço público que lhes são cometidas.”;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 103.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 342.º do Código Civil (CC), 20.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 365.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art.º 1.º do CPTA, do princípio da tutela judicial efectiva e do art.º 2.º, n.º 5, da Directiva 89/665/CE, de 21/12/1989, na redacção dada pela Directiva 2007/66/CE, de 11/12/2007, porque a prova que vem requerida pelo Tribunal ad quo, para deferir a providência, é uma verdadeira prova diabólica e é desproporcional, pois estamos no âmbito de uma prova sumária, que se basta com a susceptibilidade da lesão do interesse público e não requer prova da efectiva lesão e, ainda, porque o Tribunal faz uma interpretação demasiada restrita do art.º 103.º-A, do CPTA e que se alheia à ponderação dos interesses em presença;
- aferir do erro decisório porque atendendo à prova feita nos autos vem comprovada a existência de danos graves para o interesse público, designadamente, os decorrentes do comprometimento no acesso, a cerca de 9000 pessoas, a um conjunto de actos médicos, o que pode ter consequências irreversíveis na sua saúde, assim como, os advenientes da circunstância do seguro contratado - que inclui a cobertura de doenças infecto-contagiosas em situação de epidemia declarada - ser essencial para a garantia da prestação de cuidados de saúde aos trabalhadores em questão, que prestam serviços essenciais e são em número exíguo, podendo haver falhas de serviço por os indicados trabalhadores não terem acesso ao seguro adjudicado e, também, porque a falta da cobertura consubstancia uma violação das cláusulas 63.º, n.º 1, do ACT acordado, do art.º 521.º do Código de Trabalho (CT) e constitui uma contra ordenação laboral e, igualmente, porque o não levantamento da suspensão de eficácia implica que hajam maiores gastos operacionais decorrentes da contratação por ajuste directo de um outro seguro, gastos esses que terão de repercutir-se nos aumentos de tarifários cobrados pelas Recorrentes aos Municípios e população.

Nos termos dos art.ºs 636.º, n.º 2 e 640.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), podem as partes, nas respectivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.
Mas o artigo 640.º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo Tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no Tribunal superior daquela que teve o Tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este Tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo Tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o Tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Pretendem os Recorrentes que sejam aditados à matéria de facto os seguintes factos, que dizem alegados nos art.ºs 45.º, 46.º, 47.º, 84.º, 85.º e 86.º do seu requerimento e provados por via dos documentos disponíveis nos links referidos nos indicados artigos:
- “15) Os contratos para a aquisição dos serviços aos quais os contratos suspensos pela presente ação se destinavam a dar continuidade cessaram a sua vigência em 30/04/2020.”;
- “16) As Rés aprovaram planos de contingência para fazer face à pandemia da COVID-19, que determinam que, por forma a minimizar os riscos de contágio, a organização do trabalho é feita, nomeadamente, através da organização de turnos sem contacto pessoal e da constituição de equipas de reserva em isolamento para substituição em caso de necessidade.”;
- “17) As Rés debatem-se com falta de trabalhadores para assegurar plenamente as atividades de serviço público que lhes são cometidas.”.
Apreciado o requerimento para o levantamento do efeito suspensivo automático, constata-se, que neste não são alegados factos de forma minimamente separada das alegações de Direito. O referido requerimento é, antes, uma extensa mescla de 172.º artigos, onde se discorre sobre o pedido formulado alternando as alegações fácticas e jurídicas.
Por seu turno, apreciado o alegado nos art.ºs 45.º, 46.º, 47.º, 84.º, 85.º e 86.º do requerimento dos Recorrentes, é manifesto que os art.ºs 46.º e 86.º constituem alegações conclusivas e juízos de valor e não puros factos da vida e os art.ºs 47.º, 84.º, são, igualmente, alegações parcialmente conclusivas e que incluem juízos de valor.
Sem embargo, admite-se que a partir das alegações feitas nos indicados artigos se possa retirar o facto que ora é indicado como facto 15), a saber, que “Os contratos para a aquisição dos serviços aos quais os contratos suspensos pela presente ação se destinavam a dar continuidade cessaram a sua vigência em 30/04/2020”.
