Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:227/07.4BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC;
TRIBUTAÇÃO DE LUCROS;
REGIME FISCAL PRIVILEGIADO;
EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE COMERCIAL.
Sumário:I – Nos termos do preceituado no nº1 do artigo 60º do CIRC (na redacção aplicável) são imputados aos sócios residentes em território português, na proporção da sua participação social e independentemente de distribuição, os lucros obtidos por sociedades residentes fora desse território e aí submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

Sociedade Comercial O..., S.A, veio deduzir impugnação judicial contra o acto tácito de indeferimento da reclamação por si apresentada, tendo por objecto a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2001 e respectivos juros compensatórios.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 28 de Abril de 2016, julgou improcedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a SOCIEDADE COMERCIAL O..., S.A. veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A. Estando em causa no presente dissêndio a (i)legalidade da imputação à Recorrente dos lucros apurados no exercício de 2001 pelas Subsidiárias, a Sentença Recorrida concluiu que os factos trazidos ao processo alegadamente sustentariam a ideia de que as mesmas não dispunham de meios indispensáveis ao exercício de atividades comerciais no território de Cayman.

B. Contudo, está em causa a interpretação e aplicação do artigo 60.°, n.° 4, do Código do IRC, do qual não consta nem qualquer requisito específico quanto à existência de instalações físicas, de quadro de pessoal próprio ou de determinada magnitude dos meios de comunicação ou quaisquer outros recursos utilizados,

C. Nem que a maioria da atividade comercial em causa deva ser fisicamente desenvolvida no território geográfico da sede da sociedade em causa.

D. Por outro lado, a própria convicção de uma putativa exiguidade dos meios ao dispor das subsidiárias encontra-se equivocada, porquanto as mesmas angariaram interna e externamente recursos vários (pessoal, técnicos, administrativos, etc.), suportando uma panóplia de gastos de diversas naturezas e magnitudes,

E. O que, dada a óbvia ineficiência no plano fiscal da afetação de gastos a territórios de tributação reduzida como são as Ilhas Cayman, demonstra bem a boa fé da ora Recorrente e a materialidade subjacente de toda a estrutura.

F. Em suma, dúvidas não podem existir de que os lucros que a AT pretende ver imputados à ora Recorrente provêm “do exercício de uma actividade comercial que não tenha como intervenientes residentes em território português ou, tendo- -os, esteja dirigida predominantemente ao mercado do território em que se situa", como o exige a alínea a) do n.° 4 do artigo 60.° do Código do IRC.

G. E tal pressuposto foi amplamente demonstrado pela ora Recorrente, pelo que, não oferecendo dúvidas a observância das condições constantes da alínea b) do n.° 4 do artigo 60.° do Código do IRC, se impõe em pleno a estatuição de tal parágrafo,

H. Daí decorrendo a impossibilidade de aplicação do n.° 1 do artigo 60.° do Código do IRC, que consagra a controvertida imputação.

I. Como tal, e sem mais, impõe-se a revogação da Sentença Recorrida e a consequente anulação do ato tributário que a mesma equivocadamente deixou permanecer na ordem jurídica,

J. Como, confia a ora Recorrente, será a decisão deste Douto Tribunal.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. entenderem, deverá ser julgado procedente o presente recurso e consequentemente revogada a Sentença Recorrida, julgando a impugnação procedente e determinando, em conformidade, a anulação da liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios n.° 2005 8..., no montante global de Euros 201.698,86 (duzentos e um mil, seiscentos e noventa e oito Euros e oitenta e seis cêntimos), respeitante ao período de tributação de 2001.»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante, com sede em Lisboa, está enquadrada no regime especial de tributação de grupos de sociedades, sendo a sociedade dominante do grupo que tem como objecto a organização de transporte, mais precisamente o exercício da actividade de agente de navegação nacional e internacional, trânsitos, viagens e turismo - cf. fls. 80 dos autos e 63 do PAT;

