Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2535/10.8 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/28/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CERTIDÃO DE FUNDAMENTOS
AÇÃO INSPETIVA A TERCEIRO
Sumário:I- A exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Autoridade Administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação. Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.
II- Não obstante os atos de liquidação resultarem de um conjunto de atos encadeados e promanados de um procedimento inspetivo, ainda que a entidade terceira, a verdade é que compaginando esses atos entre si e fazendo uma leitura conjugada dos mesmos não se consegue discernir quais os motivos que estiveram na génese dos valores liquidados adicionalmente, o que inquina os mesmos de falta de fundamentação formal.
III- A emissão da certidão de fundamentos, não permite validar o raciocínio expendido pela AT, desde logo, porque apenas foi emitida e notificada ao Recorrido, em data ulterior à apresentação da presente impugnação judicial. Acresce que a aludida certidão coaduna-se com a notificação dos atos, visando regulamentar as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos atos notificados, porquanto com base nesse normativo apenas se podem suprir as deficiências da notificação, mas não do ato notificado.
IV- Se o Recorrido aquando da notificação para o efeito, confirmou o valor escriturado, e juntou documentação atinente ao efeito, competia à AT fazer uma análise circunstanciada dos mesmos, aquilatando da sua pertinência e alvitrando as razões que estiveram na base desse juízo de valoração. Pelo que, tendo a AT feito tábua rasa desses elementos, nada discernindo, justificando ou evidenciando quanto aos mesmos, nem, tão-pouco, materializando qualquer refutação, é de confirmar a falta de fundamentação sentenciada.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A., tendo por objeto o ato de liquidação adicional de Imposto Municipal de Transações (IMT) e de Imposto de Selo (IS), referente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Caneças sob o artigo 42.., nos valores de €3796,69 e €431,80, respetivamente.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


I – Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão proferida na impugnação judicial deduzida por A., a qual foi julgada procedente e, em consequência, foi a Fazenda Pública condenada no pedido de anulação das liquidações de IMT e Selo com os n.ºs 2877518 e 2010 11000581572, nos valores de €3.796,69 e €431,80, com a respetiva restituição dos montantes indevidamente pagos, por considerar que as aludidas liquidações “padecem de falta de fundamentação formal”;

II - A Fazenda Pública louva-se no Parecer do DMMP, com o qual concorda na íntegra e para o qual remete a sua fundamentação, considerando-o por reproduzido para os efeitos legais.

III - Como se demonstrou, e consta dos elementos juntos aos autos, o Recorrido/Impugnante tinha conhecimento dos fundamentos, quer de facto, quer de direito, subjacentes às liquidações, nomeadamante, através da cópia do relatório de entregue em conjunto da certidão emitida nos termos do art. 37º do CPPT.

IV - Não pode a Fazenda Pública aceitar que o Tribunal a quo tenha feito “tábua rasa” dos fundamentos constantes dos autos para concluir, que a AT se limitou a invocar correções efetuadas em sede de ação inspetiva realizada a outro sujeito passivo, sem que o Recorrido/Impugnante tenha tido conhecimento do seu teor, sem que tal alguma vez tenha sido transmitido ao Recorrido/Impugnante, ou que a AT se tenha limitado a “lançar” afirmações meramente genéricas sem conteúdo fático;

V – Veja-se que o Recorrido/Impugnante foi sempre chamado a participar na decisão, tendo-lhe sempre sido facultados os elementos de facto subjacentes às liquidações postas em crise, conforme resulta nomeadamente de fls. 102, 203, 107 e 108 dos autos;

VI - Ainda no decurso do procedimento inspetivo realizado à sociedade E., S.A., foi o Recorrido/Impugnante notificado para apresentar documentos e elementos que pudessem permitir aquilatar do real valor de aquisição da fração autónoma adquirida àquela entidade.

VII - O Recorrido/Impugnante foi notificado para o exercício de audição prévia, nos termos do art. 60º da LGT, acerca da intenção de se proceder à liquidação adicional de IMT e IS, tendo-lhe sido facultado o projeto de decisão sobre o qual, após pedir prorrogação para exercer o contraditório, nada disse.

