Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:701/10.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA - PROVA
Sumário:
I – No âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.


II - Nos presentes autos, a recorrente não consegue indicar um só acto de gerência praticado pelo oponente. E no processo de execução fiscal não constam quaisquer elementos com base nos quais se pudesse aferir a gerência de facto do oponente. Donde se impõe concluir que o pressuposto da gerência efectiva em relação ao oponente não se mostra comprovado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, melhor identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, interpôs recurso da decisão que julgou procedente a oposição deduzida por J….., citado por reversão, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….., em que é originária devedora “T….., Lda.”, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) – retenções na fonte e Imposto de Selo (IS), de 2002 a 2006, no valor total de € 204.709,64.

A recorrente, FAZENDA PÚBLICA, apresentou as suas alegações, que formulavam as seguintes conclusões:

«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 26-02-2018, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal n.º …..e apensos, deduzida por J….., com o NIF ….., revertido no citado processo de execução fiscal, o qual havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “T….., LDA.”, com o NIF ….., para a cobrança de dívidas fiscais referentes a IVA, IRS, IRC e Imposto do Selo, dos anos de 2002 a 2006, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 204.709,64 (duzentos e quatro mil, setecentos e nove euros e sessenta e quatro cêntimos) e acrescido.

II - Na Sentença ora recorrida julgou-se procedente a Oposição acima identificada com o fundamento de que a Fazenda Pública em nenhum momento logrou efectuar a prova do exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária por banda do Oponente, o que gera a sua ilegitimidade quanto aos créditos em cobrança nos autos de execução fiscal n.º …..e apensos.

III - Contudo, a Fazenda Pública expressamente impugna a factualidade vertida na alínea G. dos factos provados da Sentença bem como considera, face aos elementos probatórios carreados para os autos, designadamente: i) fls. 13 e 14 do PEF e informação produzida pelo órgão de execução fiscal nos termos do disposto no artigo 208.º do CPPT, ii) requerimento apresentado nos presentes autos em 19-12-2017, registo SITAF n.º 309593 e iii) fls. 77 a 87 do PEF; que a Sentença recorrida não valorou matéria de facto relevante para a boa decisão de mérito da presente lide.

IV - Em primeiro lugar, sabemos que o momento que a Lei define como o temporalmente imprescindível para a aferição da responsabilidade subsidiária, nos termos do artigo 24.º n.º 1 alínea b) da LGT, é o prazo legal de pagamento voluntário e não o correspondente ao facto constitutivo do imposto.

V - Contrariamente ao que foi consignado na Sentença recorrida, nos presentes autos resulta provado, por consulta ao quadro-resumo constante do ponto 10.29 da informação produzida pelo órgão de execução fiscal nos termos do disposto no artigo 208.º do CPPT, que o prazo legal de pagamento voluntário das dívidas em cobrança no processo executivo em referência se situa no hiato temporal entre 10-01-2003 e 20-09-2006.

VI - Sendo que, como resulta da competente petição inicial, todo o edifício argumentativo erigido pelo Oponente vai no sentido de que a impossibilidade de exercício de facto da gerência da sociedade devedora originária se ficou a dever a AVC isquémico que lhe sucedeu em Outubro de 2006, cfr. fls. 13 e 14 dos autos.

VII - Até porque, por referência a fls. 77 a 87 do PEF, resulta provado nos presentes autos que o Oponente também exerceu a gerência da sociedade “A….., Lda.”, auferindo remunerações até ao ano de 2006 e avalizando como responsável legal das declarações entregues por esta sociedade à administração tributária até ao ano de 2006.

VIII - Assim sendo, em Outubro de 2006, já se encontravam esgotados os prazos legais de pagamento das dívidas em cobrança nos autos de execução fiscal n.º …..e apensos, que constituem o objecto da presente lide e, portanto, encontra-se preenchido o citado pressuposto da responsabilização subsidiária por força da citada confissão, do efectivo exercício das correspondentes funções de gerente por banda do Oponente.

IX - O que, por si só e sem necessidade de adicionais razões, com o devido respeito, constituiria motivo suficiente para fazer claudicar o entendimento postulado pelo Douto Tribunal a quo.

X - Depois, não descuida esta Fazenda Pública, tal como muito doutamente postulou o Tribunal a quo, que o ónus da prova da gerência de facto, cabe à Administração Fiscal, pois que, ao abrigo de qualquer um dos regimes estabelecidos no n.º 1 do artigo 24.º da LGT “é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução” (cfr., entre vários outros, o Acórdão TCA SUL de 31/ 10/ 2013, Processo n.º 06732/ 13).