B) A Impugnante detém uma participação social de 100% no capital social das sociedades L... Internacional, Ltd e O... Cayman Ltd, residentes nas Ilhas Cayman, cuja actividade é o comércio marítimo dirigido predominantemente, a primeira com Angola, e a segunda com Moçambique sendo seus clientes e fornecedores internacionais os residentes neste território - cf. fls. 63 e 71 do PAT;

C) Na sua declaração de rendimentos respeitante ao exercício de 2003 a Impugnante não procedeu à declaração dos lucros obtidos pelas sociedades O... Cayman, Ltd no montante de € 71 281,04 por ter capitais próprios negativos em resultado com fusão com sociedade com capitais próprios negativos e L... International, Ltd no valor de € 359 084,33 - cf. fls. 40 e sgs e depoimento da testemunha J...;

D) Entre Julho e Novembro de 2005 decorreu uma acção de inspecção interna realizada às declarações fiscais da Impugnante - cf. fls. 80 e sgs;

E) Da referida acção de inspecção resultou a proposta de correcção à matéria tributável no valor de € 430 365,37 correspondente ao somatório dos lucros obtidos pelas sociedades O... Cayman, Ltd no montante de € 71 281,04 e L... International, Ltd no valor de € 359 084,33 - cf. fls.

F) Na sequência de esclarecimentos prestados pela Impugnante a solicitação da equipa de inspecção relativamente aos valores acrescidos e deduzidos no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, no apuramento do resultado fiscal do exercício, concluiu-se pela existência de irregularidades decorrentes de omissões, que por sumula se transcreve: 



G) Em consequência foram propostas as seguintes correcções:


«Imagem no original»


- cf. documentos de fls. 49 a 59 dos autos;

H) Notificada do projecto de relatório de inspecção, em 29/11/2005, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia invocando que os lucros obtidos pelas sociedades participadas identificadas em C) não foram distribuídos e que preenche os requisitos cumulativos previstos no n.° 4 do artigo 60.° do CIRC, de que depende a desaplicação da regra da imputação aos sócios residentes dos lucros obtidos por sociedades residentes em territórios com um regime fiscal claramente mais favorável, independentemente a sua distribuição - cf. fls. 105;

I) O relatório final manteve as correcções propostas nele se referindo a propósito do exercício do direito de audição prévia - cf. fls. 80:





«Imagem no original»



J) Em 22/12/2005 foi a Impugnante notificada da liquidação adicional n.° 2005 8... relativa a IRC, derrama e juros compensatórios no montante de € 201 698,86 referente ao exercício de 2001 - cf. documento de fls. 39 dos autos;

K) Em 20/4/2006 a Impugnante deduziu reclamação graciosa invocando que os lucros obtidos pelas sociedades participadas identificadas em B) não foram distribuídos e que verifica os requisitos cumulativos previstos no n.° 4 do artigo 60.° do CIRC, de que depende a desaplicação da regra da imputação aos sócios residentes dos lucros obtidos por sociedades residentes em territórios com um regime fiscal claramente mais favorável, independentemente a sua distribuição e a inaplicabilidade do disposto no n.° 1 do artigo 60.° do CIRC - cf. fls.3 do PAT;

L) Não foi proferida decisão expressa sobre a referida reclamação - cf. PAT;

M) Em 19/1/2007 a Impugnante deduziu a presente acção - cf. carimbo aposto a fls. 4 dos autos;

N) No exercício de 2001 a Impugnante registou na sua contabilidade como clientes, além de outros, a O... Técnica Naval Industria, O... - Viagens e Turismo, Lda, O... - Serviços e Organização, Lda, O... - Comércio e Navegação, Lda, todas com sede em Lisboa - cf. fls. Balancete referido a 31/12/2001 a fls. 121 do PAT;

O) A sociedade O... (Cayman) Ltd registou na sua contabilidade como fornecedores, além doutros, com sede em Lisboa: a Impugnante, a sociedade O... - Viagens e Turismo, Lda, O... - Serviços e Organização, Lda, O... - Comércio e Navegação, Lda, no exercício de 2001, representando os fornecedores não residentes em Portugal 80,95%, representando os clientes não residentes em Portugal 99,95% dos seus proveitos - cf. Balancete referido a 31/12/2001 a fls. 224 do PAT e depoimento da testemunha J...;

P) Da totalidade dos proveitos registados Impugnante mostram-se contabilizados na conta #21 no valor de € 1.903.822,19, € 56.687,03 constituem proveitos decorrentes de facturação emitida à sociedade O... Cayman e € 4.839,52 emitida à sociedade L... Internacional representando respectivamente 2,98% e 0,25%, enquanto o mercado de Angola representa no exercício de 2001 32, 44% dos fornecedores da primeira e o mercado de Moçambique representa 31% dos cliente da segunda - cf. fls. 29 e depoimento da testemunha J...;

Q) Dos elementos contabilísticos juntos aos autos resulta a inexistência de meios, ainda que mínimos, indispensáveis ao exercício de actividades comerciais no território de Caymon, como instalações (rendas ou imobilizações corpóreas) e meios de comunicação, uma vez que dos balancetes não resulta evidenciada a existência de tais meios, nem constam contas movimentadas que permitam retirar tal conclusão - cf. depoimento da testemunha M... e documento de fls. 209 a 217 dos autos e 220 a 228 do PAT.


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Factos não provados

Inexistem outros factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário e com base no depoimento das testemunhas, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Sendo de destacar que a segunda testemunha colaborou na inspecção em causa nos autos relevando conhecimento directo dos factos, mais concretamente dos documentos contabilísticos das sociedades participadas pela Impugnante.»



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- De Direito

Antes de entrarmos na análise das diversas questões que suscitam a discordância da Recorrente com o decidido em 1ª instância, importa que nos debrucemos sobre a questão da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.

Com efeito, a Recorrente, Sociedade Comercial O..., S.A., veio requerer, nas alegações de recurso, a junção aos autos de 3 documentos, sendo que se trata, por um lado de balancetes das sociedades O... Cayman e L... International e, por outro, de cópia de um contrato de arrendamento datado de 1994.

Para justificar a oportunidade da junção do referido documento a Recorrente nada diz.

Para justificar a utilidade da junção, defende a Recorrente, a propósito do desenvolvimento de uma actividade comercial nas Ilhas Cayman, que dos balancetes resulta evidência bastante daquela. Relativamente ao dito contrato de arrendamento, refere que parte do seu custo teria sido suportado pela O... Cayman.

Vejamos.

Sobre a admissibilidade da junção de documentos nesta fase processual, tenhamos presente o que a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem entendendo a este propósito, recuperando, para tal, o sumário do acórdão proferido neste TCA Sul, em 25/01/18, no processo nº 312/17.4 BEBJA, no qual se lê o seguinte:

“(…) 6 - Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:

A -Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);

B -Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);

C -Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);

D -Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil; artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);

E -Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).

7. A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal.

8. No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.al.d) supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C.P.Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida”.

Ora, considerando o invocado pela Recorrente, entendemos que a pretendida junção de documentos não se enquadra em nenhuma das circunstâncias supra referidas. O que nos leva a concluir pela sua não admissão nesta fase processual, por contrariar o preceituado no artigo 651º do CPC, pelo que se indefere a requerida junção.


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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa a imputação à Recorrente dos lucros apurados no exercício de 2001 pelas suas subsidiárias sedeadas nas Ilhas Cayman, em virtude de ter a sentença considerado que aquelas não dispunham de meios indispensáveis ao exercício de actividades comerciais naquele território.

A título de enquadramento, diremos que está em causa a correcção apurada em sede de inspecção pela AT, que considerou ser de imputar à ora Recorrente os lucros apurados no exercício de 2001 pelas suas subsidiárias O... Cayman e L... International, ambas com sede nas Ilhas Cayman.

A sentença recorrida entendeu ser de improceder a impugnação judicial (mantendo a correcção efectuada pela AT), pelas seguintes razões:

“(…)Está em causa a aplicação do disposto no artigo 60.° do CIRC cuja epígrafe é «Imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado».

