Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06602/13
Secção:CT
Data do Acordão:04/14/2016
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:NOTAS DE CRÉDITO, REGULARIZAÇÃO DO IVA, FACTURAS FALSAS
Sumário:I. A regularização do IVA a favor do sujeito passivo nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos depende de um pressuposto legal, sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto (n.º 5 do art. 71.º do CIVA);
II. Trata-se de um requisito legal de natureza formal do qual depende o exercício do direito à dedução do IVA (regularização), e portanto, aquele requisito legal não depende do facto do imposto ter sido deduzido pelo cliente e da necessidade de proceder à regularização do imposto, não competindo à AT verificar se a outra parte efectuou a regularização do IVA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:V. S.A., com os demais sinais nos autos vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida do acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação adicional de IVA, respeitante ao período de Agosto de 2004, no montante de 58.511,07€ e respectivos juros compensatórios no valor de 9.964,52€.

A Recorrente V. S.A., apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

VI - CONCLUSÕES
1 - O presente recurso tem por objeto a sentença da 1.ª unidade orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a fls. que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada contra o indeferimento da reclamação graciosa nº…, a liquidação adicional de IVA nº…, respeitante ao período de 08-2004, no montante de €58.511,07 e a liquidação de juros compensatórios nº…, no montante de €9.964,52.
2 - A sentença recorrida não esclarece qual a nota de crédito cuja dedução do IVA foi admitida pelo Tribunal, pelo que se requer a sua aclaração.
3 - Na sentença recorrida, o elenco dos factos relevantes provados não resultou da análise circunstanciada da alegação factual contida em cada um dos articulados apresentados pelas diferentes partes, confrontada com os meios de prova, designadamente documental e testemunhal, carreados para os autos. Pelo contrário, constatamos que houve apenas uma adesão acrílica e infundamentada aos factos indicados no Relatório de Inspeção Tributária.
4 - A Impugnante, na defesa em sede de impugnação judicial, invocou, nomeadamente os factos constantes dos artigos 8 a 47º, 75°, 83º a 84º, 89º a 147º, 150.º a 173.º, 182, 190.º a 195.º, 198.º, 221° a 223°, 225° a 221.°-, 230.º a 250.º, 252.º a 319.º, 324.º, 326.º e 328.º da PI que, por uma questão de economia processual, não se dão aqui por reproduzidos. Por outro lado, entre outros, carreados os seguintes meios de prova para demonstrar que: (i) Os destinatários das faturas nºs 46, 47, 48, 49, 50 e 52 não contabilizaram essas faturas, nem deduziram o respetivo IVA.: Faturas 368 e 352, emitidas pela C., S.A., 367, emitida pela W. Lda., 365 e 379, emitidas pela E. Lda. e 165 e 239, emitida por S.; Notas de crédito 46 (a anular a fatura 368), 47 (a anular a fatura 367), 48 (a anular a fatura 365), 49 (a anular as faturas 165 e 239), 50 (a anular a fatura 352), 52 (a anular a fatura 379). Cartas da W. Lda., da E. Lda. a confirmar que não contabilizaram as faturas 367, 484, 365 e 379, nem deduziram o respetivo IVA. Carta da S. a acusar a receção da nota de crédito 49. (ii) As operações tituladas nas faturas n.2s 264 e 266 emitidas pela L. e as faturas n.ºs 407, 408, 409, 410, 411, 412, 413 e 414 emitidas por J. correspondem a serviços efetivamente prestados: Depoimento da testemunha P. a confirmar os factos invocados na PI e que adiante serão melhor identificados; Depoimento da testemunha G. por aproveitamento a confirmar os factos invocados na PI e que adiante serão melhor identificados; Depoimento de parte de D. por aproveitamento a confirmar os factos invocados na PI e que adiante serão melhor identificados; Cartas da J. S.A., da S., da N. S.A., da A., da O. Lda., da A. S.A., da S. e da F. a adjudicar à Impugnante, respetivamente, as seguintes obras: obra 004022, obra 004049, obra 004072, obra 004073, obra 004087, obra 004144, obra 004051 e obra 4164. -docs. juntos aos autos com o requerimento de 12.10.2012; Orçamentos destas obras. — docs. n.ºs 21 a 29 juntos à PI. Cópia das faturas emitidas pela Impugnante a estas empresas para faturar a estas empresas os serviços prestados nestas obras. - docs. juntos aos autos com o requerimento de 12.10.2012; Cópia dos comprovativos de pagamento destas faturas. -docs. juntos aos autos com o requerimento de 12.10.2012; Faturas n.ºs 264 e 266 emitidas pela L. e as faturas n.ºs 407, 408, 409, 410, 411, 412, 413 e 414 emitidas por J. para faturar ao Impugnante os serviços subcontratados nestas obras. - anexo 2 do relatório de Inspeção - fIs. 25 a 38 e does. juntos aos autos por requerimento de 07.03.2012; Cópia dos comprovativos de pagamento destas faturas - anexo 2 do Relatório de Inspeção, fls. 25 a 38 e 47 a 60; Relação destas obras com as faturação da Impugnante e dos subcontratados J. e L. - doc. nº30 junto à PI. Ofício da DGCI de 23.12.98 relativo à rentabilidade fiscal das empresas, do qual resulta que para o CAE da impugnante - CAE 74842 - o rácio de rentabilidade fiscal é de 1,24.
5 - Os factos invocados pela Impugnante, ora Recorrente, na PI, assim como a prova, documental e testemunhal, carreada por esta para os autos põe em crise a matéria assente, sendo que o Tribunal a quo não justificou os fundamentos que o levaram a desconsiderar tais factos e tais provas, nem tão pouco os fundamentos que o levaram a valorar os factos e provas trazidas pela RFP em detrimentos daqueles trazidos pelo Recorrente.
6 - De modo que é inequívoco que a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos conjugados dos artigos 653º, nº 2 e 668º, nº 1, al. b), do CPC ex vi artigo 2º do CPPT.
7 - O que se referiu supra revela, desde logo, que sentença recorrida, ao limitar-se a copiar o Relatório de Inspeção Tributária, ao invés de decidir a causa através do seu próprio raciocínio e argumentário, viola o princípio da igualdade das partes consagrado expressamente no artigo 6º do CPTA ex vi al. a), do artigo 2° do CPPT e o direito a um processo justo e equitativo a um tratamento imparcial por parte do Tribunal, que emerge do artigo 6.9 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
8 - A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao desconsiderar factos e provas carreados pelo Recorrente para o processo. Atenta a prova, testemunhal e documental, carreada, deverão, nos termos do artigo 712.º, nº 1, al. a) e b) do CPC aplicável ex vi artigo 2º, al. e), do CPPT, ser aditados à matéria de facto os factos descritos no ponto V a) supra que aqui se dão por reproduzidos.
9 - Em causa estão duas correções: (i) correção com fundamento no incumprimento do nº 5, do artigo 71.- (atual) 78º do CIVA; e (ii) correção com fundamento em simulação.
10 - Relativamente à primeira, a interpretação da AT, confirmada pelo Tribunal a quo ignora os factos subjacentes, peca por formalismo exagerado e não atende a teleologia do nº 5, do artigo 71º do CIVA.
11 - O pressuposto de aplicação da exigência do comprovativo, prevista no nº5, do artigo 71º(atual 78°) do CIVA, é que o imposto tenha sido deduzido pelo cliente e que, posteriormente, na sequência da retificação para menos do valor tributável da operação ou do respetivo imposto, haja necessidade de proceder à regularização do imposto. Só nesses casos, em que possa existir o risco da falta de regularização, pelo cliente, do imposto regularizado pelo sujeito passivo fornecedor / prestador do serviço, é que faz sentido exigir a posse do comprovativo de receção do comprovativo da comunicação que evidencie o montante de IVA retificado. Assim como, só nesses casos é que faz sentido prevenir a fuga e evasão fiscal, pois só aqui é que existe o risco de ambos os intervenientes deduzirem o mesmo IVA.
12-No caso dos autos, se não houve contabilização, pelos clientes, das faturas devolvidas, não pode ter existido, por parte deles qualquer dedução do imposto, pelo que não faz qualquer sentido exigir à Recorrente o comprovativo de receção de comunicação pelo cliente que evidencie o montante de IVA retificado. Assim como não há nenhum risco de fuga e evasão fiscal que importe salvaguardar.
13- Exigir, no caso em apreço, o cumprimento do disposto no nº 5, do artigo 71º (atual 78º) do CIVA constitui uma inadmissível sobreposição do formalismo desnecessário à materialidade das operações - que, como é sabido, constituem o verdadeiro objeto da incidência do IVA - com única consequência a tributação indevida do Recorrente por operações que não têm qualquer.
14- A AT, ao ter corrigido ilegalmente o IVA e, com base nessa correção, ter procedido à liquidação do IVA incorreu em ilegalidade implicante da invalidade de tal liquidação e, por isso, ao ter decidido em sentido contrário, a sentença recorrida ficou a padecer de erro de julgamento que implicará a procedência do presente recurso.
15- A sentença recorrida incorreu também em erro de julgamento ao ter concluído que a AT conseguiu demonstrar os pressupostos de facto que a legitimaram a corrigir as liquidações de IVA com fundamento em simulação das operações tituladas pelas faturas em causa nos autos, que com isso conseguiu inverter o ónus de prova da veracidade dessas operações para o Impugnante, ora Recorrente, e que este não logrou fazer essa prova nos presentes autos.
16 -A nossa jurisprudência tem entendido que o tipo de indícios recolhidos pela AT nos presentes autos, relacionados essencialmente com a falta de estrutura humana e física dos subcontratados para a prestação de serviços de construção civil e com o incumprimento pelos fornecedores, de deveres de colaboração para com a AT, declarativos, fiscais e contabilísticos, não são suficientes para sustentar que os serviços titulados por faturas emitidas não foram efetivamente prestados.
17- Acresce que as declarações prestadas pelo pretenso TOC da subcontratada L. não sofreram qualquer crivo judicial, pelo que não relevam, são manifestamente inócuas e sem qualquer força probatória para os presentes autos. Cabia à RFP, caso entendesse relevante, indicar o alegado administrador como testemunha para que o Tribunal pudesse avaliar a qualidade do seu testemunho, sujeito ao inevitável contraditório, o que não fez.
18 - A Impugnante cooperou totalmente com a AT, fornecendo todas as informações e documentos por esta solicitados, com exceção de cópias frente e verso dos cheques emitidos aos fornecedores em causa, cuja recusa é, como tem entendido a jurisprudência, legítima, nos termos do n.º4, do artigo 63º da LGT (na redação à data) e não pode relevar para efeitos indiciar a falta de veracidade das operações.
19- A AT tinha duas alternativas para aceder aos referidos documentos: (i) ou solicitava autorização judicial para aceder aos referidos documentos, nos termos do número 2 do artigo 63º da LGT, (ii) ou acedia diretamente aos referidos documentos, fundamentando a sua decisão nos termos dos números 3 a 5 do artigo 63º-B da LGT. A AT optou por nada fazer, sendo que essa opção, conforme constitui tem entendido a jurisprudência (como exemplo, indica-se o TAF de Sintra (proc. nº 275/10.7BESNT), não pode legitimar a sua conclusão de que a recusa de acesso a tais documentos por parte da Impugnante é ilegítima.
20 -Do exposto resulta que a AT não fez prova do bem fundado da formação do seu juízo, pelo que a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante, ora Recorrente, logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efetuou (acórdão do TCAS, de 15-02-2002 (proc. 6455/02).
21 -Em todo o caso, embora a isso não estivesse obrigada, porque a AT não conseguiu inverter o ónus de prova, a Impugnante provou nos presentes autos que: (i) No exercício da sua atividade, recorria a subempreiteiros; - facto provado na al.; (ii) No ano de 2004 foi adjudicada pelos clientes J. S.A., M., S., N. S.A., A., O. Lda., A., S.A., S. e F. para realizar trabalhos de remodelação de interiores, respetivamente, nas seguintes obras: obra 004022, obra 004045, obra 004049, obra 004072, obra 004073, obra 004087, obra 004144, obra 004051 e obra 4164. - facto provado na al.; (iv) A Impugnante prestou todos os serviços constantes dos orçamentos dessas obras; - facto provado na al.; (v) Tais serviços foram faturados pelo Impugnante aos clientes e pagos por estes; - facto provado na al.; (vi) Parte destes serviços contratados por estas empresas à Impugnante foram por esta subcontratados a J., à C. e à L.. - facto provado na al. (vii) Estes subcontratados prestaram todos os serviços constantes dos orçamentos e melhor discriminados na PI; - facto provado na al.; (viii) Tais serviços foram faturados por estes subcontratados à Impugnante e pagos por este; - facto provado na al.;
22 -Todos estes factos e provas foram ignorados pelo Tribunal a quo, sem que este tivesse justificado os fundamentos para tal, bem como para ter considerado apenas os factos e prova trazidos ao processo pelo RFP.
23 -Relativamente à obra da R., ficou também provado que o prejuízo se deveu ao facto de se ter fixado inicialmente uma margem curta e a Impugnante não ter sido capaz de repercutir esse prejuízo na dona da obra - cf. alíneas xxxix) dos factos provados.
24 -As correções efetuadas à Recorrida para além de serem indevidas, conduzem ao absurdo de elevar o rácio de rentabilidade fiscal da Impugnante para 12,22, ou seja, 985% superior à média do coeficiente de rentabilidade fiscal das empresas com o mesmo setor de atividade!
25 -Por tudo o acima exposto, fica demonstrado que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto e o da decisão de mérito.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso nos termos acima mencionados e, em consequência:
a) deverá ser conhecida e declarada a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo por falta de fundamentação;
b) deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e substituída por outra que declare a impugnação judicial procedente e, em consequência, determine a anulação das liquidações impugnadas com o reembolso dos montantes pagos acrescidos de juros indemnizatórios
SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!".

