Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1270/10.1 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO
PROVA
Sumário:I - A reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efetivo das funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados.
II - Não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

III - Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros

IV - No caso, e não se desconsiderando que foram carreados para os autos alguns elementos que podiam ser indiciadores do exercício da gerência por parte da Recorrida, a verdade é que a prova produzida, designadamente a testemunhal, corrobora a alegação da Oponente, no sentido de que, apesar de ter figurado como gerente de direito da …, jamais assumiu a gerência da mesma.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

M ………………………, contribuinte fiscal n.º……………., executada por reversão no processo de execução fiscal n.º……….………………950 e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Sintra-2 contra a sociedade “P ……………….. E INDÚSTRIA ………………., LDA.”, por dívidas de IRC dos exercícios de 2001, 2002 e 2003 e coimas fiscais, no valor total €5.499,41, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra oposição à referida execução fiscal.

Por sentença de 16/12/20, o referido Tribunal julgou procedente a oposição e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal quanto à Oponente.

Inconformada com o assim decidido, a FAZENDA PÚBLICA apelou para este Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:


A.


A questão a apreciar e a decidir resume-se à verificação da legitimidade da oponente/recorrida para os termos da execução fiscal em causa.

B.


A Fazenda Pública considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos, deficiente análise crítica das provas e consequente erro na aplicação do disposto na alínea b), do n.º1, do art. 24.º da LGT, enfermando a sentença de nulidade nos termos do art. 125.º do CPPT e art. 615º do CPC.

C.


Durante o período a que respeitam as dívidas, a oponente exercia as funções de gerente única da sociedade devedora originária.

D.


O facto de ter ficado comprovado que o marido da oponente também exercia funções de gestão na sociedade executada não se apresenta como factualidade suficiente para decidir pela não gestão de facto da sociedade executada originária pela oponente, podendo a mesma ser exercida conjuntamente pelos dois, desde logo porque a vinculação da sociedade passou sempre, impreterivelmente, pela assinatura de um gerente, e a gerência foi única e exclusivamente assegurada pela oponente.

E.


Considerando que a vinculação da sociedade passava obrigatoriamente pela assinatura do único gerente de direito da sociedade, o facto de existir outra pessoa que tomava decisões, seja quanto a compras/vendas, seja quanto a impostos/banca, seja quanto aos trabalhadores/fornecedores, não afasta por si só a conclusão infalível que dos factos dados como provados se retira, ou seja, de que a oponente sempre teria de assinar vários documentos (mesmo os de cariz financeiro), - e assim o fez, o que se encontra documental e testemunhalmente comprovado - pois era assim que a sociedade se vinculava.

F.


Do probatório consta que a oponente assinava cheques e letras da sociedade, sendo variada a jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores que assenta que a assinatura de cheques necessários ao giro comercial da sociedade, atenta a sua força documental vinculativa, por si só, faz prova do exercício de facto de poderes de gerência.

G.


A lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto, apresentam-se como atos de gerência todos aqueles que consubstanciam decisões condicionadoras do rumo da sociedade, isto é, todos aqueles que são praticados com animus decidendi no exercício de uma gerência de direito devidamente formalizada.

H.


A recorrida, ao assinar documentos da sociedade na qualidade de representante legal, seja nas suas relações com a Autoridade Tributária, seja em relação a situações que afetem a situação bancária da empresa, exterioriza a vontade da sociedade, vinculando-a e representando-a perante terceiros.

I.


Das regras da experiência comum resulta, forçosamente, que a oponente tomou decisões condicionadoras do destino da sociedade, praticando atos efetivos de gestão, não só ao assinar cheques e letras (mesmo sendo em branco, o que por si só é revelador de uma conduta inaceitável que não a desresponsabiliza, muito pelo contrário), como também ao subscrever, de forma reiterada e consciente, juntamente com o TOC, as declarações fiscais da sociedade na qualidade de “representante legal”, demonstrando assim pleno interesse e consequente conhecimento efetivo pela situação contabilística da empresa.

J.


Atento todo o supra exposto, afere-se, indubitavelmente, que a oponente/recorrida exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, mesmo que o tenha feito conjuntamente com o seu cônjuge, ficando assim plenamente demonstrada a sua imputabilidade pelo pagamento das dívidas durante o período do exercício do seu cargo.

K.


