Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1708/11.0 BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/22/2023 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | TARIFA PREÇO COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA RGTAL REGIME TRANSITÓRIO CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO |
| Sumário: | I - A tarifa de ligação ao ramal de águas residuais liquidada pelos SMASL configura-se como uma taxa. II - O regulamento da taxa mencionada em I. está sujeito às regras definidas no RGTAL, incluindo as relativas ao respetivo regime transitório. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
Os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Loures (doravante Recorrente ou SMASL) vieram recorrer da sentença proferida a 30.03.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por Multiusos do O... (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico do indeferimento tácito da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação da tarifa de ligação ao ramal de águas residuais referente ao prédio sito na Rua C……/Av. Moscavide, S/N, constante do orçamento n.º 1091263/1. O recurso foi admitido. Nas suas alegações, o Recorrente concluiu nos seguintes termos: “1. A jurisprudência comunitária vem qualificando as prestações a pagar pelo escoamento de águas residuais como preço (tarifas). 2. A interpretação das normas da Lei das Finanças devem tomar em consideração a doutrina, e jurisprudência comunitária em distinção entre taxas e preços (públicos ou privados). 3. O artº 16º da Lei das Finanças em vigor à data dos factos submetidos a juízo e o artº 21º da atual Lei das Finanças Locais qualificam como preços as prestações a pagar pelos consumidores em matérias de águas residuais, submetendo-os ao princípio da recuperação dos custos e submetendo o exercício da atividade aos normativos emanados do Regulador. 4. Consistindo a retribuição (tarifa) a pagar pelos consumidores da rede municipal de águas residuais um preço, o Tribunal Tributário é incompetente em razão da matéria para apreciação do presente litígio, violando o disposto nos nºs 1 e 3 do artº 16º da Lei das Finanças Locais (Lei nº 2/87, e o artº 49º, nº 1, alines c)e i) do ETAF). 5. O artº 16º da Lei das Finanças Locais deve interpretar-se conjugadamente com as disposições da POCAL (D.L. 54-A/99, de 22/02, designadamente no seu ponto 2.8.3 sobre a contabilização dos custos das funções, a Recomendação do IRAR (Recomendação nº 1/2009) sobre tarifas. 6. As disposições contabilísticas dos SMAS, sobre custo de atividade de águas residuais servem de base ao cálculo da tarifa. 7. O tarifário dos serviços prestados no âmbito do saneamento de águas residuais, e respetiva ligação à rede municipal fixados na reunião da Câmara de Loures de 03/11/2010, tem a natureza de preço e não de taxa 8. A deliberação do Município de Loures de 03/11/2010, sobre as tarifas a cobrar em matéria de serviços prestados para a ligação à rede municipal de águas residuais contêm os elementos legalmente necessários à liquidação do preço devido pelos utilizadores. 9. A liquidação do preço consiste em mera operação aritmética, como bem resulta do normativo aprovado. 10. É inteiramente lícito o preço estabelecido no orçamento de águas residuais em apreço nos presentes autos, devendo manter-se na ordem jurídica. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogada a sentença recorrida, verificada a exceção da incompetência em razão da matéria do Tribunal Tributário, com a absolvição do Impugnado da instância, e/ou julgada legal e devidamente calculada a tarifa impugnada, com a consequente absolvição do pedido. Com o que se fará JUSTIÇA”. O Recorrido não apresentou contra-alegações. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Na sequência do cumprimento do disposto no art.º 665.º, n.º 2, do CPC, o Recorrente veio invocar a caducidade do direito de ação. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) É o Tribunal Tributário incompetente, em razão da matéria? b) Verifica-se erro de julgamento, porquanto estamos perante preços, não sujeitos à disciplina do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL)? c) Verifica-se caducidade do direito de ação?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “1. Com data de emissão em 25/02/2011 foi emitido sobre a Impugnante o orçamento de ramal de águas residuais, o qual incluía a tarifa de ligação ao mesmo, no monte de 524.888,90€ - cfr. fls. 5 do processo administrativo junto aos presentes autos. 2. A tarifa referida em 1. foi calculada do seguinte modo: 91.924,50m2 (área total de construção) x 5,71€ (tarifário aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Loures de 03/11/2010) – cfr. fls. 6 do processo administrativo junto aos presentes autos. 3. O orçamento referido em 1. foi remetido à Impugnante – cfr. fls. 6 do processo administrativo junto aos presentes autos. 