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A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
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A fls. 742 o Meritíssimo Juiz do TAF de Leiria aclarou a sentença conforme requerido na conclusão 2 das alegações de recurso.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido do não provimento do presente recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
_ Nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão [conclusões 3 a 6];
_ Violação do princípio da igualdade das partes consagrado no art. 6.º do CPTA, ex vi art. 2.º do CPPT e o direito a um processo justo e equitativo a um tratamento imparcial por parte do tribunal que emerge do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [conclusão 7];
_ Erro de julgamento da matéria de facto, devendo ser aditados os factos descritos no ponto V) das alegações [conclusão 8];
_ Erro de julgamento de direito quanto à correcção fundamentada no incumprimento do n.º 5 do art. 71.º, actual art. 78.º do CIVA sendo errónea a interpretação feita na sentença recorrida [conclusões 9 a 14];
_ Erro de julgamento de direito quanto à correcção fundamentada na simulação, na medida em que, por um lado a AT não cumpriu com o seu ónus, e por outro, ainda que assim não se entenda, a Recorrente fez prova suficiente da materialidade das operações [conclusão 9 e 15 a 25].

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
Fundamentação
X
Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1- O impugnante iniciou a actividade de realização de projectos e execução de obras de interior e comercialização de equipamentos e materiais de construção, enquadrado em IVA no regime normal mensal, tendo apresentado a respectiva declaração periódica relativo ao período de Agosto de 2004,em que apurou imposto regularizado a favor da empresa, com base em notas de crédito emitidas para anular facturas anteriormente emitidas e deduziu imposto suportado relativamente ás operações efectuadas com os fornecedores J. e "L., Lda" - cfr arts 8° e 9° da p.i e Relatório da I.T. de fls 317 a 530, do P.A. apenso.
2- Para efeitos de análise da situação de imposto dedutível e de crédito referida em 1, foi efectuada uma acção inspectiva ao sujeito passivo, na qual foi considerado que as regularizações de IVA a favor da empresa tendo por base as notas de crédito emitidas e consequente imposto deduzido, não foram cumpridos os requisitos do art°71°, n°5, do CIVA relativo a documento carimbado e assinado pelos clientes destinatários das referidas notas de crédito, resultando dedução indevida de IVA, não competindo à Adm Fiscal a prova de que a contra-parte efectuou a regularização do respectivo IVA, mas sim ao s.p. que deverá ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação, sem a qual a respectiva dedução será indevida, tendo apenas comprovado, no âmbito do exercício do direito de audição, vários documentos devidamente assinados e carimbados pelas entidades destinatárias, o que foi considerado como devidamente deduzido, mantendo-se as restantes correcções em que não foi apresentado qualquer prova de conhecimento da correcção, assim como a dedução indevida de imposto relativamente aos prestadores supra referidos em razão da indiciação de simulação das operações, tendo-se procedido ao apuramento do imposto em falta e efectuada a liquidação de imposto e de juros compensatórios - cfr Nota de Liquidação de fls 103 e 104, dos autos, "Despacho", "Parecer" e "Relatório da I.T." , de fls 317, 318 e 319 e segs, do P. A apenso.
3- Dá-se aqui por reproduzido o relatório da I.T., do qual consta designadamente, o seguinte:
III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITEMICAS E MATÉRIA COLECTÁVEL.
1) ANÁLISE EFECTUADA A DOCUMENTOS DE AQUISIÇÃO DE BENS/SERVIÇOS (CONTA 621.SUBCONTRATOS)
No desenvolvimento da acção de inspecção e no âmbito da análise a fornecedores de bens/serviços ao sujeito passivo (conta 621 - Subcontratas), foram detectadas situações passíveis de análise mais aprofundada. Desta forma e para apuramento da verdade sobre determinadas transacções efectuadas, que estiveram na base de registos em contas de custo da empresa, bem como na dedução do IVA respectivo, foram promovidas diligências junto, quer do sujeito passivo, quer das entidades emitentes da facturação em causa, discriminadas nos pontos seguintes.
1.1) Diligências efectuadas junto do sujeito passivo
Em 8/09/2008, no âmbito desta ordem de serviço , bem como no dever geral de colaboração preconizado nos art°s. 59° e 63° da Lei Geral Tributária (LGT) e art°s. 28° e 48° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), foi notificada a empresa V., S.A., NIPC , na pessoa do seu representante e técnico oficial de contas, sra. L., NIF , para que, no prazo de 10 dias, fosse apresentada diversa documentação (ver Anexo 1 - páginas 1 e 2) a fim de comprovar a verdade sobre as transacções efectuadas com as seguintes entidades:
- C., Lda., NIPC , -J., NIF ,
- L., Lda., NIPC .
Em resposta ao solicitado, deu entrada nestes serviços de inspecção, no dia 19/09/2008, entrada 80100 (ver anexo 2 de fls. 60), diversa documentação enviada pelo técnico oficial de contas, nomeadamente fotocópias das facturas em causa e respectivos cheques para pagamento das mesmas, bem como fotocópias dos extractos bancários onde se constata a saída dos montantes em causa.
Salienta-se que, anteriormente à data de 19/09/2008, por contacto telefónico com o técnico oficial de contas, foi indicado que, para se determinar qual o destinatário efectivo dos pagamentos efectuados, deveriam ser solicitados ao banco em causa Caixa de Crédito Agrícola Mutuo - fotocópias frente e verso dos respectivos cheques emitidos para pagamento daquelas facturas, depois de descontados pelo banco. A referida solicitação foi efectuada porque, encontrando-se em análise a averiguação da verdade das transacções efectuadas, e sendo os elementos solicitados suporte de registos contabilísticos, só daquela forma se determinaria quem, efectivamente, foi o destinatário daqueles pagamentos.
No entanto, apesar daquele contacto telefónico, os elementos solicitados não foram apresentados, pelo que, em 26/09/2008, foi a V. notificada na pessoa do seu Toc (ver anexo 1 - fls. 3 e 4), para apresentação dos elementos acima referidos, ou seja, fotocópias frente e verso dos cheques depois de descontados pelo banco, concedendo-se o prazo adicional de 20 dias para resposta à referida notificação. Em resposta, foi enviado mail datado de 30/09/2008 (anexo 1 - fls. 5 e 6), onde o representante da empresa, informava já ter procedido ao pedido ao banco das cópias dos cheques em causa, pelo que, ficamos a aguardar o envio das mesmas.
No entanto, em 22/10/2008, com o nº de entrada , foi enviado o documento a fls. 7 a 11 do anexo 1, no qual o sujeito passivo alega que, efectuada que foi a notificação para a apresentação da "fotocópia frente e verso dos cheques emitidos, depois de descontados pelo banco", não daria cumprimento à mesma na medida em que, consultados que foram os seus advogados, esta envolveria a disponibilização de documentos sujeitos a sigilo bancário, sendo a solicitação da Administração tributária ilegal e manifestamente desproporcional.
... Concluindo pelo facto de estarmos perante uma recusa ilegítima, por parte da empresa V., de exibição de documentos de suporte a registos contabilísticos.
Os quadros seguintes, resumem, para cada uma das entidades acima mencionadas, a informação solicitada por estes serviços de inspecção, bem como os elementos enviados em resposta pela empresa V. (Anexo 2 - fls. 1 a 60):
A) C., Lda.
A1) Solicitada informação sobre as facturas:
Data N° Factura B. Tributável Iva Total
30-11-2004 7255 125.000,00 23.750,00 148.750,00
30-12-2004 7256 250.000,00 47.500,00 297.500,00
Total 375.000,00 71.250,00 446.250,00
e respectivos meios de pagamento, nomeadamente, fotocópias frente e verso dos cheques, depois de descontados pelo banco.
A2) Elementos enviados pelo sujeito passivo (ver anexo 2 - fls. 3 a 24):
Fotocópia do meio de pagamento existente na contabilidade ( sem assinaturas) Cheque Número 4683107161 Data 01-02-2005 Valor 148.750,00Descontado na data (extracto bancário) 22-04-2005 Factura a que respeita 7255
2306981542 10-06-2005 100000,00 02-08-2005
Cheques 0506981544 8406981546 30-06-2005 01-07-2005 100000,00 97500,00 03-08-2005 08-09-2005 7256 (*)
8) J.
81) Solicitada informação sobre as facturas:
Data Factura Base Tributável Iva Total
01-07-2004
407
20.000,00
3.800,00
23.800,00
01-07-2004
408
84.000,00
15.960,00
99.960,00
01-07-2004
409
11.000,00
2.090,00
13.090,00
05-07-2004
410
25.000,00
4.750,00
29.750,00
05-07-2004
411
9.000,00
1.710,00
10.710,00
05-07-2004 412
67.000,00
12.730,00
79.730,00
07-07-2004 413
21.000,00
3.990,00
24.990,00
07-07-2004
    414
18.000,00
3.420,00
21.420,00
Total 2004
255.000,00
48.450,00
303.450,00
e respectivos meios de pagamento, nomeadamente, fotocópias frente e verso dos cheques, depois de descontados pelo banco.
82) Elementos enviados pelo sujeito passivo (ver anexo 2 - fls. 25 a 38):
Fotocópia do meio de pagamento existente na contabilidade (sem assinaturas) Cheque Número 6383107116

