Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1266/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CADUCIDADE
LIQUIDAÇÃO
ACÇÃO DE INSPECÇÃO
EFEITO SUSPENSIVO
CESSAÇÃO
PEDIDO DE REVISÃO
EFEITO SUSPENSIVO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:1. O prazo de caducidade do direito à liquidação suspende-se com a notificação ao contribuinte do início de acção inspectiva externa, mas esse efeito suspensivo cessa, e o prazo conta-se do seu início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação.

2. Nos casos em que a inspecção externa tem uma duração inferior a seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade, previsto no artigo 46º, nº 1, da LGT, mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final.

3. Na redacção do art.º 46.º da Lei Geral Tributária anterior à introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, o pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do seu art.º 91.º, não suspendia o prazo de caducidade da liquidação, comportando unicamente efeito suspensivo da liquidação do tributo.

Votação:Dois Votos de Vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada por A… – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., contra a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios n.º 20108310000578, no montante de 74.659,53€, correspondendo 65.527,00€ a imposto e 9.132,53€ a juros compensatórios.

O Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
a) O Tribunal a quo entendeu ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação do IRC do período de 2005, decidindo pela procedência da impugnação, por violação de Lei (n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º, n.º 1 do artigo 46.º da LGT);

b) O Tribunal a quo considerou que o Relatório de Inspeção Tributária Final, não foi validamente notificado à Recorrida;

c) O Tribunal a quo considerou prejudicada a análise de todos os outros vícios invocados e fundamentos invocados pela Recorrida;

d) Atento todo o procedimento, indubitavelmente não ocorreu in casu a caducidade do direito à liquidação;

e) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2000900137 foi a Recorrida objeto de uma ação de inspeção tributária, em sede de IRC e IVA, respeitante ao período de 2005;

f) Foram, na sequência de tal procedimento de inspeção, concretizadas correções à matéria tributável com recurso a métodos indiretos;

g) A Recorrida foi notificada da concernente liquidação adicional de IRC (n.º 2010831000578), no montante de 74.659,53€;

h) Em 2009.05.22, foi o Contabilista Certificado da Recorrida, devida e legalmente notificado da Ordem de Serviço n.º OI200900137 e do respetivo despacho que determinou o início do procedimento de inspeção;

i) Em 2009.11.10, foi a Recorrida notificada, pessoalmente, do projeto do Relatório de Inspeção Tributária, no escritório do Contabilista Certificado, para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia, no prazo de 8 dias, em conformidade com o estipulado no artigo 60.º da LGT;
j) Em 2099.11.20, o Inspetor Tributário responsável, deslocou-se à sede da Recorrida para proceder à notificação do Relatório de Inspeção Tributária Final, não tendo, contudo, logrado encontrar ninguém, deixou uma marcação de data e hora certa;

k) Em 2009.11.23, deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa o direito de audição prévia exercida pela Recorrida;

l) Em 2009.11.23, o Inspetor Tributário responsável, após análise do mencionado direito de audição prévia, deslocou-se à sede da Recorrida para proceder à notificação do Relatório de Inspeção Tributária Final;

m) Em 2009.12.23, a Recorrida apresentou um pedido de Revisão da Matéria Coletável;

n) Em 2010.01.21, foi notificado à Recorrida a decisão final do pedido de Revisão da Matéria Coletável;

o) Ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo, o Relatório de Inspeção Tributária Final foi validamente notificado à Recorrida;

p) O n.º 1 do artigo 45.º da LGT estabelece que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”;

q) O n.º 1 do artigo 46.º da LGT dispõe que “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação (…)”;

r) De acordo com o estipulado na alínea e) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, “O prazo de caducidade suspende-se ainda: Com a apresentação do pedido de revisão da matéria coletável, até à notificação da respetiva decisão”;

s) Estando em causa o período de 2005, o prazo de caducidade ocorreria, nos termos do preceituado no n.º 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, em 2009.12.31;

t) Mas, de acordo com o instituído nos números 1 e 2 do artigo 46.º da LGT, o concernente prazo esteve suspenso, desde o inicio da ação inspetiva, por 6 meses (artigos 51.º e 62.º do RCPIT);

u) E ficou, ainda, suspenso durante 30 dias em que decorreu o procedimento de Revisão da Matéria Coletável apresentado pela Recorrida (n.º 2 do artigo 91.º da LGT);