4. A Impugnante apresentou, em 04/04/2011 reclamação graciosa do orçamento referido em 1. junto dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Loures – cfr. fls. 7 e ss. do processo administrativo junto aos presentes autos. 5. Em consequência de indeferimento tácito da reclamação referida em 4. a Impugnante apresentou, em 11/05/2011, recurso hierárquico do orçamento referido em 1. dirigido ao Conselho de Administração do Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Loures –cfr. fls. 19 e ss. do processo administrativo junto aos presentes autos. 6. O recurso referido em 5. foi indeferido por deliberação do Conselho de Administração do Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Loures, de 22/06/2011, nos termos e com os fundamentos da informação que emitida sobre o conteúdo do referido recurso hierárquico – cfr. fls. 21 e ss. do processo administrativo junto aos presentes autos. 7. A Impugnante, através de requerimento datado de 26/09/2011, solicitou o pagamento parcial do orçamento referido em 1. correspondente às parcelas referentes aos blocos B1 e PSP B2 do prédio sobre o qual foi emitido o orçamento referido em 1. – cfr. fls. 29 e s. do processo administrativo junto aos presentes autos. 8. A pretensão constante do requerimento referido em 7. foi deferida por despacho de 26/10/011 – cfr. fls. 29v do processo administrativo junto aos presentes autos. 9. Na sequência e de acordo com a decisão referida em 8. foram emitidos 2 orçamentos correspondentes à tarifa de ligação ao sistema de águas residuais do Município de Loures, correspondentes aos blocos B2 e B1 do prédio sobre a globalidade do mesmo foi emitido o orçamento referido em 1. – cfr. fls. 35 a 30 do processo administrativo junto aos presentes autos. 10. A Impugnante possui alvará de licença de construção para edificação de prédio sito na Rua C……/Av de Moscavide, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob a fica n.º 0…..2/8…….4, inscrito na matriz sob o art.º 1…..2, numa área total de construção de 91.924,50m2 (hab. 15.584,00m2; Com/Serv./Armaz: 49.203,00m2) – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 43 e 44 dos presentes autos. 11. Os tarifários de água, águas residuais, resíduos sólidos e serviços prestados para o ano de 2011 foram aprovados em reunião de câmara de Loures em 26/10/2010, tendo sido publicados no boletim municipal de Loures de 03/11/2010 – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial a fls. 48 a 52 dos presentes autos. 12. O tarifário do Município de Loures para o ano de 2011 estipulava que a tarifa de ligação ao sistema de águas residuais do Município era de 5,71€ por m2 da área total de construção nos prédios destinados a habitação, comércio e serviços – cfr. doc. n.º 5 junto com a petição inicial a fls. 53 a 68 dos presentes autos. 13. O Regulamento do Serviço de Drenagem de Águas Residuais de Loures, aprovado pela Assembleia Municipal do Município de Loures foi publicado em Diário da República em 22/03/2005 14. A presente acção deu entrada em 02/09/2011”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no PA apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova”.
II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.. Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação do facto 3, transcrito em II.A: 3. O orçamento referido em 1. foi remetido à Impugnante através de ofício datado de 02.03.2011 – cfr. fls. 6 do processo administrativo junto aos presentes autos.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento, no tocante à incompetência absoluta Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que o mesmo é absolutamente incompetente para conhecer o peticionado, dado que, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, as contraprestações dos encargos relativos ao estabelecimento e disponibilidade do sistema de drenagem de águas residuais passaram a ser qualificadas de preços. Ademais, quer o disposto no POCAL (DL n.º 54.º-A/99, de 22 de fevereiro), quer a evolução do DL n.º 194/2009, de 20 de agosto, apontam para a qualificação como preço. Vejamos, então. Nos termos do art.º 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP): “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Por sua vez, ao nível da lei ordinária, determina o art.º 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscal (ETAF; redação vigente à época, a que correspondem futuras menções), que: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. A este propósito, é de atentar no art.º 49.