Data 22-09-2004
ValorDescontado na data (extracto bancário) Factura(s) a que respeita 407,408 e 409
Cheque 2783107120 22-10-2004 166.600,0009-12-2004410,411,412,
413 e 414
C) L., Lda.
Cl) Solicitada informação sobre as facturas:
Data Factura Base Tributável Iva Total Factura
04-06-2004
257
33.750,00
6.412,50
40.162,50
24-06-2004
259
35.600,00
6.764,00
42.364,00
06-08-2004
264
13.750,00
2.612,50
16.362,50
30-08-2004
266
8.900,00
1.691,00
10.591,00
21-09-2004
269
15.500,00
2.945,00
18.445,00
05-11-2004
275
£9.750,00
5.652,50
35.402,50
27-11-2004
278
33.905,00
6.441,95
40.346,95
13-12-2004
280
37.775,00
7.177,25
44.952,25
Total 2004
208.930,00
39.696,70
248.626,70
e respectivos meios de pagamento, nomeadamente, fotocópias frente e verso dos cheques,
depois de descontados pelo banco.
C2) Elementos enviados pelo sujeito passivo (ver anexo 2 - fls. 39 a 60):
Fotocópia do meio de
pagamento existente na contabilidade (sem assinaturas)
Número Data Valor Descontado na data (extracto bancário)Factura(s) a que respeita
Cheque 9683107080 07-07-2004 82.526,50 14-07-2004 257 e 259
Cheque 7283107115 22-09-2004 45.398,50 16-11-2004 264, 266 e 269’
Cheque 5083107139 27-12-2004 35.402,50 19-01-2005 275
Cheque 4183107140 31-12-2004 40.346,95 19-01-2005 278
Cheque 3283107141 03-01-2005 44.952,25 20-01-2005 280'
Do descrito e da consulta dos elementos constantes do anexo 2, várias ilações se retiram:
- por consulta às fotocópias das facturas acima discriminadas (somatório dos quadros dos pontos A1, 81 e C1), verifica-se que, do montante global de aquisições efectuadas-
998.326,70 € (Iva incluído) • cerca de 595.989,08 € foram imputados ao centro de custo (obra) 4164 - "R.", que apresenta elevado "prejuízo" - o qual foi influenciado pelos valores facturados pelas empresas C. e L., atrás referidas;
- no que se refere à factura n" 7256 da empresa C., Lda., no montante de 297.500,00 €, o contribuinte refere que o seu pagamento foi efectuado através de 3 cheques, identificados no quadro supra referido, nos montantes de 100.000,00 €, 100.000,00 €e 97.500,00 €, dos quais enviou cópia (anexo 2, com 60 folhas). No entanto, consultando os registos contabilísticos, existe, a titular o pagamento em causa, fotocópia do cheque número 4283107183 no valor de 297.500,00 €, sobre o qual foram solicitadas informações, tendo o sujeito passivo alegado que o mesmo foi anulado;
- no âmbito da notificação efectuada para o efeito, o sujeito passivo apresentou fotocópias dos meios de pagamento - cheques - utilizados para pagamento das facturas discriminadas nos quadros atrás referidos, não sendo visível, em quaisquer deles, qualquer assinatura, não obstante estes obrigarem a duas assinaturas dos sócios gerentes, conforme consta na Conservatória de Registo Comercial.
- constatou-se, através das fotocópias dos extractos bancários, que nos foram remetidas, que os cheques atrás referidos foram debitados na conta da empresa.
Em 13/11/2008 foi efectuada notificação (fls. 12 e 13 do anexo 1) solicitando que, relativamente às facturas discriminadas supra, fossem apresentados os seguintes elementos:
- contrato de empreitada de cada uma das obras facturadas (obrigatório ao abrigo do art°29° do D. L. 12/2004 de 9 de Janeiro) ou contrato de prestações de serviços:
- comprovativo das habilitações detidas pela empresa subcontratada (Alvará ou Título de Registo);
- para cada uma das obras em causa, o respectivo Auto de Medição, mapa de serviços realizados ou quaisquer outros mapas auxiliares à elaboração das facturas e facultados à empresa adquirente (contribuinte em análise).
Esta notificação mereceu resposta do sujeito passivo (fls. 14 e 15 do anexo 1) – entrada de 24/11/2008, sendo que, até ao momento de elaboração deste relatório, nenhum dos elementos solicitados foi apresentado.
Assim, não foram apresentados vários documentos solicitados nas referidas notificações (anexo 1), tais como orçamentos (apenas foi enviada cópia do orçamento L0904, apresentado pela empresa C. e que estaria na base da sua facturação à V., no ano de 2004), troca de correspondência com os fornecedores, contratos de empreitada, entre outros, que pudessem ajudar a estabelecer a veracidade das transacções efectuadas com as entidades em causa;
Pelo exposto, considera-se ter havido recusa ilegítima por parte do contribuinte, ao não apresentar o solicitado na notificação, ou seja, fotocópias frente e verso dos cheques depois de descontados pelo banco, sendo estes elementos suporte dos registos contabilísticos da empresa.
Pelos elementos facultados pelo sujeito passivo, não foi possível determinar a verdade das operações tituladas pelas facturas acima discriminadas, tanto mais que, existindo a possibilidade dos cheques serem endossados, não se concluí quais foram, efectivamente, os beneficiários dos pagamentos em causa.
1.2) Diligências efectuadas junto das entidades emitentes das facturas
No âmbito desta ordem de serviço e por cruzamento de informação relativamente ao ano de 2004, foram propostos procedimentos de inspecção externa de âmbito parcial (IVA e IRS aos emitentes das facturas discriminadas no ponto 1.1)1\1), B1) ...”Foram abertas as respectivas ordens de serviço, com despachos para prosseguimento das acções datados de 11/09/2008.
Relativamente às acções inspectivas em curso, foram recolhidos elementos junto de vários organismos, designadamente na Conservatória de Registo Comercial, tipografias emitentes das facturas, Centro Regional de Segurança Social, Instituto da Construção e do Imobiliário, IP (INCI), por deslocação à sede/domicilio dos respectivos sujeitos passivos e/ou dos seus sócios gerentes, bem como nas aplicações informáticas da DGCI, constatando-se que os suportes formais (facturas) aos custos contabilizados, pelo sujeito passivo V. ... ,que contribuíram para o apuramento e declaração da matéria colectável do sujeito passivo em análise, não corresponderão a venda de bens/serviços efectivamente prestados, conforme se comprova no explanado nos pontos seguintes.
1.2.1) J. (NIF )
No decurso da acção inspectiva, foram recolhidos diversos elementos, os quais documentam a respectiva ordem de serviço aberta para inspecção à contabilidade do ano de 2004 (IRS e IVA). Das diligências efectuadas para apurar a verdade das transacções com a empresa ., foram apurados os seguintes factos:
• por consulta às aplicações informáticas da DGCI, verifica-se que o contribuinte em causa iniciou a sua actividade em 1/07/2002, tendo entregue declaração de inicio de actividade onde mencionou ir exercer a actividade de técnico oficial de contas (código 4015 da Tabela de Actividades do art°151° do CIRS),- -—
• ainda por consulta às aplicações informáticas da DGCI, verificou-se que o contribuinte é técnico oficial de contas de vários sujeitos passivos singulares, bem como de várias empresas em áreas diversificadas, apenas constando como sócio de um gabinete de contabilidade e como administrador de uma empresa de serviços de informática,
• por deslocação à morada que é indicada como sede da sua actividade, verificou-se que a mesma corresponde ao rés do chão de um prédio em regime de propriedade horizontal, onde se constatou funcionar um gabinete de contabilidade
• tratava-se de um contribuinte não declarante para efeitos de IRS (exercício de 2004), tendo regularizado essa situação em 4/09/2008, data em que procedeu à entrega da respectiva declaração de rendimentos, ou seja, depois de iniciado o procedimento de inspecção na empresa V.,
• notificado para explicitar a actividade efectivamente exercida, quer como TOC, quer relativamente aos alegados" trabalhos de construção civil efectuados" o contribuinte nunca prestou quaisquer esclarecimentos sobre o facto,
• para efeitos de IVA, o contribuinte ficou enquadrado, desde o inicio de actividade, no regime normal de periodicidade trimestral, tendo entregue declarações periódicas de IVA para os quatro trimestres de 2004, onde indicou apenas como proveitos os referentes aos serviços prestados como TOC
• atendendo ao facto da facturação emitida para a empresa V., ser constituída por facturas com numeração sequencial, datadas de Julho/2004 (3°trimestre), constata-se a entrega de uma declaração periódica de substituição para o referido 3° trimestre de 2004 (onde o contribuinte incluí o valor da facturação emitida para a V., rectificando os campos da base tributável e do IVA liquidado). Esta declaração de substituição foi entregue em 21/08/2008 (data posterior à recepção da carta aviso de inspecção, por parte da V.). Na referida declaração também rectificou o valor de IVA dedutível para o referido período -37.972,56 € (campo 22 da DP),
Este valor de IVA dedutível refere-se a aquisição de existências para a realização de obras, facturadas à empresa V. - conforme descritivo dos extractos de conta. No entanto mesmo depois de notificado para o fazer, não foram apresentados quaisquer documentos (facturas ou documentos equivalentes) que titulem estes custos e IVA deduzido, indício forte de que os mesmos não ocorreram efectivamente,
• constata-se que o sujeito passivo J., utiliza três sistemas de facturação distintos, um para as facturas emitidas aos seus clientes dos serviços de contabilidade ,outro para as facturas emitidas para a V....e um terceiro ...à empresa C..... (ver ponto 1':2.'2, deste Item III), referentes a serviços de construção civil,
• o Sr. J. foi notificado em 13/10/2008, para apresentar fotocópia frente e verso dos cheques depois de descontados pelo banco, que serviram de base aos pagamentos efectuados pela empresa V. (ver ponto 1.1) 82), deste Item m), nos montantes de 136.850,00 € e 166.600,00 €, ou quaisquer comprovativos do recebimento destes montantes,
Até à presente data, não foram apresentados quaisquer elementos, nem mesmo fotocópias dos respectivos extractos bancários,
• na notificação atrás referida, e relativamente aos alegados pagamentos efectuados pela empresa C. a J., pela venda de bens/prestação de serviços de construção civil por parte deste (ver anexo 3 - fls. 1 a 5), foi igualmente solicitada fotocópia frente e verso dos cheques depois de descontados pelo banco, nos montantes de 188.388,90 €, 180.965,56 € e 37.113,84 €, ou comprovativos do seu recebimento, não tendo sido apresentados quaisquer elementos, nem mesmo fotocópias dos respectivos extractos bancários,