Porém, tal facto não fica indiscutivelmente provado a partir do documento para o qual se remete indicando o correspondente link de acesso – isto é, o contrato de seguro de pessoas. Tal contrato será um dos contratos celebrados, que não prova indiscutivelmente, sem margem para dúvidas, que os contratos que ficaram suspensos por via da presente acção visavam dar continuidade a outros contratos idênticos, que abrangiam o mesmo universo de serviços e que terminaram todos a sua vigência em 30/04/2020.
Quanto ao facto que se indica em 16), constitui uma fusão entre o facto alegado no art.º 85.º e parte das alegações conclusivas inclusas no art.º 84.º do requerimento dos ora Recorrentes.
Tal facto irreleva para a matéria da causa, pois a aprovação de planos de contingência e os seus termos nada interessam para a decisão a tomar no litígio.
Por último, a asserção referida com o n.º 17) vem alegada no art.º 86.º em termos totalmente conclusivos, pois aí o que se afirma é que é “do conhecimento público a falta de trabalhadores com que se debatem as empresas do G.............” – algo diferente da alegação ora feita com o n.º (17.
Sem prejuízo, o que se alega em 17), para além de também irrelevar para a decisão do litígio - não fica plenamente provado a partir dos links para os quais se remetem, relativos a notícias da comunicação social.
Em suma, claudica o invocado erro no julgamento da matéria de facto.

Nos termos dos art.ºs. 120.º, n.º 2, 103.º-A, n.ºs. 2 e 4, do CPTA e 342.º, n.º 1, do Código Civil (CC), para que proceda o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, exige-se que esteja alegado pela Entidade demandada (ou pelos Contra-interessados) e que resulte provado nos autos que tal efeito provoca um grave prejuízo para o interesse público ou que daí derivam consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. Verificados tais prejuízos ou consequências, há, depois, que fazer um juízo ponderativo entre todos os interesses envolvidos – públicos e privados – que se orienta por um critério de proporcionalidade, passando a aferir-se se os danos que resultariam da manutenção do indicado efeito são superiores aos que venham a resultar do seu levantamento. Concluindo-se pela superioridade dos danos resultantes da manutenção do efeito suspensivo automático face aos que advêm do seu levantamento, então, há que deferir o pedido de levantamento.
Este novo instituto tem por base o regime instituído na Directiva 2007/66/CE, de 11/12/2007 (Directiva Recursos), que nos considerandos 22 e 24 refere o seguinte: “No entanto, para assegurar a proporcionalidade das sanções aplicadas, os Estados-Membros podem permitir que a instância responsável pela decisão do recurso não ponha em causa o contrato ou lhe reconheça determinados efeitos, ou todos eles, caso as circunstâncias excepcionais do caso em apreço exijam o respeito de certas razões imperiosas de interesse geral. Nesses casos deverão, em vez disso, ser aplicadas sanções alternativas. A instância de recurso independente da entidade adjudicante deverá analisar todos os aspectos relevantes a fim de estabelecer se existem razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos efeitos do contrato (…)
O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excepcionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. No entanto, não deverá constituir razão imperiosa o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa”.
Com o efeito suspensivo do acto de adjudicação visa-se, assim, tornar efectiva a via contenciosa, garantindo ao respectivo impugnante o poder de fazer paralisar a contratação em curso, obstando à celebração e execução do contrato e, dessa forma, à eventual lesão do interesse que se quis acautelar por via da interposição da correspondente acção. Ou seja, com tal efeito suspensivo pretende-se impedir a ocorrência de situações de facto consumado, decorrentes da celebração e execução do contrato, e assegurar, caso a acção venha a ser ganha, que o referido impugnante tem uma real hipótese de vir a executar o contrato em questão.
Pressupõe-se, portanto, que quem impugna um acto pré-contratual tem à partida o direito a ver o procedimento concursal imediatamente suspenso, até que a correspondente acção seja definitivamente dirimida, situação que só pode ser invertida em situações atípicas ou extraordinárias, quando ocorram prejuízos ou danos graves e claramente desproporcionais para os interesses públicos ou contrapostos.