v) Assim, da aplicação conjugada do artigo 101.º do Código do IRC, artigos 45.º e 46.º da LGT, a liquidação adicional arguida nos autos de impugnação, foi validamente notificada à Recorrida, no concernente prazo de caducidade;

w) Não recolhendo, pois, tais argumentos do Tribunal a quo qualquer rigor jurídico-tributário;

x) Pelo tudo supradito, não se alcança compreender a débil argumentação da decisão do Tribunal a quo ao dar razão à Recorrida;

y) Cabia à Recorrida o ónus da prova do Direito a que se arroga, não tendo a mesma logrado tal intento;

z) Com efeito, o Tribunal a quo fez um erróneo julgamento que exige, evidentemente, seja colmatado;

aa) O Tribunal a quo falhou, através de uma errónea interpretação legal, quando decidiu julgar a impugnação judicial procedente;

bb) O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, colocou em causa o princípio fundamental do Direito Tributário, a certeza jurídica, a estabilidade, cognoscibilidade e previsibilidade;

cc) A instabilidade do Direito, e em especial do Direito Tributário, destrói a ordem jurídica-tributária em si mesma, cria incerteza, e foi isto que foi colocado em causa na decisão ora arguida;

dd) O Tribunal a quo, também escamoteou o princípio da proteção da confiança tributária, o qual visa transmitir aos contribuintes um sentimento de previsibilidade na atuação da própria AT e do Estado em geral;

ee) Outro desfecho não se mostra acertado a este Tribunal, que não concluir que as provas apresentadas por esta AT se mostram suficientemente robustas para sustentar a liquidação que concretizou;

ff) Impunha-se à douta sentença ora recorrida, perante tão robusto probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o efetivamente decidido, o que, infelizmente, não ocorreu;

gg) Manifestando a fundamentação jurídico-tributária da decisão uma apreciação evidentemente ilógica, arbitrária e insustentável, e, por esta via, incorreta, o que conduziu à injustiça da decisão contra esta AT.

Termos em que, com o mui douto suprimento de Vs. Ex.ªs, e atento a motivação e conclusões supra enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por Acórdão que julgue improcedente, in totum, por não provada, e, em consequência mantenha vigente no ordenamento jurídico-tributário, por legal, o ato impugnado».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«

























»
».



O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso, devendo manter-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Com dispensa dos vistos legais dado estarem em causa questões já repetidamente tratadas pela jurisprudência e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão que importa apreciar reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que ocorreu caducidade do direito de liquidação de IRC do período de 2005.
***


III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
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B.DE DIREITO

Como referimos já, a questão colocada à nossa apreciação reconduz-se a saber se a sentença errou no julgamento que fez da caducidade do direito à liquidação do tributo.

Em causa, está uma liquidação adicional de IRC do ano de 2005.

Por remissão expressa do art.º 101.º do Código do IRC, à caducidade do direito à liquidação de IRC aplicam-se as regras previstas nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária, os quais na redacção anterior à da Lei 64-B/2011, de 30 de Dezembro, estabeleciam, nos segmentos relevantes para os autos:
«Artigo 45.º
Caducidade do direito à liquidação
1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 – (…).
3 – (…).
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 – (…).
6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
7 – (…)».
«Artigo 46.º
Suspensão do prazo de caducidade
1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção.
2 - O prazo de caducidade suspende-se ainda:
a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;
b) Em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início até à resolução do contrato ou durante o decurso do prazo dos benefícios;
c) Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição;
d) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.
e) Com a apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, até à notificação da respectiva decisão.
3 - Em caso de aplicação de sanções da perda de benefícios fiscais de qualquer natureza, o prazo de caducidade suspende-se desde o início do respectivo procedimento criminal, fiscal ou contra-ordenacional até ao trânsito em julgado da decisão final.».

Assim, tendo em conta o disposto no art.º 45.º n.ºs 1 e 4, da LGT, a liquidação de IRC do período de 2005, para ser tempestiva, deveria ter sido validamente notificada à impugnante até 31/12/2009.

Porém, tal liquidação resulta de acção inspectiva externa, tendo a impugnante sido notificada da ordem de serviço de início da acção inspectiva em 22/05/2009 (cf. ponto G) da matéria assente).

Nessa data ficou suspensa a contagem do prazo de caducidade, nos termos estabelecidos no n.º 1 do art.º 46.º da LGT.