• dos documentos de suporte aos valores de IVA dedutível indicados nas declarações periódicas, constatou-se que o sujeito passivo apenas apresentou documentos de suporte dos valores inscritos no campo 24 - Outros Bens e Serviços - valor anual de 23.891,17 € de IVA dedutível, relacionados com aquisições no âmbito da sua actividade como contabilista - material de escritório, água, electricidade, telefone - entre outros,
• do valor indicado no campo 22 das declarações periódicas - IVA dedutível por aquisições de existências, de valor anual 91.048,11 €, que diz respeito a aquisições de bens para a alegada realização de serviços de construção civil para as empresas C. e V., não foram apresentados quaisquer elementos de suporte destes montantes, pelo que, são considerados por estes serviços de inspecção como indevidamente deduzidos (incluindo o respectivo custo contabilizado),
• do valor de IVA indicado no campo 20 das declarações periódicas - IVA dedutível por aquisição de imobilizado, de valor anual 3.726,38 €, os documentos apresentados dizem respeito apenas a aquisição de software informático, licenças de utilização de software, entre outros. Do valor de 3.364,90 €, que é mencionado no extracto de conta de IVA dedutível (imobilizado), como sendo referido a aquisição de "andaimes/cofragem", não foram apresentados quaisquer documentos de suporte (factura ou outro equivalente), pelo que, se considera o IVA em causa indevidamente deduzido, bem como o custo contabilizado,
• na sequência de fax enviado para o Instituto da Construção e do Imobiliário (INCI), Ex-IMOPPI, onde se solicitava informação sobre se J. possuía alvará ou título de registo para exercício da actividade de construção civil no ano de 2004, veio a referida entidade declarar que o contribuinte não se encontrava inscrito naquele instituto, concluindo que "a entidade em causa não está nem esteve devidamente habilitada para exercera actividade de construção",
• notificado em 13/10/2008, para apresentar contratos de empreitada de cada uma das obras facturadas (obrigatório ao abrigo do artº29°, do D.L. 12/2004, de 9 de Janeiro) ou contrato de prestação de serviços, alvarás ou títulos de registo para exercício da actividade de construção civil, autos de medição, mapas de serviço realizado ou outros auxiliares, cópia da comunicação prévia à IGT (mapas de pessoal afecto a cada uma das alegadas obras realizadas, obrigatório ao abrigo do artº15°/2do D.L. 273/2003), o contribuinte não apresentou quaisquer destes elementos solicitados,
• em 23/10/2008 foi efectuada notificação para apresentação de contratos com entidades/pessoas subcontratadas para a actividade de comércio de material ou realização de trabalhos na área da construção civil, elementos que nunca foram apresentados,
• por elementos disponibilizados pelo Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, constata-se que o sujeito passivo J., no ano em causa, não possuía trabalhadores inscritos, nem apresentava quaisquer mapas de remunerações como entidade empregadora,
• não existem nas aplicações informáticas da DGCI, registos de activo imobilizado (viaturas, instalações), em nome do contribuinte, que lhe permitissem prestar os serviços facturados no âmbito da alegada actividade de "construção civil",
• ouvido em termo de declarações o contribuinte subscreveu o mencionado nos items anteriores, ou seja, o facto de não ter apresentado grande parte dos elementos solicitados, bem como os documentos que suportariam aquisições para a realização dos serviços de construção civil alegadamente prestados e efectivamente facturados, quer à empresa V., quer à empresa C.,
Por tudo o acima exposto concluímos que o contribuinte não tem estrutura empresarial nem quadro de pessoal que permita prestar os serviços de construção civil por si facturados á empresa V., S. A., bem como à empresa C., Lda., não adquiriu os bens/serviços que menciona em extractos de conta como constituindo custos directamente relacionados com a facturação àquelas entidades, não existindo qualquer evidência do recebimento dos montantes indicados nos cheques emitidos pelas entidades, alegadamente, suas clientes.
Do exposto neste ponto (1.2.1), concluímos estar perante a simulação de facturação, no âmbito da prestação de serviços de construção civil, por parte do sujeito passivo J. para a empresa V.. Esta última procedeu a contabilização indevida de custos (que implicaram diminuição do valor da matéria tributável em 255.000,00 €), bem como à dedução indevida de IVA no valor de 48.450,00 € .....
1.2.3) L., Lda. (NIPC )
No decurso da acção inspectiva, foram recolhidos diversos elementos, os quais documentam a respectiva ordem de serviço aberta para inspecção à contabilidade do ano de 2004 (IRC e IVA). Das diligências efectuadas para apurar a verdade das transacções com a empresa V., foram apurados os seguintes factos:
• verifica-se que o contribuinte em causa era não declarante, pelo que, não existem no sistema informático da DGCI, quaisquer declarações Modelo 22 de IRC, Declaração Anual ou declarações periódicas de IV A,
• consequentemente, não existindo entrega de quaisquer declarações, os serviços da DGCI procederam à cessação oficiosa da actividade deste contribuinte, em 31/12/2001, ao abrigo do preconizado no artº33° nº2) do CIVA, (à data dos factos) ou seja, a existência de situações em que é manifesto que a actividade não estava a ser exercida ou situações em que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura susceptível de a exercer,
• no que respeita à facturação emitida para a empresa V. (ver ponto 1.1) C1) deste Item III), foram solicitadas ao contribuinte cópias dos contratos de empreitada de cada uma das obras facturadas (obrigatório pelo art°29° do D.L.12/2004 de 9 de Janeiro), comprovativo das habilitações detidas pela empresa subcontratada (alvará ou título de registo), autos de medição, mapas de serviço realizado e outros, assim como cópia da comunicação à IGT (mapa de pessoal afecto à obra, ao abrigo do art°15°/2 do D.L.273/2003). Não foram apresentados, até à presente data, quaisquer destes elementos,
• foram solicitadas fotocópias frente e verso dos cheques, depois de descontados pelo banco, emitidos pela V. como pagamento dos serviços de construção civil, alegadamente prestados (ver ponto 1.1) C2) deste Item III) ou autorização para que a AT. acedesse à informação bancária. Solicitou-se fotocópias de extractos bancários onde se evidenciasse o crédito dos valores em causa. Nenhum destes elementos foi apresentado até à presente data,
• por deslocação à morada indicada como sede da empresa, verificou-se que a mesma correspondia a uma fracção (apartamento) de um bloco de apartamentos residenciais, verificando-se que o mesmo era usado para habitação (era visível, entre outros elementos, um estendal de roupa),
- por deslocação ao domicílio fiscal de um dos administradores da empresa, que era também o seu técnico oficial de contas, o Sr. F., e tendo sido o mesmo questionado sobre a verdade da facturação emitida para a empresa V. durante o ano de 2004, foi ouvido em termo de declarações, datado e assinado pelo próprio em 11/11/2008, do qual passo a transcrever alguns elementos:
- "relativamente às facturas (discriminadas no ponto 1.1) C1) Item III deste relatório), os serviços e/ou bens nelas discriminados nunca foram prestados ou fornecidos, nem nunca foi recebido qualquer montante por estas mesmas facturas. ';
- "nunca trabalhou com a empresa V. a quem são emitidas estas facturas"
- "estas facturas foram emitidas a pedido de uma terceira pessoa, da qual se compromete a fornecera identificação, telefone ou morada de contacto",
- "a sede da empresa (L.) situava-se num apartamento alugado, que foi entregue ao senhorio em 1998 ou 1999- "a empresa L. só exerceu a sua actividade até 1998/1999':
- questionado sobre a numeração das facturas (não sequencial), declarou que, "as mesmas foram emitidas no programa de processamento de texto "Word" da aplicação Windows, sendo que a numeração era introduzida manualmente (por quem as emitia) e não tinha de ser sequencial. "
- "não se recorda do nO de facturas que emitiu no ano de 2004, quer para a empresa V., quer para a terceira pessoa que lhe solicitava a facturação, e não guardou cópias das facturas emitidas."
- o Instituto da Construção e do Imobiliário (INCI), Ex-IMOPPI, informou que a empresa L., Lda. "nunca foi detentor de qualquer título habilitante para exercera actividade de construção, nos termos do estabelecido no D.L. nO 1212004, de 09.01 ",
- também se constatou através dos elementos disponibilizados pelo Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, que o sujeito passivo L., nunca possuiu trabalhadores inscritos, nem apresentou quaisquer mapas de remunerações como entidade empregadora.
De tudo o atrás exposto, concluímos que as declarações proferidas pelo exadministrador da empresa L. corroboram os resultados das diligências por nós efectuadas junto de outras entidades acima identificadas, no sentido de apurar a verdade das transacções entre a referida empresa e a V., pelo que se conclui que, no que à presente ordem de serviço diz respeito, estamos perante simulação de facturação, no âmbito da prestação de serviços de construção civil, por parte do sujeito passivo L. para a empresa V.. Esta procedeu à contabilização indevida de custos (que implicaram diminuição do valor da matéria tributável em 208.930,00 €), bem como à dedução indevida de IVA no valor de 39.696,70 €.
1.3 - Correcções aritméticas
1.3.2-Em sede de IV A
o sujeito passivo deduziu indevidamente imposto, no montante de 159.396,70 €, conforme Quadro 1.valor desagregado por períodos de imposto, no quadro seguinte (Quadro 2):
(Quadro 2)
Período Base Tributável Imposto Indevidamente Deduzido
Junho 04 Julho 04 Agosto 04
69.350,00 255.000,00 22.650,00
13.176,50
48.450,00
4.303,50 i
Setembro 04
15.500,00
2.945,00
Novembro 04
188.655,00
35.844,45
Dezembro 04
287.775,00
54.677,25
TOTAL
838.930,00
159.396,70
……
3. IVA Indevidamente Deduzido
Nos quadros infra, resumem-se as correcções a efectuar em sede de IVA, discriminadas por período de imposto:
3.1 - Correcções em sede de IVA, por valores agregados:
Capítulo/Ponto
do Relatório Correcções/contas de IVA
Valor do IVA Indevidam/ deduzido €
III-Ponto 1.3.2
Imposto indevidamente deduzido
por aquisições não comprovadas (conta 2432313)
IVA indevidamente deduzido -art°71° 5) CIVA
(á data dos factos) -conta 24341213 - IVA