Em suma, conforme o preceituado no art.º 103.º-A, n.ºs. 2 e 4, do CPTA, o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático só pode ser julgado procedente quando:
(i) a manutenção dos efeitos suspensivos do acto de adjudicação implique um grave prejuízo para o interesse público ou produza consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
(ii) e, ainda, se feito um juízo de proporcionalidade, se verificar que os danos que resultariam da manutenção do indicado efeito para os interesses da Entidade demandada ou dos Contra-interessados são superiores aos que venham a resultar do seu levantamento para o autor da acção de contencioso pré-contratual.
No que concerne à alegação - e prova - do preenchimento dos pressupostos para o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo, competem ao respectivo requerente, isto é, competem à Entidade demandada ou aos Contra-interessados.
Por seu turno, alegado o preenchimento dos indicados pressupostos pelo requerente do pedido, o A. na acção poderá contraditar os factos que fundam o invocado grave prejuízo para o interesse público, ou a verificação das consequências lesivas claramente desproporcionadas, ou a existência de danos superiores para a Entidade demandada ou para os Contra-interessados com a manutenção do efeito suspensivo, face àqueloutros que o A. defende na acção.
Quanto à prova do grave prejuízo para o interesse público e da produção de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, é uma prova sumária, feita com base indiciária, não prova plena.
Contudo, essa prova tem de referir-se a prejuízos existentes, concretos, ou a consequências que ocorram efectivamente, não a meras possibilidades ou susceptibilidades eventuais e teóricas.
Na verdade, só com a alegação e prova - ainda que sumária - de tais prejuízos ou consequências, o Tribunal pode efectivar o juízo ponderativo dos interesses em jogo à luz do indicado critério de proporcionalidade.
Como se indica no Ac.do TCAN n.º 02801/19.7BEPRT-S1, de 30/04/2020, “A decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático depende dos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem uma aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos (cfr. entre muitos outros, os acórdãos do TCA Sul de 04/10/2018, Proc. nº 722/18.0BELSB-S1; de 07/03/2019, Proc. nº 848/18.0BESNT-S2; de 19/12/2017, Proc. nº 205/17.5BEPRT e de 28/02/2018, Proc. nº 2597/16.4BELSB-A, estes dois últimos por nós então relatados, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca).” cf. também, os Ac.s n.º 02326/19.0BEPRT-S1, de 14/02/2020 e do TCAS n.º 1904/16.4BELSB-A, de 04/10/2017.
Ora, a exigência da alegação de factos concretos e relativos a prejuízos e consequências realmente existentes ou efectivos e à sua prova – sumária -, só por si, não implica uma interpretação demasiada restrita do citado art.º 103-A, do CPTA, ou uma prova diabólica e desproporcional.
Como já se referiu, com os efeitos suspensivos do acto de adjudicação – ou da execução do contrato, quando este já tenha sido celebrado - pretende-se garantir o interesse (público) correspondente à própria legalidade ou respeito pela legislação nacional e comunitária em sede de contratação pública e assegurar uma tutela efectiva por banda dos particulares concorrentes, valores que foram eleitos pelo legislador como primordiais ou preponderantes em sede de contratação pública. Assim, só em casos limite ou excepcionais se considerou poder perigar a efectividade da tutela judicial, designadamente, porque se lhe retire os efeitos de “congelamento” da contratação em curso.
Logicamente, quando o legislador - europeu e nacional – impôs o regime da suspensão automática do acto de adjudicação e reduziu as possibilidades do seu levantamento aos casos excepcionais, pressupôs que todas as consequências naturais, normais, coevas, ou imediatamente decorrentes da não execução imediata do contrato seriam prejuízos que se assumiam como necessários e que se tinham como não tão relevantes quanto os interesses que se queriam proteger por via da aplicação do referido instituto da suspensão automática do acto de adjudicação.
Por conseguinte, só quando tais prejuízos excedessem a normalidade, ou se tornassem gravemente prejudiciais, ou claramente desproporcionais, haviam os mesmos de ser tomados em conta e ponderados frente aos interesses do impugnante do acto de adjudicação.
Logo, para que se possa afastar o indicado regime é necessário, primeiro, que a Entidade demandada ou os Contra-interessados venham alegar e provar a existência de tais efeitos extraordinários – gravemente prejudiciais ou de lesividade claramente desproporcional – e, depois, terão os mesmos que alegar e provar que os danos que para si resultam da manutenção do efeito suspensivo do acto de adjudicação são superiores aos que podem resultar para o A. da acção com a não suspensão desse acto. Ou seja, a Entidade demandada ou os Contra-interessados terão de alegar e provar que a não execução imediata do contrato provoca danos superiores àqueles que possam resultar da sua execução diferida. Terão a Entidade demandada e os Contra-interessados que alegar e provar que a impossibilidade de execução do contrato pelo A. na acção – uma vez tendo ganho a causa – e o consequente ressarcimento do seu prejuízo pela via indemnizatória - ao invés da reconstitutiva - é um dano inferior àquele que resultará da execução imediata do contrato por um outro concorrente, com os correspondentes efeitos dessa mesma execução imediata. Basicamente, terá de ser alegado e provado que a execução imediata do contrato por um outro concorrente é um interesse superior à perda dessa possibilidade pelo A. da acção e ao decorrente pagamento da correspondente indemnização por impossibilidade de execução de um (possível ou eventual) julgado anulatório.
Por conseguinte, face à matéria factual que ficou provada na sentença recorrida, no caso em apreço não é possível concluir pela verificação dos indicados pressupostos para o levantamento do efeito suspensivo automático do acto que determinou a caducidade da adjudicação e do subsequente acto de adjudicação à proposta das Contra-interessadas, pois nos autos não ficou provada nem a existência de um grave prejuízo para o interesse público, nem a verificação de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, nem ficou certo que os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos que venham a resultar do seu levantamento.
O que se discute nos autos é a adjudicação de um seguro de saúde para cobrir as eventualidades correspondentes para o universo dos trabalhadores dos Recorrentes e das suas famílias, para um universo de cerca de 9000 pessoas. Tal contrato teria a duração de 12 meses, terminando em 01/05/2021, isto é, terminaria daqui a cerca de 4 meses.
Aceita-se que a suspensão do acto de caducidade da adjudicação e da subsequente contratação de tal seguro às Contra-interessadas implique que aquele universo de pessoas fique privada de aceder em condições económicas mais benéficas a um conjunto de actos médicos, tal como clamam os Recorrentes. Porém, tal não significa que tais pessoas não possam aceder, tout court, a tais actos médicos, vg. pagando-os de forma diversa, ou que fiquem privados de apoio na saúde, pois em situação de doença poderão, como os demais cidadãos, recorrer a esses serviços privados ou ao SNS. Ou seja, a privação do seguro cuja adjudicação se suspendeu apenas priva os trabalhadores dos Recorrentes e respectivas famílias de acederem às vantagens e coberturas desse seguro, nas condições estabelecidas, não os privando, necessariamente, dos cuidados médicos que carecem.
Quanto às consequências irreversíveis na saúde de tais pessoas, não ficou provado nos autos que algum dos trabalhadores dos Recorrentes ou dos seus familiares, por via da suspensão da adjudicação e do não acesso ao novo contrato de seguro fique privado de cuidados médicos e daí decorram as invocadas consequências irreversíveis na sua saúde. Aliás, tal como decorre das alegações dos Recorrentes, porque ficou suspensa a nova contratação, as empresas públicas ora Recorrentes celebraram por ajuste directo um novo contrato de seguro temporário para assim garantirem que os seus trabalhadores e famílias não ficavam privados de tal protecção acrescida.
Aliás, a alegação dos Recorrentes relativa ao prejuízo na saúde dos seus trabalhadores e familiares é uma alegação feita em termos totalmente genéricos e conclusivos, pois os Recorrentes não apontam um único caso concreto em que ocorra tal prejuízo em termos reais, efectivos.
Quanto à invocada exiguidade de trabalhadores para fazer face ao serviço em questão, para além de ser uma invocação que não ficou minimamente provada, é também irrelevante para o litíigio, pois não há qualquer relação causal entre a indicada falta de recursos e a celebração de um seguro de saúde. De referir, que os Recorrentes também não explicitam como é que a adjudicação e a celebração de um seguro de saúde debelariam a invocada exiguidade de recursos. O mesmo ocorre com as alegadas falhas no serviço de abastecimento de água caso não seja adjudicado e celebrado o contrato de saúde em beneficio dos trabalhadores dos Recorrentes e suas famílias.
Por seu turno, é relativamente manifesto que estando a adjudicação suspensa por força do efeito legal automático, não pode ser imputável aos Recorrentes a alegada contra-ordenação laboral. No mais, essa contra-ordenação efectivamente não ocorrerá, pois os Recorrentes também alegaram que celebraram já, por ajuste directo, um seguro temporário, para garantir que os seus trabalhadores e famílias se manteriam a usufruir de tal vantagem.
Por último, o prejuízo que se invoca com os gastos superiores que advém da celebração um contrato de seguro por ajuste directo, para acautelar a situação dos trabalhadores dos Recorrentes e suas famílias durante o tempo em que o processo judicial corre e durante o tempo em que a adjudicação está suspensa, é um prejuízo que não pode justificar o afastamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, sob pena de se defraudar o próprio fim que se pretendeu atribuir àquele efeito, como já se disse.
Em suma, considerando a factualidade que ficou dada por provada na decisão recorrida teremos de concluir que nos presentes autos não está demonstrada a existência de um grave prejuízo para o interesse público, ou produção de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, caso não seja levantado o efeito suspensivo automático do acto de adjudicação.
Como acima se disse, a alegação e prova da existência de tais prejuízos ou consequências lesivas competia à Entidade demandada ou ao Contra-interessado.

Assim, não tendo ficado provados os factos a partir dos quais se possa inferir a existência dos indicados prejuízos ou consequências, o presente incidente tinha, fatalmente, de improceder.
Acompanha-se, portanto, a decisão recorrida, designadamente quando na mesma se decidiu, e bem, da seguinte forma:Quanto à alegada falta de cobertura dos trabalhadores das empresas do G............. e dos respectivos agregados familiares por um seguro de saúde e aos invocados prejuízos que, segundo as ora Requerentes, advêm quer para a saúde desses colaboradores, quer para os orçamentos de cada agregado familiar dos trabalhadores do G............., determinando a oneração dos mesmos com custos e encargos na obtenção de cuidados de saúde, podendo ainda comprometer um conjunto de actos médicos, por os agregados familiares dos trabalhadores do grupo não terem meios económicos para os custearem, importa referir que, em rigor, o que está em causa com a manutenção do efeito suspensivo automático associado à instauração do presente processo de contencioso pré-contratual é o acesso à comparticipação das prestações no domínio dos cuidados de saúde abrangidas pelo contrato de seguro de saúde e não o acesso a determinados cuidados de saúde de que os colaboradores das Demandadas necessitam ou possam vir a necessitar.
E considerando que o acesso a cuidados de saúde, em geral, poderá ser feito, quer através do recurso à rede de prestadores privados, a título particular ou no âmbito de outros eventuais contratos de seguro, quer através do serviço nacional de saúde, não alegaram e demonstraram as ED, através de factos concretos, por um lado que, por força da suspensão em causa nos autos ocorrerá uma efectiva redução dos cuidados médicos de que necessitem os seus trabalhadores, nem, por outro lado, que a manutenção do efeito suspensivo do contrato celebrado provocará, na esfera de cada trabalhador e respectivo agregado familiar, consequências lesivas claramente desproporcionadas.
De resto, a este propósito, as ED aludem às “inequívocas e evidentes implicações nos orçamentos de cada agregado familiar dos trabalhadores do G.............”, contudo, tais evidentes implicações correspondem à perda do benefício económico da comparticipação e do benefício de poder aceder, por força dessa comparticipação, a uma rede mais ampla de prestadores de cuidados de saúde, mas tal, para além de consubstanciar a consequência normal e directa da inexecução do contrato, não permite concluir, como fazem as Demandadas, no sentido de que a perda, meramente temporária, desse benefício põe irremediavelmente em causa a saúde de todos os colaboradores das Demandadas e dos familiares abrangidos pelo seguro ou a prestação de cuidados médicos de que necessitem, os quais sempre poderão ser assegurados, ainda que de modo mais oneroso ou menos conveniente, sem o seguro aqui em causa.
Desconhecendo-se, por nada de concreto ter sido alegado nesse sentido, e como observam as AA. na resposta ao presente incidente, se as pessoas seguras abrangidas pelo contrato em causa nos autos, ora suspenso, beneficiam de qualquer outro seguro de saúde ou subsistema de saúde que comparticipe eventuais cuidados de saúde, em rede convencionada; se existe a invocada incapacidade económica dos trabalhadores e respectivos agregados familiares para custearem, na totalidade, os encargos incorridos com despesas de prestação de cuidados médicos e clínicos caso optem por recorrer à rede privada de estabelecimentos de saúde; ou, ainda, se se revela de todo impossível que a colectividade de trabalhadores e respectivos agregados cujos interesses as Demandadas também procuraram aqui defender aceda, em condições dignas e adequadas, a cuidados de saúde, tais como exames, consultas e demais intervenções médicas, de que necessitem no âmbito da rede de prestadores do SNS
Em suma, a propósito do acesso a cuidados de saúde por parte dos trabalhadores beneficiários do seguro, não lograram as ED alegar e, consequentemente, demonstrar que do protelamento da execução do contrato adjudicado resultam, para esses beneficiários, prejuízos/danos reais, concretos e efectivos, extraordinariamente gravosos, designadamente, decorrentes de uma impossibilidade absoluta de receberem as intervenções e tratamentos médicos de que necessitem, em virtude da ausência de cobertura do seguro de saúde contratado pelas ED, mesmo no actual contexto de pandemia provocada pela doença COVID-19.
Assiste, ainda, adiante-se, razão às AA. quando alegam que não foi trazido aos autos nenhum elemento de facto concreto e objectivamente demonstrável que permita estabelecer uma relação de causalidade entre a manutenção da suspensão dos contratos de seguros dos trabalhadores e a perturbação do funcionamento dos sistemas de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais.
De facto, considerando que o efeito suspensivo legalmente estabelecido apenas deverá ser levantado em situações absolutamente excepcionais, como foi intenção do legislador, compete ao requerente demonstrar que os danos/prejuízos alegados, para além de existirem efectivamente, resultam, causalmente, da suspensão dos efeitos do acto ou do contrato, que se pretende evitar.
Ora, no caso dos autos, as ED invocaram, ainda, que de entre o universo de pessoas seguras, assumem especial relevância as necessidades dos seus trabalhadores que, em número reduzido, exercem uma actividade operacional no domínio da prestação de serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais aos municípios utilizadores e às populações, os quais consubstanciam serviços essenciais, como reconhecido através do Despacho nº 3547-A/2020, do Ministro do Ambiente e da Acção Climática, pelo que a falta de qualquer recurso tem como reflexo a descompensação de equipas e a consequente falha de elementos para a execução do regime de trabalho implementado. Concluíram referindo que se mostra determinante, para evitar quebras de prestação de serviço público desenvolvido pelas ED, que os seus trabalhadores possam continuar a beneficiar do seguro de saúde, acedendo aos cuidados de saúde que necessitem.
Sucede que, não ficou minimamente demonstrado, à luz da factualidade enunciada nos autos, que a continuidade e ininterruptibilidade da prestação do serviço público essencial em causa – o abastecimento de água para consumo humano e saneamento de águas residuais urbanas – estejam de algum modo afectadas com a suspensão do contrato em causa nos autos, atendendo ao respectivo objecto, mostrando-se também aqui a alegação das ED meramente conjectural, afirmando que pretendem evitar eventuais quebras de prestação de serviço, mas sem demonstrar, com recurso a elementos concretos, que a quebra da prestação do serviço seja iminente ou muito provável e que resulta directamente da falta de colaboradores, motivada por questões de saúde, não demonstrando, designadamente, que possui um determinado número de colaboradores afectos à actividade operacional essencial cujo estado de saúde reclame a regular prestação de determinada assistência médica ou medicamentosa e que sem a comparticipação efectuada especificamente no âmbito dos contratos de seguro em causa nos autos, tal assistência ficaria irremediavelmente comprometida bem como, no limite, a possibilidade de exercerem a actividade profissional. A acrescer a essa prova, sempre seria necessário demonstrar, por outro lado, que a falta de um determinado colaborador, motivada pelas específicas circunstâncias acima enunciadas, redundaria, inevitavelmente, na quebra da prestação do serviço de abastecimento de água e saneamento de águas residuais.
Ora, nada nos autos permite extrair tal conclusão, afigurando-se, no mínimo, inverosímeis as consequências que as ED retiram, ao nível da continuidade da prestação do serviço público essencial que lhes está incumbido, da circunstância de o universo dos seus trabalhadores não se encontrar, neste momento, a beneficiar do seguro de saúde contratado por aquelas entidades.
Ficando por demonstrar, reitere-se, de que forma a suspensão do seguro de saúde aos trabalhadores das empresas em questão poria em causa a continuidade do serviço público essencial que as Demandadas prestam, no domínio do abastecimento e tratamento de águas residuais.
Invocaram, também, as ED a verificação de prejuízos decorrentes do risco de incremento da contestação sindical e laboral, que poderá prejudicar o funcionamento das empresas do G............. na prestação dos serviços de abastecimento de água e saneamento de águas residuais, o que configura um grave prejuízo para o interesse público dos municípios e das populações a quem esses serviços são prestados, a ter em conta.
Como se alcança do probatório, a decisão de contratar subjacente à abertura do procedimento adjudicatório em causa nos presentes autos, a respeito dos seguros de saúde dos colaboradores das empresas do G............., refere que se revelou necessário assegurar a contratualização de um seguro de saúde em benefício dos trabalhadores das empresas e dos respectivos cônjuges não separados de pessoas e bens ou equiparados (pessoas em união de facto com o trabalhador) e filhos ou equiparados (enteados ou adoptados) por força do disposto na cláusula 63ª, nº 1, do acordo colectivo firmado entre as empresas do G............. e o S.......... e o SINTAP - Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos, assim como de idêntica disposição do acordo colectivo firmado entre as empresas do G............. e o STAL - Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins.
Estipulando a aludida cláusula daqueles acordos colectivos que “As empresas contratarão um seguro de saúde para os seus trabalhadores, que será extensível aos respetivos cônjuges não separados de pessoas e bens ou equiparados (pessoas em união de facto com o trabalhador) e filhos ou equiparados (enteados ou adotados)”.
Ora, considerando que o facto de o contrato de seguro celebrado, em cumprimento do disposto na cláusula 63ª, nº 1, dos ACT supra referidos, se encontrar actualmente suspenso consubstancia uma consequência normal e inevitável da aplicação do instituto do efeito suspensivo automático, ficou também a este propósito por demonstrar a existência de prejuízos anormais, gravemente prejudiciais ou claramente desproporcionais. Sendo certo que a respeito da existência de contestação sindical/laboral, com consequências ao nível da perturbação do funcionamento das empresas do G............. e do serviço de abastecimento de água e saneamento de águas residuais pelas mesmas prestado, reportam-se as ED a prejuízos que se afiguram, desde logo, de verificação meramente eventual, não sendo a alegação de prejuízos meramente eventuais ou hipotéticos idónea para os efeitos ora visados.
O mesmo se diga no que concerne aos invocados prejuízos, de natureza económico-financeira, relacionados com a eventual aplicação de coimas em eventuais processos de contra-ordenação laboral que podem, no entendimento das Demandadas, ser instaurados por violação de disposição de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou, ainda, com a hipotética necessidade de ressarcir os montantes devidos aos beneficiários do seguro de saúde que possam vir reclamar, graciosa ou judicialmente, o pagamento das comparticipações devidas. Tratam-se, manifestamente, de prejuízos cuja ocorrência é hipotética e que, por essa razão, não são susceptíveis de fundamentar o levantamento do efeito suspensivo. De igual modo, se afigurando absolutamente hipotético o alegado aumento das tarifas pagas pelos utilizadores dos serviços públicos de abastecimento de água.
Para além disso, importa salientar que os prejuízos que as Demandadas invocam relacionados, quer com a contestação laboral, por alegado incumprimento dos ACT, quer decorrentes de suposta aplicação de coimas ou de eventual pagamento de comparticipações reclamadas pelos trabalhadores, para além de não poderem ser atendidos nesta sede pelos motivos enunciados, a factualidade provada indicia fortemente que não se irão verificar, na medida em que, e como as próprias Demandadas reconhecem nos autos, estão já a preparar uma contratação alternativa, segundo alegam, através de ajuste directo ao abrigo do disposto no art. 24º, nº 1, al. c) do CCP, com vista a assegurar os seguros de saúde dos seus trabalhadores. Inexistindo, assim, o invocado risco de contestação laboral, de suposta violação da cláusula 63º dos ACT ou, ainda, de ressarcimento de montantes alegadamente devidos aos beneficiários, em caso de hipotéticas reclamações.
Quanto às alegadas “perdas no plano da imagem e da reputação para as empresas do G.............”, cabe apenas referir que não se vê, e as ED também não concretizam, de que forma a suspensão dos seguros de saúde aqui em causa, aplicada por imposição legal e associada automaticamente à impugnação do acto de adjudicação praticado no procedimento, prejudica a imagem e a reputação das empresas do G..............
Ademais, no que diz respeito aos invocados custos acrescidos que acarretará para as Demandadas a celebração de um novo contrato para assegurar temporariamente o objecto do contrato suspenso, também este argumento não pode justificar o afastamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, “sob pena de se defraudar o próprio fim que se pretendeu atribuir àquele efeito”, não devendo “tal interesse económico ser necessariamente entendido como um grave prejuízo para o interesse público” (neste sentido cfr. o aresto do TCA Sul, de 09/05/2019, proferido no proc. nº 601/18 - disponível em www.dgsi.pt), também não atingindo o patamar de gravidade exigível nesta sede o facto de a contratação alternativa que as Demandadas afirmaram pretender realizar não se realizar nas mesmas condições das contratadas através do procedimento ora suspenso, designadamente no que respeita à invocada componente dos serviços de corretagem.
Acresce que, não obstante se antever que o interesse das AA. na manutenção do efeito suspensivo é, desde logo, o interesse particular de qualquer concorrente com expectativas de vir a ser o escolhido e das vantagens/benefícios que poderá retirar de uma eventual adjudicação, não se pode olvidar que a impossibilidade absoluta de reconstituição da situação material hipotética, no caso de eventual procedência da acção de impugnação do acto de adjudicação, é algo que se visa afastar com a imposição de um efeito suspensivo automático, e, consequentemente, o interesse das AA. celebrarem elas próprias o contrato com as ED é, em abstracto, tutelado pelo legislador, que não se basta, neste contexto, com a possibilidade da reintegração da esfera jurídica das impugnantes através de uma tutela meramente indemnizatória.
Por essa razão, o levantamento do efeito suspensivo depende, como se viu supra, de limites absolutos, isto é, de haver prejuízo grave para o interesse público ou consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. O que não se verifica no caso vertente.
Cumprindo, por fim, salientar que a questão da (i)legalidade da actuação administrativa e, consequentemente, da viabilidade das pretensões formuladas pelas AA. no processo, a que também aludem as ED no seu requerimento inicial, não constitui critério de decisão do presente incidente, como se retira do disposto no art. 103º-A, nº 4, do CPTA.
Face a todo o exposto, não tendo as ED alegado e demonstrado a existência de efeitos extraordinários gravemente prejudiciais para a prossecução do interesse público ou de lesividade claramente desproporcional para os interesses em presença, tal implica, por si só, o indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo, inviabilizando qualquer juízo de ponderação.”

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelos Recorrentes, em partes iguais (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.