Todavia, como resulta do ali preceituado, o efeito suspensivo cessa, contando-se o prazo de caducidade desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação da ordem de serviço, “acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspecção”, nos termos previstos no art.º 36.º do Regulamento Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária.

Como é pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, notificação do relatório final da inspecção se deve ter por realizada antes do decurso do prazo de 6 meses prazo limite para a realização da inspecção externa.

Como se deixou consignado no ac. do alto tribunal (Pleno da SCT) de 09/21/2016, tirado no proc.º 01475/15, «O prazo de caducidade do direito à liquidação suspende-se com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, mas esse efeito suspensivo cessa, e o prazo conta-se do seu início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação.
Nos casos em que a inspecção externa tem uma duração inferior a seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade, previsto no artigo 46º, nº 1, da LGT, mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final.».

Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, conforme estatui o art.º 20.º, n.º 1 do CPPT.

Pois bem, tendo a liquidação sido emitida em 25/01/2010 e nessa data notificada ao contribuinte por registo postal (cf. ponto U) da matéria assente), mostra-se decisivo indagar se ocorreu, ou não, cessação do efeito suspensivo da notificação ao contribuinte do início da acção de inspecção externa (cf. artigos 46.º e 51.º do citado RCPIT), o que justamente as partes discutem.

A este propósito, a sentença deu por assente:
- A impugnante foi notificada em 10/11/2019, “através de entrega em mão”, do projecto de conclusões do relatório (cf. ponto H) do probatório);
- Em 19/11/2009, a Impugnante regularizou em parte a sua situação tributária através da apresentação de uma declaração de substituição cf. (ponto J) do probatório);
- Em 20/11/2009 foi emitida certidão marcando hora certa para notificação do relatório final (cf. ponto L) do probatório);
- Em 23/11/2009, deu entrada na Direcção de Finanças de Lisboa o documento que corporiza o exercício do direito de audição prévia sobre as conclusões do relatório (cf. ponto M) do probatório);
- Na mesma data de 23/11/2009, foi elaborado o relatório final de inspecção tributária, com o conteúdo descrito no ponto N) do probatório;
- Na mesma data de 23/11/2009, foi efectuada “certidão de verificação (hora certa)”, tendo sido afixada nota de notificação (cf. ponto O) do probatório);
- Posteriormente, em 24/11/2009, foi enviado um ofício à impugnante, aqui recorrida, comunicando-lhe que tinha sido afixada a nota de verificação de notificação com hora certa à porta da sua residência (cf. ponto Q) do probatório).