159.396,70
III - Ponto 2 III - Ponto 3
71.254,79
Classificação errada de desp. rep. (conta 3.1.- 2432313
TO TAL DAS CORRECÇÕES EM IVA
1.637,99232.289,48
3.2 - Correcções em sede de IVA, discriminadas por período de imposto:
Imposto Imposto Regularizações
Indevidamente Indevidamente Indevidamente
Deduzido - Ponto Deduzido - Ponto Efectuadas -
1.3.2 Relatório 3.1 Relatório Capítulo IX -Direito
(conta 24323 13- (conta 24323 13- de Audição (conta Total por
cmp 24 da cmp 24 da 24341213-cmp40da período de N° da Declaração
Período Dec.Per.) Dec.Per.) Dec. Per.) Imposto Periódica
Jan-04
0,00
0,00
0,00
0,00 ------- .... ..... ......
Fev-04
0,00
0,00
1.076,77 1.076,77
Mar-04
0,00
0,00
13.867,80 13.867,80
Abr-04
0,00
0,00
1.208,23 1.208,23
Mai-04
0,00
1.637,99 1.862,86 3.500,85
Jun-04 13.176,50
0,00
14.036,11 27.212,61
Jul-04 48.450,00
0,00
617,44 49.067,44
Ago-04 4.303,50
0,00
5.757,57 10.061,07
Set-04 2.945,00
0,00
9.967,87 12.912,87
Out-04
0,00
0,00
13.078,50 13.078,50
Nov-04 35.844,45
0,00
1.810,14 37.654,59
Dez-04 54.677,25
0,00
7.971,50 62.648,75
TOTAL 159.396,70 1.637,99 71.254,79 232.289,48
No entanto, depois da análise efectuada à contabilização dos documentos em causa, nas respectivas contas de IV A acima discriminadas, verificamos que a correspondente dedução de IVA, na maioria das situações, foi efectuada no período (mês) indicado nos documentos de suporte, excepto:
- factura discriminada no ponto 1.1 - A 1) deste relatório (pag. 8), emitida pelo fornecedor C., Lda., com o nº7255, datada de 30/11/2004, mas cujo IVA, no valor de 23.750,00 foi contabilizado na conta 2432313 e mencionado na respectiva DP - campo 24, em Dezembro de 2004,
- facturas discriminadas no ponto 1.1 - 81) deste relatório (pag. 8 e 9), emitidas pelo fornecedor J. em Julho de 2004, no montante global de 48.450,00 €, e cujo IVA foi contabilizado na conta 2432313 e consequentemente levado ao campo 24 da respectiva DP em Agosto de 2004. Do exposto, e relativamente às correcções a efectuar, o quadro acima elaborado virá:
Imposto Imposto
Indevidamente Indevidamente Regularizações
Deduzido - Ponto Deduzido - Ponto Indevidamente
1.3.2 Relatório 3.1 Relatório Efectuadas - Capítulo
(conta 24323 13- (conta 2432313- X -Direito de Audição Total por
cmp 24 da cmp 24 da (conta 24341 21 3-cmp período de N° da Declaração
Período Oec.Per.) Oec.Per.) 40 da Dec. Per.) Imposto Periódica
Jan-04
0,00
0,00 0,00 0,00
Fev-04
0,00
0,00 1.076,77 1.076,77
Mar-04
0,00
0,00 13.867,80 13.867,80
Abr-04
0,00
0,00 1.208,23 1.208,23
Mai-04
0,00
1.637,99 1.862,86 3.500,85
Jun-04 13.176,50 0,00 14.036,11 27.212,61
Jul-04
0,00
0,00 617,44 517,44
Ago-04 52.753,50 0,00 5.757,57 58.511,07
Set-04 2.945,00 0,00 9.967,87 12.912,87
Out-04
0,00
0,00 13.078,50 is fiyp. 1';0
Nov-04 12.094,45 0,00 1.810,14 /13.904.59
Dez-04 75.427,25 0,00 7.971,50 13"0.J9 8,75
TOTAL 159.396,70 1.637,99 71.254,79 232.289,48
Os valores das correcções em causa, vão ser deduzidos aos valores indicados nos campos acima mencionados (colunas 2, 3 e 4 do quadro) das respectivas Declarações Periódicas mensais discriminadas (coluna 6 do quadro), e entregues pelo sujeito passivo em tempo."- Cfr relatório e Anexos, de fls 317 a 530, do P.A. apenso.
4- Da liquidação referida supra foi deduzido reclamação graciosa, em 28.08.2009, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, no âmbito da qual foi junto cópia de uma nota de crédito devidamente assinada e carimbada pelo respectivo adquirente e sem indicação de data, tendo sido proferido despacho de indeferimento em 10.12.09, pelo Chefe de Divisão da Justiça Adm. da D.F. , aposto sobre o Parecer e Informação constante de fls 89 a 101, dos autos, tendo sido pagas as importâncias apuradas, em 28.04.09. -cfr fls 103 e 104, rosto da petição de reclamação de fls 106, Projecto de Decisão, de fls 109 a 118, rosto do requerimento de Resposta no exercício do direito de audição, de fls 120, dos autos.
5- Dão-se aqui por reproduzidos os documentos respeitantes a orçamentos de obras respeitantes a clientes do impte, de fls.166 a 303 e documentos emitidos pelos clientes e documentos bancários, de fls. 496 a 608, dos autos.
X
Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame
dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que os depoimentos das testemunhas arroladas não permitem afirmar que aqueles emitentes das facturas controvertidas prestaram os serviços concretamente desconsiderados pela Adm Fiscal.”

Dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

6) Da acção de inspecção referida no ponto 2 resultaram correcções em sede de IVA no montante de 232.289,48€, correcções à matéria colectável em sede de IRC no montante de 860.423,31€ e IRC em falta relativo a tributações autónomas, no montante de 150,91€ [cfr. Relatório de Inspecção Tributária a fls. 43 e ss do PA, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido];
7) Na sequência das correcções em sede de IVA referidas no ponto anterior, a Impugnante foi notificada da liquidação de IVA n.º , no montante de €58.511,07 e da liquidação de juros compensatórios n.º, no montante de €9.964,52. [cfr. doc. de fls. 103 e 104 dos autos];
8) Em 28.04.2009 a Impugnante efectuou o pagamento das liquidações referidas no ponto anterior [cfr. doc. de fls. 103 e 104 dos autos].





2. Do Direito

Conforme resulta dos autos a Recorrente apresentou impugnação judicial da liquidação do indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de IVA de 08/2004 que foi efectuada na sequência de uma acção de inspecção, no âmbito da qual efectuaram duas correcções, uma fundamentada no incumprimento do n.º 5 do art. 71.º do CIVA, e outra fundamentada na simulação de operações.

A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação, na parte referente à correcção da nota de crédito a que se refere o ponto 4 dos factos provados.

2.1. Não se conformando com o decidido, invoca a Recorrente, desde logo, a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão [conclusões 3 a 6].

A propósito da nulidade da sentença por falta da especificação é esclarecedor o Acórdão do STA de 16/01/2013, proc. n.º 0343/12, no qual se sumariou o seguinte:

“I – As decisões judiciais estão sujeitas ao dever de fundamentação por força do disposto no artigo 158º do CPC, o que constitui, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do artigo 205.º da CRP. II – O art. 125.º do CPPT e o análogo art. 668.º, nº 1, al. b), do CPC estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, e estes preceitos são aplicáveis aos despachos judiciais por força do estipulado no nº 3 do art. 666º do CPC. III – Se a decisão judicial de indeferimento do requerimento que a impugnante apresentou no processo de impugnação judicial – no sentido de que fosse determinado ao órgão de execução fiscal a suspensão do processo executivo face ao pedido formulado na petição inicial de impugnação de dispensa de prestação de garantia – é totalmente omissa quanto aos factos provados necessários à aplicação do direito, verifica-se omissão absoluta de julgamento em matéria de facto, que constitui uma nulidade que deve, aliás, ser conhecida oficiosamente pelo STA face ao disposto no nº 3 do art. 729º do CPC.” (sublinhados nossos).

Mais se explicitou naquele acórdão, a respeito da questão, que “[e]sta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada. Razão por que a falta de julgamento dos factos necessários à decisão constitui, aliás, nulidade de conhecimento oficioso, em paralelo com a nulidade prevista nos artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil, pois que – de acordo com o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-11-1996, proferido no recurso n.º 20805 – o n.º 1 do art. 144º do CPT (a que corresponde o actual art. 125.º do CPPT) e a alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, ao exigirem a especificação dos fundamentos de facto da decisão, referem-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita, ao julgamento dos factos necessários à mesma decisão, cuja falta constitui, ao contrário daquela, nulidade do conhecimento oficioso. No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, os acórdãos desta Secção de 3-6-1992, de 20-2-2008, de 12-11-2008, de 12-01-2011, de 10-03-2011 e de 16-11-2011, proferidos nos recursos n.º 14284, n.º 903/07, n.º 546-08, nº 638/10, nº 716/10, e nº 453/11, respectivamente.” (sublinhado nosso).

Deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cfr. por todos, Ac. do STA de 04/03/2015, proc. n.º 01939/13).

A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.)

Por isso, como salienta Jorge Lopes de Sousa devam “considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação”, já que esta se destina “a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão”, e, por isso, “quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361.)

Deste modo, a sentença deve estar minimamente motivada, pois caso seja omitida absolutamente a motivação de facto, então, estaremos perante a nulidade da sentença prevista no art. 123.º, n.º 2 do CPPT.

Aplicando o supra exposto ao caso dos autos verifica-se que a sentença não enferma de nulidade por falta de especificação de facto, porquanto não se verifica a falta absoluta de motivação de facto, sendo certo que, conforme supra exposto, a falta de discriminação da matéria de facto não consubstancia nulidade.

In casu existe motivação, pois consta dos factos não provados que estes são todos os que não constem da factualidade dada como provada, e por outro lado, afirma-se na motivação da decisão de facto que “os depoimentos das testemunhas arroladas não permitem afirmar que aqueles emitentes das facturas controvertidas prestaram os serviços concretamente desconsiderados pela Adm. Fiscal”. O que poderá estar em causa nos autos é a mediocridade da motivação, mas não a sua absoluta inexistência, e portanto, poderá consubstanciar erro de julgamento de facto, mas não conduz à nulidade da sentença.

Deste modo, o invocado pela Recorrente Impugnante de que a sentença recorrida deveria ter dado como provado vários factos com base na prova testemunhal efectuada pode consubstanciar erro de julgamento de facto, mas não nulidade.

Pelo exposto, não se verifica a nulidade da sentença.

2.2. Entende ainda a Recorrente que a sentença recorrida viola o princípio da igualdade das partes consagrado no art. 6.º do CPTA, ex vi art. 2.º do CPPT, e o direito a um processo justo e equitativo a um tratamento imparcial por parte do tribunal que emerge do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [conclusão 7].

Mas sem qualquer razão.

No que diz respeito ao relatório de inspecção a sua referência na sentença recorrida enquadra-se no contexto de que este constitui a fundamentação do acto de liquidação, e nessa medida é com base neste relatório que deve ser aferido se a AT cumpriu com o seu ónus da prova imposto pelo (n.º 1 do art. 74.º da LGT), pois face à presunção de presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes (art. 75.º, n.º 1 da LGT), cabe à AT demonstrar os pressupostos que legitimam a correcção à declaração do contribuinte, ou seja, os factos constitutivos desse direito, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT.

Com efeito, a sentença recorrida o que faz é aferir da verificação dos factos constitutivos do direito de tributação a que se arroga a AT e que subjaz à correcção. É nesse contexto que chama à colação os factos que constam do relatório de inspecção, para valorar da sua suficiência e concluir pela recolha de indícios da simulação da operação em causa.

Neste contexto, não é necessário que a Administração Tributária efectue uma prova directa da verificação dos respectivos pressupostos, poderá recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 154.

Por outro lado, nesta tarefa, a AT poderá lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, pelo que tais indicadores de omissão declarativa não têm necessariamente e exclusivamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Não é necessário que a Administração Tributária efectue uma prova absoluta, bastando-lhe indícios fundados, basta-lhe evidenciar a consistência do juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade.

Portanto, e em suma, é num contexto de análise do preenchimento por parte da AT do seu ónus probatório que a sentença recorrida se refere ao relatório de inspecção, e nessa medida é completamente descabida a argumentação da Recorrente de que o Meritíssimo Juiz a quo não decidiu a causa “através do seu próprio raciocínio” aderindo sem mais à posição da AT.

Por outro lado, também é totalmente descabida a invocação de que o que o Meritíssimo Juiz a quo não assegurou a igualdade das partes no processo.

Com efeito, após a valoração dos indícios constantes do relatório de inspecção tributária, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu que o ónus da prova cabia à Impugnante, ora Recorrente, afirmando que “cabia ao s.p. a prova da sua realização [prestações de serviços] e de cada uma das obras subjacentes à respectiva facturação”.

E na verdade, assim é. Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA.

No Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário (CT) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 07/05/2003, proc. n.º 01026/02 escreveu-se que “[t]endo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”.

Ora, é nesse contexto de ónus da prova que o Meritíssimo Juiz a quo conclui que a Impugnante não logrou provar a realização dos serviços e a existência de cada uma das obras subjacentes à respectiva facturação.

É certo que a fundamentação da decisão é demasiado conclusiva, O Meritíssimo Juiz a quo deveria ter exteriorizado de forma densificada as razões pelas quais entendeu que a Recorrente não fez tal prova, o porquê de ter dado como não provado todos os factos alegados nessa matéria pela Recorrente. Porém, repare-se que apesar de mínima, existe fundamentação a exteriorizar aquelas razões, pois consta dos factos não provados que estes são todos os que não constem da factualidade dada como provada, e por outro lado, afirma-se na motivação da decisão de facto que “os depoimentos das testemunhas arroladas não permitem afirmar que aqueles emitentes das facturas controvertidas prestaram os serviços concretamente desconsiderados pela Adm. Fiscal”.