XI - No entanto, o facto de não existir não existe qualquer disposição legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito, não significa que não seja possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte do Oponente possa ter acontecido.

XII - Tal como se postulou no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 861/ 08, diga-se que “eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido”

XIII - Assim, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que quem figura como gerente de direito, se presume como tendo exercido, de facto, tais funções, sempre é possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, da matéria factual e dos elementos probatórios carreados para os autos, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte do Oponente possa ter acontecido.

XIV - Em primeiro lugar, durante o período a que respeitam as dívidas em crise, o Oponente era gerente da sociedade devedora originária, cfr. Certidão do Registo Comercial, já junta aos autos, sendo que o mesmo nunca diligenciou no sentido de apresentar qualquer tipo de prova documental susceptível de contrariar a força autêntica do registo, constante do artigo 11.º do CRC.

XV - Diga-se, ainda, por consulta à Certidão Do Registo Comercial, que a gerência da sociedade devedora originária pertencia ao ora Oponente e também a A….., sendo que aquela se obrigava com a intervenção conjunta de dois gerentes.

XVI - Assim, tendo em conta esta forma de obrigar a sociedade, ou seja, tendo em consideração que a sua assinatura obrigava a mesma, será legítimo presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência – artigo 35.º do CC), o exercício efectivo e continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade, cfr. o Acórdão do TCA Sul de 06/ 10/ 2009, processo 03336/ 09.

XVII - Tendo em consideração tal forma de obrigar a sociedade, tem de se concluir que o Oponente possuía uma intervenção pessoal e activa na sua vinculação, uma vez que a viabilidade funcional da devedora originária apenas era concretizada com a sua intervenção, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.

XVIII - Por último, contrariamente ao que postulou a Sentença recorrida, existem nos presentes autos provas concretas e inequívocas de que o Oponente praticou actos que consubstanciam o exercício, de facto, da gerência da sociedade devedora originária.

XIX - A este respeito, chamamos à atenção para o requerimento apresentado nos presentes autos em 19-12-2017, registo SITAF n.º 309593, que consiste em procuração emitida pela sociedade devedora originária a favor de advogado, na qual foi aposta a assinatura do Oponente enquanto gerente daquela sociedade.

XX - Desta forma, contrariamente ao que postula a Sentença recorrida, deveria ter sido dado como provado, nos presentes autos, que o Oponente apôs a sua assinatura em procuração emitida pela sociedade devedora originária a favor de advogado, na qualidade de gerente daquela sociedade.

XXI - Assim, o facto de o Oponente ter assinado documentos em nome e por conta da sociedade devedora originária e exteriorizando a vontade desta, é o suficiente para que se considere que praticou actos efectivos de gerência desta sociedade.

XXII - Na esteira do entendimento veiculado no acórdão do TCA Sul, de 20-06-2000, proferido no âmbito do processo n.º 3468/ 00, “tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto (…) O legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a esse aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade».” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 11/ 03/ 2003, processo 7384/ 02)”.

XXIII - Contrariamente ao que postulou a Sentença recorrida, o Oponente tinha uma vontade decisiva no rumo a tomar pela sociedade devedora originária, exteriorizando a sua vontade e assinando documentos indispensáveis ao seu giro comercial, o que se subsume, plenamente, ao exercício efectivo (de facto) da gerência da sociedade devedora originária.

XXIV - Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»
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O recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não apresentar contra alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer “no sentido de deverem os autos baixar ao tribunal “a quo” para produção da prova testemunhal e fixação do quadro factual suficiente para o julgamento em causa”.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se existem ou não elementos factuais, nos presentes autos, que permitam aferir se o oponente praticou actos de gerência de facto durante o período em que figurou como gerente de direito na sociedade «T….., Lda.»