VIII - O Recorrido/Impugnante requereu, ainda, nos termos do art. 37º do CPPT, a passagem de certidão, com a fundamentação dos atos, a qual foi emitida;

IX - Conjuntamente com a certidão emitida nos termos do art. 37º do CPPT, junta aos autos, foi enviada cópia do relatório na sequência da ação inspetiva realizada à sociedade E., S.A., conforme decorre do ponto 1. da mesma:“Junta-se cópia do relatório na sequência da acção inspectiva ao sujeito passivo E., S.A.,, NIPC 50009…., aos exercícios de 2005 e 2006. Neste relatório encontra-se a demonstração da determinação do novo valor de aquisição; (...) (negrito nosso)

X - O Recorrido/Impugnante teve, pois e sempre, perfeito conhecimento de toda a fundamentação do ato, nomeadamente, as razões de facto e de direito que presidiram à decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo que estive na origem das liquidações controvertidas.

XI - O Recorrido/Impugnante não podia, pois, desconhecer que as correções efetuadas pela AT resultaram quer de autodenúncias de outros adquirentes, quer na existência de segundos mútuos efetuados, a partir dos quais foram presumidos novos valores de aquisição, com base no valor de aquisição por m2, aplicado à permilagem de cada uma das frações e respetiva área.

XII – O Recorrido/Impugnante deduziu, contra as liquidações em causa, reclamação graciosa n.º 4227201004005066 para IMT e n.º 4227201004005074 para IS, as quais foram arquivadas em virtude da apresentação da impugnação judicial de cuja decisão ora se recorre.

XIII - O Tribunal a quo, na sua decisão, não podia deixar de considerar e valorar todas estas questões.

XIV - A fundamentação dos atos administrativos em geral, constitui um imperativo constitucional, expressamente, previsto no nº 3, do art.º 268º da CRP e, no âmbito do direito tributário, tal exigência de fundamentação dimana, diretamente, da norma do art.º 77º da LGT.

XV – A fundamentação das correções operadas pela AT e que determinaram as liquidações adicionais controvertidas, exprime, em termos claros, suficientes, congruentes e inteligíveis, o critério legal e a motivação das mesmas, ficando, assim, cumprida a dupla função de controlo endógeno e exógeno da legalidade de tais atos tributários, não ocorrendo em consequência, a insuficiência ou a falta de fundamentação.

XVI - A fundamentação dos atos tributários em causa observou as características legais e dele se extrai, indubitavelmente, qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido, já que, quer por parte dos SIT, quer por parte das notificações efetuadas pelo Serviço de Finanças de Odivelas, foram identificados os motivos e critérios determinantes da decisão, ficando, inclusive, o destinatário do ato esclarecido de forma a interpor os meio de defesa ao seu alcance.

XVII - Face ao exposto, e salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei, violando o art. 77º da LGT.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA. “


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O Recorrido, devidamente notificado, contra-alegou, remetendo para o já expendido no processo, e no sentido da manutenção da decisão recorrida.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:


“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em 04.11.2005, junto do Cartório Notarial de Lisboa de J. S., o Impugnante declarou adquirir à sociedade “E., S.A.,.”, a fração autónoma descrita pela letra “F” do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Caneças, concelho de Odivelas, sob o artigo provisório nº 42.., pelo preço de 125.000,00€ (cfr. fls. 110 a 116 dos autos).

B) Para a aquisição referida na alínea antecedente, o Impugnante celebrou contrato de mútuo pelo mesmo valor de 125.000,00€, igual ao da aquisição, junto do B., S.A. (cfr. fls. 110 a 116 dos autos).

C) Através do ofício nº 079770 de 18.09.2009 foi o Impugnante notificado do seguinte:

“Assunto: Acção de controle de transacções de imóveis efectuadas nos anos de 2005 e 2006

NOTIFICAÇÃO

Vimos informar V. Exa que, se encontra em curso na Inspecção Tributária desta Direcção de Finanças de Lisboa, uma acção de controle da veracidade dos valores nas transações de imóveis efectuadas pelo sujeito passivo E., S.A.,, NIF 600 098 …, sendo de salientar que a ausência de veracidade em declarações prestadas que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária, corresponde a infracção que pode ser tipificada como crime de fraude fiscal, nos termos do artigo 103.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

Ao abrigo do dever de colaboração previsto no n.° 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), fica V. Exa. por este meio notificado para remeter a estes Serviços sitos na morada indicada em rodapé (…), os seguintes elementos:

1. Fotocópia do contrato promessa de compra e venda e da escritura, respeitante à aquisição do imóvel inscrito na matriz sob o artigo 42 da freguesia de Caneças em que adquiriu a fracção F, à empresa acima mencionada;

2. Cópia dos meios de pagamento utilizados na respectiva aquisição, nomeadamente cheques emitidos, prova documental no caso de ter sido efectuada por transferência bancária, ou justificativo de qualquer outro meio de pagamento utilizado;

3. Confirmar o valor que declarou aquando da aquisição para efeitos de IMI ou, no caso de haver divergência entre o valor da escritura e o preço efectivo, indicar qual. Neste caso, apresentar o comprovativo da regularização do IMT adicional;

4. Caso tenha hipotecas bancárias sobre o imóvel em valor superior ao da escritura, justificar a diferença. Identificar os empréstimos efectuados no âmbito da aquisição do imóvel e com ele relacionados;

5. Indicar se houve intermediário na transmissão e, em caso afirmativo, a correspondente identificação.

6.Caso autorize o acesso à informação bancária, por parte da Direcção de Finanças de Lisboa, relativamente às contas bancárias de que é(são) titular(es), é favor preencher o documento enviado em anexo.

Findo este prazo, sem que tenham sido exibidos os documentos ora solicitados, nem tenha sido dado autorização à Direcção de Finanças de Lisboa para o acesso às referidas contas bancárias, solicitar-se-á o seu acesso, de acordo com o previsto no n.º 2 - alínea c) do artigo 63.º - B da LGT, se o valor declarado pela(s) aludida(s) transacção(ões) indiciar não terem correspondido ao seu real valor.

Mais se refere, que as informações que vierem a ser prestadas serão tidas em consideração na análise em curso e no âmbito dos diversos impostos, relativamente a todos os sujeitos passivos envolvidos nas transacções em análise.

A falta de colaboração, no prazo referido, pode fundamentar a aplicação do disposto no artigo 117.º do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho.” (cfr. fls. 107 dos autos).

D) Em resposta ao ofício referido na alínea antecedente, o Impugnante apresentou em 01.10.2009 a sua resposta nos seguintes termos:

“Em conformidade com o ofício n° 079770 de 16/09/2009 processo nº OI200800143/44 desse serviço e de acordo com o n9 do artigo 59º da LGT, principio da colaboração, cumpre-me informar que adquiri o imóvel com artigo matricial nº 42.. freguesia de Canecas, Conselho de Odivelas pelo montante de cento e vinte e cinco mil euros (125.000€).

Como anexo junto cópia da escritura datada de 04 de Novembro de 2005, cópia do pedido de cópia de cheque n° 8971227878 passado pelo banco no valor de 125.000.00€ do M. também da mesma data, cópia do cheque nº 8971227393 no valor de 1.252.00€ passado direcção Geral do Tesouro para pagamento do IMT juntamente com declaração para liquidação e respectivo comprovativo de pagamento.” (cfr. fls. 109 dos autos).

E) Em 07.10.2009 foi emitido o ofício nº 084666 dirigido ao Impugnante, com o seguinte teor:

“Assunto: Acção de controle de transacções de imóveis efectuadas nos anos de 2005 e 2006

NOTIFICAÇÃO

No decurso da nossa anterior notificação n.º 079770, de 18/09/2009 inserida no âmbito de uma acção de controle da veracidade dos valores nas transacções de imóveis efectuadas pelo sujeito passivo E., S.A.,, com o NIF 50009…., a qual teve resposta por correio (entrada n.° 103821, de 01/10/2009), relativamente à fracção “F”, artigo matricial 42.., da freguesia de Caneças, foi detectado a existência de um empréstimo de valor igual ao de escritura para aquisição da fracção (€ 125.000,00) e um segundo empréstimo garantido por uma hipoteca adicional sobre o imóvel referido de € 50.000,00.

Fica por este meio notificado para, nos termos dos artºs 9.°,28.°,29.º e 37.° do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 11/12 proceder ao envio de fotocópia dos documentos comprovativos que justifiquem a utilização desse empréstimo adicional, até ao dia 20 de Outubro de 2009, nestes Serviços de Inspecção Tributária.

No caso de incumprimento da presente notificação no prazo referido, proceder-se-á de imediato às diligências necessárias para apuramento da realidade tributária de acordo com o disposto no n.° 1 do artº 59.º do Código do Procedimento e Processo Tributário e levantar-se-á o respectivo auto de noticia para aplicação da coima prevista nos termos do artº 119,° do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela lei n. 15/2001, de 5 de Junho.” (cfr. fls. 108 dos autos).

F) Em 20.11.2009 foi elaborada e remetida ao Serviço de Finanças de Odivelas, pela Inspeção Tributária – Divisão II – Equipa 22 da Direção de Finanças de Lisboa, a seguinte informação que se passa a transcrever na íntegra:

“Processo: OI200910461

Sujeito Passivo: A.

NIF: 188….

Exercício: 2005

Serviço de Finanças: Odivelas - Cód. 4227

INFORMAÇÃO

ASSUNTO: Controlo do valor de transmissão de imóveis - 2005

O sujeito passivo acima identificado adquiriu a fracção autónoma designada pela letra "F" correspondente ao artigo 42.., da freguesia de Caneças, concelho de Odivelas, à sociedade " E., S.A.,, NIF 500 098 …, tendo no decurso da Acção Inspectiva a esta empresa, sido apurado um valor de venda superior ao declarado para efeitos de escritura, pelo que elaboramos uma informação para o Serviço de Finanças competente.

****

Processo: 012009001431144

Sujeito Passivo: E., S.A.,

NIF: 500 098 …

Exercícios: 2005 e 2006

Serviço de Finanças: Odivelas - Cód. 4227

INFORMAÇÃO

ASSUNTO: Controlo do valor de transmissão de imóveis -2005 e 2006

Na sequência de acção inspectiva efectuada ao sujeito passivo E., S.A., NIF 500 098 …, que ao longo de 2005 e 2006 alienou diversas fracções sitas nos concelhos de Loures e Odivelas, foram notificados todas as adquirentes, alguns dos quais autodenunciaram valores de aquisição superiores aos constantes nas escrituras de compra e venda.

Com base nas auto-denúncias, bem como na existência de 2.ºs mútuos e, conhecendo a permilagem e a área das diversas fracções, presumimos valores de venda superiores aos declarados para efeitos de escritura, conforme se discriminam nos mapas seguintes.

De referir que, foram presumidos € 879.434,95 de acréscimo nas vendas em 2005 e €638.293,69 em 2006.

Os adquirentes que auto-denunciaram os valores procederam ao pagamento do IMI adicional. Os restantes adquirentes, embora notificados confirmaram o valor de escritura e, portanto, não regularizaram o IMT em falta, pelo que se descrevem de seguida os situados na freguesia de Moscavide, concelho de Loures:

(Imagens nos autos)

” (cfr. fls. 100 a 103 dos autos).

G) Em 25.03.2010 foi elaborada informação por técnico do Serviço de Finanças de Odivelas, com o seguinte teor:

“Em 30 de Novembro de 2009, pelo ofício n.º 103118 de 27/11/09 dos Serviços de Inspecção Tributária foi proferido despacho tendo em vista diligenciar correcções para liquidação de IMT por este Serviço de Finanças, com base na acção inspectiva levada a efeito por aqueles Serviços à firma

"E. Lda."

Face ao exposto, sou de parecer que se deve notificar os sujeitos passivos adquirentes para efeito de audição prévia ao abrigo do art. 60° da LGT, do resultado da correcção efectuada em sede de IMT, com base na informação prestada pelo referido relatório.” (cfr. fls. 183 e 184 dos autos).

H) Através do ofício nº 3055 de 06.04.2010, foi comunicado pelo Serviço de

Finanças de Odivelas, ao Impugnante, o seguinte:

“Assunto: Audição Prévia - alínea a) do n.º 1 do artigo 60 da Lei Geral Tributária (LGT)

NOTIFICAÇÃO

Fica V. Exa. por este meio notificado para, no prazo de 8 (oito) dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audição, por escrito, sobre o projecto de liquidação de IMT efectuado nos termos dos n° 1 e 2 do artigo 31 ° do Código do IMT.