Com efeito, e como já tivemos a oportunidade de referir, a mediocridade da fundamentação é o que poderá estar em causa na decisão recorrida, compreendendo-se as motivações da Recorrente sob esse prisma, mas esta mediocridade não sustenta a invocada violação do princípio da igualdade, quanto mais não fosse porque em sede do presente recurso, sempre o tribunal poderá reapreciar a prova produzida e a valoração da mesma.

Por outro lado, não se verifica a violação do art. 6.º da CEDH pois ao contrário do alegado, o processo foi equitativo tendo sido dada a possibilidade à Recorrente de se defender, expôs as suas razões na p.i, não foi recusada a produção de qualquer meio de prova (juntou documentos com a p.i. e posteriormente que foram admitidos, e realizou-se a audição das testemunhas que arrolou). É manifesto que não se verifica a violação daquele preceito Convencional, porquanto decidiu-se de acordo com as estritas regras de ónus da prova (art. 74.º da LGT), saber se se errou na aplicação dessas regras é matéria que trataremos em sede dos erros de julgamento invocados pela Recorrente, mas de todo modo, ainda que se verifiquem, não poderiam consubstanciar a violação do direito a um processo equitativo.

Pelo exposto, improcede este fundamento do recurso.

2.3. Erro de julgamento de facto e de direito a quanto à correcção fundamentada na simulação de operações, na medida em que, pretende a Recorrente que sejam dados como provados os factos enunciados na ponto V das alegações, entende que a AT não cumpriu com o seu ónus. Ainda que assim não se entenda, a Recorrente fez prova suficiente da materialidade das operações [conclusão 9 e 15 a 25].

Apreciando.

Está em causa o direito à dedução do IVA de facturas que a AT considera que são simuladas ou fictícias, ou seja, que não titulam qualquer operação ou transacção.

O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O IVA funciona, pois, pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.

Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.” .

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.

O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.

Por outro lado, “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” – Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07 (actualmente, dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA na Redacção do D.L.nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013 que “[n]ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”).

O Tribunal de Justiça (TJ), no Despacho proferido no Caso Menidzherski Biznes Reshenia, Processo C-572/11, de 4 de Julho de 2013 decidiu que “[o]s artigos 168.°, alínea a), e 203.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, bem como os princípios da neutralidade fiscal e da protecção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja recusado ao destinatário de uma factura o direito a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado mencionado nessa factura quando as operações a que esta última se refere não foram efectivamente realizadas, ainda que o risco de perda de receitas fiscais não exista por o emissor da referida factura ter pago o imposto sobre o valor acrescentado nesta indicado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar, de acordo com as regras nacionais relativas à produção de prova, uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do litígio que lhe foi submetido para determinar se tal sucede com as operações a que as facturas em causa no processo principal dizem respeito.”.

Nessas situações em que as facturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções (cfr. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).

Na verdade, o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.

São suficientes indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, ou seja os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.

Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA.

Como já referimos, no Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário (CT) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 07/05/2003, proc. n.º 01026/02 escreveu-se que “[t]endo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”

Saliente-se que, não basta ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, pois o disposto no art. 100.º do CPPT não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova (nesse sentido, cfr. Acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07, Ac. do TCAN de 30/10/2014, proc. n.º 00390/05.9BEBRG, Ac. do TCAS de 22/01/2015, proc. n.º 06240).

Sumariou-se no acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07, a propósito do revogado art. 78.º do Código de Processo Tributário (CPT) que estabelecia a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e da contabilidade, e do art. 121.º do CPT que corresponde ao actual art. 100.º do CPPT o seguinte “[o] art. 78.º do CPT, ao estabelecer casos de cessação da presunção de veracidade dos dados e apuramentos resultantes de contabilidade ou escrita organizada segundo a lei comercial ou fiscal, tem ínsita a determinação de que nesses casos em que cessa a presunção é sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos sobre que se gerarem dúvidas. V - Entre estas situações de inversão do ónus da prova no procedimento tributário inclui-se a de existirem indícios fundados de que a contabilidade ou escrita não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, regra esta que tem de ser harmonizada com a do art. 121.º do CPT, de forma a entender-se que, quando existam esses indícios, não se está perante situação de «dúvida fundada» que justifique a anulação do acto de liquidação.” (sublinhado nosso).

Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 133, escreve ainda que “[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. (…) será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto” .

Em suma, cessando a presunção prevista no art. 75.º da LGT, cabe ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA, e deste modo, não há lugar à aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT, porquanto a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, que deve ser decidida contra a AT, apenas existe nos casos em que seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.

Passemos, então, ao caso dos autos e vejamos se, conforme invoca a Recorrente, a AT não cumpriu com o seu ónus.

Resulta do relatório de inspecção tributária que efectivamente foram apurados vários elementos junto de sociedades emitentes das facturas em causa nos autos que consubstanciam indícios fundados da inexistência da materialidade das operações.

Com efeito, apurou-se relativamente ao emitente das facturas J. que este exerce a actividade de TOC e administrador de uma empresa de serviços de informática, e na sua morada apenas tem um gabinete de contabilidade, sendo no exercício em questão (2004) não declarante, não tendo prestado esclarecimentos sobre os trabalhos de construção civil prestados à Recorrente. Não apresentou comprovativo do recebimento dos montantes referente às facturas, nem foram apresentados quaisquer documentos referentes aos custos suportados objecto de dedução de IVA referentes aos serviços de construção civil. Nunca apresentou documentos como contratos de empreitadas, mapas de mediação, alvará para o exercício da construção civil, ou documentos comprovativos de subcontratação. Não tinha qualquer registo de imobilizado que lhe permitisse prestar serviço de construção civil. É com base nestes elementos que conclui a AT pela inexistência de estrutura empresarial.

Deste modo, é fundada a conclusão da AT de que “o contribuinte não tem estrutura empresarial nem quadro de pessoal que permita prestar os serviços de construção civil por si facturados á empresa V., S. A., bem como à empresa C., Lda., não adquiriu os bens/serviços que menciona em extractos de conta como constituindo custos directamente relacionados com a facturação àquelas entidades, não existindo qualquer evidência do recebimento dos montantes indicados nos cheques emitidos pelas entidades, alegadamente, suas clientes.”

Por outro lado, relativamente à sociedade “C.” verificou-se que J. é o TOC dessa empresa, e relativamente à sociedade L., Lda trata-se de uma sociedade não cumpridora das obrigações declarativas fiscais, cuja sede é um apartamento de habitação, não tendo sido apresentadas relativamente à Recorrente os respectivos contratos de empreitada, auto de medições, provas dos pagamentos, e não foi facultado qualquer documento.

Para além de todos aqueles indícios junto dos emitentes das facturas, foram também recolhidos pela AT indícios junto da Recorrente que conjugados constituem indícios fundados que as facturas em causa consubstanciam operações simuladas.

Com efeito, foi solicitada a Recorrente prova dos pagamentos de modo a determinar os efectivos destinatários dos pagamentos efectuados pela Recorrente a três sociedades. A Recorrente não apresentou esses documentos.

Mais solicitou que fossem facultados relativamente às facturas em causa os respectivos contratos de empreitada, comprovativo das habilitações detidas pela empresa subcontratada, auto de medições, mapa de serviços realizados ou quaisquer outros mapas auxiliares à elaboração das facturas e facultados à empresa adquirente, orçamentos, troca de correspondência com os fornecedores. A Recorrente não apresentou vários destes documentos, apenas apresentando a cópia de um orçamento L0904 da sociedade “C.”.

Para além do supra exposto, a AT verificou que relativamente a factura n.º 7256 da sociedade “C.” a Recorrente informou ter pago essa quantia em 3 cheques, mas apurou-se afinal que existe um cheque valor total daquela factura, e novamente a informações da Recorrente foi dito que esse cheque foi anulado. As facturas em causa foram todas contabilizadas num único centro de custo (obra) 4164 “R.” que apresenta elevado prejuízo.

Pelo exposto, a AT apurou indícios suficientes, fundados de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, verificando-se a cessação da presunção de veracidade da contabilidade, pelo que improcedem as conclusões 9 e 15 a 20.

Assim sendo, cabe à Recorrente o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA.

Neste particular a Recorrente pretende que sejam dados como provados os factos enunciados no ponto V das alegações, e por um lado, entende que fez prova suficiente da materialidade das operações.

Vejamos.

Relativamente a esta correcção estão em causa os factos enunciados no ponto V, al. a), 2, pontos m) a ggg) das alegações.

Conforme supra exposto, aditamos à matéria de facto, na sua essência, e na parte relevante para a decisão da causa as alíneas aaa), ddd), eee), fff) das alegações da Recorrente (cfr. pontos 6, 7 e 8 da matéria de facto, na qual também se reproduz todo o teor do relatório de inspecção de modo a abranger toda a factualidade nele constante).

Relativamente ao facto enunciado na alínea m) das alegações de recurso já se encontra parcialmente vertido no ponto 1) dos factos provados e resulta também do teor do relatório de inspecção a actividade da Recorrente, sendo irrelevante o aditamento pretendido. Não releva para a decisão da causa o facto alegado no ponto zz), de todo o modo, a relevar ainda assim não seria de dar como provado porquanto o que resulta do relatório de inspecção é que vários documentos solicitados pela AT não lhe foram entregues (seja porque não existiam, seja porque não se pretendeu entregar) o que é suficiente para contrariar o facto que se pretende dar como provado.