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A. Em 30.10.1989, foi constituída a sociedade por quotas “T….., Lda.” – cfr. certidão permanente, a fls. 36 e 37 do PEF apenso, que se dá por integralmente reproduzida;

B. Foram designados gerentes da sociedade referida em A. os sócios, A….. e o Oponente, J….. (cfr. certidão);

C. A forma de obrigar a sociedade era através da intervenção de dois gerentes (cfr. certidão);

D. Em 16.09.2003, foi autuado no Serviço de Finanças de Amadora - 3, em nome da sociedade referida em A., o processo de execução fiscal n.º ….., para cobrança coerciva de dívidas de IVA, de 2001, no valor de € 35.593,32 – cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso;

E. Em 05.04.2004, o sócio-gerente da sociedade referida em A., A….., apresentou um pedido de pagamento em prestações da dívida referida na alínea antecedente (cfr. requerimento, a fls. 4 do PEF apenso, que se dá por reproduzido);

F. Em 28.10.2004, o sócio-gerente referido na alínea antecedente, apresentou, no âmbito do PEF referido na alínea D., um plano de pagamentos prestacionais referentes ao IVA em atraso no valor de € 219.418,48 (cfr. requerimento, a fls. 6 do PEF apenso, que se dá por reproduzido);

G. Em Outubro de 2006, o Oponente sofreu um enfarte isquémico que o impossibilitou de trabalhar (cfr. atestado e declarações médicas, a fls. 13 a 14 dos autos, que se dão por reproduzidos);

H. Em 06.10.2008, foi elaborada “Informação” no Serviço de Finanças de Amadora - 3, na qual se afirma, na parte relevante, o seguinte:

“(…) Pelas buscas e diligências efectuadas, não foram detectados bens ou rendimentos em nome do executado, concretamente não é proprietário de bens imóveis, contas bancárias ou outros tipos de rendimentos que possam servir de garantia para pagamento dos presentes autos. Existe unicamente uma viatura de Marca Renault, matrícula …..do ano de 1990, que não possui qualquer valor comercial;

Consideram-se verificadas as condições para a reversão da dívida contra os responsáveis subsidiários (…), compreendendo o período da gerência e da dívida e de acordo com o disposto nos artigos 23.º, 24.º da L.G.T. e 153.º e 160.º do C.P.P.T.”.

(cfr. informação, a fls. 38 do PEF apenso, que se dá por reproduzida);

I. Na mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças de Amadora - 3 elaborou “Despacho para audição (Reversão)”, em nome do Oponente, com os fundamentos descritos na informação referida na alínea antecedente (cfr. despacho, a fls. 45 do PEF apenso, que se dá por reproduzido);

J. Notificado para exercer o direito de audição, o Oponente veio responder alegando que estava impedido de exercer qualquer actividade, na sequência de acidente vascular que sofreu e juntou atestado médico (cfr. resposta, a fls. 50 a 55 do PEF apenso, que se dá por integralmente reproduzida);

K. Em 22.12.2008, foi elaborada “Informação” no Serviço de Finanças de Amadora - 3 da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…) A gerência de direito e de facto de J….., compreende o período que corresponde à prática dos factos tributários a que se referem os presentes autos, ocorridos até 13 de Novembro de 2006, data do AVC isquémico, e a partir do qual não se encontra em condições que lhe permitam exercer a gerência de facto (…)”.

(cfr. informação, a fls. 56 e 57 do PEF apenso, que se dá por reproduzida);

L. Na mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças de Amadora - 3 proferiu despacho de reversão contra o Oponente, com os seguintes fundamentos:

“(…) Conforme fundamentação constante da informação anexa ao despacho de reversão que se anexo e faz parte integrante d/ despacho (…).”

(cfr. despacho, a fls. 58 do PEF apenso, que se dá por integralmente reproduzido);

M. Através do ofício n.º ….., da mesma data, recebido a 13.01.2009, o Oponente foi, no âmbito do PEF referido na alínea D. supra e apensos, citado por reversão, constando da respectiva citação o seguinte:

“Pelo presente fica citado(a) de que é executado por reversão nos termos do artigo 160º do C.P.P.T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia exequenda de 204.709,64 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a) (…).

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Conforme fundamentação constante da informação anexa ao despacho de reversão que se anexa e faz parte integrante d/ citação”
(…)”.

– cfr. ofício, a fls. 61 do PEF apenso, que se dá por reproduzido.


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FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos que importe registar como não provados.


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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos não impugnados, juntos aos autos e ao PEF apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.»


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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se poder relevar útil para a decisão, adita-se ao probatório, o seguinte facto:
N) O prazo legal de pagamento voluntário das dívidas em cobrança no processo executivo em referência situa-se no hiato temporal entre 10/01/2003 e 20/09/2006, cfr. informação constante do ponto 10.29 da informação de fls. 23 a 27 dos autos.