E com base nessa factualidade assente e não impugnada em sede recursiva, ponderou o seguinte:
«Com efeito, a Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva, tendo por objeto o IRC e o IVA, do ano de 2005, credenciada pela Ordem de serviço nº OI200900137, na sequência da qual foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, notificado, pessoalmente à Impugnante, em 10.11.2009, tendo sido fixado em 8 dias o prazo para o exercício do direito de audição,
Ficou igualmente demonstrado que, em 20.11.2009, a Impugnante exerceu, por escrito, o seu direito de audiência prévia, informando da regularização efetuada e contestando as demais correções efeituadas – cf. alínea J) do probatório - e que o requerimento do exercício do direito de audiência prévia chegou aos serviços da Autoridade Tributária em 23.11.2009 – cf. alínea M) do probatório.
Acresce que, flui ainda do probatório, que o relatório final de inspeção tributária foi elaborado, somente no dia 23.11.2009, contendo a apreciação do direito de audiência prévia, apresentado pela Impugnante.
Portanto, resulta à saciedade que, no dia 20.11.2009, a Autoridade Tributária não estava em condições de notificar o relatório final de inspeção tributária, porque o mesmo só foi elaborado no dia 23.11.2009.
Ou seja, constituindo o relatório de inspeção tributária o ato final do procedimento inspetivo e nele se procedendo à identificação e sistematização dos factos detetados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente, descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, devendo ser fundamentado, e incluir, em caso de serem suscitados elementos novos, no direito de participação dos contribuintes, a apreciação desses elementos, não se compreende como é que a AT, em 20.11.2009, poderia apreciar o direito de audiência prévia que ainda não tinha chegado à esfera de cognoscibilidade da administração.
Por outro lado, também não se compreende como é que no mandado de notificação pessoal, exarado pelo Chefe de Divisão na Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, se faz referência ao “ofício nº 100263 de 20-11-2009” e depois em “nota” se apõe que o “ofício supra identificado foi substituído pelo ofício nº 101137 de 23 de novembro de 2009 devido ao exercício do direito de audição pelo sujeito passivo entrado nestes serviços em 23 de novembro de 2009” – cf. alínea K) dos factos provados.
Ou seja, em 20.11.2009, a Administração Tributária, quando emite o mandado de notificação pessoal, não podia ter como objeto a notificar o relatório de inspeção, elaborado no dia 23.11.2009.
Por outro lado, o objeto de notificação é incindível, assim como é incindível o procedimento inerente à notificação com hora certa, que, nos termos da norma aplicável, ocorre em dois momentos, por regra, em dois dias consecutivos. Sem embargo de ocorrer em dois momentos distintos, no tempo, sempre será exigível que o objeto a notificar tenha que existir, no plano dos factos, nos referidos dois momentos: no dia em que se marca a hora certa e no dia em que se faz a verificação da hora certa.
E do cotejo das normas ínsitas nos artigos 239º e 240º do CPC, na redação à data aplicável, o objeto da notificação tem que ser o mesmo, uma vez que no artigo 239º, nº 2 do CPC se refere que no ato de citação, o agente de execução entrega a nota de citação, bem como do duplicado da petição inicial, recebido pela secretaria e por esta carimbado e a cópia dos documentos que a acompanhem, lavrando disso certidão. Daqui se infere que em qualquer ato de notificação pessoal, o funcionário deve fazer-se acompanhar do objeto da notificação, sendo que, como se referiu, se não encontrar o notificando, e cumpridos os pressupostos legais, poderá optar pela notificação com hora certa.
Sem embargo, resulta com meridiana clareza, do texto legal, que, em qualquer caso, tem que se verificar a identidade do objeto a notificar, porque, como se referiu, a notificação com hora certa, apesar de ocorrer em dois momentos distintos, tem que se reportar ao mesmo objeto. E o referido objeto tem que existir no dia da marcação da hora certa, como no dia da verificação da hora certa.
Revertendo ao caso dos autos, o Tribunal não vislumbra como é que a Administração Tributária, no dia 20.11.2009, ou seja, no dia em que o funcionário se desloca à sede da Impugnante, para cumprir o mandado de notificação, podia presumir ou supor que não lograria efetuar a notificação pessoal, sendo necessário recorrer à notificação com hora certa.
Ou seja, mesmo que não fosse exigível que o funcionário indicasse na nota de marcação da hora certa, o objeto da citação, a verdade é que, no caso, o relatório de inspeção tinha que existir, para ser notificado, no dia da marcação da hora certa devendo ser o mesmo relatório de inspeção que o funcionário levaria consigo, no dia da verificação da hora certa.
Ora, comprovando-se nos autos que o relatório de inspeção só foi elaborado no dia 23.11.2009, o que é que o funcionário da AT levou no dia 20.11.2009, para ser notificado ao contribuinte? Pergunta que não foi esclarecida pelo funcionário responsável, atendendo a que, neste conspecto, as respostas foram evasivas, não logrando o Tribunal alcançar a realidade dos factos.
É porque se a AT considerasse que a Impugnante não tinha cumprido o prazo que lhe fora fixado para o exercício do direito de audição, uma vez que a notificação para o exercício do direito de audição ocorreu em 10.11.2009 (notificação pessoal) e sendo o prazo fixado nos termos do artigo 60º nº 5 da LGT, de 8 dias, o termo do prazo ocorreu em 18.11.2008, poderia extrair como consequência o desconsiderar, completamente, o exercício do direito de audição da contribuinte e notificar o relatório final, sem a referida apreciação.
E, nesse caso, o relatório de inspeção, a notificar no dia 20.11.2009, não contendo a apreciação do direito de audiência prévia, seria o mesmo relatório que seria notificado no dia 23.11.2009.
Destarte, considerando que a notificação com hora certa tem que obedecer aos formalismos legais, para ser válida e eficaz e considerando que, como se deixou exposto, os formalismos da notificação não foram observados, desde logo, porque o objeto da notificação não existia, no dia da marcação da hora certa, conclui-se que o relatório de inspeção não foi validamente notificado à Impugnante no dia 23.11.2009 e sim aquando da receção da carta remetida ao abrigo do artigo 241º do CPC.
Por outro lado, considerando que o prazo para a conclusão do procedimento terminava naquela referida data do dia 23.11.2009 e atendendo a que o relatório de inspeção foi notificado, validamente, à Impugnante, em momento posterior, fácil é de inferir que o procedimento inspetivo teve uma duração superior a 6 meses o que, como se deixou antever, tem evidentes e importantes repercussões no prazo de caducidade do direito à liquidação».

Que dizer?

Na redacção aplicável, dispunha o art.º 38.º, n.º 5 do CPPT, que «As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário».

De acordo com o n.º 1 do art.º 38.º do RCPIT, na redacção da Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, «As notificações podem efectuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada», dispondo o seu n.º 2 que «No procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal».

E o n.º 6 do citado art.º 38.º do CPPT, preceituava que «às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal», o que então, nos remetia para o art.º 233.º, n.º 1 do CPC/61, cujo n.º 2 estabelecia as modalidades de citação pessoal, nas quais se incluía o contacto pessoal do funcionário ou agente com o citando.

De acordo com o disposto no art.º 239.º, n.º 3 do CPC/61, «No acto da citação, o agente de execução entrega ao citando a nota referida no número anterior, bem como o duplicado da petição inicial, recebido da secretaria e por esta carimbado, e a cópia dos documentos que a acompanhem, e lavra certidão, que o citado assina».

Adaptado ao procedimento tributário, tal significa que, a concretizar-se a notificação por contacto pessoal, ela deverá conter os elementos a que se refere o n.º 2 do art.º 36.º do CPPT, segundo o qual, «As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências».

Por outro lado, na redacção do DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro, estabelecia o seguinte art.º 240.º do CPC/61, no segmento que importa para os autos:
«Artigo 240.º
Citação com hora certa
1 - No caso referido no artigo anterior, se o agente de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respectivo aviso no local mais indicado.
2 - No dia e hora designados:
a) O agente de execução ou o funcionário faz a citação na pessoa do citando, se o encontrar;
b) Não o encontrando, a citação é feita na pessoa capaz que esteja em melhores condições de a transmitir ao citando, incumbindo-a o agente de execução ou o funcionário de transmitir o acto ao destinatário e sendo a certidão assinada por quem recebeu a citação.
3 - Nos casos referidos na alínea b) do número anterior, a citação pode ser feita nos termos dos n.ºs 6 e 7 do artigo 239.º
4 - Não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 235.º, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial.
5 – (…).
6 - Considera-se pessoal a citação efectuada nos termos dos n.ºs 2 ou 3 deste artigo».

Constata-se, pois, que na redacção introduzida pelo DL 226/2008, de 20 de Novembro (que se manteve até à vigência do novo CPC), o CPC/61 deixou de qualificar como citação pessoal, ao menos de modo expresso, a hipótese prevista no n.º 4 do art.º 240.º, limitando essa qualificação às situações previstas nos seus n.ºs 2 e 3.
Ou seja, quando a notificação com hora certa se concretiza – como foi o caso – através da afixação da respectiva nota, nos termos do art.º 240.º, n.º 4, do CPC (redacção vigente em 2009 – cf. ponto O) da matéria assente), a notificação efectuada na data da afixação não se considera notificação pessoal.

Como assim, não se podendo qualificar como notificação pessoal a que pretensamente foi feita do relatório final do procedimento externo de inspecção, ocorre preterição de formalidade essencial, a inquinar a validade da notificação.

Ora, conforme preceituado no art.º 36.º, n.º 1 do CPPT, «Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados», o que significa que a notificação do relatório de inspecção externa efectuada no dia 23/11/2009, é ineficaz relativamente à impugnante, não produz os efeitos jurídicos pretendidos, nomeadamente, o de obstar à cessação da suspensão do prazo de caducidade prevista no art.º 46.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

Relembra-se que a ordem de serviço no início da acção de inspecção externa foi notificada à impugnante em 22/05/2009, pelo que o prazo de seis meses se completaria em 22/11/2009 (um Domingo), transferindo-se para dia 23/11/2009, 1.º dia útil seguinte – cf. ponto G) da matéria assente e art.º 279.º, alíneas b), c) e e), do CPC, ex vi do art.º 20.º, n.º 1 do CPPT.

Conclui-se, por conseguinte, que a notificação do relatório final de inspecção tributária não foi validamente efectuada ao contribuinte no prazo de seis meses, pelo que ocorre cessação do efeito suspensivo do prazo de caducidade, previsto no art.º 46.º, n.º 1 da LGT, contando-se o prazo de quatro anos do seu início, isto é, nunca depois de 01/01/2006, tratando-se de liquidação de IRC do período de 2005.

Sendo embora desnecessário outro tipo de considerandos na apreciação da caducidade do direito à liquidação, sempre diremos que a entender-se que a citação com hora certa mediante afixação da nota também consubstancia citação/ notificação pessoal, estando em causa mero lapso do legislador que resultou das alterações introduzidas no art.º 240.º do CPC pelo art.º 1.º do DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro, em que o anterior n.º 3 passou a n.º 4 (o que não se presume, cf. art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil), sempre se dirá que concordamos com o modo de ver expressado na sentença recorrida.

Com efeito, a citação com hora certa do art.º 240.º do CPC supõe que se designa dia e hora a fim de proceder à citação/ notificação que se propunha efectuar nos termos do art.º 239.º do CPC e não foi conseguida e não de qualquer outro acto que, embora referenciado ao mesmo procedimento, nada tem a ver com o acto que se visava notificar e que, no caso em apreço, por mera ordem cronológica se constata não ser o mesmo (cf. pontos L), M), N) e O) e P), da matéria assente).

No procedimento administrativo e, em particular no procedimento tributário, a AT deve actuar de acordo com o princípio da boa fé, positivado no art.º 59.º, n.º 2 da LGT, e um dos elementos materiais da boa fé é a protecção da confiança do contribuinte nas suas relações com a Administração, que se teria por manifestamente comprometida numa situação, como a que ocorre, em que lhe é deixada (no dia 20/11/2009) nota com indicação de hora certa para a diligência de notificação de um acto e no dia e hora designados é surpreendido com outro acto, que nunca poderia ter sido emitido naquela data de 20/11/2009 (cf. pontos L), M) e N), da matéria assente).

Em conclusão, não havendo lugar à suspensão do prazo de caducidade prevista no art.º 46.º, n.º 1 da LGT, contando-se tal prazo de quatro anos desde o seu início – a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, 31/12/2005 (art.º 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT) – é manifesto que na data em foi emitida a liquidação (25/01/2010 – cf. ponto U) da matéria assente), já se encontrava largamente ultrapassado o prazo de caducidade.

Pretende o Recorrente que sempre teria de se aplicar a suspensão do prazo prevista no art.º 46.º, n.º 1 alínea e) da LGT, segundo o qual, “o prazo de caducidade suspende-se ainda” “com a apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, até à notificação da respectiva decisão” (cf. pontos S) e T) da matéria assente).

Mas, salvo o devido respeito, sem razão. Como alega a recorrida, essa alínea e) foi introduzida no n.º 2 do art.º 46.º da LGT pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, sendo indefensável a sua aplicação a situações pretéritas cujo prazo de caducidade se completou antes da sua entrada em vigor.
É certo que já então dispunha o art.º 91.º, n.º 2 da LGT que o pedido de revisão da matéria tributável “tem efeito suspensivo da liquidação do tributo”.

Mas o efeito suspensivo da liquidação do tributo não é o mesmo que efeito suspensivo do prazo de caducidade da liquidação, lembrando-se, de novo, o disposto no art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil.

Não vindo alegadas outras causas de suspensão do prazo de caducidade, não tendo sido efectuada ao contribuinte válida notificação da liquidação até 31/12/2009, ocorreu caducidade do direito de liquidação do IRC do período de 2005, o que constitui vício substantivo de violação de lei, por inobservância do disposto nos artigos 45.º, n.ºs 1 e 4 e 46.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, como bem refere a sentença recorrida.

A sentença não enferma do erro de julgamento que lhe é apontado, merecendo ser confirmada e negado provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 04 de Maio de 2023



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Vital Lopes



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Luísa Soares
Com declaração de voto junta.



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Tânia Meireles da Cunha
(com declaração de voto junta)


Declaração de voto: Voto a decisão, aderindo à fundamentação constante da sentença recorrida.
Lisboa, 04 de maio de 2023
Tânia Meireles da Cunha

Declaração de voto: Voto a decisão, nos termos da declaração da Sra. Desembargadora Tânia Meireles da Cunha.

Lisboa, 04 de maio de 2023

Luísa Soares