Os factos alegados nas alíneas bbb) e ccc) a cerca dos rácios de rentabilidade não relevam para a decisão da causa. Com efeito, o que deve ser provado é que os serviços colocados em causa pela AT foram efectivamente prestados, sendo que a diminuição do rácio de rentabilidade nem de longe, nem de perto poderia conduzir ou auxiliar essa prova. Também não releva para a decisão dos autos o alegado na alínea ggg), pois é irrelevante o que foi decidido em sede de IRC, pois nos presentes autos está em causa IVA.

No que diz respeito aos factos das alíneas n) a p) das alegações de recurso que a Impugnante pretende ver dado como provados através dos depoimentos das testemunhas indicadas, refira-se que a prova testemunhal é insuficiente para o que pretende a Recorrente. Na verdade, estamos perante factos específicos relativos a estrutura concreta da empresa que deveria ter por base prova documental que certamente existiria e é a adequada à prova pretendida. Nesse caso, a prova testemunhal desempenha apenas um papel acessório, não sendo suficiente para dar como provado tais factos. O mesmo sucede com os factos alegados nos pontos ss), uu), ww), vv), xx), yy) que pressupõem prova documental e caso necessário, então, a prova testemunhal para complementa-la, mas não substituí-la (repare-se tratam-se de factos que dizem respeito a contratos celebrados, validação de facturas, alegação de existência de prejuízos).

Relativamente aos factos enunciados nos pontos q) a z) das alegações de recurso relativos à adjudicações das obras pelas empresas em causa, não se vê relevância nos mesmos, pois partindo da fundamentação do acto tributário (in casu, teor do relatório de inspecção tributário) não é colocada em causa a realização das obras pela Recorrente, mas apenas a subcontratação de serviços relativamente a alguns subempreiteiros.

O enunciado alíneas aa) a oo), rr), tt) das alegações de recurso dizem respeito à alegação da Recorrente de realização dos trabalhos pelos subempreiteiros colocados em causa pela AT. A Recorrente pretende que se dê como provados todos esses factos referentes à efectiva realização dos serviços com base em algumas facturas e cheques que constam dos anexos ao relatório de inspecção e no depoimento de D. e P.. Na sentença recorrida entendeu-se não dar por provados os factos alegados pela Impugnante, desconsiderando, por completo, a prova testemunhal produzida uma vez que “os depoimentos das testemunhas arroladas não permitem afirmar que aqueles emitentes das facturas controvertidas prestaram ose serviços concretamente desconsiderados pela Adm Fiscal”.

Ora, com efeito, analisando a acta da audiência de inquirição de testemunhas testemunha D. é administrador da Impugnante, e deste modo, foi ouvido na qualidade de parte, ou seja, prestou depoimento de parte ao abrigo do art. 552.º do CPC (versão anterior à Lei 41/2013, de 26/06), trata-se portanto de prova por confissão.

“I - O depoimento de parte é um meio de prova que visa a obtenção de uma confissão, isto é, que o depoente reconheça um facto que lhe é desfavorável (cfr. arts. 552.º do CPC e 352.º do CC). II - Assim, não podem, com base no depoimento de parte, dar-se como provados factos favoráveis à parte que presta o depoimento.” – Ac. do TCA Sul de 27/09/2005, proc. n.º 0636/05.

Pelo exposto, o depoimento de parte de D. não conduz à prova dos factos pretendidos pela Recorrente, pois são factos que lhe são favoráveis.

Resta, então, o depoimento da testemunha P., que aos costumes disse ser director da obra da Impugnante e que relatou alguns aspectos dos serviços em causa, mas que não se revelou suficientemente pormenorizada, nem sólida. Com efeito, por um lado estamos perante uma testemunha que é trabalhador da Impugnante, e por outro o seu depoimento foi manifestamente insuficiente para dar como provados os factos pretendidos, quando conjugado com a ausência de prova documental relativa aos efectivos beneficiários dos pagamentos titulados pelos cheques (repare-se que os cheques que titulavam tais pagamentos foram solidamente colocados em causa pela AT face aos indícios recolhidos).

Relembre-se que a Recorrente não facultou as fotocópias que deveriam ser solicitadas ao seu banco dos cheques emitidos para pagamento das facturas em questão (de frente e verso) depois de descontados pelo banco, o que na verdade conduziria à prova efectiva dos beneficiários dos pagamentos.

Na verdade, importa compreender que em matéria tão grave como a de emissão de facturas falsas, se a AT recolheu indícios suficientes da simulação das operações como sucedeu no caso em apreço, não poderá ser o depoimento de uma única testemunha que tem relações laborais com a Impugnante desacompanhada da prova documental dos beneficiários dos pagamentos titulados pelos cheques colocados em causa pela AT, que poderá satisfazer o ónus que sobre o contribuinte recaí.

Com efeito, as facturas e cheques que constam dos anexos ao relatório de inspecção tributária não conduzem à prova dos factos pretendidos, pois, conforme supra exposto, o que importa é a prova da substância da operação, sendo que a factura apenas prova a sua existência formal.

Por outro lado, e quanto aos cheques que constam dos anexos ao relatório de inspecção, estes são também insuficientes para conduzir à prova pretendida, pois como também já referimos no relatório de inspecção sustenta-se solidamente a insuficiência desses documentos face aos indícios recolhidos uma vez que a Recorrente não facultou as fotocópias que deveriam ser solicitadas ao seu banco dos cheques emitidos para pagamento das facturas em questão (de frente e verso) depois de descontados pelo banco, o que na verdade conduziria à prova efectiva dos beneficiários dos pagamentos.

Pelo exposto, não se dão como provados os factos das alíneas aa) a oo), rr), tt) das alegações de recurso.

Relativamente ao facto enunciado na alínea pp) das alegações de recurso, não está em causa que aqueles subempreiteiros tenham facturado aqueles serviços, o que está em causa é que o serviço tenha sido efectivamente sido prestado. No que diz respeito ao pagamento que a Recorrente quer ver dado como provado nas alíneas qq), indica como meio de prova as cópias dos cheques emitidos e que constam dos anexos ao relatório de inspecção tributária, e como supra exposto, estes são insuficientes para provar o pagamento, pois a Recorrente não facultou à AT cópia dos versos do mesmo e os movimentos bancários, considerando que foram colocados em causa, e nessa medida, não são idóneos à prova pretendida.

Todos os demais factos alegados na p.i. e que não foram dados como provados permanecem como não provados tal como já se exarou na sentença recorrida.

Estabilizada a matéria de facto, nos termos supra descritos, importa, então concluir, que ao contrário do que entende a Recorrente não fez a prova que lhe competia [conclusões 21 a 25], pois não resultaram provados os factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA. Não provou que os serviços ora em causa foram efectivamente prestados, e nessa medida, a sentença deve ser mantida.

Pelo exposto, também nesta parte o recurso não merece provimento.

2.5. Erro de julgamento de direito e de facto quanto à correcção fundamentada no incumprimento do n.º 5 do art. 71.º, actual art. 78.º do CIVA, pois o pressuposto para a aplicação da exigência do comprovativo previsto naquele preceito legal é que o imposto tenha sido deduzido pelo cliente, e deste modo, haja necessidade de proceder à regularização do imposto [conclusões 8, e 9 a 14].

Mas sem razão.

Dispõe o artigo 71.º, n.º 5 do CIVA (actualmente corresponde ao art. 78.º do CIVA): “Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução”.

Portanto, nos termos daquele preceito legal a regularização do IVA a favor do sujeito passivo nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, depende de um pressuposto legal, sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.

Por outras palavras, se o sujeito passivo no momento em que efectua a regularização do IVA não possuir a prova exigida no n.º 5 do art. 71.º do CIVA, e ainda assim tiver efectuado a dedução do respectivo imposto, esta dedução considera-se indevida.

Estamos perante um requisito legal de natureza formal do qual depende o exercício do direito à dedução do IVA (regularização), e portanto, ao contrário do que invoca a Recorrente, aquele requisito legal não depende do facto do imposto ter sido deduzido pelo cliente e da necessidade de proceder à regularização do imposto, e por isso, não compete à AT verificar se a outra parte efectuou a regularização do IVA, compete sim à Recorrente ter na sua posse prova de que o destinatário da nota de crédito tomou conhecimento da mesma vinculando-se, deste modo, a efectuar a respectiva regularização em causa.

Com efeito, trata-se de uma exigência de cariz formal que tem em vista permitir à AT o controlo dos pressupostos do direito à dedução reportados ao momento em que o direito à dedução é exercido, e por essa razão, a natureza dessa prova deverá ser inequívoca, ou seja, no momento da regularização do IVA deve ser claro que o adquirente tomou aquele conhecimento, e deve estar devidamente evidenciada na contabilidade.

Por outro lado, importa ter presente que a AT no próprio relatório de inspecção, no âmbito do exercício do direito de audiência prévia pronunciou-se no sentido de não ser possível verificar através do sistema informático da DGCI as regularizações efectuadas para o mesmo período por parte dos destinatários das notas de crédito. E com efeito, é sobre a Recorrente que recai a obrigação prevista no art. 71.º, n.º 5 do CIVA.

Ora, relativamente aos factos que a Recorrente pretende em sede de recurso que sejam dados como provados para efeitos do n.º 1 do art. 71.º do CIVA, relacionam-se todos com a sua tese de que não tem de fazer a prova exigida neste preceito legal, e como vimos, não lhe assiste razão, e nessa medida não relevam os factos que pretende ver dados como provados, referente a esta correcção [ponto V, al. a), 1, alíneas a) a l) das alegações].

Pelo exposto, a correcção não enferma do vício que lhe é imputado pela Recorrente, e por conseguinte, o recurso, também nesta parte, não merece provimento.

Em suma, o recurso não merece provimento in totum.
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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 14 de Abril de 2016.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso