Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1969/18.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PAGAMENTO DA QUANTIA EXEQUENDA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE / UTILIDADE NA APRECIAÇÃO DA LIDE
ARTIGO 176.º N.º 3 DO CPPT
DIVIDAS POR CONTRIBUIÇÕES À SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:I - Em regra, a oposição, enquanto incidente declarativo da execução, perde, naturalmente, o seu objeto com a extinção do processo a que se opõe, tornando-se por isso impossível e inútil a discussão da pretensão que persegue, face à sua própria natureza e ao seu carácter instrumental, já que, como sabemos, funciona na dependência da ação executiva.
II - Porém o pagamento da quantia exequenda não produz efeito extintivo no processo executivo [alínea a) do n.º 1 do artigo 176.º do CPPT] nas situações em que se imputa ao ato tributário uma ilegalidade abstrata, ou quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação [n.º 3 do artigo 176.º do CPPT].
III - Perante uma divida proveniente de contribuições à Segurança Social, importa ter presente o regime legal inerente à liquidação e cobrança da mesma, sendo que nesta matéria, há que distinguir duas situações: (i) aquelas em que a dívida resulta do apuramento efetuado pelos sujeitos passivos nas declarações de remunerações e (ii) aquelas em que as dívidas resultam da atividade inspetiva da Segurança Social (onde, designadamente, haja declarações de remunerações oficiosas) e, como tal, de liquidações emitidas por esta.
IV - No segundo caso, o meio processual adequado de reação é a impugnação judicial, dado estarmos perante um verdadeiro ato administrativo de liquidação já na primeira situação, não existe propriamente um ato de liquidação, uma vez que o apuramento é feito em regime de autoliquidação.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

S....... , Lda., melhor identificada nos autos, veio, deduzir OPOSIÇÃO judicial, aos processos de execução fiscal n.ºs n.° .........65 e apenso .........62 , instaurados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), I.P., para a cobrança coerciva de contribuições respeitantes aos anos de 2012 a 2014, no montante de € 5.112,30.

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 28 de fevereiro de 2022, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Inconformada, a oponente, veio recorrer contra a referida decisão, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões:

« A) A Recorrente não pode aceitar a decisão proferida na Douta Sentença ora recorrida no sentido de extinguir a presente lide por inutilidade superveniente porquanto, nos artigos 34 a 36 do seu requerimento inicial de oposição à execução justificou desde logo o motivo pelo qual iria proceder ao seu pagamento e que o mesmo não implicava o reconhecimento da existência do crédito constante da execução colocada em crise ou seja, não implicava o pagamento voluntário da dívida!

B) O Tribunal recorrido enferma num erro evidente e notório quando refere que resulta da factualidade assente que “a Oponente efetuou o pagamento voluntário das dívidas coercivamente cobradas nos PEF ora contestados, após a dedução da presente oposição, com a consequente extinção dos mesmos. ”, quando é certo que dessa mesma factualidade resulta nas suas alíneas b) e c) que o pagamento foi anterior à propositura desta lide.

C) O Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 176° n° 3 do CPPT porquanto decorre deste preceito legal que o pagamento da quantia exequenda “não prejudica o controlo jurisdicional da atividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide.”

D) É ainda referido pelo Tribunal “a quo” que “a eventual sindicância da legalidade da liquidação da dívida exequenda só pode ocorrer nas circunstâncias muito estritas da alínea h) do n.° 1 do artigo 204.°do CPPT, isto é, apenas quando não esteja legalmente previsto qualquer meio judicial de impugnação da decisão de liquidação, o que no caso concreto não é alegado, nem se descortina. ” o que a Recorrente também não pode aceitar.

E) A presente oposição tem por base o facto de não ter sido efetuada a notificação da liquidação à Recorrente.

F) E assim, conforme alegou na sua oposição à execução, a Recorrente foi citada da presente execução a 12 de Dezembro de 2017 sem que previamente a entidade exequente a tivesse informado/notificado/citado de qualquer prévio incumprimento relativo ao apoio que lhe havia sido concedido, preterindo assim o disposto no artigo 6° n° 6 da Portaria n° 149-A/2014 do qual resulta que “O IEFP, I. P., deve notificar o empregador da decisão que põe termo à atribuição do apoio financeiro e do montante que deve ser restituído, com a respetiva fundamentação.'’”.

G) Face à total omissão da mencionada notificação, resulta bem evidente a absoluta impossibilidade por parte da Recorrente em impugnar judicialmente um ato do qual, até ao momento, não lhe foi dado qualquer conhecimento e, por tal facto, reitera a Recorrente o seu firme entendimento de que todo o processo é nulo.

H) Por não ter sido notificada, a Recorrente só pôde reagir aquando da citação do processo executivo através da competente oposição à execução, dado não possuir qualquer outro meio processual à sua disposição para defender os seus lídimos interesses.

I) Aliás, note-se que a entidade exequente tão pouco teve o cuidado de, no título executivo, fundamentar a origem da divida, limitando-se a mencionar uma certidão de divida que não acompanha a citação efetuada.

J) Assim, a instauração do presente processo de execução fiscal acarreta uma situação de ineficácia do acto de liquidação, o que constitui fundamento de oposição. (neste sentido aliás, desde já se invoca o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 16.10.2014, relativo ao processo 01759/04.1BEPRT bem como o Douto Acórdão do Pleno do STA de 07.07.2010 relativo ao processo 0545/09, ambos pesquisáveis em www.dgsi.pt,

K) Inexistindo notificação da liquidação, estamos perante uma situação de ineficácia do acto, o que impede que o mesmo produza contra si efeitos nos termos do artigo 36° n° 1 do CPPT, obstando assim à exigibilidade da dívida.

L) Como bem refere o Douto Acórdão desse Venerando Tribunal de 19.06.2019 relativo ao processo n° 02457/14, pesquisável em www.jusnet.pt, “há situações em que a oposição à execução fiscal tem por objeto a impugnação judicial do ato de liquidação, como quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação, ou seja, quando a dívida exequenda não tem origem em ato administrativo ou tributário prévio que defina a obrigação. Nestes casos, a oposição à execução fiscal assume uma verdadeira natureza de impugnação judicial. ”
(…)
Contudo, a alteração legislativa operada pela LOE de 2013 resolveu definitivamente a controvérsia, ao estabelecer que não ocorre a inutilidade superveniente da oposição pelo pagamento voluntário da dívida pelo revertido/oponente, quando este pretenda discutir a responsabilidade pela dívida. ”

M) Por uma questão de celeridade e eficácia processuais, vem a Recorrente requerer, ao abrigo do disposto no artigo 665° n° 2 do CPC, que esse Colendo Tribunal, para além de revogar a Douta Sentença ora recorrida, se pronuncie sobre as questões prejudicadas pela solução dada ao litígio após prévia notificação à entidade exequente nos termos do n° 3 do mesmo preceito legal.

N) Desta forma, apesar da total omissão constante do título executivo, a Recorrente conseguiu apurar que a quantia exequenda é relativa a um apoio financeiro relativo a Medida Estímulo Emprego, regulada na portaria 149-A/2014, de 24 de Julho, que lhe foi oportunamente concedido.

O) A suposta devolução que a entidade exequente está a exigir à Recorrente não tem qualquer base legal.

P) Com efeito, a mesma é relativa a um apoio concedido no valor de €: 4.063,91 relativo a um contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente a uma sua antiga trabalhadora, M........, em 16 de Fevereiro de 2012, conforme documento n° 1 junto ao articulado de oposição à execução.

Q) Ocorre que tal contrato de trabalho veio a ser cessado, mediante mútuo acordo celebrado entre a Oponente e a referida trabalhadora em 31 de Julho de 2014, conforme documento n° 2 junto ao mesmo articulado.

R) Resulta do supra mencionado que, anteriormente à citação da presente execução, a Recorrente não foi não foi informada/notificada/citada, por parte da entidade exequente de qualquer incumprimento relativo ao apoio que lhe havia sido concedido, ou de que deveria devolver o valor concedido na sua totalidade ou parcialmente, violando-se assim o disposto no artigo 6° n° 6 da Portaria n° 149-A/2014

S) Acrescenta o n° 7 do mesmo artigo que “A restituição deve ser efetuada no prazo de 60 dias consecutivos, contados a partir da notificação referida no número anterior, sob pena de pagamento de juros de mora à taxa legal em vigor.”.

T) Assim conforme já supra mencionado, a instauração do presente processo de execução fiscal, face à total preterição por parte da entidade exequente da tramitação legalmente estabelecida e prevista na mencionada Portaria, acarreta uma situação de ineficácia do acto de liquidação, o que constitui fundamento de oposição.

U) Acresce que a quantia exequenda tão pouco é legítima pois o contrato de trabalho foi resolvido vinte sete meses após o seu início, estando assim a devolução do apoio concedido excluída, de acordo com o n° 4 do artigo 6° da portaria 149-A/2014, de 24 de Julho, do qual resulta que “As situações referidas nos n°s 2 e 3 apenas determinam a restituição do apoio financeiro quando ocorram antes do fim da duração inicialmente fixada no contrato ou, no caso de contratos com duração inicial de 12 meses ou superior ou de contratos sem termo, antes de 12 meses de vigência do contrato. ” (sublinhado nosso).

V) “In casu”, o contrato de trabalho cessou por mútuo acordo entre a Requerente e a sua antiga trabalhadora e mais de vinte sete meses após o seu início de vigência facto que, de acordo com o predito artigo exclui a possibilidade da entidade exequente exigir a devolução do apoio concedido, ainda que parcialmente.

W) Nesta conformidade, é inequívoco concluir-se que a exigência de devolução do apoio financeiro concedido à Recorrente, preteriu todas formalidades legais, não tendo sido a esta notificado, pelo que não pode, quanto a si própria, produzir qualquer efeito ao abrigo do artigo 36° n° 1 do CPPT.

X) A Douta Sentença ora recorrida violou o disposto nos artigos 36° n° 1 e 176° n° 3 do CPPT bem como o artigo 6° da Portaria n° 149-A/2014.

Termos em que, revogando a Douta Sentença ora recorrida e substituindo-a por outra que conceda pleno provimento à Oposição à Execução apresentada pela Recorrente estarão V. Exas., Venerandos Conselheiros, a produzir a tão habitual e costumada

JUSTIÇA!!»


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Devidamente notificada para o efeito, a recorrida, nada disse.
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Pronunciando-se, sobre o pedido que lhe foi dirigido o STA, declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso, por considerar que o mesmo “não visa decisão de mérito, nem apresenta matéria de direito como seu único, exclusivo, fundamento” e determinou a remessa dos autos a este Tribunal – artigo 18.º n.º 1 do CPPT.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, veio oferecer o seu parecer, no sentido da procedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vêm os autos submetidos à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos e consequentemente, o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Termos em que, atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa aqui decidir, consiste em saber se a sentença errou ao determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente deixando prejudicado o conhecimento de mérito.


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3 - FUNDAMENTAÇÃO

Para conhecimento da inutilidade superveniente da lide, a sentença recorrida relevou a seguinte factualidade e ocorrências processuais:

“A) Em 14/10/2017, foram instaurados os PEF n.° .........65 e o apenso .........62 , para cobrança coerciva de dívida referente a contribuições dos anos de 2012 a 2014, no montante de € 5.112,30 — cf. documentos com a ref. n.° 6500835, 6500857 e 6500862 no SITAF.

B) Em 28/12/2017, a Oponente efetuou o pagamento do montante mencionado na alínea que antecede — cf. documentos com a ref. n.° 6500835 e 6500854 no SITAF.

C) Em 11/01/2018, a Oponente apresentou a presente ação — cf. documentos com a ref. n.° 6500835 e 6500841 (fls. 1 do documento) no SITAF.”


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De direito

Como deixamos evidenciado na delimitação do objeto do recurso, em sede de aplicação do direito a sentença recorrida declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Para assim decidir a Mma. Juíza alinhou o seguinte discurso fundamentador:

“(…)

A inutilidade superveniente da lide, prevista na alínea e) do artigo 277.° do CPPT, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, “decorre em geral dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, sendo o caso mais típico o do pagamento da quantia peticionada ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação em causa ou a entrega do bem peticionado”, (como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [2018], “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Artigos 1.° a 702.°, Coimbra: Almedina, página 321).

Decorre em geral dos casos em que, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter qualquer interesse ou utilidade para as partes, “nomeadamente porque o pedido formulado já foi atingido por outro meio” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/09/2017, relativo ao processo n.° 049/17, disponível em www.dgsi.pt). razão pela qual, quando o efeito jurídico que com a ação se pretendia alcançar se venha a demonstrar inútil, o processo deverá cessar, e, consequentemente, nos termos da alínea e) do artigo 277.° do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, ser a instância declarada extinta.

Ora, nos termos alínea a) do n.° 1 do artigo 176.° do CPPT, o processo de execução fiscal extingue-se “por pagamento da quantia exequenda e do acrescido”.

Por sua vez, estabelece o n.° 1 do artigo 264.° do CPPT que “a execução extinguir-se-á no estado em que se encontrar se o executado, ou outra pessoa por ele, pagar a dívida exequenda e o acrescido, salvo o que, na parte aplicável, se dispõe neste Código sobre a sub-rogação ”.

Da conjugação destes normativos resulta que a execução fiscal se extingue com o pagamento voluntário, bem como, por via de regra, a oposição à execução fiscal que tenha sido deduzida, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

Com efeito, a finalidade da oposição à execução fiscal é, por via de regra, apurar se a execução deve ou não prosseguir contra o oponente; concluindo-se pela negativa, é de julgar extinta a execução quanto ao oponente, porquanto fica definitivamente assente que a execução não prossegue contra a oponente, e assegurado o objetivo da oposição (cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.a edição, 2011, Áreas Editora, volume IV, p. 244; e cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-10-2020, relativo ao processo n.° 0979/19.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt)

É certo que o n.° 3 do artigo 176.° do CPPT prescreve que “o disposto na alínea a) do n.° 1 não prejudica o controlo jurisdicional da atividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide.”

E, em termos coincidentes, prescreve o n.° 3 do artigo 9.° da LGT que “o pagamento do imposto nos termos de lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei.”

Contudo, é jurisprudência constante e unânime que tais previsões, no que concerne ao pagamento voluntário da dívida exequenda na pendência de processo de oposição à execução fiscal, apenas se aplicam aos casos em que o oponente pretende imputar ao ato de liquidação uma ilegalidade abstrata, ou quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14/10/2020, relativo ao processo n.° 0979/19.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt), principalmente nos casos de reversão por responsabilidade subsidiária Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-05-2018, relativo ao processo n.° 0827/17, disponível em www.dgsi.pt).

Revertendo aos presentes autos.

Conforme a factualidade assente, a Oponente efetuou o pagamento voluntário das dívidas coercivamente cobradas nos PEF ora contestados, após a dedução da presente oposição, com a consequente extinção dos mesmos.

Não obstante a Oponente ter vindo pedir a prossecução dos autos, a eventual sindicância da legalidade da liquidação da dívida exequenda só pode ocorrer nas circunstâncias muito estritas da alínea h) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT, isto é, apenas quando não esteja legalmente previsto qualquer meio judicial de impugnação da decisão de liquidação, o que no caso concreto não é alegado, nem se descortina.

Deste modo, tendo ocorrido o pagamento voluntário da dívida em execução, com a consequente extinção dos processos de execução fiscal, a Oponente obteve a pretendida extinção da execução, que foi o que expressamente peticionou na sua petição inicial, pelo que a presente ação carece, assim, de qualquer utilidade.”- fim de citação

Ao encetar a análise do pedido damos conta que a impetrante argui ao Tribunal recorrido um erro que qualifica como “evidente e notório” na parte em que a sentença referencia que, «resulta da factualidade assente que “a Oponente efetuou o pagamento voluntário das dívidas coercivamente cobradas nos PEF ora contestados, após a dedução da presente oposição, com a consequente extinção dos mesmos.”, quando é certo que dessa mesma factualidade resulta nas suas alíneas b) e c) que o pagamento foi anterior à propositura desta lide.» - concl. B)


Como bem refere a recorrente a factualidade tida no texto decisório como relevante para a apreciação da questão em apreço encontra-se pacificamente assumidos nos pontos A) e B) do respetivo item, donde resulta claramente que a divida exequenda foi paga em 28/12/2017 e a presente ação interposta em 11/01/2018, donde facilmente se extrai que dívida foi paga depois da instauração da execução fiscal mas antes da dedução da oposição, consequentemente ocorreu um lapso por parte do decisor.


Notamos contudo que da situação exposta, a recorrente não retira em concreto, qualquer tipo de consequência em sede alegatória, sendo certo que ao Tribunal também não se vislumbra a relevância que para o caso concreto a situação poderá acarretar, donde se conclui que no caso a decisora escreveu uma coisa diferente daquela que queria, de facto, escrever, ou seja, trata-se de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real da juíza, mas que não apresenta força capaz de produzir qualquer efeito no conteúdo da decisão, e por isso, é passível de retificação nos termos previstos no artigo 614.º n.º 1 do CPC, situação que aqui deixamos corrigida.


Termos em que no primeiro parágrafo da pagina 3 verso da sentença recorrida, onde se diz que “a Oponente efetuou o pagamento voluntário das dívidas coercivamente cobradas nos PEF ora contestados, após a dedução da presente oposição,” passa a constar que “a Oponente efetuou o pagamento voluntário das dívidas coercivamente cobradas nos PEF ora contestados, anteriormente à dedução da presente oposição,”.


Prosseguindo

Dissente do decidido na sentença recorrida, a recorrente vem arguir que justificou no seu articulado inicial (artigos 34 a 3 da p.i.), o motivo pelo qual iria proceder ao pagamento do montante que ora lhe era exigido, acrescentando que o mesmo não implicava o reconhecimento da existência do crédito constante da execução colocada em crise ou seja, não implicava o pagamento voluntário da dívida – concl A)

Mais advoga que o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 176° n° 3 do CPPT – concl C)

E que, não pode aceitar a posição do Tribunal quando refere que “a eventual sindicância da legalidade da liquidação da dívida exequenda só pode ocorrer nas circunstâncias muito estritas da alínea h) do n.° 1 do artigo 204.°do CPPT, isto é, apenas quando não esteja legalmente previsto qualquer meio judicial de impugnação da decisão de liquidação, o que no caso concreto não é alegado, nem se descortina.” – concl D)

Vejamos, o que a este respeito nos apraz dizer, tendo presente que, conforme decorre das conclusões E) a K) a oposição vem alicerçada na falta de notificação da liquidação que subjaz à instauração das execuções em conflito, relativamente às quais, alega apenas ter tido conhecimento com a citação.

Na verdade, em regra, a oposição, enquanto incidente declarativo da execução, perde, naturalmente, o seu objeto com a extinção do processo a que se opõe, tornando-se por isso impossível e inútil a discussão da pretensão que persegue, face à sua própria natureza e ao seu carácter instrumental, já que, como sabemos, funciona na dependência da ação executiva.

Assim sendo, torna-se óbvio concluir que, em tese, a extinção da execução arrasta consigo a oposição a ela deduzida numa situação de inutilidade/ impossibilidade superveniente da lide, como se extrai em abstrato do artigo 277.º alínea e) do CPC, aqui aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, em cotejo com os artigos 176.º n.º 1 alínea a), 1.ª parte do n.º 1 do 264.º e 269.º, também do CPPT.

Porém, nem sempre assim será, como é o caso das situações em que a oposição tem por objeto “… o reconhecimento da ilegalidade da própria execução em si mesma considerada, ou quando da determinação da dívida não caiba outra via reactiva, de que são exemplo os casos acolhidos sob o disposto no citado art. 204.º n.º 1 corpo e alíneas a) e h), a que se juntarão certos óbices não especificados à execução, acolhidos sob a alínea i)” - como se retira do acórdão do STA proferido em 19/06/2019 no processo 02457/14.3BELRS 0698/18, que acolhemos e para o que aqui releva, por concordância, seguiremos.

Como refere, ainda, o aresto citado, naqueles casos a oposição ganha autonomia em relação à execução de que processualmente depende, e “… só a verificação da legalidade da execução ou da dívida, numa dessas facetas – e não já o pagamento da dívida – poderá determinar a inutilidade superveniente da pretensão opositiva sob esses fundamentos, isto porque não obstante a extinção dos autos principais, o opoente manterá ainda assim o seu interesse em demandar, em [re]agir [à execução]”(1).

Este pensamento jurisprudencial veio a ter acolhimento legislativo com a Lei do Orçamento do Estado para 2013 (Lei 66-B/2012 de 31/12) que o positivou ao aditar o n.º 3 ao artigo 176.º do CPPT, que, dispondo sobre a extinção do processo de execução fiscal, passou, por via de tal aditamento, a ter a seguinte redação:
“1 - O processo de execução fiscal extingue-se:
a) Por pagamento da quantia exequenda e do acrescido;
b) Por anulação da dívida ou do processo;
c) Por qualquer outra forma prevista na lei.
2 – (…)
3 - O disposto na alínea a) do n.º 1 não prejudica o controlo jurisdicional da atividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide.”

Neste seguimento, a jurisprudência dos nossos tribunais tem vindo a entender que o pagamento da quantia exequenda não produz efeito extintivo no processo executivo [alínea a) do n.º 1 da norma citada] nas situações em que se imputa ao ato tributário uma ilegalidade abstrata, ou quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.

No que respeita aos fundamentos da oposição diz-nos o n.º 1 do artigo 204.º do CPPT que poderá(am) ser algum(ns) dos seguintes:
«a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prescrição da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de coleta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o cato de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.» - o destacado é nosso.

A alínea a) da norma citada coloca-nos perante o que a doutrina e a jurisprudência têm vido qualificar como ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação, distinguindo-a assim da “Ilegalidade em concreto” já que o que está em causa não é a mera legalidade do ato tributário, mas sim a do tributo, ou seja, “a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado(2), e, por assim ser cabe nos fundamentos de oposição e pode, também, ser apreciada em sede de impugnação judicial (caso esta forma de reação, se encontre, no caso concreto, legalmente prevista).


Na alínea h), incluem-se as situações em que é a própria lei que não prevê, em abstrato, qualquer meio de impugnação contenciosa e não, já, aqueles em que a lei a preveja, mas que não tenha sido posta à disposição do sujeito passivo, nomeadamente, por ter sido omitida a necessária notificação.


Como nos diz Jorge Lopes de Sousa(3), os “[C]asos em que a lei não assegura meios de impugnação dos actos de liquidação são aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação.”


Nestas situações, é também, a oposição à execução fiscal o meio próprio para a apreciação da legalidade em concreto da liquidação.


Nos restantes casos, conforme tem sido copiosamente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores, no que diz respeito à oposição à execução fiscal a respetiva inutilidade/ impossibilidade superveniente da lide deve estar umbilicalmente ligada à prévia extinção da execução de que constitui apenso (v.g. devido ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos).

Dito isto e volvendo à situação que nos ocupa damos conta que, aqui, o pedido formulado se prende com a questão da falta de notificação da liquidação (concl. E), assumindo a recorrente, na conclusão F) e seguintes que, nos autos, está em causa o incumprimento relativo ao apoio que lhe havia sido concedido, preterindo assim o disposto no artigo 6° n° 6 da Portaria n° 149-A/2014 do qual resulta que “O IEFP, I. P., deve notificar o empregador da decisão que põe termo à atribuição do apoio financeiro e do montante que deve ser restituído, com a respetiva fundamentação.'’”, , situação que, como afirma na concl. G, até ao momento em que foram apresentadas as alegações do presente recurso, não ocorreu, razão pela qual vem arguir que não lhe foi dada a possibilidade de impugnar judicialmente um ato de que não teve conhecimento.

Antes de mais, convém esclarecer que a Portaria n° 149-A/2014 de 24/07, visa a criação da Medida Estímulo Emprego, que consiste na concessão, ao empregador, de um apoio financeiro à celebração de contrato de trabalho com desempregado inscrito no Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P. (IEFP, I. P.).

Sendo que da análise dos autos atestamos que os PEF’s identificados na p.i. (n. ºs.........65 e apenso .........62 ) foram instaurados para cobrança coerciva de dívidas referentes a contribuições dos anos de 2012 a 2014, ao Instituto da Segurança Social, IP.(4) e, por conseguinte, caiem fora do âmbito de aplicação da citada Portaria 149-A/2014.

Acresce que das informações oficiais prestadas pelo coordenador da Secção de Processo Executivo de Lisboa 1 do IGFSS, IP., (ponto 3.), prestadas aquando de envio da oposição para o TT de Lisboa, consta o seguinte: «Este pedido foi, nos termos do n.º 2 do artigo 208.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) remetido para a entidade credora para análise da conta corrente a qual se pronunciou: “Não Aceite – 10/12 A 07/14 DIFª de TAXA DE 11% PARA 34% BENEFº M........ NISS ……..76”»

Não obstante não se perceba o pedido a que ali se refere, parece que podemos deduzir que as contribuições em divida se reportam a uma diferença na aplicação da taxa eventualmente referente a um contrato de trabalho celebrado entre a recorrente a uma sua antiga trabalhadora, M........, como também se especifica na conclusão P) do salvatério.

Donde nos parece poder epilogar que antes de saber se a divida exequenda foi ou não objeto de notificação para pagamento voluntário da divida, em fase prévia à instauração da execução importa aferir da natureza da divida em causa, questão que, como veremos, tem relevância primordial na solução que será dada ao litígio.

Com efeito, estando, como parece, face à prova documental constante nos autos, perante uma divida proveniente de contribuições à Segurança Social, importa ter presente o regime legal inerente à liquidação e cobrança da mesma, sendo que nesta matéria, há que distinguir duas situações: (i) aquelas em que a dívida resulta do apuramento efetuado pelos sujeitos passivos nas declarações de remunerações e (ii) aquelas em que as dívidas resultam da atividade inspetiva da Segurança Social (onde, designadamente, haja declarações de remunerações oficiosas) e, como tal, de liquidações emitidas por esta.

Neste segundo caso, o meio processual adequado de reação é a impugnação judicial, dado estarmos perante um verdadeiro ato administrativo de liquidação [cfr., v.g., o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.02.2014 (Processo: 01481/13)].

Já na primeira situação, não existe propriamente um ato de liquidação, uma vez que o apuramento é feito em regime de autoliquidação.

Em suma, sendo, como vimos que é, fulcral para aferir da utilidade da apreciação da lide a que se refere o n.º 3 do artigo 176.º do CPPT, saber se a lei assegura, ou não, meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação, impunha-se ao tribunal a quo a realização de diligências tendentes a esclarecer a natureza da divida exequenda e bem assim, se o respetivo regime legal reverte para a criação de ato de liquidação e, em caso afirmativo, se deste foi ou não, dado conhecimento à executada, em momento anterior à instauração da execução.

Ou se pelo contrário o apuramento das contribuições que constituem a divida executiva, decorrem da falta de entrega de valores autoliquidados, com a consequente extração da certidão de divida, sem conhecimento prévio da oponente/recorrente.

Impondo-se, assim, anular a decisão recorrida, de molde a que, o Tribunal a quo, possa efetivar as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos factos apontados como deficitariamente instruídos, e demais diligências que se afigurem pertinentes para percecionar, de forma rigorosa e fidedigna a realidade dos factos.

Destarte, determina-se a baixa dos autos ao TT de Lisboa para que, após instrução e ampliação do probatório fixado nos termos suprarreferidos, decida da utilidade ou não da presente lide.

Como tal, resulta prejudicada a apreciação dos demais fundamentos.



4 - DECISÃO
Em face do exposto, acordam, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Administrativo Sul, em anular oficiosamente a sentença recorrida e ordenar a remessa dos autos à 1ª instância para instrução e para que seja proferida nova decisão depois da aquisição instrutória acima indicada.
Sem custas
Registe

Notifique.

Lisboa, 19 de dezembro de 2023


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Maria de Lurdes Toscano - 1.ª Adjunta
Catarina Almeida e Sousa - 2.ª Adjunta




(1)Cfr. neste sentido Acs. STA de 7X2009, proferido no processo n.º 0532/09, 10III2010, proferido no processo n.º 01134/09, e de 26V2010, tirado no processo n.º 024/10, todos in www.dgsi.pt
(2)Cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Edição 2011, Áreas Editora, em anotação 4 ao artigo 204.º pag. 443.
Vide no mesmo sentido, entre outros o Acórdão do STA, proferido em 20/03/2019 no processo n.º 0558/15.0BEMDL 0176/18.
(3)Idem obra citada em anotação 37 c) ao 204.º pag. 496.
(4)Cfr. ponto A) da materialidade dada como relevante pela sentença recorrida e como consta da Certidão de Citação e Notificação de Valores em divida - Doc.s 1 e 2 da remessa da oposição ao tribunal, pelo IGFSS; IP..,