º do ETAF, nos termos do qual: “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, compete aos tribunais tributários conhecer: a) Das ações de impugnação: i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos; ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos atos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma; iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal; iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais; b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal; c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal; d) Dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal; e) Dos seguintes pedidos: i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal; ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário; iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais; iv) De providências cautelares relativas aos atos administrativos impugnados ou impugnáveis e às normas referidas na subalínea i) desta alínea; v) De execução das suas decisões; vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações; f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei. 2 - Compete ainda aos tribunais tributários cumprir os mandatos emitidos pelo Supremo Tribunal Administrativo ou pelos tribunais centrais administrativos e satisfazer as diligências pedidas por carta, ofício ou outros meios de comunicação que lhe sejam dirigidos por outros tribunais tributários”. In casu, o Recorrente sustenta que está em causa um preço e, como tal, cai fora da jurisdição tributária. Vejamos. O alegado implica a abordagem das noções de tarifa, preço e taxa. Sobre o conceito de tarifa, cumpre chamar, desde já, à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/88, de 07.04.1988, no qual se escreveu: “Alude-se (…) a "tarifa de saneamento". A nomenclatura aqui utilizada suscita, desde logo, uma pequena interrogação: que deverá entender-se, no domínio das finanças locais, e em rigor, por tarifa? A este respeito, em termos conceituais abstractos, e sem qualquer referência ao universo das finanças locais, escreve Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, página 59: ‘A prestação de serviços públicos pode efectuar-se em contrapartida de preços ou taxas. Num ou noutro caso as normas regulamentares que fixam a referida contraprestação e regem a sua aplicação denominam-se tarifas, expressão que muitas vezes se utiliza para designar os próprios preços ou taxas que são objecto do aludido regulamento’. (…) Mas (…) qual será o exacto sentido do termo tarifa, no plano do direito financeiro local? O artigo 51°, n° 1, alínea p), do Decreto-Lei n° 100/84, de 29/03, dispõe que compete à Câmara municipal, no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços, bem como no da gestão corrente, ‘fixar tarifas pela prestação de serviços ao público pelos serviços municipais ou municipalizados, no âmbito do abastecimento de água, recolha, depósito e tratamento de lixos, ligação, conservação e tratamento de esgotos e transportes colectivos de pessoas e mercadorias’. Paralelamente, a Lei n° 1/87, de 06/01, depois de no artigo 4º, n° 1, alínea h), especificar que constitui receita dos municípios " o produto da cobrança de taxas ou tarifas resultantes da prestação de serviços pelo município", vem reafirmar, no nº 1 do artigo 12°, a competência tarifária já anteriormente atribuída às Câmaras municipais pelo artigo 51°, n° 1, alínea p), do Decreto-Lei n° 100/84, Face a este quadro, impõe-se afirmar, e sem delongas, que a tarifa, no campo das finanças locais, se não delineia como uma figura tributária em absoluto nova, ou seja, como uma espécie de tertium genus entre a taxa e o imposto. Ela, de facto, e sob todos os aspectos, apresenta-se como uma simples taxa, embora taxa sui generis cuja especial configuração lhe advém apenas da particular natureza dos serviços a que se encontra ligada. Como, a propósito, se nota em “La Nuova Enciclopédia del Diritto e dell' Economia Garzanti ", 2a edição, página 1265, a taxa ‘diferencia-se da tarifa pública na medida em que o serviço a que corresponde o pagamento da taxa é efectuado pela administração do Estado no desempenho das suas funções institucionais fundamentais e em ordem à realização de fins estaduais primários. Trata-se, assim, de serviços administrativos, judiciários ou de utilidade pública, que o Estado presta na sua qualidade de ente soberano, dotado do poder impositivo’. A tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma. Nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa, e nada mais” (sublinhados nossos). A lei das finanças locais (LFL) em vigor à época (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro), optando por não se referir a preços e tarifas, como a sua antecessora, mas a “preços e demais instrumentos de remuneração”, previa, no seu art.º 16.º, os princípios gerais que norteiam a sua fixação, esclarecendo que os mesmos respeitam, designadamente, a atividades de exploração de sistemas municipais ou intermunicipais de saneamento de águas residuais e gestão de resíduos sólidos (cfr. ainda o art.º 10.