A presente liquidação resulta das correcções efectuadas à sociedade vendedora, E., Lda., NIF 500.098…. (conforme informação em anexo), da seguinte forma:

Registo de IMT n.º: 2005/196858

Compradores: A., 188 726 …

Vendedores: E., Lda., NIF 500.098….

Identificação do bem: Fracção autónoma designada pela letra F, destinada a habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo n.º 42.., freguesia de Canecas, concelho de Odivelas

Valor de Aquisição: 125000,00 Euros

Novo valor de aquisição determinado: 178975,40 Euros

Nova Liquidação de IMT: (178975,40 x 7) - 8058 = 4470,28 Euros (a) do n.º 1 do artigo 17° do CIMT);

Imposto já pago: 1252 Euros

Imposto a pagar: 3218,28Euros

Juros Compensatórios: 578,41 Euros, calculados desde 9/12/2005 até 3/10/2010, à taxa de 4%

Coima: 80,46 Euros (Infracção ao disposto no n.º 2 do artigo 114, considerando o benefício previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29°, ambos do RGIT) Selo de Verba Adicional: 431,80 Euros (n.º 3 do artigo 44° conjugado com o artigo 9°, ambos do CIS).

Total a pagar: 4308,95 Euros” (cfr. fls. 182 dos autos).

I) Em 15.07.2010 foi elaborada informação por técnico do Serviço de Finanças de Odivelas, com o seguinte teor:

“INFORMAÇÃO DOS SERVIÇOS

Em 12/09/2005 foi efectuada a liquidação do IMT devido pela aquisição da Fracção F, artigo matricial 42.. da Freguesia de Caneças pelo valor de 1.252 Euros.

Em cumprimento do despacho proferido pelo Chefe de divisão II dos Serviços de Inspecção Tributária, recebido neste Serviço de Finanças em 30 de Novembro de 2009, foi efectuada a liquidação adicional do projecto de liquidação adicional do IMT, pelo ofício n° 3055 de 06/04/2010, deste Serviço de Finanças, conforme as correcções demonstradas no relatório da inspecção efectuada à Sociedade E. Lda. NIF 500.098…..

O contribuinte, foi notificado para efeitos de audição prévia, tendo solicitado a prorrogação do prazo para responder até 25 de Maio de 2010.

Até à presente data não foi exercido qualquer direito de audição, apesar do prazo anteriormente requerido ter sido ultrapassado.

Nesta conformidade, sou de parecer que deve ser mantido o projecto de liquidação e emitir a respectiva notificação para pagamento.” (cfr. fls. 181 dos autos).

J) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas, foi acolhida a proposta vertida na informação transcrita na alínea antecedente e determinada a notificação do ora Impugnante para efeitos de pagamento da liquidação adicional de IMT (cfr. fls. 180 dos autos).

K) Em 26.08.2010 foram emitidas em nome do Impugnante a liquidação adicional de IMT com o nº 2877518, no montante a pagar de 3.796,69€, sendo o montante de 578,41€ correspondente a juros compensatórios, e ainda a liquidação adicional de imposto do selo com o nº 2010 11000581572, no montante a pagar de 431,80€ (cfr. fls. 175 a 178 dos autos).

L) Os montantes referidos na alínea antecedente foram pagos em 28.08.2010 (cfr. fls. 177 e 179 dos autos).

M) Na sequência de requerimento apresentado pelo Impugnante requerendo certidão com os fundamentos das liquidações referidas em K), foi remetido pelo SF de Odivelas, pelo ofício nº 9044 de 06.10.2010, certidão contendo os elementos transcritos em F) (cfr. fls. 126 a 130 dos autos).

N) As correções efetuadas à sociedade “E., S.A.” com referência aos exercícios de 2005 e 2006 foram-no através do recurso a métodos indiretos (cfr. informação oficial de fls. 165 dos autos).

O) A presente impugnação foi apresentada em 29.09.2010 (cfr. fls. 5 dos autos).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não foi provado que o Impugnante tenha contraído qualquer outro crédito adicional garantido por hipoteca sobre o prédio adquirido em 04.11.2005.”


***


Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

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Ficou, igualmente, consignado que a fundamentação da matéria de facto, “[f]undou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo.”

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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IMT e de IS, no valor global de €4.228,49.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, ao ter decidido pela falta de fundamentação do ato tributário.

Apreciando.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao ter decidido que os atos de liquidação sub judice padecem de falta de fundamentação, porquanto os mesmos encontram-se devidamente fundamentados, visto que resulta dos elementos juntos aos autos que o Recorrido tinha conhecimento dos fundamentos, quer de facto, quer de direito, subjacentes às liquidações, nomeadamente, através da cópia do relatório entregue em conjunto da certidão emitida nos termos do artigo 37.º do CPPT.

Mais enfatizando que, o Recorrido foi sempre chamado a participar na decisão, tendo o mesmo inclusive sido notificado, no decurso de ação inspetiva à sociedade E., para apresentar documentos e elementos que pudessem permitir aquilatar do real valor de aquisição da fração autónoma adquirida àquela entidade, tendo-lhe sido facultado o projeto de decisão e ulteriormente remetidos elementos adicionais face à certidão requerida ao abrigo do artigo 37.º do CPPT.

Conclui, assim, que o Recorrido não podia, pois, desconhecer as correções efetuadas pela AT.

Vejamos, então, se a decisão recorrida incorreu no erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente.

Comecemos por ter presente o juízo de razão em que assentou a procedência do vício de falta de fundamentação.

O Tribunal a quo após dilucidar sobre os considerandos atinentes à fundamentação aduz que “[é] forçoso concluir que de todos os elementos constantes dos autos e do PA apenso não é possível, seja de que forma for, aferir quais as efetivas razões pelas quais a AT considera que a aquisição do imóvel efetuada em 04.11.2005 ocorreu pelo valor de 178.975,40€, e não pelo valor de 125.000,00€, conforme declarado na escritura de compra e venda, ou por qualquer outro.”

Sublinhando, neste particular, que “[a] AT limita-se a invocar as correções efetuadas em sede de outra ação de inspeção desenvolvida à empresa vendedora da fração em causa, inspeção relativamente à qual o Impugnante é alheio, à partida desconhecendo o seu teor, o qual não resulta dos autos alguma vez tenha sido transmitido ao Impugnante, como o não foi ao Tribunal.”

Mais enfatizando que, de resto, se as “[c]orreções efetuadas àquela empresa, de onde supostamente se terá alcançado o valor de venda agora imputado ao Impugnante, o foram através do recurso a métodos indiretos, ou seja, é um valor supostamente presumido, sem que se saiba qual a base ou quais os fundamentos subjacentes a tal presunção. Mas se o valor agora corrigido ao Impugnante resulta da aplicação de métodos indiretos à sociedade alienante, então também no caso do Impugnante se terá de considerar que lhe terão sido aplicados métodos indiretos, o que aparentemente não foi feito.”

Conclui que, “a A.T. limita-se a “lançar” afirmações meramente genéricas, sem qualquer conteúdo fático, o que impede, por um lado, o contribuinte de aferir corretamente das razões de facto e de direito conducentes à alteração dos valores declarados, e, por outro lado, impede o Tribunal de sindicar no âmbito dos seus poderes jurisdicionais a correta aplicação dos factos ao direito, aferindo da legalidade do ato posto em crise nos presentes atos. E assim sendo, claro fica que as liquidações ora impugnadas padecem de falta de fundamentação formal, o que conduz à sua anulação.”

E, de facto, nenhuma censura merece o juízo de entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, porquanto os atos impugnados padecem, efetivamente, de falta de fundamentação, cominada com a anulabilidade.

Senão vejamos.

Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente”(1)
Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente.(2)
“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto"(3)

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.
Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09)"(4)(destaques nossos).

Ora, atentando nos considerandos supra expostos não resulta que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente.

Explicitemos, então, porque assim o entendemos.

In casu, encontramo-nos, efetivamente, perante falta de fundamentação formal dos atos impugnados, porquanto, não obstante os mesmos resultarem de um conjunto de atos encadeados e promanados de um procedimento inspetivo, ainda que a entidade terceira, sendo, aliás, não controvertida essa asserção conforme resulta da p.i. do Recorrido e das alegações de recurso da Recorrente-a verdade é que compaginando esses atos entre si e fazendo uma leitura conjugada dos mesmos não se conseguem discernir quais os motivos que estiveram na génese dos valores liquidados adicionalmente.

Com efeito, perceciona-se que as liquidações adicionais foram realizadas na sequência de uma ação inspetiva à sociedade E., que desencadeou uma ação de controle de transação de imóveis junto dos adquirentes, mormente do Recorrido, daí dimanando uma alteração ao valor escriturado. Mas a verdade é que, no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, não se perceciona porque motivo o valor declarado e escriturado de €125.000,00, foi alterado para €178.975,40, o que se afigura vital para efeitos de exercício de defesa.

Atentemos, para o efeito, no que decorre do probatório.

Da factualidade assente resulta que, a 04 de novembro de 2005, o Recorrido outorgou escritura pública com a sociedade E., relativamente à fração autónoma descrita pela letra “F” do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Caneças, concelho de Odivelas, sob o artigo provisório nº 42.., pelo preço de 125.000,00€, tendo celebrado para o efeito mútuo pelo mesmo valor junto de Instituição Bancária.

Mais dimanando que, no decurso de ação inspetiva à sociedade alienante E., a 18 de setembro de 2009, e ao abrigo do princípio da colaboração, o Recorrido foi notificado para juntar um conjunto de elementos, mormente, cópia do contrato promessa de compra e venda e da escritura, dos respetivos meios de pagamento e do valor pago a título de IMT, o que satisfez mediante resposta apresentada em 01 de outubro de 2009, na qual corroborou, outrossim, o valor de aquisição constante na escritura pública.

Adicionalmente, a 07 de outubro de 2009, foram pedidos esclarecimentos adicionais concernentes a existência de um segundo empréstimo garantido por uma hipoteca adicional sobre o imóvel referido de € 50.000,00, motivando a elaboração das informações constantes na alínea F) e G) do probatório, e projeto de liquidação de IMT, dela se extratando que a mesma se funda nos n° 1 e 2 do artigo 31 ° do Código do IMT, e resulta das correções efetuadas à sociedade vendedora, ENFECIL, sendo que o novo valor de aquisição determinado se cifrou em €178.975,40, resultando um valor total a pagar de €4.308,95 Euros.

Resultando, in fine, que foi prolatado despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas, ordenando a notificação do Recorrido para efeitos de pagamento da liquidação adicional de IMT e IS, o que foi cumprido em 26 de agosto de 2010.

Ora, face ao supra aludido e contrariamente ao propugnado pela Recorrente não se descortinam as razões que estiveram na génese das correções gizadas pela AT, desde logo, porque as mesmas foram realizadas no âmbito de uma ação inspetiva a terceiro de cujo relatório inspetivo o Recorrido não teve conhecimento, ou foi notificado, antes da emissão dos respetivos atos impugnados.

Não se validando, nessa medida, o aduzido pela Recorrente no sentido de que o Recorrido teve sempre conhecimento de toda a fundamentação do ato, “nomeadamente, as razões de facto e de direito que presidiram à decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo que estive na origem das liquidações controvertidas”, sendo o probatório reflexo dessa falta de asserção e bem assim a ulterior- entenda-se apenas após ter sido instada para o efeito, mediante a interpelação e adoção do expediente contemplado no 37.º do CPPT-notificação do Relatório Inspetivo da sociedade alienante.

Não procedendo, igualmente, o aduzido, particularmente, em V a VII das conclusões no sentido de que os elementos convocados fornecem os elementos de facto e de direito, porquanto conclusivos e sem enunciação do itinerário cognoscitivo, sendo certo que a participação concedida ao sujeito passivo não confere, per se, a externação do itinerário cognoscitivo, sendo, natural e necessariamente, conceitos distintos com abrangências, igualmente, díspares a participação e a fundamentação do ato. Note-se que, pode-se facultar a audição prévia e ainda assim não se ficar na posse dos elementos de facto e de direito que estão na génese das correções, como sucede, in casu.

A AT limitou-se a, de forma conclusiva, fazer alusão à ação inspetiva à sociedade alienante, sem que desse conhecimento de qualquer elemento atinente ao efeito, designadamente, do seu relatório, e a arbitrar uma correção de €53.975,00.
Mais importa relevar, neste particular, que a alegada emissão da certidão de fundamentos, não permite validar o raciocínio expendido pela AT, desde logo, porque apenas foi emitida e notificada ao Recorrido, em data ulterior à apresentação da presente impugnação judicial. Acresce que a aludida certidão coaduna-se com a notificação dos atos, visando regulamentar as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos atos notificados, porquanto com base nesse normativo apenas se podem suprir as deficiências da notificação mas não do ato notificado.(5)

Ademais, e sem embargo do exposto, sempre se dirá que mesmo tendo presente os elementos fornecidos ao Recorrido aquando da emissão da certidão de fundamentos, e melhor evidenciados em F), não se retira, de todo, quais as razões que terão estado na génese da alteração do valor escriturado, e como foi apurado o valor corrigido de €178.975,40.

Com efeito, apenas se retira que existiu uma ação inspetiva à E., abrangendo os exercícios de 2005 e 2006, atenta a alienação de diversas frações sitas nos concelhos de Loures e Odivelas, e “[c]om base nas auto-denúncias, bem como na existência de 2.ºs mútuos e, conhecendo a permilagem e a área das diversas fracções, presumimos valores de venda superiores aos declarados para efeitos de escritura, conforme se discriminam nos mapas seguintes.”, não se discernindo da fundamentação nele contemplada, nem dos respetivos quadros, em que situação se enquadra o Recorrido, porque motivo, e de que forma foi apurado o valor em causa.

Com efeito, perscrutando o aludido documento e demais elementos constantes dos autos apenas se aquiesce que ao valor declarado de €125.000,00, foi corrigido um valor de €53.975,00, apurando-se um valor final de €178.975,40, no entanto as razões que o motivaram não são externadas.

Note-se, ademais, que tendo o Recorrido aquando da notificação para o efeito, confirmado o valor escriturado, e junto documentação atinente ao efeito, competia à AT fazer uma análise circunstanciada dos mesmos, aquilatando da sua pertinência e alvitrando as razões que estiveram na base desse juízo de valoração. E a verdade é que a AT faz tábua rasa desses elementos, nada discernindo, justificando ou evidenciando quanto aos mesmos, nem, tão-pouco, materializando qualquer refutação.

Ademais, e a adensar o supra exposto e no sentido aduzido pelo Tribunal a quo, o qual se valida, tendo as correções realizadas à sociedade alienante assentado em métodos indiretos, tal implicaria, desde logo, uma fundamentação mais exigente conforme demanda o consignado no artigo 77.º, nº4 da LGT, e bem assim que as correções, ora, sindicadas assumissem idêntica natureza. E a verdade é que, tal asserção, não resulta, de todo, de quaisquer elementos constantes aos autos, nem, de resto, foi alegada e propugnada pela Recorrente.

Com efeito, e como de forma impressiva se sintetiza no acórdão proferido pelo STA no âmbito do processo nº 871/08, datado de 07 de janeiro de 2009:

“o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, constitucionalmente reconhecido, não fica satisfeito com a mera possibilidade de os interessados os poderem impugnar judicialmente, antes se exigindo que seja proporcionada àqueles a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões que os motivaram, isto é, trata-se de um direito à impugnação contenciosa com a máxima eficácia.(…) Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.”.

De convocar, outrossim, o Aresto do STA, prolatado no processo nº 01690/13, de 23 de abril de 2014, cujo sumário, ora, se transcreve:

“I - A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT.

II - O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

III-Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.

IV - Não tendo a Administração Tributária explicado, ainda que minimamente, as razões de facto e de direito que a conduziram a integrar no IVA de 2003 os rendimentos apurados em relatório de peritagem realizado no âmbito de inquérito-crime que abrangeu o espaço temporal decorrido entre 1 de Janeiro de 2000 e Fevereiro de 2003, impõe-se concluir que esse acto de liquidação adicional de IRS não se encontra suficientemente fundamentado nem de facto nem de direito.

Conclui-se, assim, que perante os atos impugnados um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos mesmos, já devidamente densificado anteriormente, não fica em condições de saber os pressupostos basilares em que assentou a determinação, apuramento e liquidação em contenda, padecendo, por isso, de vício de forma, por falta de fundamentação cominado com a anulabilidade, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, ser confirmada.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 28 de outubro de 2021

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


1) cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
2)neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
3)Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
4)Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
5) Vide neste sentido, designadamente, Acórdãos, do STA, processo nº 0155/07, de 06.06.2007, TCAN, processo nº 00447/09, de 23.01.2020, TCAS, processo nº 08954/15, de 29.06.2016
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