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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente, por provada, a presente oposição e, em consequência, julgou extinta a execução fiscal instaurada contra o oponente, tendo por fundamento, em síntese, que «não tendo a Administração Tributária junto aos autos qualquer prova, documental ou outra, que revelasse, de forma consistente, que o Oponente praticou actos relacionados com a gestão da sociedade e em que decidia os seus destinos, é manifesto não ser possível acolher a sua pretensão no sentido de considerar o Oponente como parte legítima na presente execução fiscal, como também referiu o Digno Magistrado do Ministério Público, no seu parecer.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio recorrer da decisão onde, em primeiro lugar, impugna a factualidade vertida na alínea G. dos factos provados da Sentença bem como considera, face aos elementos probatórios carreados para os autos, designadamente: i) fls. 13 e 14 do PEF e informação produzida pelo órgão de execução fiscal nos termos do disposto no artigo 208.º do CPPT, ii) requerimento apresentado nos presentes autos em 19-12-2017, registo SITAF n.º 309593 e iii) fls. 77 a 87 do PEF; que a Sentença recorrida não valorou matéria de facto relevante para a boa decisão de mérito da presente lide. [conclusão de recurso III]

Segundo julgamos perceber a recorrente vem impugnar a matéria de facto, nomeadamente a alínea G) do probatório no qual consta:
Em Outubro de 2006, o Oponente sofreu um enfarte isquémico que o impossibilitou de trabalhar (cfr. atestado e declarações médicas, a fls. 13 a 14 dos autos, que se dão por reproduzidos);

«Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).»
(1)

Retornando ao caso dos autos, o facto constante da alínea G) do probatório, é totalmente inócuo para a decisão da causa.
Em primeiro lugar, os elementos probatórios que a recorrente invoca, em nada contrariam o referido facto. Os documentos constantes de fls. 13 e 14 do PEF são uma certificação de fotocópias e um mandado de penhora, o requerimento apresentado nos presentes autos em 19-12-2017 é um requerimento do oponente juntando uma procuração para constituição de advogado nos presentes autos, e por fim, as fls. 77 a 87 do PEF são prints de consulta às Declarações anuais efectuados pela AT.
Por outro lado, conforme alegação da recorrente, constante da conclusão V do recurso, o prazo legal de pagamento voluntário das dívidas em cobrança no processo executivo em referência situa-se no hiato temporal entre 10-01-2003 e 20-09-2006 (veja-se, também alínea N) do probatório).
Ora, se na alínea G) do probatório consta que em Outubro de 2006, o Oponente sofreu um enfarte isquémico que o impossibilitou de trabalhar, tal facto, o enfarte isquémico já sucedeu após o prazo de pagamento voluntário das dívidas exequendas, pelo que é irrelevante para a boa decisão de mérito da presente lide, como se verá mais adiante.
Pelo que improcede o presente fundamento de recurso.

- Do alegado erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, em particular, o requisito da gerência efectiva –

Em execução estão dívidas provenientes de IVA, IRS, IRC e Imposto de Selo dos anos de 2002 a 2006, cujos prazos limite de pagamento voluntário se situaram entre 10/01/2003 e 20/09/2006, cfr. alínea N) do probatório, cuja responsabilidade foi inicialmente imputada pela administração fiscal à executada devedora originária. Tal significa que estão em causa dívidas cujo facto tributário ocorreu na vigência na vigência da LGT que entrou em vigor em 01.01.99, pelo que o diploma legal aplicável à efectivação da responsabilidade subsidiária é o vigente à data do facto tributário correspondente.

Nos presentes autos, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24 da LGT.
A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.I; artº.239, nº.2, do C.P.T; artº.153, nº.2, do C.P.P.T).

Analisemos agora o regime aqui aplicável.
“Artigo. 24º da LGT
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.

No presente caso, não é facto controvertido que o oponente era gerente de direito da sociedade devedora originária, na data em que os prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas terminou, aplicando-se, assim, o art. 24º, nº 1, al. b) da LGT.
Importa, pois, aferir se o oponente era também gerente de facto.

No âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.


A este propósito de referir que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT , é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de facto.

Alega a recorrente [conclusão de recurso XIII] que ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que quem figura como gerente de direito, se presume como tendo exercido, de facto, tais funções, sempre é possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, da matéria factual e dos elementos probatórios carreados para os autos, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte do Oponente possa ter acontecido.