º deste diploma). Como referido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.04.2013 (Processo: 015/12): “No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas”. Sistematiza o mencionado acórdão: “Importa (…) reflectir um pouco sobre a natureza das tarifas e dos preços previstos nas normas citadas. V.1. No Acórdão deste STA, de 30.05.2001- Processo nº 026109- AP DR 8.08.2003 - pág. 1588 e segs., relativo a dívida por fornecimento de água, e no âmbito de vigência da Lei nº 42/98, ficou escrito, para além do mais, o seguinte: “Logo na alínea d) do seu artº. 16º da Lei nº 42/98 estatui que, entre outras, constituem receitas dos municípios ”o produto da cobrança de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município”. E no artº 20º, nº 1 a mesma lei esclarece relativamente a quais actividades é que os municípios podem cobrar as tarifas e preços (…) Quer isto dizer que, da óptica da lei, os municípios tanto poderão optar pela instituição de tarifas como pela de preços pela utilização por banda dos interessados dos bens propiciados pelo município através das actividades de exploração dos sistemas públicos que identifica (…). Estamos aqui perante o fornecimento de bens por parte dos municípios que visam satisfazer essencialmente necessidades privadas, mas porque, segundo a concepção política dominante na sociedade se entende que esses bens deverão ser propiciados segundo uma lógica independente da do mercado, "fundando-se em razões distintas, como a justa distribuição dos encargos públicos, ou em considerações de ordem política, como a de facilitar ou dificultar o acesso a certos bens ou serviços”, o legislador confere a possibilidade aos municípios de subtraírem a fixação das contraprestações pela utilização desses serviços ou bens à lógica ou às regras do mercado e submeterem-nas a critérios diferentes, fixando-as autoritariamente, se bem que, - e aqui apela-se a um elemento comum na formação do preço na lógica do mercado -, não “devam, em princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços”, segundo se manda no nº 3 daquele artº 20º da Lei nº 42/98. Mas isso não impede que os municípios não possam fornecer esses bens segundo o regime de preços de mercado, assente essencialmente na regra da oferta e da procura, traduzida juridicamente num acordo de vontades e que dá origem a uma obrigação voluntária em vez de uma obrigação autoritária ou de fonte legal, como ali acontece, e ainda que esses preços não possam ser sujeitos a condicionamentos na sua determinação (preços tabelados, preços condicionados à demonstração dos elementos da sua formação, preços públicos e preços políticos). Se a receita corresponde a um preço autoritariamente estabelecido pela utilização individual dos referidos bens que atenta aquela concepção são bens semipúblicos- tendo a sua contrapartida numa actividade dos municípios (do Estado ou de outros entes públicos) especialmente dirigida ao obrigado ao pagamento estamos perante uma tarifa; de contrário, estamos perante um preço. Mas tarifa, aqui equivale-se totalmente, na perspectiva da sua natureza, a taxa, correspondendo a denominação apenas a um simples nomen especificamente atribuído pelo legislador das finanças locais quando ela respeita à utilização de certos bens semipúblicos -precisamente os indicados no nº 1 do artº 20º da citada Lei nº 42/98 e com correspondência em preceitos similares das leis anteriores”. (…) Em jurisprudência, quer anterior (v., entre outros, os acórdãos de 15.06.2000 – Processo nº 024153 e de 09.10.1996- Processo nº 019322- Apêndice ao DR, de 28.12.1998, págs. 2759 e segs.), quer posterior (v., entre outros, os acórdãos de 22.05.2002 -Processo nº 026472 e de 31.03.2004- Processo nº 01921/03), este Supremo Tribunal reafirmou o mesmo entendimento de que a tarifa não constitui um tertium genus entre o imposto e a taxa, não tendo verdadeira autonomia conceitual, caracterizando-se, afinal, por não dever ser inferior ao preço do serviço prestado. (…) [S]egundo [Casalta Nabais, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 6, 1997, págs. 48 e segs.] (…), as tarifas não passam de taxas que revestem as seguintes particularidades: a) não dizem respeito a serviços públicos que sejam por essência da titularidade do Estado, uma vez que não correspondem às funções institucionais fundamentais próprias da Administração Pública nem visam, por conseguinte, a realização dos fins estaduais primários; b) por outro lado, podendo tais serviços ser objecto de oferta e procura e susceptíveis, assim, de uma avaliação em termos de mercado, o seu montante não deve, em princípio, ser inferior ao efectivo custo do correspondente serviço. (…) (…) [A] (…) Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei nº 2/2007, de 15 de janeiro, deixou de considerar as tarifas entre as receitas dos municípios (…), limitando-se a referir apenas no artº 10º, alínea c) “cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pelo município, de acordo com o disposto nos artigos 15º e 16º”. Se a isto acrescentarmos que o artº 16º, nº 3, refere que os preços e demais instrumentos de remuneração a cobrar pelos municípios respeitam, designadamente, às actividades de exploração de sistemas municipais ou intermunicipais de abastecimento público de água e que os preços devem obedecer a regulamento tarifário a aprovar, parece que seríamos levados a concluir no sentido de que tais preços deixaram de ser considerados taxas, ficando, por isso, a cobrança das respectivas dívidas sujeita ao foro comum. Será assim? (…) Acompanhando António Malheiro de Magalhães (…) diremos que os agora designados “preços” cobrados por serviços prestados e bens fornecidos pelos Municípios não perdem o sentido e o alcance que anteriormente lhes eram assacados pela doutrina e pela jurisprudência em face da Lei das Finanças Locais aprovada pela lei nº 42/98, já que mantêm a mesma natureza das “tarifas e preços” a que se referia o artº 20º daquele diploma. Com efeito, apesar da supressão do termo “tarifa”, quer as taxas quer os preços agora previstos como receitas municipais nos artºs 15º e 16º, respectivamente, da Lei nº 2/2007, continuam a integrar o conceito de “taxa lato sensu” porque autoritariamente fixados pela prestação de bens semi-públicos, integrando-se, por isso, no conceito dado pelo artº 4º da LGT. (…) E não se diga que, no caso concreto, estamos em face de um contrato entre consumidor e prestador do serviço (artºs 59º, 63º e 64º do DL nº 194/2009) pois que isso não é suficiente para afastar o conceito de taxa. Na verdade, a autonomia da vontade negocial da entidade gestora e do consumidor final nada ou pouco interfere na denominação do respectivo conteúdo e grau de vinculação da relação contraída, pelo que a respectiva contrapartida reveste natureza coativa (Aliás, o artº 69º do DL nº 194/2009, de 24 de Agosto, constitui um bom exemplo da inexistência da autonomia contratual ao impor que todos os edifícios, existentes ou a construir, com acesso ao serviço de abastecimento público de água ou de saneamento de águas residuais devem dispor de sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais devidamente licenciados, de acordo com as normas de concepção e dimensionamento em vigor, e estar ligados aos respectivos sistemas públicos, sob pena da aplicação da coima prevista no 72º, nº 2, alínea a).) Conforme salienta Sérgio Vasques -Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 208 e segs., ainda que as taxas sejam exigidas em virtude da prestação de bens ou serviços, dando corpo a uma relação de troca com os contribuintes, elas não deixam de possuir natureza coativa, característica de todos os tributos públicos. E acrescenta o mesmo autor que dois critérios materiais relevantes para a distinção entre preços e taxas são o do regime económico em que é realizada a prestação administrativa e o da indispensabilidade que essa prestação administrativa reveste para o particular. Assim, estaremos perante uma taxa quando, por razões de direito ou de facto, não se encontrem no mercado prestações sucedâneas daquelas que a administração realize e o particular se veja por isso verdadeiramente coagido ao seu consumo (ou, por outras palavras, quando o aproveitamento da prestação administrativa se revela imprescindível para a sobrevivência condigna do particular, atentos os padrões sociais de cada momento e da cada lugar); já, pelo contrário, estaremos perante preço se o particular dispuser de liberdade de escolha entre prestações asseguradas pelo sector público e pelo sector privado (isto quando a administração realize essas prestações em condições de concorrência), ou por outras palavras também, quando o particular possa prescindir da prestação administrativa sem sacrifício relevante para a sua qualidade de vida. Ora, não restam dúvidas, no caso que nos ocupa, quanto à indispensabilidade do serviço de abastecimento de água, tendo aliás, a Assembleia Geral da ONU reconhecido como direito fundamental do cidadão o abastecimento de água potável e o saneamento básico, enquanto realização do direito à saúde e a um nível de vida adequado. Por outro lado, embora, como adiante se dirá, a gestão da água possa até ser efectuada por várias entidades (entre elas privadas. em regime de concessão), a verdade é que não existe concorrência para que os particulares possam optar por outro fornecedor. Em face do que ficou dito concluímos então no sentido de que, não obstante a Lei nº 2/2007 (Lei da Finanças Locais) ter eliminado a expressão “tarifas” como receitas das autarquias, que a doutrina e a jurisprudência qualificavam como taxas, a expressão “preços” constante do seu artº 16º, nº 3, reportada a abastecimento público de água e saneamento de águas residuais, mantém o mesmo sentido e alcance das mencionadas “tarifas”” (sublinhados nossos). Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.06.2015 (Processo: 045/14), no qual se sumariou: “Não obstante a Lei n.º 2/2007 ter eliminado a expressão “tarifas” como receitas das autarquias, que a doutrina e a jurisprudência qualificavam como taxas, a expressão “preços” constante do seu art. 16.º, n.º 3, reportada a abastecimento público de água e saneamento de águas residuais, mantém o mesmo sentido e alcance das mencionadas ‘tarifas’”. A este propósito, refere Sérgio Vasques (Manual de Direito Fiscal, 4.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2014, p. 209): “[D]iremos que tendencialmente se está perante uma taxa quando, por razões de direito ou de facto, não se encontrem em mercado prestações sucedâneas daquelas que a administração realize e o particular se veja por isso verdadeiramente coagido ao seu consumo. Em vez disso, está-se tendencialmente perante preço quando, por razões de direito ou de facto, a administração realize essas prestações em condições de concorrência e o particular disponha por isso de liberdade de escolha entre as prestações asseguradas pelo setor público e pelo setor privado”. Atento este enquadramento, passemos então à análise do caso dos autos. In casu, estamos perante a designada tarifa de ligação ao ramal de águas residuais, que se consubstancia numa taxa, na modalidade de tarifa, dado tratar-se de uma prestação pecuniária, exigida por entidade pública com vista a compensar prestações que são efetivamente aproveitadas pelos particulares, e dado não se tratar de situação em que haja no mercado prestações sucedâneas, havendo, no fundo, a tal coação ao seu consumo, mencionada por Sérgio Vasques. Por outro lado, além de ser pouco claro o que se pretende com a chamada à colação do POCAL (DL n.º 54-A/99, de 22 de fevereiro), sempre se refira que o mesmo, no dito ponto 2.8.3., relativo à contabilidade de custos, abrange preços e tarifas e de modo algum evidencia uma descaraterização da tarifa em causa. Ademais, a relevância do princípio de recuperação de custos ou da cobertura de custos não é afastada pelo RGTAL, que, a este respeito, determina, sim, que “o valor das taxas (…) não deve ultrapassar o custo da atividade pública local ou o benefício auferido pelo particular”. Quanto ao disposto no DL n.º 194/2009, de 20 de agosto, a que já se foi fazendo referência, designadamente na jurisprudência citada, cumpre referir o seguinte. Este diploma veio estabelecer o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos. Em matéria tarifária, o mesmo refere dever haver uma “eficiência e equidade dos tarifários aplicados”, o que pode ser apreciado pela entidade gestora, em sede de análise de desempenho (cfr. art.º 10.º). Refere-se ainda que à Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), no âmbito das suas competências em termos de zelar pela sustentabilidade económico-financeira, competia, à época, “[e]mitir recomendações gerais relativas aos tarifários dos serviços objeto do presente decreto-lei, independentemente do modelo de gestão adotado para a sua prestação, e acompanhar o seu grau de adoção, divulgando os respetivos resultados” [cfr. art.º 11.º, n.º 4, al. d)] e “[r]ecomendar à entidade gestora a revisão do tarifário, de acordo com o enquadramento legal, dando disso conhecimento à respetiva assembleia municipal, intermunicipal ou metropolitana e à entidade competente da tutela inspetiva” [cfr. art.º 11.º, n.º 10, al. c)]. Sublinha-se ainda o direito à informação, por parte dos utilizadores, previsto no art.º 61.º, n.º 1. Este diploma, no art.º 69.º, n.º 1, prevê igualmente que “[t]odos os edifícios, existentes ou a construir, com acesso ao serviço de abastecimento público de água ou de saneamento de águas residuais devem dispor de sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais devidamente licenciados, de acordo com as normas de conceção e dimensionamento em vigor, e estar ligados aos respetivos sistemas públicos”, o que reforça a questão da obrigatoriedade de os particulares terem de diligenciar no sentido de promover tal ligação, sob pena de responsabilidade contraordenacional. Nada no diploma em causa, na redação aplicável, permite afastar a qualificação enquanto tributo da tarifa impugnada, pelos motivos que já referimos e que estão espelhados no já citado Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.04.2013 (Processo: 015/12). São as caraterísticas do tributo que o definem e nada no diploma em análise afasta a sua qualificação como taxa, nem sequer a intervenção da ERSAR, que visa garantir apenas o seu cumprimento. Trata-se, pois, de ato tributário, nos termos já explanados, motivo pelo qual são competentes para a resolução destes litígios os tribunais tributários. Face ao exposto, carece de razão o Recorrente.