Neste contexto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição totalmente improcedente.

Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA"


*


Não foram produzidas contra-alegações.

*


O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

*


II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A) A sociedade “P …………. E INDÚSTRIA ………….., LDA.”, pessoa coletiva n.º ………….., foi constituída em 1999, tendo por objeto social o “Indústria e comércio de panificação e pastelaria, cafetaria e comércio de equipamento para panificação”, e como sócios a ora Oponente, seu cônjuge, P ………………., e M …………………………….., tendo sido designada gerente a ora Oponente, obrigando-se a sociedade pela intervenção de um gerente ou de um mandatário da sociedade – cf. fls. 51 a 53 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso.

B) Em 02.09.2009 a ora Oponente foi citada, por reversão, no Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º ……………….950 e aps., instaurado no Serviço de Finanças de Sintra-2 para cobrança coerciva da quantia de € 5.499,41, relativa a dívidas IRC dos exercícios de 2001, 2002 e 2003 e Coimas Fiscais, com datas limite de pagamento voluntário entre 21.07.2003 e 26.06.2008, de que é devedora originária a sociedade “P ………………… E INDÚSTRIA ………………., LDA.”, pessoa coletiva n.º 503727539, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, com os seguintes fundamentos:

«Inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23/n.º 2 da LGT):

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º24º/nº 1/b) da LGT]

Inexistência de bens.» – cf. fls. 76 a 78 do PEF apenso.

C) Era o cônjuge da ora oponente, P ……………….., quem estabelecia contactos com clientes, fornecedores e trabalhadores da sociedade, tomava todas as decisões relativas ao fabrico, contratava trabalhadores, dava ordens e instruções aos funcionários, efetuava pagamentos, decidia o que pagar e quando pagar, nomeadamente em matéria de impostos, sendo ele quem negociou a avença a pagar pelos serviços de contabilidade e também a pessoa com quem os referidos serviços esclareciam questões de relevo – prova testemunhal.

D) A ora oponente assinava tudo o que, em relação à sociedade, lhe era solicitado pelo marido, P …………………, nomeadamente cheques e letras da sociedade, muitas vezes em branco, não sendo informada sobre o destino dos mesmos – prova testemunhal.

E) Relativamente aos exercícios de 2001 a 2007 a ora Oponente subscreveu, juntamente com o TOC, as declarações fiscais da sociedade “P …………… E INDÚSTRIA …………………, LDA.”, na qualidade de “representante legal” – cf. docs. juntos com a contestação a fls. 50 a 56 dos autos (suporte físico).

F) Nos anos de 1999 a 2005 a ora oponente auferiu rendimentos da categoria A pagos pela sociedade “P ……………. E INDÚSTRIA ………….., LDA.”, pessoa coletiva n.º ……………. – cf. docs. juntos com a contestação a fls. 38 a 43 dos autos (suporte físico).

Factos não provados:

Que a ora oponente tenha exercido funções relacionadas com a atividade da sociedade “P ……………. E INDÚSTRIA …………….., LDA.”, nomeadamente, que tenha contratado com clientes ou fornecedores, contratado pessoal ou tomado quaisquer decisões relativas à produção da sociedade ou sobre os pagamentos a efetuar.

Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto assenta nos documentos constantes dos autos, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, não tendo os mesmos sido impugnados nem se suscitando dúvidas relativamente à sua genuinidade e, ainda, no caso dos factos levados às alíneas C) e D), com base no depoimento das testemunhas G ……………………. e P …………………, que se mostraram claros e objetivos criando no tribunal a absoluta convicção de que a sociedade devedora originária era, efetivamente, gerida (de facto) apenas por este último (o próprio afirmou perentoriamente “eu é que tomava as decisões”/ “eu é que decidia tudo”, e que a ora Oponente, sua ex-cônjuge, “estava essencialmente em casa”, cuidava das filhas e da sogra e limitava-se a assinar o que lhe era pedido.

Quanto ao facto julgado não provado, resulta de sobre o mesmo não ter a Fazenda Pública produzido qualquer prova, não sendo o facto de existir declaração de remunerações auferidas da sociedade devedora originária, ou a assinatura pontual de documentos (mesmo que dirigidos à ATA), por si só, suficiente para demonstrar a prática de atos suscetíveis de integrar o conceito de gerência da sociedade.”


*

- De Direito

A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal quanto à Oponente.

Importa dizer, desde já, que, como é patente, a ora Recorrente, Fazenda Pública, apesar de se referir expressamente ao “erro de julgamento quanto à matéria de facto”, não impugnou a matéria de facto, pelo que a mesma mostra-se estabilizada. Tenha-se presente que a impugnação da matéria de facto obedece, nos termos previstos no artigo 640º do CPC, a apertados requisitos, os quais, como é patente, não se mostram minimamente cumpridos.

Avançando.

A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal quanto à Oponente, ora Recorrida, por considerar a ilegitimidade da pessoa citada para a execução fiscal.

Com efeito, a Mma. Juíza, após fazer o enquadramento legal e jurisprudencial da questão da responsabilidade subsidiária dos gerentes, concluiu que M ………………….. não pode ser responsabilizada pelas dívidas em causa, já que “a Administração Tributária não cuidou de aferir, do ponto de vista dos factos (enquanto acontecimentos da vida, circunstanciados no tempo) da verificação dos pressupostos legais da reversão, maxime no que se refere à legitimidade passiva para efeitos da reversão da execução”.

Para assim concluir, a Mma. Juíza alinhou, no que para aqui releva, o seguinte discurso fundamentador:

“No caso sub judice, não obstante a execução ter revertido contra a Oponente com fundamento do exercício de facto das funções de gerente [al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT], na tese que apresenta sempre foi o marido quem geriu os destinos da empresa e que ela, oponente, jamais exerceu funções de administração nunca tendo praticado qualquer acto de gestão da sociedade.

Sucede que, a AT, da condição de gerente de direito resultante do registo comercial, retirou a conclusão de que a Oponente era gerente de facto da sociedade na data correspondente ao termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos e coimas em cobrança coerciva e, por isso, presumida culpada pela falta de pagamento e insuficiência patrimonial da sociedade para responder, por si, pelas dívidas, determinando a reversão.

Contudo, como já se referiu, a situação de “gerente” decorrente do registo pode consistir num mero “pro forma”, resultando da prática situação diversa da que consta registo em que, por hipótese, como invoca a Oponente, e como veio a demonstrar-se, no presente caso, por via da prova testemunhal produzida em audiência, o gerente nominal não exerça as respetivas funções.

No caso, resultou de forma clara, do depoimento de ambas as testemunhas, mas, com especial relevo, do prestado por P …………………………., que a sociedade devedora originária era, efetivamente, gerida apenas por si (afirmando, o próprio, perentoriamente “eu é que tomava as decisões”/ “eu é que decidia tudo”, e que a ora Oponente, não tinha experiência nem “capacidade” para conduzir os destinos da sociedade, e que “estava essencialmente em casa”, cuidava das filhas e da sogra e limitava-se a assinar o que lhe era pedido. E mais afirmou que assim era porque a oponente, à data sua mulher, aceitou a forma como a testemunha delineou o exercício da gerência da sociedade porque confiava plenamente em si, tendo o casamento acabado por se dissolver por divórcio, precisamente na sequência de atos praticados pela testemunha no exercício das funções de gerência da sociedade.

Ou seja, dos factos provados nos autos não é possível afirmar o exercício da gerência de facto por parte da Oponente no termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos e coimas fiscais em cobrança coerciva, não obstante esta até admitir que se encontrava para tal designada desde a constituição da sociedade. E tal impossibilidade decorre de a Administração Tributária não ter alegado como pressuposto da reversão, em momento prévio à alteração subjetiva da instância executiva, nem demonstrado em momento algum no processo de execução fiscal, antes da reversão, nem na fundamentação daquele ato, vertida na carta de citação, nem agora em sede de oposição, factos suficientes que indiciem o exercício da gerência de facto pela ora Oponente, tendo esta, pelo contrário, logrado demonstrar claramente nos autos que não exerceu, em momento algum, as funções de gerência para as quais se encontrava nomeada.

Se por um lado, como vimos, da gerência de direito não é possível extrair a gerência de facto, por outro lado, o facto de a sociedade se obrigar, em abstrato, com a assinatura da Oponente, embora pudesse constituir um indício no sentido e que esta geria efetivamente a sociedade, tendo, inclusivamente, assumido que assinou alguns documentos, nomeadamente cheques e letras, tal facto, por si só, não permite concluir que, no período aqui em causa, exercia poderes de direção dos destinos da sociedade, antes tendo resultado provado que todos os atos eram praticados pelo gerente P …………… [a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as decisões consentidas pelo cargo, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18.11.2010 e 20.12.2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente].

Acresce que, a circunstância do contrato de sociedade estipular que a sociedade se vincula pela assinatura da sócia designada gerente, não acarreta forçosamente que assim se tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflete ao nível da sua responsabilidade perante os sócios e, por consequência, se e na medida em que a sociedade não cumpra os acordos e transações comerciais que tenha celebrado, ou seja, daquela imposição do pacto social não se pode concluir decorrer uma qualquer presunção natural de que, a designada gerente exerceu, e facto, poderes compatíveis com a função respetiva.

Além disso, no caso dos autos resultou provado que, quando era necessária a assinatura da oponente em determinados documentos relacionados com a atividade da sociedade, a ora oponente assinava tudo o que, em relação à sociedade, lhe era solicitado pelo marido, P ………………….., nomeadamente cheques e letras da sociedade, muitas vezes em branco, não sendo informada sobre o destino dos mesmos [cf. al. D) do probatório].

Ora, se a demonstrada assinatura de cheques é um razoável indicador razoável do exercício da gerência da oponente, a verdade é que os autos também mostraram que a oponente os assinava, maioritariamente, em branco e a restante matéria assente é toda no sentido do distanciamento da gestão, da dinâmica, do centro de decisão da sociedade. O facto de ter assinado cheques da sociedade, e a forma como o fez, revela a confiança perante o gerente operacional (o cônjuge) que, de facto, geriu e tomou as decisões que entendeu tomar.

Ou seja, os atos em causa – assinatura de cheques ou indicação do seu NIF como representante da sociedade perante a AT – ocultam uma realidade substancialmente diferente daquela que prima facie revelam, na medida em que a oponente se limitava a assinar o que lhe era pedido que assinasse não detendo qualquer controlo sobre os destinos da sociedade, ou seja, não era ela que comprava, vendia ou contratava, tudo era decidido, como o próprio afirmou reiterada e perentoriamente, pelo gerente operacional, P …………………….., marido da oponente (à data), ou seja, a oponente não tinha, qualquer «poder» de decisão em relação aos negócios (em sentido amplo) do ente societário, em que se traduz a efetividade da gerência que o art.º 24.º da LGT pressupõe como requisito da responsabilidade subsidiária.

(…)

Logo, da assinatura de atos pontuais pela oponente, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que a mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.

De facto, que para se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder.

Por fim, no que se refere ao facto de a oponente ter auferido rendimentos da categoria A pagos pela sociedade devedora originária nos anos a que respeitam as dívidas, abrangendo, também parte do período do respetivo pagamento voluntário, pese embora tal remuneração como gerente possa permitir concluir, com razoabilidade, que, se o sujeito é remunerado é porque exerce as respetivas funções, a verdade é que se trata de um elemento meramente indiciador, que não reflete necessariamente qualquer atuação de facto – que carecia de ser demonstrada uma vez que o exercício da gerência não se presume. Não é (apenas) por receber remuneração como gerente que alguém exerce, de facto, as respetivas funções.

Assim, embora seja um elemento fortemente indiciador da gerência efetiva, não constitui prova segura da sua existência, pois como foi decidido pelo TCA Norte, “...a circunstância de ter ficado demonstrado que o Oponente consta na segurança social como MOE, e que recebeu rendimentos de categoria A nessa qualidade [alínea AA] é, em abstracto, meramente indicador da sua nomeação como gerente e indiciador de, eventual, gerência efectiva.

Por outro lado, daquela circunstância, não poderia, também, extrapolar-se para a conclusão de uma gerência de facto. Na verdade, a inscrição e o respectivo recebimento de rendimentos como MOE, surgem, usualmente, na decorrência de uma nomeação do contribuinte como gerente, sendo que, como vem sendo entendido, não é suficiente, por si só, para sustentar por parte do órgão de execução fiscal o exercício efectivo de tais funções pelos gerentes nomeados. Isto porque, conforme nos ensinam as regras da experiência comum, a inscrição como MOE na segurança social aparece associada à necessidade dos contribuintes fazerem descontos com vista à obtenção dos benefícios respectivos no caso das eventualidades previstas na lei, irrelevando a qualidade em que o fazem.

Por outro lado, o recebimento de rendimentos da categoria A, nessa qualidade, será uma decorrência daquela inscrição. Pelo que não tem a virtualidade de comprovar positivamente a alegada gerência de facto para o período em causa.” – cf. Ac. do TCAN n.º 00489/06.4BEPNF, de 15.09.2016

Conclui-se, assim, que a Administração Tributária não cuidou de aferir, do ponto de vista dos factos (enquanto acontecimentos da vida, circunstanciados no tempo) da verificação dos pressupostos legais da reversão, maxime no que se refere à legitimidade passiva para efeitos da reversão da execução.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.10.2012 (Processo: 0580/12):

“[P]ersistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o ‘non liquet’ não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções”.

Considerando que o esforço probatório que era exigido à Oponente era o de demonstrar a inexistência de culpa na insuficiência do património da devedora originária, e que tal pressupunha a prévia demonstração da gerência de facto por parte do órgão de execução, impõe-se concluir pela falta de verificação dos pressupostos da reversão no que respeita à legitimidade da Oponente para ocupar na execução a posição de executada, procedendo, consequentemente, a presente oposição”.

Adiante-se, desde já, que o sentido da decisão, isto é, a procedência da oposição com base na ilegitimidade da revertida, atenta a prova do não exercício da gerência da devedora originária (ou, ao menos, uma dúvida fundada acerca do efetivo exercício de tais funções) não nos merece censura.

Vejamos as razões para assim concluirmos.

A AT reverteu a execução fiscal contra M …………….. com base na administração de facto da apontada sociedade comercial, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, nos termos do qual:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Ora, a reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efetivo das funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados, o que resulta claramente da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” ou, também, da alusão ao “período de exercício do seu cargo”.

Por conseguinte, é fácil concluir que, para efeitos de efetivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, não basta, para a responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efetivo exercício da gerência ou administração.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, da factualidade apurada resulta, desde logo, que:

- a sociedade “P …………….. E INDÚSTRIA ……………………, LDA.” foi constituída em 1999, tendo como sócios a Oponente, ora Recorrida, seu cônjuge, P …………………, e M …………………………….; foi designada gerente a ora Oponente, obrigando-se a sociedade pela intervenção de um gerente ou de um mandatário da sociedade.

Até aqui, daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da gerência de direito e, como é pacífico, da gerência de direito não se retira a de facto.

A Fazenda Pública, ciente do ónus que lhe compete quanto ao exercício efetivo da gerência, sublinha um circunstancialismo fático que, na sua tese, aponta no sentido do concreto exercício da gerência, a saber:

- a forma de vinculação da sociedade exigia a assinatura da Oponente;

- a oponente assinou (ainda que em branco) letras e cheques;

- a oponente assinou, como representante legal, declarações fiscais.

Vejamos.

Fazendo uso do que se escreveu no acórdão deste TCA, de 21/05/15, no processo nº 8445/15, aí se diz sobre a responsabilidade subsidiária o seguinte:

“(…)

Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).

A lei não define, precisamente, em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492;ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).

É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.)”.

Não percamos de vista, como deixámos aflorado, que a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente; vide, também, o acórdão do TCA Norte, de 27/03/14, processo nº 808/11.1BEPNF que aqui seguimos de perto.

No caso, da avaliação que fazemos do julgamento de facto, e na linha seguida na sentença, concluímos que a factualidade trazida aos autos - em concreto a nomeação como gerente da revertida e a assinatura dos documentos a que aludem as alíneas D) e E) do probatório (a pedido do seu, então, marido, cheques e letras da sociedade, muitas vezes em branco; juntamente com o TOC, as declarações fiscais da devedora originária, na qualidade de “representante legal”, entre 1999 e 2005) - apesar de prima facie ser indiciadora do real e efetivo exercício da gerência por parte da revertida, mostra-se insuficiente para efeitos da sua responsabilização, pois o que a matéria de facto (não impugnada) também demonstra é que a Recorrida não exerceu de facto funções de gerência da devedora originária, no período a que respeitam as dívidas exequendas.

Vejamos.

Vem demonstrado, sem contestação pela Fazenda Pública, que era o cônjuge da ora oponente, P …………………….., quem estabelecia contactos com clientes, fornecedores e trabalhadores da sociedade, tomava todas as decisões relativas ao fabrico, contratava trabalhadores, dava ordens e instruções aos funcionários, efetuava pagamentos, decidia o que pagar e quando pagar, nomeadamente em matéria de impostos, sendo ele quem negociou a avença a pagar pelos serviços de contabilidade e também a pessoa com quem os referidos serviços esclareciam questões de relevo. Por outro lado, resulta também demonstrado que, a oponente assinava tudo o que, em relação à sociedade, lhe era solicitado pelo marido, P ………………., nomeadamente cheques e letras da sociedade, muitas vezes em branco, não sendo informada sobre o destino dos mesmos.

Aliás, tal circunstancialismo provado é coincidente com o alegado na p.i, articulado em que, com clareza, a Oponente esclarece a estrutura e forma de atuação da devedora originária, uma sociedade familiar, assente na, então, confiança mútua entre os elementos da sociedade conjugal, na qual a Oponente acedeu a figurar como gerente de direito, dedicando-se, contudo, “exclusivamente a fazer a lide diária e normal da casa como doméstica que sempre foi”, “sempre e exclusivamente ao inteiro serviço e disposição do seu agregado familiar”. De resto, foi a própria Oponente que alegou que, por vezes, assinava documentação em branco, tal como lhe era apresentada pelo seu marido, não dispondo de “conhecimentos ou sabedoria para exercer a gestão da sociedade devedora originária”.

No mesmo sentido, surge o depoimento do outro sócio da executada originária, ex-marido da ora Oponente, o qual, como a sentença evidenciou, “afirmou perentoriamente “eu é que tomava as decisões”/ “eu é que decidia tudo”, e que a ora Oponente, sua ex-cônjuge, “estava essencialmente em casa”, cuidava das filhas e da sogra e limitava-se a assinar o que lhe era pedido”.

Temos, pois, face à da análise que fazemos de toda a prova produzida e atentas as especificidades do caso concreto, que a assinatura pela Recorrida dos apontados documentos, num contexto de dependência familiar relativamente ao gerente/marido, P ……………………, não passa da prática de atos pontuais, a pedido, sem o alcance que a Fazenda Pública lhes imputa.

Na prática, era o sócio P …………….. quem geria sozinho, de forma centralizadora, a sociedade, o que equivale a dizer, no caso, e perante a prova concludente, que a Oponente, em termos de facto não exercia, de nenhum ponto de vista, a gerência da P ………….

Ora, não é demais lembrar que o exercício efetivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efetivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

No caso, e não se desconsiderando que foram carreados para os autos alguns elementos que podiam ser indiciadores do exercício da gerência por parte da Recorrida, a verdade é que a prova produzida, designadamente a testemunhal, corrobora a alegação da Oponente, no sentido de que, apesar de ter figurado como gerente de direito da P………….., jamais assumiu a gerência da mesma. Tal exercício foi assumidamente levado a cabo por outro sócio, então marido da ora Oponente; era este o único gerente de facto da sociedade devedora originária. Trata-se – repete-se – de um circunstancialismo demonstrado nos autos, assente em prova sólida e que não foi impugnada pela Recorrente (cfr. alíneas C) e D) do probatório).

De resto, perante o probatório, tal como fixado na sentença, sempre teríamos que concluir, ao menos, por fundada dúvida sobre o exercício de facto da gerência. E ficando uma dúvida substancial e fundada sobre o efetivo exercício da gerência por parte da Recorrida, a referida dúvida teria de desfavorecer a AT, posto que à mesma cabia o ónus da prova daquele exercício efetivo, como pressuposto do acionamento da responsabilidade subsidiária.

Deste modo, e sem necessidade de mais nos alongarmos face ao julgamento de facto e ao detalhe da sentença que deixámos em grande medida transcrita, há que concluir, com o TAF de Sintra, que não pode a Recorrida ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do artigo 24º da LGT, nº1, alínea b) da LGT.

É, pois, parte ilegítima na execução fiscal – artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Por conseguinte, a sentença, que assim decidiu, é de manter, com a consequente procedência da oposição.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso e, nessa medida, há que negar provimento ao mesmo.


*


III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 11/01/24


Catarina Almeida e Sousa

Lurdes Toscano

Hélia Gameiro