Nos termos do n.° 1 do mencionado preceito, «São imputados aos sócios residentes em território português, na proporção da sua participação social e independentemente de distribuição, os lucros obtidos por sociedades residentes fora desse território e aí submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável, desde que o sócio detenha, directa ou indirectamente, uma participação social de, pelo menos, 25%, ou, no caso de a sociedade não residente ser detida, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por sócios residentes, uma participação social de, pelo menos, 10% ».

Estatui o n.° 4, que se excluem do disposto no n.° 1 as sociedades residentes fora do território português quando se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) Os respectivos lucros provenham em, pelo menos, 75% do exercício de uma actividade agrícola ou industrial no território onde estão situadas ou do exercício de uma actividade comercial que não tenha como intervenientes residentes em território português ou, tendo-os, esteja dirigida predominantemente ao mercado do território em que se situa;

b) A actividade principal da sociedade não residente não consista na realização das seguintes operações:

1) Operações próprias da actividade bancária, mesmo que não exercida por instituições de crédito;

2) Operações relativas à actividade seguradora, quando os respectivos rendimentos resultem predominantemente de seguros relativos a bens situados fora do território de residência da sociedade ou de seguros respeitantes a pessoas que não residam nesse território;

3) Operações relativas a partes de capital ou outros valores mobiliários, a direitos da propriedade intelectual ou industrial, à prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico ou à prestação de assistência técnica;

4) Locação de bens, excepto de bens imóveis situados no território de residência.»

Como afirma Alberto Xavier, in Direito Tributário Internacional, Almedina, 2011, p. 417, «[o] actual artigo 60.° do CIRC vem acolher disposições que possibilitam a tributação no Estado de residência dos rendimentos auferidos pelas sociedades de base instaladas em paraísos fiscais ou regimes fiscais privilegiados, pertencentes a sócios residentes, ainda que não tenham procedido à distribuição de lucros, consagrando-se a transparência fiscal dessas sociedades». Independentemente de se considerar que a norma consagra um mecanismo de transparência fiscal, de dividendo presumido ou nenhum deles, querela que aqui não importa apreciar, a verdade é que o artigo 60.° consagra uma norma anta abuso, nos termos da qual, os lucros de sociedade não residente sujeitas a um regime fiscal privilegiado são imputáveis à sociedade dominante, ainda que não distribuídos.

A obrigação de os sujeitos passivos residentes imputarem no seu rendimento colectável a respectiva quota-parte no lucro de determinadas sociedades não residentes (Controlled Foreign Companies), independentemente da distribuição dos dividendos, visa evitar situações de acumulação, por residentes, de resultados em sociedade sediadas em países com regime fiscal privilegiado, com o único intuito de diferir ou eliminar a tributação no país de residência do sócio - designado por «tax deferral». Constitui uma norma anta abuso, que visa evitar a erosão da base tributável, uma vez que na ausência de tal obrigação de imputação, os rendimentos recebidos por tais sociedades não ficariam sujeitos a imposto no nosso país, pelo menos até serem distribuídos aos sócios residentes.

Os pressupostos de que depende a exclusão da aplicação do regime de imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, previsto no n.° 1 art.° 60.° do C.I.R.C são o controlo da entidade não residente pela sociedade residente, o nível efectivo de tributação da entidade não residente, a actividade por esta desenvolvida e o tipo de rendimentos que daí resultam.

As declarações do contribuinte presumem-se verdadeiras e prestadas de boa fé as declarações apresentadas pelo contribuinte, nos termos da lei, conforme decorre do artigo 75.°, n.° 1 da LGT, sem prejuízo do poder/dever que incumbe à Administração Tributária de fiscalizar o cumprimento dos deveres declarativos.

No caso dos autos, no âmbito de acção de inspecção interna, procedeu a AT à fiscalização do modelo 22 apresentado pela Impugnante tendo sido detectado, com relevo para a decisão (uma vez que a questão do n,° 7 do artigo 18.° já foi decidida), depois de identificar as sociedades que integram o perímetro do regime especial de tributação de grupo de sociedades e identificar as respectivas sedes/residência, concluiu que as participadas da Impugnante «com sede em Cayman, zona que faz parte da lista dos territórios sujeitos a um regime fiscal privilegiado, conforme Portaria n° 1272/2001, de 9 de Novembro» levaria à imputação de lucros de sociedades não residentes por sócios residentes.

(…)

Resulta da apreciação efectuada pela Administração Tributária que se concluiu que não estava comprovado o exercício da actividade comercial no território de residência porquanto dos elementos fornecidos resulta a inexistência de meios mínimos indispensáveis ao exercício de uma actividade comercial. Concluindo pela não verificação do requisito e sendo os pressupostos de exclusão da aplicação da norma em causa de aplicação cumulativa, conforme resulta do mencionado n.° 4 do artigo 60.° do CIRC, seria inútil apreciar os restantes requisitos. Assim sendo, não merece censura o facto de a AT não se ter pronunciado sobre o segundo requisito porquanto, sendo de verificação cumulativa, nunca a Impugnante lograria alcançar a sua pretensão de ver excluída a aplicação do n.° 1 da citada norma por não comprovar, desde logo, o supra mencionado e apreciado requisito, pelo que não se verifica a falta de fundamentação pela falta de pronuncia do argumento referido em 9 da resposta da Impugnante, por se considerar implicitamente prejudicada face à decisão relativamente ao ponto 8 da pronúncia. Saliente-se que, ainda que no relatório não se fizesse menção como se fez a que «(...)o sujeito passivo terá de provar (...)», sempre poderia a Impugnante comprovar que reunia os requisitos necessários à exclusão da aplicação da norma em causa, uma vez que é a Impugnante quem invoca a aplicação da citada norma e alega que reúne os requisitos de que depende a sua aplicação, incumbia-lhe a prova contemporânea ou a posteriori. Na verdade resulta da alínea Q) dos factos provados que do balancete da sociedade em causa, resulta a inexistência de rendas ou edifícios e tendo em conta que os elementos contabilísticos devem reflectir de forma verdadeira actual e apropriada os elementos existentes na empresa, só se pode concluir que, inexistindo nos elementos contabilísticos contas relativas a rendas ou edifícios, não existem instalações arrendadas ou próprias que permitam o desenvolvimento de uma actividade no território das Ilhas Cayman.

Prossegue a Impugnante na sua petição inicial argumentando que reúne os requisitos de exclusão mencionados, o que faz do artigo 59.° ao 88.°, contudo, da fundamentação do acto resulta que não foi demonstrada a existência de meios minimamente indispensáveis ao exercício da actividade comerciais, nem tal facto resultou da prova produzida nos autos, pelo que, constituindo o ónus da prova de quem invoca os factos (cf. art. 74.° n.° 1 LGT), não logrando provar os requisitos cumulativos que suportem a sua pretensão, encontra-se a presente acção votada ao insucesso.(…)”

Dissente a Recorrente do decidido, fundamentalmente, por entender que foi efectuada uma errada interpretação do estatuído no nº4 do artigo 60º do CIRC (na redacção ao tempo aplicável), considerando impossível a aplicação do nº1 do mesmo artigo.

Comecemos por dizer que não vem impugnada a factualidade tida como assente pela sentença recorrida, nem foi requerida a sua modificação ou aditamento. Assim, é com base na factualidade fixada que será apreciado o presente recurso.

Recordemos o teor do nº4 do artigo 60º do CIRC, que exclui a aplicação do nº1 (o qual determina a imputação aos sócios residentes em território português, na proporção da sua participação social e independentemente de distribuição, os lucros obtidos por sociedades residentes fora desse território e aí submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável):

“4 - Excluem-se do disposto no n.º 1 as sociedades residentes fora do território português quando se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) Os respectivos lucros provenham em, pelo menos, 75% do exercício de uma actividade agrícola ou industrial no território onde estão situadas ou do exercício de uma actividade comercial que não tenha como intervenientes residentes em território português ou, tendo-os, esteja dirigida predominantemente ao mercado do território em que se situa;

b) A actividade principal da sociedade não residente não consista na realização das seguintes operações:

1) Operações próprias da actividade bancária, mesmo que não exercida por instituições de crédito;

2) Operações relativas à actividade seguradora, quando os respectivos rendimentos resultem predominantemente de seguros relativos a bens situados fora do território de residência da sociedade ou de seguros respeitantes a pessoas que não residam nesse território;

3) Operações relativas a partes de capital ou outros valores mobiliários, a direitos da propriedade intelectual ou industrial, à prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico ou à prestação de assistência técnica;

4) Locação de bens, excepto de bens imóveis situados no território de residência.”

In casu, a questão coloca-se em torno da aplicação da alínea a) do preceito, ou seja, saber se o circunstancialismo ali previsto se encontra verificado, por forma a excluir a imputação dos lucros das subsidiárias sedeadas nas Ilhas Cayman, no âmbito da ora Recorrente, nos termos do nº1 do artigo 60º do CIRC.

Como vimos, a sentença recorrida entendeu que não. Mais concretamente, considerou que a Recorrida não tinha logrado demonstrar e provar que estavam reunidas as condições de exclusão da aplicação no nº1 do artigo 60º do CIRC, previstas no nº4 do mesmo normativo.

A norma anti-abuso consagrada no então artigo 60º do CIRC foi introduzida na legislação nacional, pelo Decreto-Lei n.º 37/95 de 14 de Fevereiro, em consonância com o que vinha a ser praticado pela maioria dos restantes países europeus.

Do preâmbulo do referido diploma legal consta, nomeadamente, o seguinte:

“(…) A evasão e fraude fiscais assumem cada vez mais uma dimensão internacional, resultante da crescente internacionalização das empresas, da maior mobilidade das pessoas e dos capitais e do próprio desenvolvimento das técnicas utilizadas para esse efeito. O combate a essas práticas é, porém, decisivo como forma de preservar as receitas fiscais e assegurar a justiça na tributação, inserindo-se nesse contexto as medidas que, a nível internacional, se vêm tomando para o efeito. Este diploma acolhe na legislação portuguesa algumas delas.

(…)

Por outro lado, tomam-se duas medidas antiabuso com vista a contrariar a deslocalização de rendimentos para territórios que lhes assegurem um regime fiscal privilegiado. (…). A outra medida visa contrariar a acumulação, por residentes, de resultados em sociedades por eles controladas, situadas em território que lhes concede um regime fiscal privilegiado, e decorre directamente do princípio da tributação numa base ilimitada dos rendimentos obtidos por residentes. Consiste, assim, dado o carácter presumidamente instrumental da sociedade controlada, num simples regime de antecipação da consideração para efeitos de tributação em Portugal dos lucros que cabem à participação do sócio residente. Isso traduz-se na imputação a este, independentemente de distribuição, da parte do lucro - após impostos - que lhe cabe, tendo em conta o capital social detido, mas com aplicação de um regime semelhante ao dos lucros distribuídos.(…)”

O intuito da introdução destas normas anti-abuso foi, assim, o de preservar as receitas fiscais e assegurar a justiça na tributação, à semelhança do que vinha a ser feito a nível internacional.

Atentemos no que se disse no Acórdão do TCAS de 15/02/2011, proferido no âmbito do processo nº 425/10:

“(…) Foi nesse contexto que com o DL n.º37/95, de 14 de Fevereiro, foram criadas medidas anti -abuso de combate à fraude e evasão fiscal internacional com o objectivo de limitar a utilização de paraísos fiscais ou regimes fiscais preferenciais ou privilegiados, fundamentalmente através de sociedades de base aí estabelecidas.

O art.º60ºdo CIRC passou a possibilitar a tributação no Estado de residência dos rendimentos auferidos pelas sociedades de base instaladas em paraísos fiscais ou regimes fiscais privilegiados, pertencentes a sócios residentes, ainda que não se tenha procedido à distribuição de lucros, consagrando-se a transparência fiscal destas sociedades (regras CFC, disposições tipo subsecção F ou SubpartF rules).

Pontifica, a respeito, a decisão do TJCE no Caso CadburySchweppes (Proc. C-196/04, de 12.09.2006): as legislações nacionais, como a do Reino Unido, relativa às sociedades estrangeiras controladas, estão genericamente em conformidade com o Tratado, na medida em que prossigam o objectivo legítimo de combater a fraude ou a evasão fiscal. Todavia, estas regras serão contrárias aos art.ºs 43.ºe 48.ºdo TCE, quando se apliquem a expedientes que não constituam “expedientes puramente artificiais”.

Segundo a decisão do Caso CadburySchweppes são factos determinantes para aferir da existência de tais expedientes saber se o contribuinte tem uma intenção subjectiva de obter uma vantagem fiscal estabelecendo-se noutro EM, se existe um estabelecimento no EM que prossiga actividades económicas e se esse estabelecimento dispõe de uma existência física em termos de instalações, pessoal e equipamento.(…)”

No caso dos autos, a AT, na sequência de acção inspectiva, entendeu ser de imputar à ora Recorrente os lucros das sociedades por si detidas nas Ilhas Cayman, por se encontrar preenchido o condicionalismo previsto no nº1 do artigo 60º do CIRC, sendo que, concluiu, após ter a Recorrente exercido o direito de audição prévia, que esta não tinha comprovado nem demonstrado, por não ter junto quaisquer elementos, o exercício efectivo de uma actividade comercial por parte das sociedades em causa e que essa actividade era exercida sem recurso a quaisquer intervenientes residentes em território nacional (cfr. alínea i) do probatório).

A sentença recorrida, sem deixar de mencionar que aquela prova poderia ser feita a posteriori pela Impugnante, entendeu que, por inexistirem, nos elementos contabilísticos, contas relativas a rendas ou edifícios, não existiam instalações arrendadas ou próprias que permitissem o desenvolvimento de uma actividade no território das Ilhas Cayman.

Mais considerou que não estavam reunidos os requisitos da exclusão da tributação, já que não foi demonstrada a existência de meios minimamente indispensáveis ao exercício de uma actividade comercial, nem tal facto resultou da prova produzida nos autos (cujo ónus cabia à Impugnante), pelo que considerou improcedente a impugnação.

A Recorrente não concorda com este entendimento.

Para tanto, vem invocar em sede de recurso que existiu, no seio das empresas com sede nas Ilhas Cayman, uma panóplia de gastos de diversas naturezas e magnitudes que tornam evidente o erro em que entende laborar a sentença recorrida quanto à falta de recursos para o exercício de uma actividade.

Refere, nomeadamente, a existência de um apartamento arrendado em Luanda, ao abrigo de um contrato celebrado pela O... – Apresto e Gestão de Navios, Ldª, mas cujo custeio teria sido parcialmente suportado pela O... Cayman, bem como gastos com deslocações e estadas no território moçambicano.

Porém, nada disto foi dado como provado pela sentença recorrida, nem poderia ter sido uma vez que não tinha sido alegado na p.i., como, aliás, a Recorrente admite, no ponto 44 das alegações de recurso.

E, como supra vimos, a factualidade dada como provada pela sentença recorrida não foi posta em causa em sede de recurso, pelo que temos como acertada a conclusão a que chegou a Juiz a quo, de que não foi demonstrada a existência de meios minimamente indispensáveis ao exercício de uma actividade comercial.

Por outro lado, também se provou (cfr. alíneas n) e o) do probatório) que as empresas participadas não só tinham fornecedores com sede em Lisboa, como também tinham clientes aí sediados, o que afasta outro dos requisitos exigidos pela alínea a) do nº4 do artigo 60º do CIRC, a saber, que se verifique o exercício de uma actividade comercial que não tenha como intervenientes residentes em território português. Finalmente, não ficou demonstrado e provado que essa actividade comercial, no caso de envolver intervenientes em território português, estivesse dirigida predominantemente ao mercado do território em que se situa, como o exige a norma referida.

Assim sendo, atento o vertido supra, será de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Junho de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)