III.B. Da questão prévia da caducidade do direito de ação Pela primeira vez nos autos, e na sequência do cumprimento do disposto no art.º 665.º, n.º 2, do CPC, o Recorrente veio invocar a caducidade do direito de ação, questão que, por ser de conhecimento oficioso, deve ser previamente apreciada. Considera assim o Recorrente que, tendo o Impugnante sido notificado por ofício datado 02.03.2011 do ato de liquidação, tendo reclamado do mesmo a 04.04.2011 e tendo apresentado o recurso hierárquico a 11.05.2011, este foi-o intempestivamente, com a consequente caducidade do direito de ação. Adiante-se que não lhe assiste razão, por várias ordens de razão. Desde logo, o Recorrente está a tratar o recurso hierárquico mencionado em 5. como se de reclamação graciosa se tratasse, o que não é o caso. Assim, o Impugnante, perante a notificação mencionada em 3., apresentou reclamação graciosa necessária, nos termos do disposto no art.º 16.º, n.º 2, do RGTAL. Atento o disposto no n.º 3 do mesmo art.º 16.º, a reclamação presume-se indeferida no prazo de 60 dias. É certo que o recurso hierárquico, cuja apresentação é admissível nos termos do art.º 66.º do CPPT ex vi art.º 2.º, al. e), do RGTAL [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2019 (Processo: 02819/13.3BEPRT)], foi apresentado em 11.05.2011. Na decisão expressa do mesmo nunca foi posta em causa a respetiva tempestividade, tendo o mesmo sido conhecido de mérito e foi na sequência dessa decisão de mérito que o Recorrido apresentou a presente impugnação. E fê-lo tempestivamente, dado que a petição inicial foi apresentada a 01.09.2011, dentro do prazo previsto no art.º 102.º, n.º 1, al. e), do CPPT. Em bom rigor, o Recorrente não invoca caducidade do direito de ação, mas sim intempestividade do recurso hierárquico, fundamento que nunca foi aventado pela administração no procedimento, tendo, como referimos, sido o recurso hierárquico conhecido no seu mérito, por, bem ou mal (e consideramos que bem), a administração o ter considerado tempestivo. No entanto, ainda que fosse intempestivo não poderia agora a administração suscitar tal questão, porquanto seria invocar um fundamento novo para o indeferimento do recurso hierárquico, sendo que a fundamentação do ato administrativo tem de ser contextual do mesmo. Face ao exposto, carece de razão o Recorrente.
III.C. Do erro de julgamento, por não ser aplicável o RGTAL Considera, por outro lado, o Recorrente que a decisão em crise padece de erro de julgamento, por não ser aqui aplicável o RGTAL, no fundo reiterando que aqui estamos perante preços e não taxas, tendo, em seu entender, o Tribunal a quo violado o art.º 16.º, n.ºs 1 e 3, da LFL, o art.º 5.º, do DL n.º 362/98, de 23 de maio, e a Recomendação n.º 1/2009 do IRAR, sobre tarifas. Vejamos então. A 01.01.2007, entrou em vigor a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro (RGTAL). Nos termos do seu art.º 1.º: “1 - A presente lei regula as relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais. 2 - Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais as estabelecidas entre as áreas metropolitanas, os municípios e as freguesias e as pessoas singulares ou coletivas e outras entidades legalmente equiparadas”. Portanto, o tributo em apreciação enquadra-se no âmbito do RGTAL, pelos motivos que já explanamos em III.A. e para os quais remetemos – o que afasta a alegada violação do disposto no art.º 16.º, n.º 1 e 3, da LFL então em vigor. Não se alcança de que forma este entendimento colide com a jurisprudência da União Europeia, violação essa mencionada sem qualquer tipo de densificação pelo Recorrente, que se limitou a invocá-la sem consubstanciar o seu entendimento e que não nos surge como evidente, pelo menos da perspetiva do Recorrente – nem quanto a violação de qualquer uma das liberdades fundamentais nem quanto a violação dos princípios inerentes à livre concorrência (apenas pertinente caso estivéssemos perante uma situação de concorrência no mercado de diversos operadores, o que não é o caso). Da mesma forma não é violado o disposto no Estatuto do Instituto Regulador de Águas e Resíduos (DL n.º 362/98, de 18 de novembro), porquanto o seu papel de regulamentação, orientação e fiscalização não é posto em causa pela caraterização da tarifa como tributo nem pela necessidade de serem respeitadas as exigências impostas pelo RGTAL. Aliás, a própria Recomendação n.º 1/2009 do IRAR sublinha a ausência de fundamentação técnica e económica aparente de vários dos tarifários aplicados e pretendeu, com tal recomendação, trazer maior racionalidade económica e financeira nas estruturas tarifárias. Não se alcança, pois, qual a sua incompatibilidade com o RGTAL. Concluímos, pois, na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que estamos perante um tributo abrangido pelo RGTAL. Prosseguindo. O tributo em análise foi liquidado considerando o Regulamento do Serviço de Drenagem de Águas Residuais da Câmara Municipal de Loures, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Loures, de 27.01.2005 (cfr. Aviso n.º 1866/2005, publicado no Diário da República, II Série, Apêndice, de 22.03.2005), concretamente o seu art.º 31.º, n.º 2, como decorre do ato impugnado. Nos termos do seu art.º 30.º: “1 - Para fazer face aos encargos com as atividades desenvolvidas no âmbito da exploração do sistema público de drenagem de águas residuais, são devidas tarifas pela prestação dos serviços de ligação, drenagem, destino final de águas residuais e de outros, especialmente, previstos no Regulamento de Descargas de Águas Residuais Industriais. 2 - Poderá ainda a entidade gestora, no âmbito das atividades relativas à construção, exploração, conservação e administração dos sistemas públicos de drenagem de águas residuais, cobrar taxas e preços por serviços prestados, designadamente: a) Conservação; b) Serviços prestados, tais como, vistorias, ensaios, execução de ramais, limpeza de fossas, outros serviços avulsos, conexos com as atividades desenvolvidas e outros especialmente previstos no Regulamente de Descarga de Águas Residuais Industriais”. Concretamente quanto à denominada tarifa de ligação, refere o art.º 31.º: “1 - A tarifa de ligação respeita aos encargos relativos ao estabelecimento e disponibilidade dos sistemas públicos de drenagem de águas residuais. 2 - A tarifa de ligação será determinada em função da área total de construção, de acordo com o tarifário aprovado. 3 - A tarifa de ligação será devida pelo proprietário ou usufrutuário do prédio, no momento do pedido de ligação. 4 - A tarifa de ligação será paga de uma só vez ou no máximo de quatro prestações trimestrais, se assim for requerido, mediante o acréscimo da taxa de juro legal que vigorar em cada momento”. Por seu turno, o seu art.º 16.º prescrevia que: “Para assegurar o equilíbrio económico e financeiro com um nível de atendimento adequado, a entidade gestora fixará, por regra, anualmente, por deliberação dos órgãos municipais competentes, as tarifas e preços enumerados no Regulamento do Serviço de Drenagem e Destino Final de Águas Residuais”. Com a publicação do RGTAL, as exigências, no tocante à criação de taxas, passaram a ser, sob pena de nulidade do regulamento, as seguintes (cfr. art.º 8.º, n.º 2): “a) A indicação da base de incidência objetiva e subjetiva; b) O valor ou a fórmula de cálculo do valor das taxas a cobrar; c) A fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local; d) As isenções e sua fundamentação; e) O modo de pagamento e outras formas de extinção da prestação tributária admitidas; f) A admissibilidade do pagamento em prestações”. Ciente da necessidade de adaptação dos regulamentos existentes, o RGTAL consagra um regime transitório, no seu art.º 17.º, prevendo a revogação das taxas até então existentes, exceto se o respetivo regulamento estivesse conforme o RGTAL ou se viesse a ser alterado em conformidade com o RGTAL. Este prazo limite para alteração dos regulamentos, por forma a que os mesmos passassem a estar conformes o RGTAL, foi sendo sucessivamente alterado, fixando-se, com a Lei n.º 117/2009, de 29 de dezembro, em 30.04.2010. Atentando no Regulamento ora em apreciação, ao qual, nos termos que já referimos supra, são aplicáveis as exigências do RGTAL, o mesmo, no momento temporal pertinente in casu, não foi adaptado a tais exigências, designadamente nele não constando a já referida fundamentação económico-financeira. Tal significa que, ope legis, as taxas foram revogadas. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.09.2017 (Processo: 0479/16): “A fundamentação imposta na Lei n° 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o regime geral das taxas das autarquias locais exige, no artigo 8º, nº 2, alínea c), que o regulamento que crie taxas municipais contenha, obrigatoriamente, sob pena de nulidade, a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das mesmas taxas. A citada Lei, que entrou em vigor, em 1 de janeiro de 2007, consagrou um regime transitório, que permitia aos municípios a adequação dos regulamentos até ao início do segundo ano financeiro subsequente à sua entrada em vigor, versão original, ou até início do 3º ano financeiro subsequente à entrada em vigor da presente lei, versão da Lei nº 64-A/2008, de 31-12, OE para 2009, artigo 53º, ou, finalmente, até ao dia 30 de abril de 2010, versão da Lei nº 117/2009, de 29/12”. É certo que está provado que, em reunião da Câmara Municipal de Loures, de 03.11.2010, foi aprovado um tarifário, com base no qual foi calculado o tributo impugnado. No entanto, nada foi alegado e, consequentemente, provado no sentido de que as exigências do RGTAL, a que já nos referimos, tenham sido satisfeitas até ao dia 30.04.2010 – aliás, o próprio tarifário de novembro de 2010 limita-se a referir valores, sem que se conheça a respetiva sustentação, mantendo-se uma situação de ausência de previsão da fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas. Logo, considerando o contexto descrito, a liquidação é ilegal. Como tal, carece de razão o Recorrente.
Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2014 (Processo: 01953/13): “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso). Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.b., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante se entender que, face à complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 300.000,00 Eur.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pelo Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 300.000,00 Eur.; c) Registe e notifique. Lisboa, 22 de junho de 2023
(Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) |