Não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)». Mais se refere que: «compete à AT invocar como fundamento da reversão que o revertido exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar. Se o não fizer, e se limitar a invocar a gerência de direito como fundamento da reversão, não pode o tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto inferir a gerência efectiva da gerência de direito. Contrariamente ao que temos visto sustentado inúmeras vezes, não pode a Fazenda Pública pretender, ao abrigo da referida presunção judicial – que não constitui mais do que a possibilidade do uso das regras da experiência concedida ao julgador no julgamento da matéria de facto -, que ao abrigo dessa possibilidade concedida ao julgador, que fica dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do artigo 24.º da LGT»


Mais, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados». [Ac. do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10].


Invoca, ainda, a recorrente [conclusões de recurso XVIII a XXI] que contrariamente ao que postulou a Sentença recorrida, existem nos presentes autos provas concretas e inequívocas de que o Oponente praticou actos que consubstanciam o exercício, de facto, da gerência da sociedade devedora originária. A este respeito, chamamos à atenção para o requerimento apresentado nos presentes autos em 19-12-2017, registo SITAF n.º 309593, que consiste em procuração emitida pela sociedade devedora originária a favor de advogado, na qual foi aposta a assinatura do Oponente enquanto gerente daquela sociedade. Desta forma, contrariamente ao que postula a Sentença recorrida, deveria ter sido dado como provado, nos presentes autos, que o Oponente apôs a sua assinatura em procuração emitida pela sociedade devedora originária a favor de advogado, na qualidade de gerente daquela sociedade. Assim, o facto de o Oponente ter assinado documentos em nome e por conta da sociedade devedora originária e exteriorizando a vontade desta, é o suficiente para que se considere que praticou actos efectivos de gerência desta sociedade.

Não tem razão a recorrente.


Embora a recorrente invoque que existem nos presentes autos provas concretas e inequívocas de que o Oponente praticou actos que consubstanciam o exercício, de facto, da gerência da sociedade devedora originária, o único facto que concretiza é um requerimento apresentado pelo oponente nos presentes autos em 19-12-2017, registo SITAF n.º 309593, que consiste em procuração emitida pelo oponente [e não pela sociedade devedora originária] a favor de advogado que é o seu mandatário nos presentes autos.


Tal procuração nada prova. Foi a procuração que o oponente juntou aos autos depois de ter sido notificado pelo Tribunal a quo para constituir novo mandatário uma vez que o anterior se encontrava inactivo na Ordem dos Advogados.


Com o devido respeito, é de difícil compreensão a presente alegação.


Mas ainda que assim não fosse, e que fosse uma procuração passada a advogado em nome da sociedade devedora originária como alega a recorrente, ainda assim tal procuração não serviria como prova do exercício da gerência tal como foi decidido por Acórdão do TCAS, de 22/03/2018, Proc. 07377/14, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler (excerto):


«Por outro lado, contrariamente ao que defende o recorrente ao mencionar jurisprudência que faz relevar o uso de procuração em termos de prova do exercício dos poderes de gerência, tal relevo verifica-se quando o gerente passa uma procuração a terceiro para o substituir na prática de actos de administração ou representação da sociedade em causa. Ora, no caso concreto não nos encontramos perante tal tipo de procuração, antes estamos perante uma procuração forense passada a advogados e com vista à concessão dos poderes necessários para movimentar processos judiciais, nomeadamente, o presente, tal como o acesso a informação de natureza fiscal relativa à sociedade executada originária (cfr.nº.1 do probatório). Com base na examinada procuração os advogados nomeados não podiam, manifestamente, substituir o opoente na prática de actos de administração ou representação da sociedade em causa, enquanto na sua gestão corrente (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).»


Ora, o que releva, como já vimos, é o exercício de representação da empresa face a terceiros de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado.

Em suma, nos presentes autos, a recorrente não consegue indicar um só acto de gerência praticado pelo oponente. E no processo de execução fiscal não constam quaisquer elementos com base nos quais se pudesse aferir a gerência de facto do oponente.


Donde se impõe concluir que o pressuposto da gerência efectiva em relação à oponente não se mostra comprovado.

Deste modo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e consequentemente, manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 5 de Novembro de 2020

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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]
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(1) Acórdão do TCAS de 30/01/2014, Proc. 06995/13, disponível em www.dgsi.pt