Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04855/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/20/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”). CONCEITO E ÂMBITO DESTA NULIDADE.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
MECANISMO DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
ARTº.35, Nº.5, DO C.I.V.A. FORMALIDADES “AD SUBSTANTIAM”
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes.

2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma.

3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário).

5. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.

6. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

7. A determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante.

8. O mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.

9. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.

10. Contrariamente à dedutibilidade em sede de I.R.C., inexistindo factura ou documento equivalente com os requisitos do artº.35, nº.5, do C.I.V.A., fica logo afastada a dedutibilidade do I.V.A. E recorde-se que é posição unânime na jurisprudência dos Tribunais Superiores que tais requisitos consubstanciam verdadeiras formalidades “ad substantiam”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“L……… - COMÉRCIO …………….., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.48 a 59 do processo, através da qual julgou totalmente improcedente impugnação pela recorrente intentada, visando actos de liquidação de I.V.A., relativos aos anos de 1999, 2000 e 2001 e no montante total actual de € 182.290,42, acrescido de juros compensatórios.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.86 a 91 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Uma das outras questões a decidir, ademais, reconhecida na contestação da D.R.F.P., é a da apresentação dos documentos contabilísticos pelo S.P. à A.T., cuja posse se prolongou por diversos meses, e respectiva validade dos mesmos, demonstrando que as correcções ao I.V.A. deduzido não tinham qualquer fundamento;
2-Cujo reconhecimento, por parte da D.R.F.P., é realizado na alínea b), no articulado 10, páginas 3 de 9 da informação que integra a contestação da D.R.F.P., por remissão do ponto 4 desta;
3-É precisamente através destes documentos contabilísticos, cuja posse, pela A.T. perdurou por diversos meses que se conclui pela dedução correcta do I.V.A., realizada pelo S.P.;
4-A douta decisão do Tribunal “a quo”, decide colar a sua posição à de uma das partes sem que se pronuncie sobre a matéria;
5-A omissão de pronúncia sobre a documentação junta aos autos constitui nulidade da sentença, justamente, por assentarem as correcções levadas a efeito, na ausência dessa documentação;
6-Para mais, porque se retira que a decisão do Tribunal teve por base que o S.P. nem sequer apresentou documentos demonstrando as deduções de I.V.A. efectuadas;
7-Com todo o respeito, a contabilidade e respectivos documentos de suporte foram entregues na Direcção de Finanças de Lisboa, dos exercícios de 1999, 2000 e 2001, perante o Técnico responsável Drª. Maria …………….. (sete dossiers, com entrada naqueles Serviços a 5 de Setembro de 2005);
8-A 6 de Outubro de 2005, foi apresentado mais um dossier, com vária documentação, na Direcção de Finanças de Lisboa;
9-A 1 de Fevereiro de 2006 dá entrada na Direcção de Finanças, oito dossiers, contendo a restante documentação solicitada;
10-Toda esta documentação foi devolvida ainda no início de 2006, antes ainda da decisão proferida sobre a petição de reclamação graciosa;
11-Presumindo a aqui recorrente, que por ser demasiada, a A.T. tivesse apenas procedido à consulta dos documentos, por simples amostragem;
12-Sobre a notificação no início do procedimento, demonstra a impugnante a falta de prova existente no processo sobre as alegadas notificações para início do procedimento inspectivo;
13-A douta sentença do Tribunal “a quo” considera irrelevante, e omite qualquer pronúncia;
14-A impugnante demonstra que o mote para o procedimento inspectivo, a recusa de exibição de escrita, é ilegal e simultaneamente demonstra as ilegalidades e preterições de formalidades legais concernentes ao início do procedimento inspectivo;
15-O não recebimento das comunicações legais e obrigatórias que precedem o procedimento inspectivo são motivo para a anulação do mesmo;
16-A falta de análise e pronúncia na douta sentença do Tribunal “a quo”, sobre matéria extremamente relevante, inquina a decisão, ademais, integrando a legislação sobre notificação para início do procedimento inspectivo, carácter especial, em relação à demais sobre notificações;
17-Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exª. devem as presentes alegações ser recebidas, por em tempo, concedendo-se provimento ao recurso, determinando a douta decisão do Tribunal “ad quem” a revogação da decisão proferida em 1ª. Instância por omissão de pronúncia em questões a que estava obrigada. Em alternativa considerar correctos os valores de I.V.A. deduzidos anulando as correcções e respectivas liquidações levadas a efeito pela A.T.;
18-Caso assim não entenda a douta decisão, considerar a preterição de formalidades obrigatórias ao início do procedimento inspectivo concluindo pela nulidade do mesmo e consequentemente todo o posteriormente processado.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e consequente manutenção da decisão recorrida (cfr.fls.108 e 109 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.111 e 116 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.50 a 56 dos autos):
1-A impugnante está colectada pela actividade de Fabricação de Produtos à base de carnes, CAE 15.130, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal para efeitos de I.V.A. (cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.375 a 389 do processo de reclamação graciosa apenso);
2-Foi sujeita a um procedimento de inspecção abrangendo o I.V.A., o I.R.C. e o I.R.S. com referência aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, que culminou com o relatório de 18/03/2003, que constitui fls.375 a 389 do apenso de reclamação graciosa e damos aqui por integralmente reproduzido face à sua extensão;
3-Consta daquele relatório, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:

“…4-MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
(...)
Neste contexto e face ao incumprimento continuado e reincidente das obrigações declarativas do sujeito passivo em análise (...), nomeadamente, a falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 e Declaração anual de informação contabilística e fiscal e respectivos anexos - desde o ano de 1997 - bem como a falta de apresentação dos elementos contabilísticos solicitados é considerada recusa de escrita prevista e punida nos termos do artº.117, do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Deste modo, encontram-se preenchidos os pressupostos constantes do artº.88, alíneas a) e b), da Lei Geral Tributária, e do nº.1, do artº.51, do C.I.R.C., que conduzem à aplicação dos métodos indirectos na determinação do resultado tributável a imputar aos exercícios de 1999 a 2001.

Pelos mesmos motivos e na sequência do atrás exposto, conclui-se que não nos é possível o apuramento, o controlo e a fiscalização clara e inequívoca do Imposto sobre o Valor Acrescentado, tal como esta se encontra definida no artº.44, do C.I.V.A. Assim, nos termos do nº.1, do artº.84, do referido diploma, com fundamento na carência de elementos, propõe-se o apuramento das bases tributáveis referentes aos referidos exercícios.
(...)

5-Em sede de I.V.A.

Conforme se referiu no ponto 4 deste relatório, da consulta ao cadastro verificou-se que o sujeito passivo nos anos em análise enviou as respectivas declarações periódicas de I.V.A., em conformidade com o artº.40, do C.I.V.A.

5.1 - Correcções com recurso a métodos indirectos
(...)
5.2. - Correcções técnicas
Nos exercícios em análise, conforme foi descrito ao longo deste relatório, o sujeito passivo não nos exibiu a escrita, pelo que não nos foi possível o apuramento e o controlo do I.V.A. dedutível declarado pelo sujeito passivo. Nestes termos, consideramos que o sujeito passivo deduziu indevidamente imposto nos montantes de 72.545,21 € em 1999, de 93.439,22 € em 2000 e de 43.781,67 € em 2001 (anexo 3), o que constitui infracção ao artº.19, do C.I.V.A., conforme se discrimina por período de imposto.
(...)

7-CONCLUSÕES-AUDIÇÃO PRÉVIA
(...)
...dado que na resposta ao direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório, embora já fosse extemporâneo, bem como ao aditamento do projecto de conclusões do relatório, não nos foram exibidos quer as declarações de rendimento que se encontravam em falta (saliente-se que a última declaração de rendimentos entregue foi a relativa ao exercício de 1996), bem como os documentos de suporte do I.V.A. dedutível, os motivos expostos neste direito de audição não têm qualquer relevância para as correcções efectuadas, pelo que se deverão manter os valores propostos…”;

4-Em sequência, foram propostas correcções, nomeadamente, de I.V.A., quer com recurso a método indirectos, quer de natureza meramente aritmética (cfr.mapa resumo das correcções resultantes da acção inspectiva a fls.380 do apenso de reclamação graciosa);
5-As correcções de natureza meramente aritmética, nos montantes de 72.545,21 €, 93.439,22 € e 43.781,67 €, para os aludidos anos de 1999, 2000 e 2001, originaram as liquidações adicionais de imposto nºs…………., ……….. e ……….….., datadas de 11/08/2003, do mesmo montante e com prazo de cobrança voluntária até 31/10/2003 (cfr.“print” automático junto a fls.361 do apenso de reclamação graciosa);
6-A impugnante, em 17/07/2003, requereu a revisão da matéria tributável de I.R.C. e I.V.A. fixada com recurso a métodos indirectos (cfr.documento junto a fls.27 a 40 do apenso de recurso hierárquico);
7-Houve acordo no procedimento de revisão, conforme acta nº.49/03, junta a fls.48 a 55 do apenso de recurso hierárquico, assinada também pelo perito do sujeito passivo, da qual consta, nomeadamente, o seguinte:
“…O contribuinte, na sua reclamação, alegava não estarem reunidos os pressupostos para avaliação com recurso a métodos indirectos, designadamente, a existência de recusa, por falta da observância das normas de notificação previstas no C.P.P.T., o que invalidava a aplicação da alínea b) do artº.88, da L.G.T.
Após discussão, o Sr. Perito indicado pela Reclamante, concordou estarem reunidos os pressupostos para avaliação indirecta por as normas a observar, no procedimento de inspecção tributária, estarem reguladas no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (R.C.P.I.T.) e não no C.P.P.T….”;

8-Em 26/01/2004, deduziu reclamação graciosa das liquidações de I.V.A. assentes em correcções meramente aritméticas (cfr.carimbo aposto sobre o articulado da reclamação a fls.2 do apenso de reclamação graciosa);
9-Na fase instrutória do procedimento de reclamação graciosa foram solicitados à impugnante elementos contabilísticos, nomeadamente, documentação de suporte dos custos (facturas e recibos);
10-Não tendo a impugnante diligenciado pela sua junção no prazo conferido alegando tratarem-se de milhares de documentos (vd.requerimento junto a fls.412 e 413 do apenso de reclamação), foi-lhe solicitada a entrega de determinados elementos (vd.ofício de notificação junto a fls.417 do apenso de reclamação) e, posteriormente, face à desorganização contabilística dos elementos apresentados, apenas daqueles que possibilitassem à Administração Tributária a conferência dos valores mais significativos (vd.documentos juntos a fls.422, 428 e 429 e informação exarada a fls.457 a 470 do apenso de reclamação);
11-Em vista dos elementos apresentados pela impugnante na fase instrutória do procedimento da reclamação, veio esta a ser parcialmente deferida por despacho de 15/05/2006, do Sr. Director de Finanças Adjunto, considerando-se como I.V.A. dedutível os montantes de € 14.273,82 em 2000 e € 10.293,81 em 2001, e anulando-se os correspondentes juros compensatórios, tudo conforme quadro detalhado a fls.467 e 468 da informação que sustenta e onde está exarado aquele despacho;
12-A impugnante foi notificada do deferimento parcial da reclamação graciosa em 22/05/2006 (cfr.documentos juntos a fls.471 e 472 do apenso de reclamação);
13-Em 22/06/2006, a impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão proferida em reclamação graciosa (cfr.data de entrada aposta a fls.83 do apenso de recurso hierárquico);
14-Sobre o recurso hierárquico recaiu despacho de 14/10/2009, do Sr. Subdirector-Geral dos Impostos, de deferimento parcial, sustentado na informação/proposta em que está exarado e cujas conclusões se transcrevem na parte relevante:
“…A recorrente não apresentou nesta petição novos documentos (além dos já enviados no âmbito do procedimento de reclamação graciosa), que pusessem em causa as correcções aritméticas em sede de I.V.A., processadas na sequência de verificação efectuada pela Inspecção Tributária, ao considerar como indevidamente deduzido o I.V.A. declarado nos anos de 1999, 2000 e 2001.
A análise dos documentos constantes do processo, designadamente, o Relatório de Inspecção Tributária, a informação da Reclamação Graciosa, bem como a informação da Inspecção Tributária no âmbito do procedimento de Recurso Hierárquico, conduziram à manutenção da decisão da Direcção de Finanças de Lisboa no sentido do indeferimento parcial da Reclamação Graciosa.
A liquidação adicional do ano de 1999 deve ser corrigida em 2.908,05€, por ter sido detectado um erro de cálculo no seu apuramento, no decurso da análise do Recurso Hierárquico…” (cfr.informação, parecer e despacho constantes de fls.47 a 68 do apenso de recurso hierárquico);
15-A impugnante foi notificada da decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico em 12/11/2009 (cfr.documentos juntos a fls.69 e seg. do apenso de recurso hierárquico);
16-A presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal Tributário em 28/01/2010, conforme carimbo de entrada aposto na petição inicial, a fls.1 dos presentes autos;
17-Por virtude das decisões de reclamação graciosa e recurso hierárquico, foram alterados os valores das liquidações adicionais de I.V.A. referidas supra no nº.5, para 69.637,16 €, 79.165,40 € e 33.487,42 €, respectivamente para os anos de 1999, 2000 e 2001 e anulados, proporcionalmente, os juros compensatórios (cfr.vd.quadro constante a fls.67 da informação exarada no apenso de recurso hierárquico).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou de relevante…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apensos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, com destaque para a assinalada…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida pela recorrente, em consequência do que manteve as liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas aos anos de 1999, 2000 e 2001 e objecto dos presentes autos (cfr.nºs.5 e 17 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que uma das questões a decidir, ademais, reconhecida na contestação da D.R.F.P., é a da apresentação dos documentos contabilísticos pelo S.P. à A.T., cuja posse se prolongou por diversos meses, e respectiva validade dos mesmos. Que a omissão de pronúncia sobre a documentação junta aos autos constitui nulidade da sentença, justamente, por assentarem as correcções levadas a efeito, na ausência dessa documentação. Para mais, porque se retira que a decisão do Tribunal teve por base que o S.P. nem sequer apresentou documentos demonstrando as deduções de I.V.A. efectuadas (cfr.conclusões 1 a 11 e 13 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supomos, invocar a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
Examinemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.660, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A. Sul, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A. Sul, 3/5/2011, proc.4629/11).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.660, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.494 e 495, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.912 a 914).
No caso “sub judice”, o que o recorrente pretende, se bem percebemos, é que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a apresentação dos documentos contabilísticos pelo S.P. à A.T., cuja posse se prolongou por diversos meses, e respectiva validade dos mesmos, demonstrando que as correcções ao I.V.A. deduzido não tinham qualquer fundamento.
Ora, não é verdade que o Tribunal “a quo” não se tenha pronunciado sobre a apresentação de tais documentos contabilísticos. Desde logo, tal apresentação (em que condições, não interessa agora) consta da matéria de facto provada (cfr.nºs.3, 9 a 11 e 14 do probatório), sendo que, do exame de tal factualidade se deve concluir que a A. Fiscal foi levando em consideração a diversa documentação apresentada pela recorrente durante todo o procedimento gracioso.
Por outro lado, a decisão recorrida faz expressa referência e desenvolve tal questão na sua fundamentação jurídica, tudo conforme infra segue:

Afadiga-se a impugnante a sustentar que as liquidações impugnadas não se mostram devidas, visto existirem os elementos contabilísticos relativos ao exercício do direito à dedução do I.V.A. suportado com aquisições de bens e serviços a terceiros, o que só não foi devidamente comprovado por não terem sido recepcionadas por si, as notificações que lhe foram dirigidas no início da acção inspectiva, para exibição desses elementos.
Nessa medida, todo o procedimento de inspecção que se desenvolveu com base na recusa de exibição de escrita se encontra inquinado.
Todavia, não é assim. A questão da inexistente recusa de exibição de escrita é relevante enquanto pressuposto da decisão de recurso à aplicação de métodos indirectos - art°88°, alínea b), da LGT.

Tal questão foi suscitada no pedido de revisão da matéria colectável, em cujo procedimento se chegou a acordo, pelo que, está a impugnante impossibilitada de, em sede impugnatória, invocar a ilegalidade dos actos tributários com esse fundamento - art°86°, n°4, da LGT.
É certo que se poderá argumentar que o acordo a que se chegou na comissão de revisão não prejudica a impugnabilidade das liquidações assentes em correcções meramente aritméticas (as únicas aqui em causa), mas apenas e só das correcções praticadas com recurso a métodos indirectos.
Mesmo quando assim se entenda, a pretensão anulatória da impugnante não pode ter sucesso. Vejamos.
Para desconsiderar a dedução do I.V.A. constante das declarações periódicas, refere a Administração Tributária que não teve acesso à correspondente documentação de suporte dos custos, nomeadamente, facturas e recibos, por falta de apresentação dos mesmos pelo sujeito passivo.
Ora, indagar se a falta de acesso aos documentos de suporte do I.V.A. dedutível envolveu recusa de exibição ou, pura e simplesmente, resultou da frustração da notificação do sujeito passivo para exibição desses elementos no início do procedimento de inspecção, é irrelevante, uma vez que, como ressalta do probatório, quer em sede de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório, quer no subsequente procedimento da reclamação graciosa, foi dada à impugnante a possibilidade de apresentar os documentos de suporte dos custos, o que não fez (a não ser em medida correspondente às alterações introduzidas, em sede de reclamação graciosa, nas correcções inicialmente propostas).
As dificuldades que a propósito alega, só são explicáveis em razão do incumprimento de obrigações acessórias, nomeadamente, de organização contabilística, como salienta a Fazenda Pública. Com efeito, estatui o n°2 do art°31°, da LGT que "São obrigações acessórias do sujeito passivo as que visem possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente, a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações". Por seu lado, estabelece o n°1 do art°44°, do Código do I.V.A., que “A contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto”…”.

Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia sobre qualquer “questão” suscitada, não ocorrendo, portanto, a respectiva nulidade e, nestes termos, devendo improceder este fundamento do recurso.
O apelante aduz, igualmente, que o mote para o procedimento inspectivo, a recusa de exibição de escrita, é ilegal e simultaneamente demonstra as ilegalidades e preterições de formalidades legais concernentes ao início do procedimento inspectivo. Que o não recebimento das comunicações legais e obrigatórias que precedem o procedimento inspectivo são motivo para a anulação do mesmo. Que a falta de análise e pronúncia na douta sentença do Tribunal “a quo”, sobre matéria extremamente relevante, inquina a decisão, ademais, integrando a legislação sobre notificação para início do procedimento inspectivo, carácter especial, em relação à demais sobre notificações (cfr.conclusões 12 e 14 a 16 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supomos, invocar mais uma nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
Remetemos para o supra expendido, sobre o regime de tal nulidade.
No caso “sub judice”, o que o recorrente pretende, se bem percebemos, é que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a sua notificação para início do procedimento inspectivo e sobre a consequente recusa de exibição de escrita.
Também neste caso, não é verdade que o Tribunal “a quo” não se tenha pronunciado sobre tal matéria, conforme consta do segmento da sentença recorrida supra exposto, para onde se remete.
Concluindo, deve improceder identicamente este alicerce do recurso.
Em terceiro lugar, alega o recorrente que a sua contabilidade e respectivos documentos de suporte foram entregues na Direcção de Finanças de Lisboa, dos exercícios de 1999, 2000 e 2001, perante o Técnico responsável Drª. Maria …………... (sete dossiers, com entrada naqueles Serviços a 5 de Setembro de 2005). Que a 6 de Outubro de 2005, foi apresentado mais um dossier, com vária documentação, na Direcção de Finanças de Lisboa. Que a 1 de Fevereiro de 2006 dá entrada na Direcção de Finanças, oito dossiers, contendo a restante documentação solicitada. Que toda esta documentação foi devolvida ainda no início de 2006, antes ainda da decisão proferida sobre a petição de reclamação graciosa (cfr.conclusões 7 a 10 do recurso). Com tal factualidade presumindo o Tribunal que o apelante clama por erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente salvatério padece de tal vício (erro de julgamento da matéria de facto).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A. Sul, 27/11/2012, proc.6011/12).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo quanto aos concretos meios probatórios que deveriam fundamentar o aditamento à matéria de facto da factualidade mencionada pelo recorrente.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Por último, aduz o recorrente que se devem considerar correctos os valores de I.V.A. por si deduzidos e anular-se as correcções e respectivas liquidações levadas a efeito pela A.T. (cfr.conclusões nºs.1 e 17 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12).
Por último, dir-se-á que tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04).
Voltando ao caso concreto, na inspecção realizada à sociedade impugnante/recorrente aos anos fiscais de 1999, 2000 e 2001, a A. Fiscal detectou que a dedução de I.V.A. por parte do sujeito passivo não estava documentalmente suportada (ressalvando-se a parcela que a própria A. Fiscal foi levando em consideração atenta a diversa documentação apresentada pela recorrente durante todo o procedimento gracioso - cfr.nºs.11 e 17 do probatório).
E atente-se que é ao contribuinte que incumbe o ónus da prova do direito que invoca, no caso, o direito à dedução do I.V.A. suportado com aquisições de bens e serviços a terceiros (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.). Sendo que, conforme mencionado supra, nos termos do artº.19, nº.2, do C.I.V.A., só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento do I.V.A. que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.
Não fazendo a impugnante/recorrente prova desses documentos de suporte não lhe assiste o direito à dedutibilidade do I.V.A. (cfr.artºs.19, nº.2, e 35, nº.5, do C.I.V.A.), não merecendo qualquer censura as decisões da Administração Tributária e da sentença recorrida que no mesmo sentido entenderam (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/12/2003, rec.1564/03).
Portanto, contrariamente à dedutibilidade em sede de I.R.C., inexistindo factura ou documento equivalente com os requisitos do artº.35, nº.5, do C.I.V.A., fica logo afastada a dedutibilidade do I.V.A.
E recorde-se que é posição unânime na jurisprudência dos Tribunais Superiores que tais requisitos consubstanciam verdadeiras formalidades “ad substantiam” (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/10/2007, rec.487/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.951/08; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/3/2009, proc.2717/08).
Nesta medida, confirma-se a decisão recorrida.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
Ofício de fls.132 dos autos: após trânsito, remeta cópia certificada no presente acórdão.
X
Lisboa, 20 de Dezembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)